Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0125/17
Data do Acordão:11/22/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:DEVER DE ACATAMENTO DAS DECISÕES DE TRIBUNAL SUPERIOR
ACÓRDÃO
SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário:I - Se a decisão do Tribunal recorrido fez uma errada interpretação quer do anterior acórdão do Supremo Tribunal Administrativo quer do pedido na accão, incorre em erro de julgamento, pelo que se impõe a sua revogação.
II - O Tribunal recorrido tem o dever de acatamento das decisões dos Tribunais Superiores e cumpre-lhe conhecer da acção, se a tal nada mais obstar, devendo apreciar os demais pressupostos processuais, para além da competência em razão da matéria que está definitivamente estabelecida desde o anterior acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P22565
Nº do Documento:SA2201711220125
Data de Entrada:02/06/2017
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:B...........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 - RELATÓRIO

A……………….., SA, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que se julgou incompetente para conhecimento da acção intentada para cobrança coerciva de dívidas contra B……………………, melhor identificado nos autos, e consequentemente remeteu os autos aos serviços de execução da Câmara Municipal de Barcelos com vista à instauração da respectiva execução fiscal.

Inconformada com o assim decidido, vem a fls. 223 apresentar as suas alegações de recurso com o seguinte quadro conclusivo:
«A. A Douta Sentença Recorrida é censurável do ponto de vista jurídico porque declara a sua incompetência para conhecer da matéria versada nos autos, quando a referida competência já lhe foi atribuída por decisão, transitada em julgado, proferida nestes mesmos autos, por Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão (Fundamento) proferido em 04.11.2015, no âmbito deste mesmo processo n° 625/12.1BEBRG.
B. Nos termos e para os efeitos do n° 5 do artigo 280° do CPPT, a Douta Sentença Recorrida perfilha uma solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito com uma decisão de tribunal de hierarquia superior, consubstanciada, a acrescer, no facto de, nos termos da alínea a), do n° 2, do artigo 629° do Código de Processo Civil (aplicável ex vi o artigo 2°, alínea e), do CPPT), ofender o caso julgado pelo Acórdão Fundamento, já que este foi proferido nestes mesmo autos, e que determinou a competência material do Tribunal ora recorrido.
C. Sendo que no referido Acórdão Fundamento, os Venerandos Juízes julgaram de forma contrária à Douta Sentença Recorrida, declarando, nos termos do disposto na alínea c) do n° 1 do artigo 49° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), o Tribunal ora Recorrido como competente para conhecer da matéria em causa nos presentes autos.
D. A Douta Sentença Recorrida adopta um diferente fundamento daquele que havia adoptado na sua anterior Sentença para tomar a mesma decisão que foi revogada pelo Supremo Tribunal Administrativo, mas o novo fundamento adoptado é contrário não só ao entendimento adoptado pelo mesmo Tribunal a quo na sua anterior Sentença, como foi já apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão Fundamento.
E. Esse novo fundamento — o de que os valores peticionados pela ora Recorrente têm de ser cobrados coercivamente em processo de execução fiscal — além dos mais, deve ser considerado improcedente não só porque a Recorrente, enquanto concessionária, não tem acesso à execução fiscal.
F. Mas também porque a Recorrente não tem título executivo: antes intentou uma petição inicial (requerimento de injunção) que, tendo sido alvo de contestação por parte do Recorrido, terá de ser distribuída como uma acção declarativa, destinada a reconhecer direitos e interesses legalmente protegidos em matéria fiscal, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n° 1 do artigo 49° do ETAF, já que, uma vez deduzida oposição à injunção, esta deixou de ser tendencial a formar título executivo, e controverteu-se numa petição inicial declarativa, e não num título executivo, o qual apenas seria formado na hipótese de ausência de oposição/contestação.
G. A Sentença Recorrida representa mais um capítulo numa reiterada e continuada denegação de justiça e do acesso aos tribunais, a que urge colocar um fim definitivo.
H. Em suma, a Recorrente pugna pela aplicação da interpretação dada pelo Acórdão Fundamento á questão de direito, ou seja que o Tribunal Tributário a quo é competente para conhecer litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma concessionária dos serviços públicos de água e saneamento.
Termos em que e, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve dar-se provimento ao presente recurso, devendo ser proferido Acórdão que decida no sentido preconizado no Acórdão Fundamento, sendo declarado que o Tribunal Tributário a quo é competente para conhecer da presente acção.»

