Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02179/22.1BELSB
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31840
Nº do Documento:SA12024012502179/22
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL - FORÇA AÉREA -GABINETE COORDENADOR DE MISSÃO NO ÂMBITO DOS INCÊNDIOS RURAIS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO:
A..., S.A, devidamente identificada nos autos, intentou junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Juízo de Contratos Públicos (TAC) acção administrativa pré-contratual contra o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL – FORÇA AÉREA – GABINETE COORDENADOR DE MISSÃO NO ÂMBITO DOS INCÊNDIOS RURAIS, doravante MDN, indicando como contra–interessada B... MISSION CRITICAL SERVICES PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., pedindo:
a) A suspensão de todos os atos procedimentais relativos à celebração do contrato;
Bem como,
b) A condenação da Ré na anulação do ato administrativo de adjudicação, em virtude da omissão de pedido de solicitação de esclarecimentos sobre o preço anormalmente baixo da proposta da Adjudicatária;
c) A anulação do ato de adjudicação do contrato, em virtude de a Adjudicatária ter violado o disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 146º do CCP, caso a Adjudicatária e Contrainteressada B... não logre provar que à data de apresentação da proposta estava certificada para efetuar todos os serviços a que se propôs;
d) Seja ainda o ato de adjudicação anulado com fundamento em prestação de falsas declarações, nos termos da alínea m) do nº 2 do artigo 146 CCP, na hipótese de a adjudicatária não lograr demonstrar que à data de apresentação da proposta, da declaração de vinculação ao Caderno de Encargos e do DEUCP não se encontrava certificada e habilitada a prestar os serviços com os quais se comprometeu e que declarou poder efetuar sem depender de terceiro;
e) Em todo o caso, e em consequência dos pedidos supra, requer-se a reordenação da classificação dos candidatos, devendo a ora Autora figurar como Adjudicatária, em lugar da Contrainteressada B....”
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O TAC por decisão datada de 07 de Novembro de 2022, julgou totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, absolveu o R. dos pedidos.
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Inconformada, a A. interpôs recurso jurisdicional apelando para o TCA Sul tendo este, por acórdão proferido a 29.06.2023, atribuído efeito devolutivo ao presente recurso, e, negado provimento ao recurso e confirmado a sentença recorrida.
No acórdão de sustentação das nulidades, proferido em 13.09.2023, reitera-se a atribuição do efeito devolutivo ao recurso.
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É desta decisão que a A. inconformada, vêm interpor a presente revista, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
«1. O presente recurso de revista apresenta complexidade jurídica na medida em convoca regras e princípios de direito da contratação pública consagrados a nível supranacional, bem como a sua articulação com as regras e princípios consagrados no ordenamento português;
2. A Recorrente suscita, de forma sumária as seguintes questões perante o Douto Supremo Tribunal Administrativo:
a. Se um concorrente, no momento de apresentação de proposta, em sede de concurso público internacional com publicação no JOUE, tem que cumprir com requisitos técnicos mínimos, de habilitação legal ao exercício de uma atividade, ao cumprimento do contrato, ainda que o momento procedimental de comprovação desses requisitos seja em sede de habilitação?
b. Será irrelevante, do ponto de vista jurídico, a declaração de que um concorrente possui capacidade técnica e certificação legal para execução do contrato, bem como a declaração de vinculação ao Caderno de Encargos e ao seu cumprimento, do qual constam obrigações contratuais que carecem de validação técnica por parte de entidades certificadoras terceiras, quando tais afirmações são falsas nesse momento do procedimento?
c. Para efeitos de Direito da Contratação Pública é indiferente a prestação de falsas declarações por parte de um concorrente desde que comprove que em momento posterior demonstre que já reúne capacitação técnica para cumprimento do contrato?
3. Estas questões revestem a maior importância social porquanto significam uma maior clarificação sobre um procedimento que, acima de tudo, se quer justo, transparente e no qual é promovida a concorrência leal entre operadores privados com as consequentes vantagens;
4. Acresce que o tema da contratação pública é atualmente alvo de escrutínio por parte da sociedade civil, tanto a nível de gastos financeiros, como a nível de execução contratual, como ainda a nível de transparência do procedimento de contratação para escolha do adjudicatário;
5. A tese propugnada pelas instâncias que se pronunciaram ignora a ratio das regras de direito comunitário, apontando para uma solução que fere o sentimento jurídico da comunidade e, até, o bom senso mediante o uso de argumentação formal como o momento de apresentação de determinado documento, pelo que se impõe uma clarificação relativamente a uma questão que convoca a articulação regras e princípios nacionais comunitários e que pode ser abstratamente aplicável a um largos espectro de casos semelhantes, sendo assim de elevada relevância jurídica;
6. O contrato levado a concurso e objeto dos presentes autos respeita à operação de aeronaves do Estado para combate a incêndios rurais, apresentando o mesmo elevada complexidade técnica, sendo, em grande medida, composto por prestações que carecem de certificação por parte de entidade terceira;
7. Pelo que, dada a importância do objeto do contrato, e a semelhança com outros contratos mais técnicos, e que requerem certificação aos operadores para sua execução das prestações contratuais, urge apresentar uma derradeira resposta às questões suscitadas pela Recorrente, podendo tal significar menos litigiosidade quanto a esta matéria e, por conseguinte, a plena satisfação de interesses públicos do Estado (no presente caso da máxima importância) sem quaisquer atrasos ou delongas causadas por qualquer processo judicial;
8. A questão colocada pela Recorrente suscita-se em virtude de, tanto o Tribunal de 1ª instância como o Tribunal Central Administrativo Sul terem perfilhado o entendimento de que tratando-se o certificado de operação de aeronaves de um determinado modelo, neste caso AS 350 B3, de um documento exigido em sede de habilitação é irrelevante que a Contrainteressada tenha falsamente afirmado em sede de DEUCP que possui capacidade técnica para executar o contrato sem auxilio de qualquer outra entidade, e que, se tenha vinculado a um Caderno de Encargos, vinculação essa necessária à apreciação da proposta e sua não exclusão, que estabelece um conjunto de obrigações contratuais que dependem da existência de uma certificação técnica emitida por entidade terceira;
9. No âmbito do Direito da Contratação Pública, através da Diretiva 2014/24/EU o DEUCP é entendido como uma comprovação preliminar;
10. O concurso objeto dos presentes autos, exigia a vinculação ao Caderno de Encargos através de entrega da declaração Anexo I ao programa de concurso.
11. Sendo a ratio do DEUCP e da declaração de vinculação ao Caderno de Encargos a de comprovação preliminar, antes da apreciação de qualquer proposta, é imperativa a resposta com verdade independentemente do que venha eventualmente a ser solicitado em sede de habilitação;
12. Uma interpretação diferente traduz-se na afirmação da fase de habilitação, não como um momento de comprovação de idoneidade técnica, pessoal, ou jurídica, mas antes um verdadeiro momento constitutivo dessa mesma idoneidade, o que, por sua vez, significa a criação de um risco de incumprimento dos requisitos de habilitação e na avaliação de uma proposta inútil, caso se venha a verificar caducidade de adjudicação por parte de concorrente que incumpriu com a entrega dos documentos de habilitação.
