Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0396/14
Data do Acordão:05/28/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IMPOSTO DE SELO
VERBA
TABELA DO IMPOSTO DE SELO
PRÉDIO URBANO
AFECTAÇÃO
HABITAÇÃO
Sumário:Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Nº Convencional:JSTA000P17558
Nº do Documento:SA2201405280396
Data de Entrada:03/31/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A………………, SA, NIPC ………………, veio deduzir Impugnação Judicial, contra a liquidação de imposto de selo nº 2013 000292732 relativa ao ano de 2012, no montante de € 21.999,16.

Por sentença de 29 de janeiro de 2014, o TAF de Loulé, julgou a impugnação procedente.

Reagiu a Fazenda Pública, interpondo o presente recurso, cujas alegações integram as seguintes conclusões:

a) A questão decidenda é a interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, em articulação com o art.º 6.º n.º 1 al. f) i) dessa mesma Lei;
b) Com a alteração introduzida pela citada Lei, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00 (vide verba n.º 28 da TGIS);
c) No CIS não há qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, pelo que terá que se aplicar o disposto no CIMI, para aferir da eventual sujeição a IS (Cfr. art.º 67.º n.º 2 do CIS redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012);
d) O art.º 2.º n.º 1 do CIMI define o conceito de prédio e o art.º 6.º n.º 1 do CIMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção;
e) A noção de afectação do prédio urbano está subjacente à avaliação dos imóveis, corresponde ao valor incorporado ao imóvel em função da utilização a que está afecto, constituindo um facto de distinção determinante para efeitos de avaliação (coeficiente), porquanto;
f) Na avaliação dos terrenos para construção, o legislador optou pela aplicação da metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes previstos no art.º 38.° do CIMI, nomeadamente, o coeficiente de afectação previsto no art.º 41.º desse código;
g) E tal resulta da imposição legal prevista no n.º 2 do art.º 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno para construção (Vide Ac. do TCA do Sul, 2012/02/14, proc. 04950/11 e Ac. do STA, 2010/02/10, proc. 01191/09);
h) Para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da TGIS não pode ser “desprezada”, já que;
i) Na aplicação daquele coeficiente deve levar-se em consideração a classificação dos prédios urbanos (cfr. art.º 6.º n.º 2 do CIMI), norma que estabelece como critérios a eleger, com base nessa classificação dos prédios, em primeiro lugar, o licenciamento dos edifícios ou construções ou, na falta de licenciamento, o destino normal dos imóveis;
j) O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está previsto no art.º 45.º do CIMI e o seu modelo é semelhante ao dos edifícios construídos, embora tenha como suporte o edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto;
k) O valor do terreno para construção corresponde a uma expectativa jurídica, que se traduz num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e valor;
l) É essa expectativa consubstanciada na produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel passa a poder ser qualificado como terreno para construção;
m) O legislador, na avaliação dos terrenos para construção, separa 2 partes do terreno:
n) a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, cuja área de implantação se situa dentro do perímetro previsto de fixação do edifício a construir no solo. A determinação do valor dessa parte do terreno resulta da avaliação do edifício a construir, como se já estivesse construído, utilizando-se para tal o projecto de construção aprovado. Efectuada essa determinação do valor, reduz-se o valor apurado a uma percentagem entre 15% e 45% (cfr. art.º 45.º n.º 2 do CIMI) devido ao prédio ainda não estar concluído;
o) e a parte do terreno adjacente à área de implantação, o valor desta parte do terreno é apurado da mesma forma que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano, levando em consideração o disposto no art.º 40.º n.º 4 do CIMI;
p) Daqui ser forçoso concluir que, a utilização do coeficiente de afectação na determinação do VPT dos terrenos para construção deriva da lei, quando estabelece que o valor da área da implantação é determinado em função do valor das edificações autorizadas ou previstas, resultando tal da aplicação do sistema geral de avaliações de prédios urbanos ao projecto de construção em causa, na avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção;
q) Além disso, a indicação da afectação habitacional dos terrenos para construção decorre da iniciativa do contribuinte, nos termos do art.º 37.° do CIMI, ou decorre da avaliação geral, com base nos elementos fornecidos pela Câmara Municipal;
r) O entendimento da AT é que o conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma, já que,
s) O Legislador não refere “prédios destinados a habitação” antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art.º 6.º n.º 1 al. a) do CIMI;
t) Por outro lado, muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção, através do alvará de licença para a realização de operações urbanísticas e, muitas vezes, do estabelecido nos Planos Directores Municipais que estabelecem o modelo de organização especial do território municipal;
u) Logo, contrariamente ao decidido na douta sentença, a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação;
v) Embora, a douta sentença tenha acompanhado de perto a fundamentação constante da decisão do CAAD de 02/10/2013, proc. 53/2013-T, que decidiu que um “prédio com afectação habitacional” não poderá ser apenas um prédio licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um “prédio habitacional”), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim”, consideramos que,
w) Salvo melhor opinião, tal entendimento não resulta nem do pensamento legislativo nem tem o mínimo de correspondência verbal com a letra da lei aqui em causa;
x) A douta sentença padece de erro de julgamento de direito, quando decidiu considerar que um terreno para construção não implica uma afectação habitacional subsumível à verba n.º 28 da TGIS, introduzida pela lei nº 83-C/2013, 31/12, não vem confirmar que o âmbito objectivo de incidência da verba (na redacção dada pela lei nº 55-A/2012, 29/10) não abrangia os terrenos para construção, antes pelo contrário,
y) a actual redacção clarifica o elemento literal da norma e reconstitui o pensamento legislativo através da letra da lei mas não acrescenta um sentido que não tivesse já qualquer correspondência ou “ressonância” nas palavras da lei;
z) Inexiste, ainda, violação do princípio constitucional da igualdade, consignado no art.º 13.° da CRP, porque não estamos perante uma discriminação arbitrária, irrazoável ou uma distinção de tratamento que não tenha justificação nem fundamento material bastante, pois;
aa) A diferente afectação dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do IS os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais;
bb) A douta sentença padece de erro de julgamento de direito, quando decidiu considerar que um terreno para construção não implica uma afectação habitacional subsumível à verba n.º 28 da TGIS, violando, assim, o disposto nos arts 41.º, 45.°, 37.º e 38.º todos do CIMI, art.º 9.º n.º 1 do CC e art.º 11.º n.º 1 da LGT.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada, assim se fazendo Justiça.