Não foram apresentadas contra alegações.

O Ministério Público a fls. 242 emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«Objecto do recurso: decisão declaratória da incompetência do tribunal tributário, em razão da matéria, para conhecimento de requerimento de injunção no sentido da condenação no pagamento de quantia pecuniária devida pela prestação de serviços contratados de abastecimento de água e saneamento por empresa concessionária
FUNDAMENTAÇÃO
1. Por decisão proferida em 14 outubro 2013 o TF Braga declarou-se incompetente em razão da matéria para o conhecimento das questões suscitadas no requerimento de injunção que iniciou o presente processo oposição (fls.92/101).
Apreciando recurso interposto desta decisão, o acórdão STA-SCT proferido em 4 novembro 2015 (fls.160/178) declarou competente, em razão da matéria, os tribunais administrativos e fiscais, através dos tribunais tributários, para conhecer das questões suscitadas nos autos, determinado a baixa do processo ao TF Braga para que, se a tanto nada mais obstar, tais questões ali sejam apreciadas.
Designadamente, ponderou-se naquele aresto que
(...) não obstante a providência de injunção se destinar a conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações (cfr. art. 7° do DL n° 269/98, de 1/9, na redacção introduzida pelo DL n°32/2003, de 17/2) no caso, tendo sido deduzida oposição à injunção esta deixou de se destinar, tendencialmente, formação de um título executivo, convertendo-se numa petição inicial declarativa, já que o título executivo apenas se formaria na hipótese de ausência de oposição/contestação (cfr. arts. 14.º ss. do DL n°269/98).
2. Neste contexto, a invocação como fundamento da nova declaração de incompetência constante da decisão recorrida da necessidade de prévia instauração de execução fiscal pelos serviços de execução da CM Barcelos não constitui causa relevante obstativa do conhecimento das questões cuja apreciação foi superiormente ordenada; antes flagrante violação do dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores determinante da anulação da decisão, por violação de norma legal imperativa, sem prejuízo de eventual responsabilidade disciplinar (art 4º nº1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela lei nº 21/85, 30 de junho).
Conclusão
A decisão impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão que ordene a devolução do processo ao tribunal recorrido para conhecimento das questões suscitadas na acção.»

Por despacho do relator foram as partes notificadas do teor do parecer do MP e sobre mesmo nada vieram dizer.