13. Uma leitura formalista da legislação europeia e nacional no sentido da irrelevância de quaisquer declarações prestadas em sede de DEUCP, de vinculação ao Caderno de Encargos em fase de apresentação de proposta desde que em sede de habilitação se venha a verificar que as declarações se tornaram supervenientemente verdadeiras é incitar e promover uma cultura de irresponsabilidade por parte dos concorrentes para que se apresentem a concurso sem quaisquer habilitações técnicas para entretanto as arranjarem;
14. Esta tese é totalmente contrária ao que tem vindo a ser defendido tanto pela doutrina como pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo;
15. A Contrainteressada obteve, efetivamente, uma vantagem ilegítima com a prestação de falsas declarações (ao vincular-se ao cumprimento de um contrato para o qual não tem habilitações e referir no DEUCP que não depende de ninguém para o cumprir) pois jamais teria podido chegar à fase de habilitação e afirmar que, a essa data, já dispunha das certificações necessária à execução do contrato se não tivesse faltado à verdade;
16. Isto porque à data de apresentação da proposta a Contrainteressada não possuía as certificações necessárias ao legal exercício da atividade que se estava a obrigar a exercer, motivo pelo qual, ao responder com verdade estaria a provocar a sua exclusão.
17. Em lugar paralelo, o artigo 72.º nº 3 alínea a) não permite que sejam entregues a posteriori documentos a comprovar factos e qualidades com data anterior à da proposta, razão pela qual não pode em sede de habilitação comprovar-se uma qualidade ou habilitação que se afirmou possuir em fase de apresentação de propostas, proposta essa que teria sido excluída sem entrega de declaração de vinculação ao Caderno de Encargos.
18. O que bem se compreende, pois, tal fere o princípio da igualdade e leal concorrência;
19. Assim cabe perguntar qual o papel do DEUCP e declaração de Anexo I se são tidas como irrelevantes tanto pelo Tribunal de 1ª instância como pelo Tribunal Central Administrativo Sul.
20. Deste modo, suscita-se uma questão fundamental e de relevo social e jurídico de total desprezo da fase de exame preliminar dos concorrentes, imposta pela legislação europeia, pela legislação nacional e pela lógica do próprio sistema jurídico e aplicação dos seus princípios fundamentais.
21. A tudo quanto se expôs acresce que o sentido da sentença e acórdão proferidos nos presentes autos contariam a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, o que, aliás, contribui para a relevância jurídica na resolução da questão suscitada pela Recorrente, porquanto se apresenta como sendo verdadeiramente controversa no seio da jurisprudencial nacional;
22. Pelo que, esta questão merece uma melhor aplicação do direito nos termos do artigo 150º, nº 1 do CPTA;
23. Com efeito, o Supremo Tribunal Administrativo e acórdão datado de 14-01-2021 entendeu: «E, quanto à questão de saber desde quando é que o adjudicatário tem de ser titular das habilitações necessárias à execução do contrato, não restam dúvidas de que o terá de ser ab initio, ou seja dentro do prazo fixado para a apresentação das propostas, sob pena de violação do princípio da intangibilidade das propostas. Não as possuindo e pretendendo de prevalecer-se das habilitações de entidade terceira, teria a A/recorrida de ter junto igualmente ab initio, uma declaração de compromisso que identificasse os terceiros subcontratados e habilitados para esse efeito. Esta posição, referente à titularidade ab initio, no sentido de que não pode aceder a um procedimento quem não detiver à data da apresentação da proposta (ou das candidaturas), os requisitos de habilitação exigidos, é assumida pela doutrina, como referem M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, págs 495 e 496.»;
24. O que contraria a tese que vem sendo defendida pelas decisões judiciais proferidas nos autos;
25. Isto porque foi entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul que: «Estamos claramente perante documentos de habilitação e não perante documentos que devem fazer parte da proposta, pelo que carece de sustento legal a aplicação do artigo 57.º, n.º 1, e bem assim, do artigo 146.º, nº 2, al. d), do CCP.
25. Isto porque foi entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul que: «Estamos claramente perante documentos de habilitação e não perante documentos que devem fazer parte da proposta, pelo que carece de sustento legal a aplicação do artigo 57º, nº 1, e bem assim, do artigo 146º, nº 2, al. d), do CCP.
Como se assinalou em acórdão do STA de 18/11/2021 (proc. n.º 0452/20.2BEALM), num ― procedimento de concurso público, os documentos de habilitação do adjudicatário – ou de subcontratados, de cujas habilitações aquele se pretenda socorrer –, salvo em caso de diferente exigência constante das peças do procedimento ou de solicitação da Entidade Adjudicante, só têm de ser apresentados em momento seguinte à adjudicação, e não no momento da apresentação da proposta; o mesmo ocorrendo com as declarações de compromisso por parte de eventuais subcontratados (arts. 77º nº 2 a) e 81º do CCP e 2º da Portaria nº 372/2017, de 14/12)”.
É precisamente esse o caso dos autos, as aludidas certificações são documentos de habilitação do adjudicatário, que se pode valer de subcontratados com habilitações distintas das suas, como a contrainteressada expressamente fez constar da sua proposta;
Não constando das peças do procedimento que as tenha de apresentar com a proposta, mas antes que o terá de fazer após a adjudicação.»