Contra alegou a entidade recorrida concluindo da seguinte forma:
“A. O thema decidenduum do recurso respeita em saber se no âmbito objectivo de incidência da verba 28. e 28.1. da TGIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 55-A/2012, se devem incluir os terrenos para construção com valor patrimonial tributário igual ou superior a 1 milhão de Euros.
B. Para a Recorrida, os terrenos para construção não se incluem na previsão da norma constante da verba 28 e 28.1. da TGIS, redacção conferida pela Lei nº 55- A/2012 de 29.10, por não possuírem afectação habitacional.
C. O Prédio da Recorrida é um terreno para construção, sem qualquer edificação, projecto ou processo de licenciamento ou de comunicação prévia para construção elaborado ou submetido às entidades competentes e sem licença de utilização emitida.
D. O conceito de “prédio com afectação habitacional” formulado no CIS na verba 28 e 28.1 do TGIS [na redacção da Lei nº 55-A/2012] não tem equivalente terminológico ou jurídico com qualquer outro conceito usado em legislação de natureza tributária, em particular no CIMI, código de aplicação subsidiária expressa ex vi artigo 3° da Lei nº 55-A/2012.
E. O “coeficiente de afectação” previsto no CIMI corresponde ao valor incorporado no imóvel em função da utilização a que está afecto, de acordo na tabela integrante do artigo 41º nº 1 do CIMI.
F. O legislador distingue no CIMI aquilo que é a classificação de prédios urbanos, prevista e descrita no artigo 6° do CIMI, e a lista fechada dos tipos de afectação dos prédios edificados incluída no artigo 41° nº 1 do CIMI aplicável para efeitos de avaliação patrimonial dos prédios edificados.
G. A classificação do artigo 6° do CIMI é mais abrangente e estrutural do que a aplicação do coeficiente de afectação do artigo 41° nº 1 prevista no mesmo código, sendo que esta apenas se aplica à avaliação patrimonial dos prédios edificados para efeitos de CIMI enquanto a primeira é mais ampla e releva para outras matérias como taxas de IMI e IMT, Estatuto dos Benefícios Fiscais e, recentemente acrescenta-se, para efeitos da verba 28 e 28.1. do TGIS, na qual serve como referência fundamental.
H. O artigo 6° do CIMI e a sistémica insita nesse código não autorizam a interpretação de que o legislador com a redacção conferida pela Lei nº 55-A/2012 de 29.10 à verba 28.1. do TGIS ao utilizar o conceito “prédio com afectação habitacional” teria procurado ampliar as espécies e classificação de prédios urbanos definida no artigo 6° nº 1 do CIMI ou até criar um tertio genus, conforme é referido pela Recorrente no artigo 24° das suas alegações.
I. Como é salientado na decisão arbitral proferida no CAAD em 2.10.2013, no processo nº 53/2013-T o artigo 45° do CIMI, “não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação dos terrenos para construção. O que se poderá aí ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta.”
J. O artigo 45° do CIMI é o preceito legal definidor do valor patrimonial dos terrenos para construção, de acordo com um modelo de avaliação matemático que pondera um conjunto de coeficientes, incluindo, mas não unicamente, o do edifício a construir com base nas potenciais características de uma realidade que ainda não existe e que não está afecta imediata e concretamente ao terreno.
K. Não se deve confundir nem extrapolar, aquilo que contextualmente respeita ao método de avaliação patrimonial de terrenos para construção com a consideração de que um terreno de construção, por definição, possui afectação “habitacional” principalmente confrontando o artigo 6° nº 1 c) do CIMI com a verba n° 28.1 do TGTS na redacção da Lei nº 55-A/2012 de 29.10.
L. Do artigo 45° do CIMI não decorre nem resulta a inclusão no conceito de “prédio com afectação habitacional” previsto nas verbas 28 e 28.1 da TGIS, dos terrenos para construção mas sim a exclusão destes do âmbito de incidência da norma na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012 de 29.10.
M. A interpretação literal da expressão linguística utilizada pela verba 28. [e 28.11] da TGIS parece aproximar o conceito de “prédio com afectação habitacional” ao conceito definido no artigo 6° nº 2 do CMI de “prédio habitacional” tal como foi adoptado na decisão arbitral do CAAD de 18.10.2013 (processo nº 42/2013- T) que por essa via excluiu os terrenos de construção da norma de incidência objectiva da verba 28.1. da TGIS.