2 – Fundamentação:
A decisão sob recurso tem o seguinte teor que se apresenta por extracto:
“(…) A questão que importa decidir desde logo, é a viabilidade do prosseguimento dos autos, considerando os intervenientes processuais, a causa de pedir e o pedido formulados.
Vejamos:
Para conhecimento da questão em apreço seguiremos a jurisprudência já firmada pelo Tribunal de Conflitos, traduzida no acórdão n° 1/14, de 27.03.2014, que segue jurisprudência uniforme nesta matéria.
“(...). O conflito o acima desenhado é essencialmente semelhante àqueles que este Tribunal já decidiu múltiplas vezes, visto em todos eles ser incontroverso que a Autora é uma sociedade anónima de direito privado concessionária do serviço público de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público do Município de Fafe (actividade vedada a particulares, salvo havendo concessão — artigo 1.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 88-A/97, de 25/07, com a alterações introduzidas pela Lei n.º 35/2013, de 11/06) e a pretensão formulada ser a condenação da Rés no pagamento do serviço contratado.
As incidências específicas de cada um, como, por ex., o teor das contestações aí deduzidas, não são decisivas para a determinação da competência do Tribunal e isto porque, como vem sendo dito uniformemente, essa competência tem de ser apreciada em função da causa de pedir e pedido e tais processos terem respeitado, sempre, a pedidos por falta de pagamento de facturas de consumo de água.
E em todos esses casos foram julgados competentes os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e dentro destes os Tribunais tributários — Vd. a título meramente exemplificativo, os seguintes Acórdãos, de 25/06/2013 (processo n.° 033/13), de 26.9.2013 (proc. n.º 030/13,), de 05/11/2013 (n.º 039/13,), de 18/12/2013 (proc.s n.ºs 038/13 e 053/13) e de 29/01/2014 (proc. n.º 45/13) Jurisprudência que não se vê razão para alterar.
Daí que nos limitemos a transcrever, parcialmente, a fundamentação apresentada no referido acórdão de 26.9.2013, processo 30/13, a que se adere:
«(...). Ora, é entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual sendo aferida pela questão ou questões que o A coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, conforme ensina Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil pgª 91,). E nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pela “quid disputatum “, ou seja pelo pedido do A e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor.
(…)
Será portanto a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o seu conhecimento.
Ora, esta acção começou com um requerimento de injunção para pagamento de facturas de água alegando a requerente que os RR não pagaram determinada quantias de água fornecida […]
Donde se conclui que o litígio compreende uma questão jurídica respeitante ao pagamento de encargos fixos e consumos de água fornecida pela A, no âmbito dum contrato com colocação dum contador [...] e das normas que o regem.
Por outro lado, não está em causa que a A é a empresa concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento de água e de saneamento do Município de Fafe, por força de contrato celebrado com este último.
Efetivamente, conforme se estabelece no n° 1 do artigo 26.º da Lei n° 159/99, de 14/09, é da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos nos seguintes domínios:
a) Sistemas municipais de abastecimento de água;
b) Sistemas municipais de drenagem e tratamento de águas residuais urbanas;
c) Sistemas municipais de limpeza pública e de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos.
No entanto, e conforme resulta do artigo 6.º do DL n°379/93 de 5/11, a sua exploração e gestão tanto pode ser directamente efectuada pelos respectivos municípios ou associações de municípios, como pode ser atribuída, em regime de concessão, a entidade pública ou privado de natureza empresarial, bem como a associação de utilizadores, sendo o prazo mínimo de concessão de 5 anos e máximo de 50 (artigo 8.°).
E enquanto durar a concessão, a propriedade dos bens integrados nos sistemas municipais e a ela afectos pertence à concessionária, revertendo para os respectivos municípios no termo da concessão, conforme estabelece o artigo 7.º deste diploma.
Por outro lado, e nos termos do seu artigo 13°, n° 2, a concessionária, precedendo aprovação pelo concedente, tem direito a fixar, liquidar e cobrar aí a taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização, e está autorizada a recorrer ao regime legal da expropriação, nos termos do Código das Expropriações, bem como aos regimes de empreitada de obras públicos e de fornecimento contínuo.”
Donde resulta que, no caso em análise, a A, enquanto concessionária do serviço de fornecimento de água aos munícipes de Fafe, prossegue fins de interesse público, estando, para tanto, munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa, pois como advoga Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa. Lições, 2000, pg 79.), têm de se considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.
Podemos assim concluir que a matéria em causa na presente acção cai no âmbito dos litígios a que alude o art.º 1°, n°1, do ETAF, sendo competentes para a sua apreciação os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, pois, e tal como se decidiu no conflito 17/10, o concessionário, obtida a necessária aprovação pelo concedente, detém o poder de fixar, liquidar e cobrar taxas aos utentes, poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 13°, n° 2 do DL n° 379/93 de 5/11, tratando-se portanto dum poder conferido por normas de direito administrativo.
Por outro lado, trata-se de matéria que cai na previsão da alínea d) do n° 1 do artigo 4° do ETAF; cabendo na esfera de competência dos tribunais administrativos e fiscais por estarmos perante um litígio que tem por objecto a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, e que advenham do exercício de poderes administrativos, assim se afastando esse conhecimento da esfera de competência dos tribunais judiciais.
Resta por último, determinar; no seio da categoria dos tribunais administrativos e fiscais, qual o concretamente competente para a acção.
Ora, atendendo a que este litígio assenta na exigência do pagamento de consumos de água, e demais encargos relativos à disponibilização dum contador totalizador; a questão suscitada reveste uma natureza fiscal entendendo-se como tal, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”, conforme se decidiu no acórdão de 9/11/2010, proferido no conflito n° 17/10, e que seguiu aposição já antes assumida no acórdão deste Tribunal dos conflitos de 26/09/2006, Processo n.º 14/06.
Diga-se ainda que o Pleno da Secção do Contencioso Tributário já se pronunciou sobre esta questão aceitando esta competência, conforme decorre do acórdão de 10/04/2013, proferido no processo n°15/12, onde se decidiu que:
“No domínio da vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n°2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n° 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes do abastecimento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de tarifas usado nas anteriores Leis das Finanças Locais, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal.”
Podemos assim, concluir que a jurisdição competente para conhecer do litígio em apreciação é a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, através dos tribunais tributários, atento o disposto no artigo 49º n.º 1, alínea c), do ETAF».
Assim sendo, se é certo que, face à jurisprudência citada, e ao decidido no processo em apreço por Douto Acórdão do STA de 04-11-2015 (fls. 168 e seguintes dos autos) o tribunal tributário é competente para apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas por abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, não é menos certo que, previamente, tais dívidas têm que ser cobradas coercivamente em processo de execução fiscal, nos termos do CPPT, por força dos artigos 12.°, n.º 2 da Lei nº. 53-E/2006, de 29/12 (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais), actualizado pela Lei n.º 117/2009, de 29/12, e 56.º, n.º 3 da Lei n.º 2/2007, de 15.01 (Lei das Finanças Locais).
Na verdade, de harmonia com os preceitos legais citados, compete aos órgãos executivos a cobrança coerciva das dívidas às autarquias provenientes designadamente de taxas e outras receitas de Natureza tributária que aquelas devem cobrar, aplicando-se o regime do CPPT, com as necessárias adaptações