26. Em requerimento datado de 22-09-2022, a Recorrente alegou que da documentação apresentada pela Contrainteressada na sua contestação é possível concluir que não possuía, à data de apresentação da proposta, documentação e certificações legalmente exigidas para cumprimento do contrato (vide documentos n.ºs 7, 10, 11 e 12), pese embora se tenha vinculado ao cumprimento do Caderno de Encargos que exigiam tais certificações;
27. Os documentos em causa são relativos a habilitações legalmente exigidas para o exercício de uma atividade, tanto que a própria lei, no nº 8 do artigo 81º do CCP, permite que documentos desta natureza seja sempre solicitado ainda que tal não se encontra previsto no programa do procedimento ou convite;
28. Não está em causa alteração de regras do procedimento, a alteração das regras a mesmo do jogo, antes a confirmação de possibilidade legal de realização de uma atividade que carece de licenciamento por parte entidades terceiras e que constitui objeto do contrato;
29. Esta questão não é irrelevante e fere a igualdade de tratamento entre concorrentes que cumprem ab initio com as habilitações e certificações técnicas necessárias ao cumprimento do contrato e aqueles que se apresentam a concurso sem nada e procuram obter tais habilitação e certificações posteriormente e eventualmente;
30. Havendo esta querela e contradição de julgados urge procurar uma resposta definitiva com a relação a um tema de tamanha importância;
31. Pois a necessidade de certificação para realização de certas atividades não é despicienda, impondo-se amiúde por motivo de segurança;
32. Sem prejuízo de tudo quanto se expôs, sempre se dirá que às questões suscitadas pela Recorrente nunca houve uma resposta frontal por parte das instâncias chamadas a pronunciar-se sobre o tema;
33. Antes uma decomposição da questão levada a juízo em partes que apenas mereceram juízos formais;
34. A Recorrente colocou uma questão mais complexa, a relacionado a prestação de falsas declarações a um conjunto de requisitos técnicos que os concorrentes deviam possuir para efeitos de apresentação de proposta e submissão a concurso;
35. Em sede de recurso a Recorrente alegou nas suas conclusões:
«22. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que o Tribunal a quo ao não se pronunciar em sede de sentença sobre a ausência de certificação exigida pelo caderno de encargos incorre em omissão de pronúncia de uma das causas de pedir invocadas pela Recorrente;
23. Acham-se provadas as falsas declarações, bem como a ausência de certificações exigidas pelo caderno de encargos e a Douta decisão ignora-as;
24. Caderno de encargos a cujo cumprimento se vinculou e que prescreve nas alíneas a) e b) da cláusula 11.ª que o adjudicatário deve ser titular «Autorização Especial emitida pela ANAC para OPERAÇÃO das AERONAVES, com a identificação das missões previstas na Cláusula 4.ª» e «ser detentor e garantir a manutenção das certificações para a GESTÃO DE AERONAVEGABILIDADE PERMANENTE das AERONAVES, em conformidade com a legislação aplicável (EASA PART CAMO ou CAO), e de MANUTENÇÃO (EASA PART145) no âmbito do Ecureuil AS350 B3»;»
36. Tal questão merece um tratamento holístico, substancial;
37. A pronúncia de ambas as instâncias apenas esclarece que a entrega dos elementos certificadores se verifica somente em fase de apresentação e não com a apresentação de proposta;
38. E que não foi retirado qualquer benefício das falsas declarações prestadas pela Contrainteressada, o que, conforme já se referiu, também não corresponde à verdade;
39. A questão suscitada pela Recorrente suscita uma questão autónoma, com enquadramento e tratamento jurídico igualmente autónomo: saber se há relevância jurídica no facto de um concorrente não possuir uma certificação legal para o exercício de uma atividade que constitui objeto do contrato a adjudicar na fase de apresentação de proposta e ter apresentado, nesse mesmo momento, declarações de vinculação ao Caderno de Encargos e ter aforado que não dependia das capacidades técnicas de outrem;
40. Sobre isto não houve qualquer pronúncia por parte dos Tribunais a quo;
41. A Contrainteressada não podia desconhecer que não possuía as certificações pelo que é forçoso concluir que tais declarações foram prestadas dolosamente e bem sabendo que sem a entrega de tal declaração estaria a entregar uma proposta incompleta sendo que tal é fundamento para exclusão;
42. Pelo que havendo uma declaração falsa prestada dolosamente e um benefício retirado (já aduzido), haverá, por conseguinte, prestação de falsas declarações;
43. Esta questão não é um mero argumento, antes uma causa de pedir complexa que exige um tratamento substantivo em detrimento de um fracionamento em várias pequenas questões de natureza forma que, a final, ofendem o bom senso, o sentimento jurídico da comunidade e potenciam o risco de contratação menos preparada por parte dos operadores privados na fase de apresentação de propostas;
44. É jurisprudencial e doutrinalmente assente e aceite que a fase de habilitação é uma fase comprovação; comprovação de factos declarados anteriormente; comprovação de requisitos técnicos que o concorrente afirmou possuir quando apresentou a sua proposta e se vinculou ao conteúdo do Caderno de Encargos, sendo que sem tal vinculação não há apreciação da proposta e, por conseguinte, não há possibilidade chagada, eventual, à fase de habilitação;
45. Confundir o momento de apresentação de prova de um facto com a declaração de veracidade desse facto em momento anterior é permitir que um júri aprecie um conjunto de propostas que, à data da sua apresentação podem conter inverdades e colocar em plano de igualdade concorrentes que comungam as características e requisitos técnicos impostos por um contrato e aqueles que comungam tais características e requisitos técnicos;
46. O entendimento que veio sendo propugnado pelos Tribunais a quo confronta diretamente com o princípio da igualdade previsto tanto no CPA (artigo 6.º) como na CRP (artigo 13º) como ainda com o princípio da boa administração, previsto no nº 1 do artigo 5.º do CPA;
47. Assim, a Recorrente colocou verdadeiramente uma questão ao Tribunal a quo, e à 1ª instância, de modo claro explicito e expresso não se confundindo com um mero argumento, razão pela qual há uma verdadeira omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo e da 1ª instância, devendo, por essa razão, em qualquer caso, ser o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul ser declarada nula nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615 CPC ex vi artigo 1º CPTA.»
*
O recorrido MDN concluiu as suas alegações do modo seguinte:
«A) O presente recurso excecional de revista vem interposto por A..., S.A., do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29.06.2023, pelo qual foi negado provimento ao recurso interposto da Sentença de 07.12.2022, a qual julgou totalmente improcedente a ação de contencioso pré-contratual proposta.
B) As perguntas colocadas pela Recorrente à apreciação do douto Tribunal padecem de uma evidente ambiguidade, que tem subjacente uma deliberada confusão entre requisitos legais de participação no procedimento (habilitação para o exercício da atividade profissional) e certificação técnica do concorrente para os serviços a prestar.
C) A Recorrente não fundamenta em quaisquer disposições do regime jurídico do trabalho aéreo as perguntas formuladas, nem concretiza os normativos para cuja interpretação e melhor aplicação entende ser necessária a intervenção desse douto Tribunal.
D) Nos termos do artigo 150º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, o recurso de revista é excecional e a sua admissibilidade é determinada por um critério qualitativo: apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se configure como de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – v.g. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.02.2023, Proc. nº 01409/11.0BEPRT.
E) A determinação da lei substantiva ou processual violada é constitutiva da admissibilidade do recurso de revista – v. g. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.05.2023, Proc. nº 03097/11.4BEPRT.
F) O Acórdão do TCAS de 29.06.2023, em recurso, confirmou o julgado na primeira instância, nomeadamente julgando improcedente o invocado erro no julgamento da matéria de facto sobre a ausência de certificação exigida pelo caderno de encargos, não havendo nada no probatório que sustente a pretensão da Recorrente.
G) Assim, dado que a questão que a Recorrente pretende trazer à apreciação do Tribunal encontra-se dilucidada sem controvérsia, quer na jurisprudência nacional, quer na jurisprudência comunitária, uma vez que não são indicadas pela Recorrente quaisquer disposições do regime jurídico do trabalho aéreo ou de outros regimes jurídicos para cuja interpretação e melhor aplicação seja necessária a intervenção desse douto Tribunal e ainda porque não há nada no probatório que sustente a pretensão da Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 150º, nºs 1, 2 e 3 , do CPTA entende-se que não estão reunidos os pressupostos para a admissão da presente revista.
H) O Concurso Público n.º GCMIR5021017353 – aquisição dos serviços de operação, gestão de aeronavegabilidade permanente e de manutenção das aeronaves AS350 B3 que fazem parte da frota própria do Estado e do respetivo material de apoio operacional complementar – é um concurso público internacional, não existindo qualquer fase prévia de qualificação dos concorrentes.