N. A Sentença do Tribunal a quo constatou que o legislador não utilizou de forma totalmente coincidente as expressões do artigo 6° nº 3 do CIMI e a da verba 28.1. da TGIS, concluindo que este não pretenderia utilizar o mesmo conceito, atenta a presunção legal prevista no artigo 9° nº 3 do Código Civil.
O. A expressão “afectação”, no contexto de utilização de um prédio, tem o significado etimológico de “acção de destinar alguma coisa a determinado uso”.
P. A “afectação habitacional” implica a efectiva e concreta afectação de um prédio urbano a esse fim e não apenas uma expectativa ou potencialidade de um prédio urbano de um dia, mediante determinadas condições, vir a ter uma afectação habitacional.
Q. A “afectação habitacional” inculca uma “ideia de funcionalidade real e presente”.
R. Os terrenos para construção, sem edificação, não cumprem por si esta afectação habitacional (i) ou porque não tem licença de utilização ou (ii) porque, de acordo com a natureza das coisas, não estão em condições de serem habitados, sendo o seu destino normal serem objecto de construção a edificar.
S. O factor decisivo para a afectação é “o nível de ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino (…).
T. O conceito de Prédio com afectação habitacional não se restringe apenas ao prédio habitacional definido no CIMI mas abarca o prédio que tenha uma efectiva afectação a esse fim, excluindo-se da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios que não possuam essas características, como os terrenos de construção.
U. Além do elemento literal da verba 28.1 da TGIS expressa na Sentença, os elementos histórico e o teleológico que permitem compreender a ratio legis e occaso legis que presidiram à elaboração, redacção e inserção da verba 28 e 28.1 na TGIS, conferindo-lhe uma conotação de interpretação autentica como é exemplo a apresentação pelo Governo na Assembleia da República da proposta de lei nº 96/XII/2ª de 20.09.2012 - que deu origem à Lei nº 55-A/2012 de 29.10 - e a alocução do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nessa Câmara legislativa no dia 11.10.2012.
V. Desde o momento da entrada em vigor da Lei nº 55-A/2012 (e na redacção conferida por esta) os arestos arbitrais e jurisprudenciais identificados supra tem sido unânimes na interpretação da não incidência objectiva da verba nº 28 e 28.1 da TGIS aos terrenos para construção urbana.
W. O artigo 194° da Lei n°83 - C/2013 de 31.12. procedeu à alteração da verba nº 28.1 da TGIS, passando a incluir na sua previsão os terrenos para construção.
X. A alteração legislativa operada pelo artigo 194° da Lei n°83 — C/2013 de 31.12 é reveladora que o legislador não tinha incluído na previsão da norma e no âmbito objectivo de incidência da verba 28.1. da TGIS na redacção da Lei nº 55-A/2012 os terrenos de construção.
Y. A Lei nº 83-C/2013 de 31.12, não contém qualquer afirmação ou referência expressa ao carácter interpretativo no texto ou no preâmbulo do referido diploma legal, pelo que é uma norma inovadora e não interpretativa, não incidindo sobre factos passados.
Z. A obediência do legislador ao princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei fiscal plasmado no artigo 103° n°3° da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e cujo corolário se materializa no artigo 12° nº 1° da LGT afasta a aplicação [ou interpretação] retroactiva da nova lei aos factos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor (1 de Janeiro de 2014), tal como é a situação dos presentes autos.
AA. Neste sentido, deverá ser mantida a decisão do Tribunal a quo, em razão da não incidência objectiva da norma constante das verbas 28 e 28.1. da TGIS (na redacção conferida pela Lei nº 55-A/2012 de 29.10) aos terrenos de construção.
BB. E consequentemente, confirmar a decisão do Tribunal a quo de anulação total da liquidação do imposto de selo relativa ao Prédio, declarando a sua ilegalidade e anulação, em razão da errónea qualificação do facto tributário e erro sobre os pressuposto de direito ex vi artigo 99° a) do CPPT e dos artigos 4° e 6° da Lei nº 55-A/2012 (por interpretação a contrario do disposto na verba 28 e 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo, quanto à afectação habitacional de terrenos de construção) e ainda o artigo 135° do Código do Procedimento Administrativo.”