A este respeito chama-se, ainda, à colação os ensinamentos do Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, III vol., 6ª edição 2011, Áreas Editora, pág. 61, anotação 3 ao artigo 152°.
“Relativamente aos tributos administrados por autarquias locais, prevê-se no art.° 7.º do DL. n.º 433/99, de 26 de Outubro, que aprovou o CPPT, que as competências atribuídas nesse diploma aos órgãos periféricos locais serão exercidas pela respectiva autarquia, sendo as competências atribuídas ao representante da Fazenda Pública exercidas por licenciado em Direito nomeado pela autarquia (art. 149.º e n.º 1 do presente art. 0152.º).
Entre as competências atribuídas a órgãos periféricos locais do CPPT, inclui-se a de promover a execução fiscal (art. 0149.º e n.º 1 do presente art. 0152.º)
Nestes casos, serão os serviços da respectiva autarquia que terão competência para promover a execução.”.
Deste modo, o processo de execução fiscal continua a ser o meio próprio para cobrança coerciva de dívidas por abastecimento de água e saneamento, quando o serviço for prestado pelo Município, por empresa municipal ou empresa concessionária.
Ora, revertendo o acabado de expor para o caso concreto, conclui-se que a autora (empresa concessionária), pretende cobrar um valor em dívida, já vencido. No entanto, não instaurou a respetiva execução, avançando de imediato para os meios judiciais, através da injunção, que deu origem aos presentes autos, ao contrário do que se lhe impunha
É que, na senda do decidido pelo STA, se a competência para apreciação das questões suscitadas no processo de execução fiscal é dos tribunais tributários, esta tem que ter em consideração a repartição de competências (material) prevista nos artigos 10.º e 151.º do CPPT., cabendo à administração tributária “Liquidar e cobrar ou colaborar na cobrança dos tributos” [n.º 1, alínea, a) do art.° 10.] e “Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 151.º do presente Código” [alínea f)]. Até porque tendo o processo de execução fiscal globalmente natureza de processo judicial, aos órgãos de execução fiscal cabe a prática de atos não jurisdicionais, reportando-se a competência atribuída ao tribunal à prática dos atos de natureza jurisdicional.
Assim, na ausência de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida em causa nos autos, o tribunal tributário é materialmente incompetente (nesta fase) para conhecimento das questões suscitadas pelas partes, nos termos do disposto no art.° 151.º do CPPT.
Nessa sequência, determino a anulação de todo o processado e a remessa dos autos aos Serviços de Execução da Câmara Municipal de Barcelos com vista à eventual instauração da respetiva execução fiscal, com todas as consequências legais.
II — DECISÃO
Pelo exposto, julgo o tribunal incompetente para conhecimento das questões suscitadas nos autos e, nessa sequência, determino:
- a anulação de todo o processado e a remessa dos autos aos Serviços de Execução da Câmara Municipal de Barcelos com vista à eventual instauração da respetiva execução fiscal, com todas as consequências legais.
(…)

3- DO DIREITO:
Questão prévia - admissibilidade do recurso.
A decisão recorrida que se declarou incompetente para os termos da acção, mostra-se em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que foi proferido nestes autos e determinou que o Tribunal Tributário de Braga era competente para os termos da acção, pelo que pese embora o valor da causa não ultrapassa um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1ª instância está em causa uma decisão que adoptou solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito, na ausência substancial de regulamentação jurídica, com uma decisão de tribunal de hierarquia superior, pelo que se consideram verificados os requisitos constantes do art.º 280, n.º 5 do Código de Processo e Procedimento Tributário para ser o recurso admitido.

Questão objecto de recurso
1- Competência dos Tribunais Tributários para conhecer a presente acção.
Cremos que a sentença recorrida, efectuou uma errada interpretação do anterior acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/11/2015, proferido nestes autos a fls. 160 a 178, uma vez que nele se julgou “competente, em razão da matéria, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, para conhecer das questões suscitadas nos autos, determinando a baixa dos autos a esse mesmo Tribunal, para que, se a tanto nada mais obstar, tais questões ali sejam apreciadas”, o que impedia, em qualquer situação que o tribunal recorrido viesse a declarar-se incompetente em razão da matéria para apreciar as questões suscitadas nos autos. Ao invés o Tribunal recorrido entendeu que o referido acórdão dissera que o tribunal tributário é competente para apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas por abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos. Além disso, o tribunal recorrido ainda acrescentou que para tal cobrança coerciva era próprio o meio processual de execução fiscal, nos termos do CPPT, por força dos artigos 12.º, n.º 2 da Lei n.º 53-E/2006, de 29/12 (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais), actualizado pela Lei n.º 117/2009, de 29/12, e 56.º, n.º 3 da Lei n.º 2/2007, de 15.01 (Lei das Finanças Locais)
Mas a acção não tem formulado qualquer pedido de execução fiscal, ou qualquer outro pedido executivo. O pedido formulado é de condenação do réu no pagamento da quantia de € 218,44, relativa aos serviços contratados de abastecimento de água e saneamento, bem como dos respectivos juros. Trata-se de um pedido declarativo de condenação a pagamento de quantia certa porque a entidade fornecedora de água é uma empresa privada, actuando como concessionária, mas não dotada dos poderes da Autarquia para extrair certidões de dívida susceptíveis de servirem de título executivo na execução fiscal.
O pedido formulado é de que o Tribunal declare ser aquele o custo do serviço fornecido pela recorrente ao consumidor, que esse valor se mostra em dívida para que assim se forme título executivo susceptível de ser executado. Esta a relação material controvertida a dirimir para a qual o Supremo Tribunal Administrativo já declarou que o Tribunal recorrido tinha competência, em razão da matéria.
Assim, ao Tribunal recorrido cumpre conhecer da acção, se a tal nada mais obstar, devendo apreciar os demais pressupostos processuais, para além da competência em razão da matéria que está definitivamente estabelecida desde o anterior acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.
Reitera-se que o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação quer do anterior acórdão do Supremo Tribunal Administrativo quer do pedido, incorrendo em erro de julgamento, pelo que se impõe a sua revogação.

4-Decisão:
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinando a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, para que, se a tanto nada mais obstar, tais questões ali sejam apreciadas.

Sem custas.
Lisboa, 22 de Novembro de 2017. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - António Pimpão.