I) O critério de adjudicação no procedimento pré-contratual em causa é o critério da proposta economicamente mais vantajosa, determinada através da modalidade monofator respeitante ao preço – cf. artigo 6.º do Programa do Concurso.
J) O que está em causa no presente recurso é determinar se, num concurso público, em que inexiste uma fase prévia de qualificação e o critério de adjudicação é unicamente o do preço, à data da apresentação da proposta os concorrentes devem deter a habilitação legal para a atividade, comprovando a titularidade das certificações específicas exigidas para a operação em sede de documentos de habilitação.
K) A Jurisprudência e a Doutrina têm vindo a entender, sem controvérsia, que quando os contratos públicos a adjudicar envolvam, na sua execução, o exercício de profissões ou de atividades regulamentadas, a participação no procedimento, qualquer que ele seja, depende da titularidade dos requisitos legais para desenvolver as atividades a contratar.
L) O trabalho aéreo é uma atividade económica regulamentada, cujo regime jurídico, nomeadamente no que se refere ao acesso e condições de exercício, está definido no Decreto-Lei n.º 44/2013, de 02 de abril.
M) Nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei nº 44/2013, o acesso à atividade depende de uma permissão administrativa de trabalho aéreo para alguma das modalidades previstas e o seu exercício de um COTA – Certificado de Operador de Trabalho Aéreo válido, emitido pela Autoridade Nacional da Aviação Civil - Licenciamento de Operador de Trabalho Aéreo (anac.pt) que contemple as aeronaves a afetar à modalidade de trabalho aéreo licenciada, mas pode não abranger as específicas aeronaves a operar no caso concreto.
N) A Recorrente nunca impugnou, nem impugna, a titularidade de licença de trabalho aéreo pela CI B... - Licenças de Trabalho Aéreo Concedidas (anac.pt) –, nas modalidades de Bombardeamento com Água, Soluções e outros Produtos para Conservação do Ambiente (Fire Fighting), incluindo o combate a incêndios florestais, o transporte de brigadas de combate e extinção de fogos e voos de observação e coordenação aérea.
O) Resulta claramente do disposto no artigo 3.º e nos artigos 7.º, 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 44/2013 que o COTA averbado à licença de trabalho aéreo pode ser – e é-o, frequentemente – distinto do COTA específico para a operação, o qual contém, necessariamente, a marca, matrícula e número de série das aeronaves envolvidas na operação.
P) É o COTA específico para a operação que consubstancia a certificação técnica exigida para os serviços a prestar e dele constam, necessariamente, as aeronaves a afetar à prestação de serviços objeto do contrato – veja-se a Sentença de 10.05.2021, confirmada pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.03.2022 (Proc. n.º 839/19.3BELSB).
Q) Enquanto a licença de trabalho aéreo, e o COTA a ela averbado, atesta a titularidade da habilitação profissional para a atividade – em causa no DEUCP –, o COTA específico para a operação atesta a certificação técnica, sendo exigido como documento de habilitação na alínea e) do n.º 1 do artigo 16.º do Programa do Concurso, e dele tem de constar obrigatoriamente a tipologia das aeronaves (Ecureuil AS350 B3) que serão operadas pelo adjudicatário no decurso da prestação de serviços objeto do contrato.
R) As certificações exigidas ao adjudicatário como documentos de habilitação não são requisitos legais de participação no procedimento, nem são subsumíveis ao licenciamento para o exercício da atividade profissional.
S) É infundado e ilegítimo o entendimento da Recorrente que pretende extrair das obrigações principais do adjudicatário relativamente à execução do contrato, definidas na Cláusula 11.ª do Caderno de Encargos, uma obrigação a cumprir na apresentação da proposta, cumprindo sublinhar que, de todos os concorrentes ao concurso, a Recorrente seria a única que poderia apresentar com a proposta o COTA específico para a operação, pois detinha em execução o contrato cujo termo determinou a abertura do presente procedimento pré-contratual.
T) Não havendo lugar no procedimento pré-contratual em causa a uma apreciação da aptidão técnica dos concorrentes, as certificações exigidas ao adjudicatário não são critérios de seleção, nomeadamente para efeitos dos artigos 58.º, 59.º e 60.º da Directiva 2014/24/EU.
U) Razão pela qual não há lugar à convocação da decisão de 10.01.2023, do Tribunal de Justiça da União Europeia, exarado processo C-469/22, e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.02.2023 (Proc. nº 025/21.2BEPRT), uma vez que, não tendo sido estabelecidos nas peças procedimentais quaisquer critérios de seleção para além do preço, não ocorre proceder à apreciação do respetivo cumprimento em fase de análise das propostas.
V) Dado que nas peças do procedimento não são enunciados critérios de seleção relacionados com a capacidade técnica, os concorrentes não têm de fazer prova, na apresentação das propostas, das certificações exigidas ao adjudicatário, como demonstração da titularidade dos recursos, sendo a evidência das condições de cumprimento das obrigações do adjudicatário garantida pelos documentos de habilitação exigidos no artigo 16.º do Programa do procedimento e a apresentar por aquele.
W) O entendimento manifestado pela Recorrente, que se pretende a favor da concorrência e da transparência, é manifestamente anti concorrencial, porque tem como consequência, desde logo, uma redução significativa nos operadores, sobretudo estrangeiros, suscetíveis de se apresentarem a concurso!
X) Na verdade, a Recorrente pretende condicionar o direito de acesso ao procedimento, por via do reconhecimento da capacitação técnica como requisito de participação, sendo que, ao contrário do que ocorre com outras atividades económicas, o regime jurídico da atividade de trabalho aéreo não prevê, nem comporta uma segmentação de critérios e certificações que possa sustentar a pretendida limitação no acesso ao mercado.
Y) Por consequência, neste concurso e nos termos em que ele foi lançado, qualquer “fase de exame preliminar dos concorrentes” que exceda a titularidade da habilitação para o exercício da atividade viola os princípios da legalidade, da concorrência e da igualdade de tratamento!
Z) Em face do que, tendo presente a alínea a) do nº 2 do artigo 77.º, o artigo 81º e ainda o artigo 146º, nº 2 do CCP, bem como o artigo 2.º da Portaria nº 372/2017, e considerando o concreto caso em análise, nas suas específicas peças procedimentais, as certificações técnicas exigidas como documentos de habilitação do adjudicatário só têm de ser apresentados no momento seguinte à adjudicação e não no momento da apresentação da proposta (v.g. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.11.2021, Proc. nº 0452/20.2BEALM).»
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A contra-interessada B... Mission Critical Services Portugal, Unipessoal, Ld.ª, apresentou contra-alegações, onde formulou as seguintes conclusões:
5.1. QUESTÃO PRÉVIA: DO EFEITO DO RECURSO
A. No seu Acórdão o Tribunal a quo conferiu efeito meramente devolutivo ao recurso de apelação intentado pela A...; o que significa que o Ato de Adjudicação deixou de estar suspenso e não se encontrava suspenso aquando da interposição do presente recurso de revista.