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:

“A recorrente acima identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, exarada a fls. 62/71, em 29 de Janeiro de 2013.
A sentença recorrida julgou procedente impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação de Imposto de Selo, de 2012, no entendimento de que os terrenos para construção não estão abrangidos pela norma de incidência da verba 28 da TGIS.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 86/88, que, como é sabido, salvo questões de conhecimento oficioso, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.°/3 e 685°-A/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
A recorrida contra - alegou, tendo concluído nos termos de fls. 99/101, que aqui, também, se dão por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais.
A nosso ver o recurso não merece provimento.
A questão controvertida consiste em saber se os terrenos para construção estão abrangidos pela norma de incidência da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro.
Vejamos, pois.
De acordo com o artigo 6.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, a tributação prevista na verba 28 da TGIS é, para o ano de 2012, efectuada à taxa de 0,5% sobre o VPT, desde que igual ou superior a € 1.000.000,00, de prédios urbanos com afectação habitacional.
Da norma de incidência resulta que, quanto aos sujeitos passivos residentes, a obrigação de imposto apenas ocorre relativamente aos prédios com afectação habitacional.
No caso em análise estamos perante um prédio em relação ao qual foi aprovado um projecto de operação de loteamento, com potencialidades de edificação de construções com afectação habitacional.
Nos termos do disposto no artigo 67.º/7 do CIS, às matérias ali não reguladas respeitantes à verba 28 da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.
Dos artigos 2.º a 6.º do CIMI constam a noção de prédio, sua classificação e espécies.
Assim, nos termos do estatuído no artigo 6.º do CIMI os prédios urbanos dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.
São habitacionais os prédios urbanos para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal a habitação.
Por sua vez são terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
O imóvel em causa nos autos não tem qualquer edifício construído, embora tenha a potencialidade de virem a ser construídas edificações para habitação, pelo que é um terreno para construção e não um prédio urbano habitacional.
Na verdade, um prédio urbano habitacional pressupõe que pode ser actual e efectivamente habitado, o que não é, manifestamente, o caso dos autos.
O VPT dos prédios urbanos habitacionais é calculado nos termos do disposto no artigo 38.º do CIMI, enquanto o VPT dos terrenos par construção é calculado nos termos do estatuído no artigo 45.º do mesmo CIMI.
A nosso ver, no que concerne aos sujeitos passivos residentes a norma da verba 28 da TGIS, apenas abrange os prédios habitacionais, como tal classificados no artigo 6.º do CIMI.
De facto, contrariamente à tese sustentada pela recorrente, Fazenda Pública, nada na lei parece permitir concluir que o legislador do imposto de selo tenha pretendido alargar, para efeitos de incidência de IS, as espécies de prédios urbanos elencadas no artigo 6.º do CIMI.
Por outro lado, a aplicação do coeficiente de afectação (ca) na avaliação dos terrenos para construção - a ser admitida - (A favor acórdão do STA, de 10 de Fevereiro de 2010, proferido no processo n.º 01191/09 e contra acórdão do STA, de 19 de Novembro de 2009, proferido no processo n.º 0675/09, disponíveis no sítio da internet www.dgsi.pt.) em nosso entendimento, não pode suportar a conclusão de que a norma de incidência da verba 28 da TGIS, abrange, também, os terrenos para construção com potencialidade de construção de edificações com afectação habitacional, uma vez que se reporta, apenas a um dos elementos a considerar na avaliação do terreno, a saber, na determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas.
Como se refere na decisão arbitral da CAAD, de 18 de Setembro de 2013 (proferida no processo nº 49/2013-T, disponível no sitio da Internet www.caad. org.pt) “…se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art. 6.° do CIMIT tê-lo-ia dito expressamente. Mas não o faz, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido código”.
Salvo melhor juízo, a interpretação sustentada pela recorrente viola os normativos dos artigos 9.º do CC e 11.º da LGT.
Que o legislador, intencionalmente ou não, não previu, na redacção inicial do preceito, a tributação em sede de IS da propriedade sobre terrenos para construção parece resultar da LOE para 2014, Lei 83-C, de 31 de Dezembro, na qual, (artigo 194°), se prevê a alteração da verba 28.1 da TGIS, de modo a incluir «.. terreno para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.»
A sentença recorrida não merece, assim, censura.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

Foram colhidos vistos.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguintes factualidade:

A) A Impugnante é proprietária do lote de terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ........... sob o artigo U-121 12, com o valor patrimonial tributário de € 1.647.980,00 (determinado no ano de 2012) - cfr. doc. 2 junto com a p.i.
B) Ato Impugnado: Relativamente ao exercício de 2012 foi efetuada, em 31.03.2013, a liquidação de Imposto de Selo nº 2013 000292732, que apurou imposto no valor de € 21.999,16, sendo a primeira prestação, com data limite de pagamento em abril de 2013, no valor de € 7.333,06 - cfr. doc. 1 junto com a p.i.
C) Em 30.07.20 13 a Impugnante apresentou a presente impugnação judicial — cfr. fls. 2 dos autos.

3 – DO DIREITO

A questão que se coloca no presente é a de saber qual o âmbito de incidência da verba nº 28.l. da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), na redacção dada pela Lei n° 55-A/2012, de 29 de Outubro, particularmente se ela inclui terrenos para construção, ou, mais precisamente, se os terrenos para construção com valor patrimonial tribunal igual ou superior a € 1.000.000 podem subsumir-se no conceito de prédios urbanos “com afectação habitacional” a que alude a referida verba.

A sentença recorrida, julgou procedente a impugnação deduzida pela ora recorrida contra o acto de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano de 2012, no montante de € 21.999,16, anulando-o, no entendimento de que mostrando-se provado que o prédio objecto de tributação é um terreno para construção, a liquidação enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.

Discorda do decidido a Fazenda Pública, imputando à sentença recorrida erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, no entendimento segundo o qual naquela norma de incidência estão abrangidos os terrenos para construção que tenham como destino definido a construção dum edifício habitacional, como alegadamente resulta da letra da lei.
A recorrida contra-alegou, sustentando o acerto da decisão recorrida.


Na decisão de 1ª Instância expendeu-se a seguinte fundamentação de direito:

(…) Do enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência da verba nº 28.1 da TGIS.
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, efetuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redação:
28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI,), seja igualou superior a E 1.000.000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afetação habitacional - 1 %;
(…)
Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º da referida Lei n.º 55-A/20 12, estabeleceram-se as seguintes regras atinentes à liquidação do imposto previsto naquela verba:
(…)
2 — Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n. ° 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.
3 — A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infração tributária, punida nos termos da lei.
Foi utilizado no ponto 1 da verba 28 um conceito que, na plenitude da sua expressão escrita, não é utilizado em qualquer outra norma de natureza tributária nesses preciso termos, qual seja, a de prédio com afetação habitacional.
No entanto, considerando que em várias normas do CIS introduzidas por aquela Lei é indicado como diploma de aplicação subsidiária, relativamente ao tributo previsto na referida verba n.º 28, o CIMI [artigos 2°, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5°, alínea u), 23°, n.º 7, e 46.º e 67.º do CIS], em nosso entender, o ponto de partida para a correta interpretação daquela expressão (prédio com afetação habitacional) há de buscar-se, não só na letra da lei, presumindo-se que o legislador se exprimiu convenientemente, mas também na sua integração sistemática com as normas constantes do CIMI, sem descurar a intenção ou espírito do legislador. Será este o caminho a percorrer, máxime por força do disposto nas regras sobre interpretação de normas, constantes do art. 9.º do Código Civil, ex vi do art. 11.º da LGT.
Assim, no n.º 1 do artigo 2.° do CIMI estabelece-se que “[p]ara efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
O artigo 3.º refere-se aos prédios rústicos, e o artigo 4.º aos prédios urbanos, classificando-os como tal todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo da sua possível classificação como prédios mistos, sempre que nenhuma das partes (rústica ou urbana) puder ser classificada como principal - cfr. o artigo 5°, também do CIMI.
Seguidamente, o artigo 6.º, que aqui releva especialmente, sob a epígrafe “Espécies de prédios urbanos”, dispõe que:
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
e) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos. (Redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12)
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.° 2 do artigo 3.° e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.
Assim, e apesar do ponto de partida da interpretação da expressão prédios com afetação habitacional dever ser o texto da lei importa, a partir dele, reconstituir o pensamento legislativo. Foi este o raciocínio desenvolvido na decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa, disponíveis em 02.10.2013, no processo n.º 53/2013-T, disponível em .caad.org.pt na qual nos revemos inteiramente, e que aqui acompanhados de perto.
O conceito lega para efeitos tributários, mais próximo do teor literal da expressão utilizada na verba 28 da TGIS é, manifestamente, o de prédios habitacionais, definido no n.º 2 do artigo 6.° do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.
Como se refere na mencionada decisão do CAAD, cujo assunto em discussão tem absoluta identidade com aquele que é objeto dos presentes autos, a entender-se que a expressão «prédio com afetação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que a liquidação enferma de erro sobre os pressupostos de direito e de direito, pois o prédio relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 é um terreno para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».
No entanto, importa não descurar a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.° do dM1, a qual pode apontar no sentido de que poderá, eventualmente, não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.
Perante a dúvida, e não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detetar coerência legislativa na solução adotada na referida verba n.º 28.1 com o sentido dos termos utilizados no CIMI, o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo n.º 3 do artigo 9.° do Código Civil, ex vi do art. 11.º da LGT, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Deste modo, e como se refere na decisão do CAAD, “[à] face daqueles significados das palavras «afetação» e «afetar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que já estão aplicados afins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados e aqueles cujo destino é desconhecido.
À face do teor literal da verba n.º 28.1, é de afastar do âmbito de incidência do Imposto do Selo aí previsto os terrenos para construção (...) que ainda não têm definido qualquer tipo utilização, pois ainda não estão aplicados nem destinados a fins habitacionais. Isto é, os terrenos para construção que não tem utilização definida não podem ser considerados prédios com afetação habitacional, pois não têm ainda nenhuma afetação nem outro destino que não seja a construção de tipo desconhecido. Uma interpretação no sentido de que a verba n.º 28.1 se reporta a prédios cuja afetação é desconhecida não tem o mínimo de correspondência verbal na letra daquela norma, pelo que um hipotético pensamento legislativo desse tipo não pode ser considerado pelo intérprete da lei, em face da proibição que consta do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
(...) Desde logo, o confronto da verba n.º 28.1 da TGTS com n.º 2 do artigo 6.° do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta manifestamente, no sentido de ser necessária uma afetação efetiva.
Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do nº 2 daquele artigo 6°, um prédio habitacional.
Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (…), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.° do CIMI
Consequentemente, deve premune-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim.
Que é este o sentido da expressão «afetação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.° em que, relativamente aos prédios rústicos, se fez referência aos que «estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afectação é concreta, efetiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afeto a ela, o que evidencia que a afetação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante.
(...) A correção desta interpretação no sentido de que só prédios que estejam efetivamente afetos à habitação, se inserem no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS é também confirmada pela ratio legis percetível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios com afetação habitacional, no contexto das «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», que o artigo 9°, n.º 1, do Código Civil também erige em elementos interpretativos.
Desde logo, a limitação da tributação em Imposto do Selo aos «prédios com afetação habitacional» deixa perceber que não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto os prédios com afetação a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, o que se compreende num contexto em que, como é notório, a economia se encontra em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis máximos históricos, com avalanche de encerramento de empresas derivado de insustentabilidade económica.
Tendo em mente esta situação e sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que não se tomassem legislativamente medidas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais.
Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba nº 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.
A demonstrar que o legislador, na Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, não previu no âmbito objetivo de incidência da verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção, está a Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31.12), em cujo artigo 194.º, com a epígrafe “Alteração à Tabela Geral do Imposto do Selo”, se prevê que [a] verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, passa a ter a seguinte redação:
«28.1 For prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%».
Se é verdade que da alteração efetuada não resulta demonstrada, em toda a sua dimensão, a hermenêutica aqui exposta, não é menos verdade que, no que à conclusão essencial a que se chegou, de que, nos termos em que se encontrava redigida, à data da liquidação, a norma não abrange, na sua incidência objetiva, os terrenos para construção, a mesma não resulta abalada, mas antes, como se disse, confirmada, uma vez que o legislador vem, de modo expresso (na LOE/2014), diferenciar entre prédio habitacional e terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, donde resulta evidente que uma e outra realidade são diferentes e que, na redação vigente à data da liquidação, apenas os prédios habitacionais, e não, também, os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontravam abrangidos pelo âmbito de incidência objetiva da verba 28.1 da IGIS.
Volvendo ao caso, e mostrando-se provado que o prédio objeto de tributação é um terreno para construção, a liquidação sob escrutínio enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação que é objeto do presente processo, por vício que impede a renovação do ato, fica prejudicado, como se referiu supra, o conhecimento dos vícios relativos à errónea quantificação da matéria coletável e à inconstitucionalidade das normas de incidência, que lhe vêm imputados pela Impugnante - cfr. o artigo 608º, n.º 2 do CPC, ex vi do art. 2.°, al. e) do CPPT. (…)

Vejamos.

Desde já se adianta que o presente recurso não merece provimento e que a sentença deve ser confirmada pelas razões que ficaram devidamente explicitadas nos acórdãos proferidos por esta Secção no dia 9 de Abril 2014, nos processos nºs 1870/13 e 48/14, e no dia 23 de Abril de 2014, nos processos nº 270/14 , 271/14 e 272/14 (Sendo que nos quatro primeiros acórdãos citados o ora relator interveio como 2º Adjunto) nos quais se decidiu que os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 (na redacção da Lei n.º 55-A/2012), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela continuarmos a concordar integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido acórdão proferido no processo nº 1870/13:

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).
Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro». (fim de citação)
Reitera-se esta jurisprudência, uma vez que a recorrente não aduz nova fundamentação que infirme a orientação jurisprudencial, supra assinalada. Conclui-se que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida.

4- Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 28 de Maio de 2014. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - Dulce Neto.