B. Ainda que, nos termos do n.º 1 do artigo 143.º do CPTA, o presente recurso de revista tenha efeito suspensivo, tal não significa que o Ato de Adjudicação tenha passado a estar novamente suspenso, pois que o presente recurso recai unicamente sobre a decisão de mérito constante do Acórdão a quo e não sobre a decisão quanto aos efeitos do recurso de apelação.
C. Caso se entenda, porém, que assim não é, requer-se que seja atribuído efeito meramente devolutivo ao presente recurso, pois que a manutenção da suspensão do Ato de Adjudicação é passível de provocar situações de facto consumado e produzir prejuízos de difícil reparação para o interesse público, tal como o Tribunal a quo veio reconhecer no recurso de apelação.
5.2. DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL
D. O presente recurso de revista sempre deverá ser rejeitado por não preencher os pressupostos do nº 1 do artigo 150.º do CPTA.
E. Com efeito, por um lado, as questões ora colocadas pela A... como alegadamente questões de relevância social e jurídica são questões que não foram suscitadas perante o Tribunal a quo – se é que alguma vez foram suscitadas no presente processo – e, por isso, não podem ser conhecidas pelo Tribunal ad quem, sob pena de violação do princípio da preclusão.
F. Por outro lado, a verdadeira questão a resolver no presente recurso é apenas e tão-só uma: saber se a B... tinha ou não as certificações necessárias à execução do contrato no momento da apresentação da sua proposta.
G. Sucede que, a um tempo, essa questão não pode ser apreciada no presente recurso, pois que a A... não cumpre com o seu ónus de alegação, consagrado no artigo 5.º do CPC aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, no n.º 2 do artigo 637.º e do n.º 1 do artigo 639.º do CPC, ex vi do artigo 140.º do CPTA, não indicando que certificações em concreto é que a B... deveria ter (e alegadamente não teria) no momento da proposta.
H. Logo, o Tribunal ad quem não tem condições para conhecer esta questão principal, não podendo as demais questões – com alegada relevância social e jurídica – ser discutidas, nem relevar para efeito de admissão do presente recurso de revista, já que a sua apreciação teria um interesse – quando muito – meramente académico.
I. A outro tempo, ainda que essa questão pudesse ser apreciada, a questão basilar do presente recurso – saber se a B... tinha ou não as certificações necessárias para executar o contrato – é intransponível para qualquer outro caso, não tendo qualquer relevância social ou jurídica que permita um recurso excecional, como determina o n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.
J. O recurso apresentado pela A... não preenche, deste modo, os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, pelo que deve o mesmo ser rejeitado nos termos do n.º 6 do artigo 150.º do CPTA.
5.3. DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO – DA INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO DE PRONÚNCIA
K. Nas suas Alegações de Recurso de Revista, a A... invoca que o Acórdão a quo padeceria de omissão de pronúncia, pois que o Tribunal a quo não se teria pronunciado sobre a necessidade de a B... possuir as certificações necessárias à execução do Contrato na fase de apresentação da proposta.
L. Não lhe assiste, contudo, razão já que o Tribunal a quo decidiu que a proposta não poderia ser excluída, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, por falta da mencionada certificação, visto que essa certificação não constituía um documento da proposta, mas sim um documento da habilitação.
M. Nesta senda, o Tribunal a quo não tinha de conhecer especificamente a questão ora suscitada, porquanto, nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do CPC aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, a decisão desta questão foi prejudicada pela decisão do D. Tribunal relativamente à inexistência de uma qualquer causa de exclusão da proposta da B....
5.4. DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO – DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
N. A A... parece alegar que a proposta da B... deveria ser excluída por falsas declarações em razão de não deter, à data da apresentação da proposta, a certificação legal necessária para operar as aeronaves objeto do Concurso (parece porque, como se observou, a A... nunca concretiza que certificação em concreto estaria em falta, o que determina a imediata improcedência deste recurso).
O. Esta questão não foi, porém, apreciada pelo Tribunal a quo, já que:
i. Em sede de Petição Inicial a A... só teria invocado falsas declarações em relação à alegada falta de certificação da B... quanto à gestão da aeronavegabilidade permanente e manutenção das aeronaves – e não quanto à sua operação;
ii. Em sede de Alegações de Recurso de Apelação, a A... deixou cair qualquer alegação de falsas declarações.
P. Neste sentido, a questão em causa não foi apreciada pelo Tribunal a quo, não podendo – ao contrário do que a A... pretende – ser ora apreciada pelo Tribunal ad quem, já que tal violaria o princípio da preclusão e desvirtuaria a finalidade dos recursos, que é unicamente o reexame de questões apreciadas pelo Tribunal recorrido.
Q. Ora, não podendo o Tribunal ad quem apreciar a questão, o presente recurso deve, desde logo, improceder.
5.5. DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO – DA INEXISTÊNCIA DE FALTA DE CERTIFICAÇÃO DA B...
R. Como já referido, a A... não concretiza nas suas Alegações de Recurso de Revista a que “certificações” em concreto se refere quando alega que a B... teria incorrido em falsas declarações em razão de não as deter à data da apresentação da proposta.
S. Porque assim é, o presente recurso deverá improceder por incumprimento, por parte da A..., do seu ónus de alegação, consagrado no artigo 5.º do CPC aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, no n.º 2 do artigo 637.º e do n.º 1 do artigo 639.º do CPC, ex vi do artigo 140.º do CPTA; pois que esse incumprimento determina que o Tribunal ad quem não consiga apreciar se a B... tinha ou não tais certificações aquando da apresentação da sua proposta.
T. Caso assim não se entenda – o que não se concede e apenas se equaciona por dever de patrocínio – será necessário tentar descortinar a que certificações a A... se pretendia referir.
U. Ora, atendendo à menção, em sede de pedido constante das Alegações de Recurso de Revista, à certificação para operar aeronaves AS 350 B3, deve assumir-se que a A... se pretendia referir ao Certificado de Operador de Trabalho Aéreo (COTA) para operar aeronaves do modelo Ecureuil AS350 B3.
V. Sucede que, ao contrário do que afirma a A..., a B... não tinha, no momento da apresentação da proposta ou em momento posterior, de dispor de um COTA que, no Anexo A, fizesse referência expressa ao modelo Ecureuil AS350 B3, não tendo alguma vez alegado que a sua capacidade, habilitação ou certificação daí adviesse.
W. É que, em primeiro lugar, o COTA é apenas exigido em relação a uma hipotética aeronave de substituição que o adjudicatário pode apresentar, em sede de execução do contrato, por forma a evitar a verificação de indisponibilidades não autorizadas e a aplicação de penalidades – só tendo de apresentar o COTA que demonstre capacidade para operar tal aeronave nesse momento.
X. Em segundo lugar, a B... dispunha de um COTA, emitido a 20 de outubro de 2021 – ou seja, em data anterior à apresentada da proposta, que lhe permitia operar helicópteros para o combate aos incêndios (cfr. Doc. 7 da Petição Inicial), não se podendo aceitar – como a A... pretende –, que a B... tinha de dispor de um COTA que, no Anexo A, fizesse referência expressa ao modelo Ecureuil AS350 B3.
Y. É que o COTA não certifica a capacidade para operar um determinado modelo de aeronave, mas sim a capacidade para operar um determinado helicóptero ou aeronave, tendo de constar do Anexo A ao COTA a matrícula desse mesmo helicóptero ou aeronave – não sendo, obviamente, possível que as aeronaves do Estado, objeto do Concurso, fossem inseridas no COTA de determinado concorrente (e ainda para mais em data anterior à da apresentação da proposta).
Z. Em terceiro lugar, a operação dos helicópteros do Estado, objeto do Contrato a adjudicar, não é realizada ao abrigo do COTA do operador, mas sim ao abrigo da Autorização Especial, emitida pela ANAC e obtida somente na fase de execução do Contrato, conforme referido pela ENTIDADE DEMANDADA no Relatório final.
AA. Em quarto lugar, a própria ANAC veio a declarar, a 29 de julho de 2022, que a B... tinha capacidade para operar aeronaves deste tipo.
BB. Em suma, é claro que a B... não tinha de apresentar, ou deter, um COTA com referência a uma aeronave de modelo AS 350 B3 à data da apresentação da proposta, dispondo – com exceção da Autorização Especial, que apenas poderá ser obtida durante a fase de execução do contrato – de todas as certificações e capacidades para operar os helicópteros objeto do Concurso nessa data.
5.6. DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO – DA INEXISTÊNCIA DE CAUSA DE EXCLUSÃO DA PROPOSTA DA B...
CC. Nas Alegações de Recurso de Revista da A..., esta parece afirmar que a B... teria prestado falsas declarações (i) no DEUCP e (ii) na declaração de vinculação ao Caderno de Encargos, prevista no Anexo I do Programa do Procedimento, em razão de esta não ter a certificação necessária para operar aeronaves AS350 B3 à data da apresentação da proposta.
DD. Ora, por um lado, é evidente que a B... não prestou quaisquer falsas declarações no DEUCP, já que esta apenas afirmou que não dependia das capacidades de outras entidades para preencher os critérios de seleção estabelecidos na parte IV e parte V, visto que:
i. No modelo de DEUCP que foi disponibilizado pela Entidade Demandada não foram previstos quaisquer critérios de seleção na parte IV ou na parte V, pelo que a resposta àquela pergunta só poderia ser negativa; e,
ii. A resposta a essa pergunta só teria de ser positiva se os critérios de seleção dissessem respeito à capacidade económica e financeira ou à capacidade técnica e profissional dos concorrentes, como decorre muito claramente do artigo 58.º, do 2.º parágrafo do n.º 1 do artigo 59.º e do artigo 63.º da Diretiva 2014/24/UE, e não quando digam respeito habilitação para o exercício da atividade profissional, como era o caso.
EE. Por outro lado, no que toca à declaração constante do Anexo I ao Programa do Concurso, esta nunca poderia implicar falsas declarações no sentido pretendido pela A..., pois que, através da mesma, a B... não declarou naquele momento que tinha ou não habilitações para cumprir o contrato, mas apenas e tão-só se comprometeu a cumprir pontualmente o contrato.»
*
O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 16 de Novembro de 2023, tendo consignado:
«(…) Na apelação, a A. imputou à sentença erros de julgamento – por se verificar o alegado vício de falta de fundamentação e por a proposta da contra-interessada dever ser excluída, nos termos dos artºs. 146.º, n.º 2, al. b) e 57.º, n.º 1, al. b), ambos do CCP, em virtude de esta não ser titular das certificações necessárias ao cumprimento do conteúdo do caderno de encargos a que se vinculara – e, subsidiariamente, a nulidade de omissão de pronúncia quanto à ausência das certificações necessárias à execução do contrato.
O acórdão recorrido, depois de considerar que a sentença “emitiu pronúncia sobre tais matérias, ainda que sem dar resposta concreta a todos os argumentos convocados pela recorrente em defesa do seu ponto de vista”, entendeu que não se verificavam os alegados erros de julgamento por o acto de adjudicação estar fundamentado e porque as licenças em causa não constituíam documentos da proposta mas documentos de habilitação tendo, por isso, de ser apresentados só depois da adjudicação.
A A. justifica a admissão da revista com a relevância jurídica e social da questão a decidir – por ter uma importância fundamental que ultrapassa largamente o objecto dos autos, contribuindo para o esclarecimento geral – e com a necessidade de uma melhor aplicação do direito – por o acórdão não ter conhecido da questão da contra-interessada não possuir, na fase de apresentação das propostas, certificação legal para o exercício da actividade que constituía o objecto do contrato e por incorrer em erro de julgamento quando considera que a contra-interessada não prestou falsas declarações e quando entende que a referida certificação legal, sendo um mero requisito de habilitação, não tem que se verificar à data da apresentação da proposta.
A matéria respeitante às falsas declarações prestadas pela contra-interessada parece não ter sido objecto de decisão por parte do acórdão recorrido, pelo que, aparentemente e por não lhe ser imputada a nulidade de omissão de pronúncia, não poderá ser conhecida na revista.
Já quanto à questão de saber se a contra-interessada, no momento da apresentação da proposta, tinha de possuir certificação legal para o exercício da actividade que constituía objecto do contrato, apesar de se estar perante um requisito de habilitação, mostra-se duvidoso que as instâncias a tenham conhecido e, a assim entender, não pode deixar de se considerar que a decisão não beneficia de uma sustentação sólida e detalhada.
Portanto, porque, embora as instâncias tenham convergido na decisão, a solução jurídica adoptada suscita legítimas dúvidas, convém que o Supremo reanalise o caso para uma melhor decisão e, eventualmente, uma melhor decisão num assunto que suscita interrogações jurídicas».
*
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 146º, do CPTA, não emitiu pronúncia.
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Sem vistos, por não serem devidos.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
Remete-se a matéria de facto para os termos da decisão recorrida, nos termos do disposto no artº 663º, nº 6 do CPC.
*
2.2. O DIREITO:
A recorrente interpôs o presente recurso de revista, referindo no intróito que o mesmo «tem efeito suspensivo, nos termos do disposto no nº 1, do artigo 143º do CPTA…».
Esta questão mostra-se decidida no acórdão proferido pelo TCAS em sede de sustentação das nulidades imputadas ao acórdão recorrido, tendo-se aí consignado o seguinte: «Mantendo-se o entendimento exarado a fls. 41/43 do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 29/06/2023, ao abrigo do disposto no artigo 143.º, nº 3, do CPTA, atentando nas decisões já proferidas nos autos e no acréscimo de riscos sérios e efetivos para a defesa das populações, que não será colmatado com a manutenção do efeito suspensivo do presente recurso, atribui-se efeito devolutivo ao presente recurso».
E concordando-se com tal fundamentação, nada mais importa dizer quanto a esta questão.
*
A recorrente para além de imputar erro de direito ao acórdão recorrido, imputa-lhe ainda uma nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artº 615º, nº 1, al. d) do CPTA.
Esta questão é de conhecimento prioritário, uma vez que da sua eventual procedência ou não, pode depender a decisão de mérito que vier a ser proferida.
Daí que se imponha o seu conhecimento de imediato.
Aponta a recorrente o seguinte nas suas alegações que depois levou às conclusões:
«Conforme já foi exposto, a Recorrente, nos presentes autos, articulou as declarações prestadas nos documentos entregues em sede de apresentação de proposta com a ausência de certificação para realização de prestação que constituem objeto do contrato a adjudicar, porém nada foi proferido pelas instâncias que apreciaram o processo a este respeito.
Nos termos do Acórdão sub iudice foi fixado como questão a decidir a «nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia quanto à ausência de certificação necessária à execução do contrato a adjudicar em sede de procedimento de contratação» bem como «erro de julgamento da sentença ao não excluir a recorrida, em virtude de resultar provado nos autos a ausência de certificação necessária ao cumprimento do conteúdo do caderno de encargos ao qual a recorrida se vinculou».
Sucede que, não foram estas a questão suscitada pela Recorrente nas suas alegações de recurso.
Com efeito, a Recorrente colocou uma questão mais complexa, a relacionado a prestação de falsas declarações a um conjunto de requisitos técnicos que os concorrentes deviam possuir para efeitos de apresentação de proposta e submissão a concurso.
Tal consta das conclusões das alegações de recuso de apelação da Recorrente que abaixo se transcrevem:
«22. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que o Tribunal a quo ao não se pronunciar em sede de sentença sobre a ausência de certificação exigida pelo caderno de encargos incorre em omissão de pronúncia de uma das causas de pedir invocadas pela Recorrente;
23. Acham-se provadas as falsas declarações, bem como a ausência de certificações exigidas pelo caderno de encargos e a Douta decisão ignora-as;
24. Caderno de encargos a cujo cumprimento se vinculou e que prescreve nas alíneas a) e b) da cláusula 11.a que o adjudicatário deve ser titular «Autorização Especial emitida pela ANAC para OPERAÇÃO das AERONAVES, com a identificação das missões previstas na Cláusula 4.a» e «ser detentor e garantir a manutenção das certificações para a GESTÃO DE AERONAVEGABILIDADE PERMANENTE das AERONAVES, em conformidade com a legislação aplicável (EASA PART CAMO ou CAO), e de MANUTENÇÃO (EASA PART-145) no âmbito do Ecureuil AS350 B3»;»
Ao fracionar as questões da forma que fez o Douto Tribunal Central Administrativo Sul não apresentou uma solução jurídica à questão juridicamente complexa colocada pela Recorrente e que decorre da conexão jurídica entre documentos vinculativos que contém declarações falsas e a necessidade de certificação para execução do Caderno de Encargos em relação ao qual houve essa mesma vinculação.
Aliás, veja-se que ao longo do presente recurso de revista foram transcritos vários acórdãos que se referem à questão efetivamente suscitada pela Recorrente, contrariamente ao que sucedeu nas decisões judiciais vertidas nos presentes autos.
A pronúncia de ambas as instâncias apenas esclarece que a entrega dos elementos certificadores se verifica somente em fase de apresentação e não com a apresentação de proposta.
E que não foi retirado qualquer benefício das falsas declarações prestadas pela Contrainteressada, o que, conforme já se referiu, também não corresponde à verdade.
Dos autos resulta que, efetivamente, a Contrainteressada não possuía certificação para realização das obrigações contratuais que se vinculou a cumprir nos termos da declaração do anexo I do Programa do concurso e, portanto, que faltou à verdade ao vincular-se ao cumprimento do Caderno de Encargos porquanto não estava habilitada para tal.
Resultando, ainda uma questão jurídica autónoma, com um enquadramento jurídico autónomo e que não foi efetivamente apreciado em nenhuma das instâncias:
saber se há relevância jurídica no facto de um concorrente não possuir uma certificação legal para o exercício de uma atividade que constitui objeto do contrato a adjudicar na fase de apresentação de proposta e ter apresentado, nesse mesmo momento, declarações de vinculação ao Caderno de Encargos e ter aforado que não dependia das capacidades técnicas de outrem.
Sobre isto os Doutos Tribunais a quo pura e simplesmente não se pronunciaram, desvalorizaram e menorizaram a questão reconduzindo-a e decompondo-a em pequenas questões formais.
A Contrainteressada não podia desconhecer que não possuía as certificações pelo que é forçoso concluir que tais declarações foram prestadas dolosamente e bem sabendo que sem a entrega de tal declaração estaria a entregar uma proposta incompleta sendo que tal é fundamento para exclusão.
Ou seja, há um efetivo benefício a ser retirado do proferimento de uma declaração que não corresponde à verdade realizada com dolo.
Nas suas alegações, em sede de recurso de apelação a Recorrente nunca questionou o Douto Tribunal sobre o momento de apresentação de documentos comprovativos de circunstâncias referidas em fase de apresentação de proposta e em momento de vinculação ao Caderno de Encargos e obrigações daí constantes antes sobre a legalidade de vinculação ao cumprimento de obrigações do Caderno de Encargos e declaração de posse de capacidades técnicas e certificações que, à data de tais declarações não possuía, ainda que o momento de demonstração de tal facto seja em momento posterior.
Nestes termos verificou-se uma efetiva omissão de pronúncia por parte das instâncias que apreciaram o processo.
Conforme refere o Tribunal Central Administrativo Sul:
«I. A omissão de pronúncia verifica-se perante ausência de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal em sede de pedido, causa de pedir e exceções, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, bem como sobre as que sejam de conhecimento oficioso, mas não perante a ausência de resposta concreta aos argumentos convocados pelas partes em defesa dos seus pontos de vista.
II. Perante a alegação de factualidade relevante na petição inicial que se traduza em solução jurídica plausível, cabe ao juiz tê-la em consideração e pronunciar-se sobre a mesma».
Perante tudo quanto se expôs, é inegável que não estamos perante um mero argumento, mas sim perante um problema substantivo, real e efetivo que deveria ter despoletado uma pronúncia sobre uma concreta solução jurídica por parte dos Tribunais a quo.
Com efeito, juridicamente, a resposta a esta questão não se pode esgotar com a afirmação de que se trata de um documento de habilitação pois, veja-se a título de exemplo, que a própria Certidão Permanente do Registo Comercial é um documento de habilitação, o que significa que, na visão do Tribunal a quo uma sociedade inexistente à data de apresentação da proposta pode apresentar-se a concurso.
Uma solução desta natureza não pode ser defendida, pois é unânime, de imperativo lógico e de bom senso que qualquer concorrente deve preencher uma série de requisitos mínimos à execução do contrato a adjudicar no momento de apresentação de proposta, tanto que, um entendimento diverso, como o que parece ser propugnado pelo Tribunal a quo resume-se a afirmar a todas que as empresas concorrentes apenas têm que cumprir os requisitos técnicos à execução do contrato no momento de habilitação, sendo irrelevante o momento de apresentação de proposta.
É jurisprudencial e doutrinalmente assente e aceite que a fase de habilitação é uma fase comprovação; comprovação de factos declarados anteriormente; comprovação de requisitos técnicos que o concorrente afirmou possuir quando apresentou a sua proposta e se vinculou ao conteúdo do Caderno de Encargos, sendo que sem tal vinculação não há apreciação da proposta e, por conseguinte, não há possibilidade chagada, eventual, à fase de habilitação.
Confundir o momento de apresentação de prova de um facto com a declaração de veracidade desse facto em momento anterior é permitir que um júri aprecie um conjunto de propostas que, à data da sua apresentação podem conter inverdades e colocar em plano de igualdade concorrentes que comungam as características e requisitos técnicos impostos por um contrato e aqueles que comungam tais características e requisitos técnicos.
Este entendimento confronta diretamente com o princípio da igualdade previsto tanto no CPA (artigo 6º) como na CRP (artigo 13º) como ainda com o princípio da boa administração, previsto no nº 1 do artigo 5º do CPA que estabelece expressamente que a «A Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade.», e com a imparcialidade e proporcionalidade previsto no artigo 1º-A do CCP, pois apreciar propostas absolutamente desprovidas de seriedade e capacitação técnica é, por um lado tratar por igual quem cumpre e quem não cumpre com o Caderno de Encargos seriamente desde o momento de vinculação ao mesmo e, por outro, promover o gasto de recurso para apreciar propostas que possuem um risco elevado de não poder ser adjudicadas posteriormente por impossibilidade de comprovação de factos mencionados em momento procedimental anterior.
Os legisladores comunitário e nacional não pretenderam criar um paradigma no qual uma empresa que, a título de exemplo, não se dedica ao ramo da aviação, pode apresentar livremente proposta, ver a sua proposta apreciada e graduada em sede de relatório preliminar e final e ser, até adjudicatária, para em fase de habilitação se vir a averiguar que, afinal aquela sociedade nem se dedica à atividade objeto do contrato.
Interpretar, conjuntamente as peças do procedimento e as regras de contratação pública nos moldes propugnadas pelo Tribunal a quo conduz a este tipo de conclusões que são, no mínimo bizarras, totalmente alheias à realidade empresarial e concorrencial das empresas e entidades adjudicantes e apontam em sentido diametralmente oposto ao dos princípios consagrados no CPA, no CCP e na CRP em matéria de comportamento da Administração.
Assim, a Recorrente colocou verdadeiramente uma questão ao Tribunal a quo, e à 1.ª instância, de modo claro explicito e expresso não se confundindo com um mero argumento.
Razão pela qual há uma verdadeira omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo e da 1ª instância, devendo, por essa razão, em qualquer caso, ser o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul ser declarada nula nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615 CPC ex vi artigo 1º CPTA»
*
E assiste razão à recorrente neste segmento recursivo.
Com efeito, o TCA Sul ao conhecer das questões que entendeu estarem sob recurso, enumerou-as (para além da nulidade de omissão de pronúncia assacada à sentença de 1ª instância, quanto à ausência de certificação necessária à execução do contrato a adjudicar em sede de procedimento de contratação – que entendeu não se verificar), apenas como «ERRO DE JULGAMENTO DA SENTENÇA AO NÃO EXCLUIR A RECORRIDA, EM VIRTUDE DE RESULTAR PROVADO NOS AUTOS A AUSÊNCIA DE CERTIFICAÇÃO NECESSÁRIA AO CUMPRIMENTO DO CONTEÚDO DO CADERNO DE ENCARGOS AO QUAL A RECORRIDA SE VINCULOU».
E nesta conformidade decidiu de forma telegráfica, depois de transcrever várias obrigações constantes do Caderno de Encargos, do Programa do Procedimento e disposições do CCP: «Como bem se vê, inexiste aqui qualquer exigência de fazer constar as aludidas certificações da proposta a apresentar» e mais tarde acrescentou: Estamos claramente perante documentos de habilitação e não perante documentos que devem fazer parte da proposta, pelo que carece de sustento legal a aplicação do artigo 57º, nº 1 e, bem assim, do artigo 146º, nº 2, al. d) do CCP».
E ainda:
«É precisamente esse o caso dos autos, as aludidas certificações são documentos de habilitação do adjudicatário, que se pode valer de subcontratados com habilitações distintas das suas, como a contrainteressada expressamente fez constar da sua proposta.
Não constando das peças do procedimento que as tenha de apresentar com a proposta, mas antes que o terá de fazer após a adjudicação».
*
Ora, o assim decidido não cumpre o conhecimento da verdadeira questão que a recorrente havia alegado, relacionada com a prestação de falsas declarações a um conjunto de requisitos técnicos que os concorrentes deviam possuir para efeitos de apresentação de proposta e submissão a concurso [sendo que esta questão, contrariamente ao escorado pelo Tribunal recorrido em sede de sustentação da nulidade, não constitui um mero argumento convocado pela recorrente em defesa do seu ponto de vista, devendo por isso ter sido conhecida].
Ou seja, a questão prendia-se com a conexão jurídica entre documentos vinculativos que alegadamente contêm declarações falsas [questão que não pode ser conhecida nesta sede de revista, uma vez que a recorrente não lhe imputa omissão de pronúncia] e a necessidade de certificação para a execução do Caderno de Encargos em relação ao qual houve vinculação, sendo que o acórdão recorrido apenas se pronúncia no sentido de que a entrega dos elementos certificadores se verifica somente em fase de apresentação e não com a apresentação da proposta.
Importa, pois, apurar e decidir se a contra interessada não possuía uma certificação legal para o exercício da actividade que constitui objecto do contrato a adjudicar na fase de apresentação de proposta e ter apresentado nesse mesmo momento declarações de vinculação ao Caderno de Encargos e ter aforado que não dependia das capacidades técnicas de outrem.
Atento o exposto e sem necessidade de ulteriores considerações, é forçoso concluir que o acórdão recorrido padece da nulidade que lhe é assacada pela recorrente, prevista na al. d), do nº 1, do artº 615º do Código Civil, sendo que, nesta sede de revista, não pode este Tribunal substituir-se no conhecimento da referida questão, impondo-se assim, a baixa dos autos ao tribunal a quo para que aí seja conhecida a questão e suprida a nulidade.
Procede, pois, a presente revista, declarando-se a nulidade do acórdão recorrido, com a baixa dos autos ao TCA-Sul para, nos termos do artº 684º, nº 2, do CPC, aí se proceder à reforma da decisão, atento que o artº 679º do mesmo diploma, exclui a aplicação ao recurso de revista do disposto no nº 2 do artº 665º.
*
3. DECISÃO
Atento o exposto, concede-se provimento ao recurso e consequentemente, declara-se nulo o acórdão recorrido e ordena-se a baixa dos autos ao TCAS para os fins que ficaram referidos.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2024. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) - Cláudio Ramos Monteiro – Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho.