Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0498/10
Data do Acordão:09/29/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IVA
PRESCRIÇÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
CITAÇÃO
NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Estando em causa uma dívida de IVA referente ao ano de 1999, e sendo este imposto de obrigação única (e não um imposto periódico) o termo inicial do prazo de prescrição (de 8 anos) que se contava, à luz da inicial redacção do nº 1 do art. 48º da LGT, a partir da data da ocorrência dos respectivos factos tributários e não a partir do início do ano civil seguinte, passou a contar-se, por via da alteração que o artº. 40º da Lei nº 55-B/2004 introduziu neste nº 1, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, ou seja, no caso, a partir de 1/1/2000.
II - A citação do responsável subsidiário, se for o primeiro facto interruptivo ocorrido na vigência da Lei nº 53-A/2006, 29 de Dezembro (que introduziu a actual redacção ao nº 3 do artº. 49° da LGT), interrompe o prazo que, relativamente a ele, ainda estiver em curso, impedindo o decurso do mesmo até à decisão que puser termo ao processo de execução fiscal.
III - A lei não exige a notificação do responsável subsidiário para pagamento voluntário da dívida exequenda previamente à citação, até porque este “fica isento de juros de mora e de custas se, citado para cumprir a dívida tributária principal, efectuar o respectivo pagamento no prazo de oposição”- (artº 23º, nº 5 da LGT).
IV - Tendo a dívida executada sido liquidada e o prazo de pagamento terminado no período do exercício do cargo de gerente da executada por parte do oponente, estamos perante situação prevista no artº 24º, nº 1, alínea b) da LGT, cabendo ao responsável subsidiário - oponente - o ónus da prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida objecto da execução.
Nº Convencional:JSTA00066609
Nº do Documento:SA2201009290498
Data de Entrada:06/14/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Área Temática 2:DIR PROC TRIBUT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:DL 398/98 DE 1998/12/17 ART6.
LGT98 ART48 ART49 ART12 N1 ART45 N4 ART23 N1 N2 N4 ART24 N1.
CPTRIB91 ART13.
L 100/99 DE 1999/06/26.
L 55-B/2004 DE 2004/12/30 ART40.
L 53-A/2006 DE 2006/12/29 ART91.
CCIV66 ART12 N2.
L 32-B/2002 DE 2002/12/30.
CPPTRIB99 ART153 N2 ART163 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC635/10 DE 2010/09/01.; AC STA PROC201/10 DE 2010/06/30.; AC STA PROC158/10 DE 2010/06/30.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, contribuinte fiscal nº …, com os demais sinais dos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF do Porto que julgou a sua oposição à execução fiscal nº 3514199801021818 improcedente relativamente a dívidas de IVA do ano de 1999, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
Iª) Salvo o devido e merecido respeito, o Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos.
IIª) O devedor principal das liquidações efectuadas e constantes dos presentes autos é a sociedade “B…, Ldª”.
IIIª) Entre a data de vencimento das obrigações fiscais e a data em que o Recorrente tomou conhecimento da dívida, completou-se o prazo de prescrição, sem se verificar qualquer causa de interrupção da prescrição em relação ao devedor subsidiário.
IVª) De acordo com o nº 1, por motivo do aludido artº 49º da LGT, a citação da sociedade, devedora interrompeu o decurso do prazo de prescrição.
Vª) O processo executivo esteve parado, por motivo não imputável ao contribuinte, entre 20.04.2001 e 14.11.2003.
VIª) O recorrente veio a ser interpelado para pagamento da dívida relativa a IVA de 1999, por força da citação para a reversão, em 30.08.2006, ou seja, mais de cinco anos após a liquidação das respectivas dívidas.
VIIª) Por conseguinte, é aplicável o disposto no nº 3 do artº 48º da LGT, que determina que, na circunstância supra referida, a interrupção da prescrição em relação ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário, tendo corrido o prazo de prescrição sem qualquer interrupção.
VIIIª) O princípio da segurança jurídica limita o legislador na edição de normas fiscais retroactivas, desfavoráveis ao contribuinte.
IXª) O artº 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ao consagrar a aplicação retroactiva de um instrumento que revogou um mecanismo legal que era mais favorável ao recorrente, violou o princípio da segurança jurídica.
Xª) Consequentemente, salvo o devido respeito, a interpretação segundo a qual o artº 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, é aplicável aos presentes autos, é ilegal, por violação do artº 12º da LGT.
XIª) Por tudo o exposto, e, ainda nos termos expostos e reconhecidos pelo MºPº e pela própria Administração Fiscal, a dívida fiscal relativa ao IVA do ano de 1999 está, assim, prescrita, o que determina a extinção do direito à respectiva cobrança coerciva.
XIIª) A falta de notificação, ao recorrente, da liquidação da reposição que se lhe encontra subjacente, tem como consequência a inexigibilidade da dívida exequenda.
XIIIª) Do título executivo, nada consta que o recorrente – na qualidade de devedor subsidiário – tivesse sido convidado a proceder ao pagamento voluntário do imposto.
XIVª) Resultando a inexigibilidade da dívida exequenda e respectivos acrescidos relativos ao IVA do ano de 1999, em relação ao devedor subsidiário, aqui Recorrente, facto que implica a necessária extinção da execução em causa nos presentes autos, o que expressamente se requer.
XVª) O despacho de reversão não prova a culpa do Recorrente pelo facto de o património da sociedade se ter tornado insuficiente para satisfação das dívidas tributárias.
XVIª) A Administração Fiscal tinha, nos termos legais, de provar os pressupostos de culpa do aqui recorrente.
XVIIª) Sendo igualmente necessária a imputação de tal facto a título de dolo ou negligência grave.
XVIIIª) No caso em apreço, salvo o devido e merecido respeito, o despacho de reversão, bem como a douta sentença recorrida, não reúnem os pressupostos pessoais da responsabilização do Recorrente, relativamente aos débitos fiscais da empresa.
XIXª) Devem, assim, pelos termos, motivos e razões aduzidas, a douta sentença recorrida ser revogada na parte em que decide a legitimidade do Recorrente nos presentes autos de execução, sendo desobrigado do pagamento da quantia exequenda que contra si reverteu, relativa ao IVA do ano de 1999, nos termos dos normativos legais aplicáveis.
Nestes termos e nos demais que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao recurso, julgando-o procedente em conformidade com as conclusões e revogando a douta sentença recorrida, farão, como de costume, inteira e sã justiça.
2. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 211/212, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
3. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
4. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
a) Em 29.09.1998, pelo Serviço de Finanças de Matosinhos foi instaurado contra a sociedade “B…, Ldª”, o processo de execução fiscal (doravante PEF) nº 3514199801021818 e apensos por dívidas de IVA referentes aos anos de 1996 a 1999 e coimas fiscais, no montante global de 73.649,58 euros.
b) O PEF nº 3514199801026348 referente a IVA do 03T de 1999 (no valor de 3.429,17 euros) foi autuado em 27.10.1999.
c) O PEF nº 3514200201014340 referente a IVA do 06T de 1999 (no valor de 15.820,87 euros) foi autuado em 15.03.2000.
d) Os PEFs nº 3514200201006487, 3514200201006468 e 3514200201024795, referentes a coimas fiscais (ano 2002) foram autuados em 22.04.2002, 18.06.2002 e 04.09.2002, respectivamente.
e) A sociedade executada foi citada para a execução a que se reporta o PEF nº 351420001014340 em 27.03.2001 – cfr. processo de execução fiscal.
f) A carta registada remetida para citação da sociedade executada no PEF nº 3514199901026348 veio devolvida pelos CTT.
g) O PEF nº 351420000101430 esteve parado por motivo não imputável ao contribuinte entre 20.04.2001 e 14.11.2003.
h) Por despacho de 21.08.2006, foi ordenada a reversão da execução fiscal referida em alínea a) contra o oponente, na qualidade de responsável subsidiário – cfr. fls. 62/63.
i) O oponente foi citado para a execução em 30.08.2006 – cfr. fls. 63/64.
j) A presente oposição foi apresentada em 04.10.2006.
k) Por despacho do Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Matosinhos 2, de 03.09.2008, foi reconhecida oficiosamente a prescrição das dívidas relativas a IVA dos anos de 1996, 1997 e 1998 – cfr. fls. 109/110 dos autos.
l) Na sociedade executada trabalhavam apenas os dois sócios (o oponente e outro) e dois funcionários (um na parte administrativa e outro na operacional).
m) O património da sociedade executada assentava sobretudo no Know-how dos seus sócios.
n) A sociedade executada começou a debater-se com grandes dificuldades financeiras devido aos atrasos nos pagamentos por parte dos seus clientes.
o) Em virtude das dificuldades financeiras da sociedade executada, os dois sócios que ali trabalhavam (incluindo o oponente) chegaram a não receber os seus salários mensais.
p) Pontualmente, o funcionário operacional da sociedade executada tinha de adiantar pagamentos, designadamente, de combustível, devido às dificuldades de tesouraria da sociedade executada.
q) Os trabalhadores sempre receberam os seus salários, embora algumas vezes com atraso.
r) No período a que respeitam as dívidas exequendas, o oponente e C… eram os únicos sócios da sociedade executada.
s) A gerência da sociedade executada estava afecta aos dois sócios: o oponente e C….
t) A sociedade executada obrigava-se pela intervenção de dois gerentes ou pela de um gerente e um procurador.
u) Na Segurança Social estão registadas entradas de folhas de férias do oponente, relativamente aos anos de 1996 a 2002, na qualidade de sócio-gerente – cfr. fls. 142 dos autos.
v) O sócio-gerente C… tinha alguma supremacia em relação ao oponente na tomada de decisões relativamente à sociedade executada, devido, sobretudo, ao facto de ter uma personalidade mais forte e vincada que este.
w) O oponente chegou a recorrer a empréstimos junto de familiares para fazer face às despesas da sociedade executada.
x) Dos requerimentos dirigidos ao Chefe do Serviço de Finanças juntos a fls. 72, 74, 80 e 81 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, constam duas assinaturas.
y) Dá-se por reproduzido o requerimento de fls. 60/61 dos autos relativo ao exercício do direito de audição pelo oponente sobre o projecto de despacho de reversão da execução.
5. De acordo com as conclusões das alegações, são as seguintes as questões a apreciar no presente recurso:
a) Prescrição da dívida exequenda relativa ao IVA de 1999 – conclusões Iª) a XIª);
b) Inexigibilidade da mesma dívida – conclusões XIIª) a XIVª);
c) Ilegitimidade do oponente para a execução – conclusões XVª) a XIXª).
5.1. A decisão recorrida entendeu que não se verificava a prescrição, louvando-se nos seguintes argumentos:
O prazo de prescrição (oito anos) teve o seu início em 01.01.2000, tendo sido interrompido com a citação do oponente em 30.08.2006. Deste modo, até à data da citação haviam decorrido apenas 6 anos, sete meses e 30 dias. Com a citação, foi interrompido o prazo de prescrição, pelo que à data da sentença este não tinha ainda ocorrido. E é irrelevante para o caso que o processo tivesse estado parado desde 11.10.2006 a 12.12.2007, porque, em face da revogação do artº 49º, nº 3 pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro e do artº 91º desta mesma Lei, aquele facto deixou de relevar para efeitos de cessação de interrupção da prescrição.
Este entendimento, que colhe o apoio legal do MºPº, tal como resulta do parecer de fls. 211/212, é contrariado pelo recorrente com os seguintes fundamentos:
Entre a data de vencimento das obrigações fiscais e a data em que o Recorrente tomou conhecimento da dívida, completou-se o prazo de prescrição, sem se verificar qualquer causa de interrupção da prescrição em relação ao devedor subsidiário.
De acordo com o nº 1, por motivo do aludido artº 49º da LGT, a citação da sociedade, devedora interrompeu o decurso do prazo de prescrição.
O processo executivo esteve parado, por motivo não imputável ao contribuinte, entre 20.04.2001 e 14.11.2003.
O recorrente veio a ser interpelado para pagamento da dívida relativa a IVA de 1999, por força da citação para a reversão, em 30.08.2006, ou seja, mais de cinco anos após a liquidação das respectivas dívidas.
Por conseguinte, é aplicável o disposto no nº 3 do artº 48º da LGT, que determina que, na circunstância supra referida, a interrupção da prescrição em relação ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário, tendo corrido o prazo de prescrição sem qualquer interrupção.
O princípio da segurança jurídica limita o legislador na edição de normas fiscais retroactivas, desfavoráveis ao contribuinte, pelo que o artº 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ao consagrar a aplicação retroactiva de um instrumento que revogou um mecanismo legal que era mais favorável ao recorrente, violou o princípio da segurança jurídica e o artº 12º da LGT.
Vejamos então qual a tese que merece o apoio legal.
5.1.1. Questão idêntica à destes autos - saber se ocorreu a prescrição da dívida relativamente ao responsável subsidiário – foi já tratada, entre outros, nos seguintes acórdãos deste Tribunal e Secção: 01.09.2010 – Recurso nº 0635/10, 30.06.2010 – Recurso nº 0158/10 e de 30.06.2010 –Recurso nº 0201/10.
Por isso, seguiremos aqui de muito perto a doutrina defendida naqueles arestos.
Considerando que está em causa dívida de IVA de 1999, é aplicável o regime de prescrição da Lei Geral Tributária, que entrou em vigor em 01.01.1999 (v. o artº 6º do DL nº 398/98, de 17 de Dezembro).
5.1.2. Os arts. 48º e 49º da LGT, na sua redacção inicial, dispunham, respectiva-mente, o seguinte:
“Artigo 48º
Prescrição
1 – As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 – As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 – A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.»
“Artigo 49º
Interrupção e suspensão da prescrição
1 – A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 – O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.”
A Lei nº 100/99, de 26/6, alterou os nºs. 1 e 3 deste artº. 49º, os quais ficaram a ter a seguinte redacção:
“1 – A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
3 – O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.”
Posteriormente, a Lei nº 55-B/2004, de 30/12, alterou o nº 1 daquele artº. 48º da LGT, o qual ficou com a redacção seguinte:
“1 – As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”
Finalmente, a Lei nº 53ºA/2006, de 29/12, veio alterar o citado artº 49º da LGT, que ficou com a seguinte redacção:
“1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - Revogado
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.”
5.1.3. Apliquemos agora este quadro legal aos factos provados e relevantes para a questão.
Nos autos estão em causa dívidas de IVA referentes ao ano de 1999.
Sendo o IVA um imposto de obrigação única (e não um imposto periódico) o prazo de prescrição de 8 anos contava-se, à luz da inicial redacção do nº 1 do art. 48º da LGT, a partir da data da ocorrência dos respectivos factos tributários e não a partir do início do ano civil seguinte.
Porém, por via da alteração que o artº 40º da Lei nº 55-B/2004 introduziu neste nº 1, o dito termo inicial do prazo começou a contar-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
E esta nova redacção do preceito e este novo modo de contagem do prazo de prescrição são já aplicáveis no presente caso, dado que se trata de prazos que estavam em curso no início da vigência da lei que introduziu tal alteração, não havendo aqui qualquer aplicação retroactiva da nova disposição legal, uma vez que o facto extintivo do direito à cobrança coerciva da dívida tributária é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo (o início do prazo em momento temporal determinado) – cfr. o segmento final do nº 2 do artº. 12° do CCivil (entendimento idêntico tem, aliás, vindo a ser afirmado pela jurisprudência desta secção do STA, a propósito da alteração do prazo de caducidade da liquidação, após a alteração introduzida no nº 4 do artº. 45º da LGT pela Lei nº 32-B/2002, de 30/12, como resulta, entre outros, dos Acórdãos de 26/11/08 – Recurso nº 598/08, de 20/05/09 – Recurso nº 293/09, de 25/06/09 – Recurso nº 1109/08, de 03/03/10 - Recurso nº 1076/09 e de 30/06/10 – Recursos nºs. 0158/10 e 0201/10.
Assim, não sendo o início do prazo de prescrição, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à cobrança da dívida por parte da AT, é de concluir que, por aplicação da regra contida no segmento final daquele nº 2 do artº. 12° do CCivil e no nº 1 do artº. 12º da LGT, a nova redacção do preceito é aplicável ao presente caso.
Deste modo, o prazo de prescrição (de 8 anos) iniciou-se em 01/01/2000, pelo que terminaria em 01.01.2008.
O recorrente foi citado para a execução, na qualidade de responsável subsidiário, em 30/08/2006 (alínea i) do probatório supra), portanto, para além do prazo de cinco anos referido no artº. 48º, nº 3 da LGT. Isto significa que qualquer causa interruptiva da prescrição verificada em relação ao devedor originário não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário. No caso concreto dos autos nem sequer está provado qualquer facto interruptivo relativo ao devedor originário, uma vez que dos factos das alíneas e) e f) do probatório resulta apenas que a sociedade executada foi citada para a execução a que se reporta o PEF nº 351420001014340 em 27.03.2001 e que a carta registada remetida para citação da sociedade executada no PEF nº 3514199901026348 veio devolvida pelos CTT.
Porém, temos de entender se, em face do nº 1 do artº 49º da LGT, que a citação do responsável subsidiário, efectuada antes de decorrido o prazo de prescrição – ainda que depois de decorrido o prazo de 5 anos referido no citado artº 48º, nº 3 da LGT – interrompe o prazo de prescrição.
Na verdade, conforme se escreveu no Acórdão deste Tribunal e Secção acima citado (de 01.09.2010- Recurso nº 0635/10), “o efeito deste normativo (nº 3 do art. 48º da LGT) é apenas o de tornar irrelevante em relação ao responsável subsidiário as causas de interrupção da prescrição verificadas em relação ao devedor originário, sem prejuízo do efeito interruptivo resultante da sua própria citação (do responsável subsidiário), se ocorrer antes do termo do 8° ano a contar do início do prazo de prescrição (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª Edição, 2010, págs. 119/120).”
Então, por força deste mesmo efeito interruptivo resultante da citação do oponente na sua qualidade de responsável subsidiário, ocorrida em 30/08/2006 (antes, portanto, de esgotado o dito prazo de 8 anos - contando o prazo desde 1/1/2000) e por força da consequente interrupção do prazo de prescrição conexo com a sua própria responsabilidade, concluímos que a dívida não está prescrita.
Não está, assim, correcto, o afirmado pelo recorrente na conclusão IIIª) ao referir que “Entre a data de vencimento das obrigações fiscais e a data em que o Recorrente tomou conhecimento da dívida, completou-se o prazo de prescrição, sem se verificar qualquer causa de interrupção da prescrição em relação ao devedor subsidiário”, já que o facto interruptivo relevante foi a sua citação para a execução ocorrida em 30.08.2006, quando o facto tributário ocorreu em 1999.
O recorrente refere ainda a paragem do processo sem culpa do contribuinte entre 20.04.2001 e 14.11.2003. Porém, essa paragem é irrelevante para o caso do oponente, uma vez que, entretanto, foi citado, ainda antes do decurso do prazo da prescrição, ficando interrompido aquele prazo.
Por outro lado, também a paragem do processo já após a sua citação, entre 11.10.2006 e 12.12.2007 é irrelevante, uma vez que o nº 2 do artº 49º da LGT foi expressamente revogado pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, cujo artº 91º veio ainda determinar que aquela revogação se aplicava aos prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tivesse recorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo.
Ora, tendo tal Lei entrado em vigor em 01.01.2007, desde 11.10.2006 (início da paragem do processo) até aquela data não havia decorrido período de paragem superior a um ano, pelo que a revogação da citada norma produziu efeitos no caso concreto.
Entende o recorrente que o artº 91º citado, ao consagrar a aplicação retroactiva de um instrumento que revoga um mecanismo legal que era mais favorável ao Recorrente, violou o princípio da segurança jurídica e o artº 12º do Código Civil.
A esta questão respondeu já, de algum modo, o Acórdão deste Tribunal e Secção de 30.06.2010 – Recurso nº 0635/2010, a propósito da aplicação do nº 1 do artº 48º da LGT, na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, no qual se escreveu o seguinte:
“Com efeito, esta nova redacção do preceito e este novo modo de contagem do prazo de prescrição são já aplicáveis no presente caso, dado que se trata de prazos que estavam em curso no início da vigência da lei que introduziu tal alteração, não havendo aqui qualquer aplicação retroactiva da nova disposição legal, uma vez que, como aponta o MP, o facto extintivo do direito à cobrança coerciva da dívida tributária é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo (o início do prazo em momento temporal determinado) – cfr. o segmento final do nº 2 do art. 12° do CCivil (entendimento idêntico tem, aliás, vindo a ser afirmado pela jurisprudência desta secção do STA, a propósito da alteração do prazo de caducidade da liquidação, após a alteração introduzida no nº 4 do art. 45º da LGT pela Lei nº 32-B/2002, de 30/12, como pode ver-se, entre outros, dos acs. de 26/11/08, no rec. nº 598/08; de 20/5/09, no rec. nº 293/09; de 25/6/09, no rec. nº 1109/08; e de 3/3/10, no rec. nº 1076/09).
Na verdade, como se refere neste último aresto, citando a lição de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2002, pags. 235 e 242/243), «(…) nada impede que a lei nova se aplique a factos passados que ela assume como pressupostos impeditivos ou desimpeditivos (isto é, como pressupostos negativos ou positivos) relativamente à questão da validade ou admissibilidade da situação jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência» e «tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento do início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova».
Assim, não sendo o início do prazo de prescrição, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à cobrança da dívida por parte da AT, é de concluir que, por aplicação da regra contida no segmento final daquele nº 2 do art. 12° do CCivil e no nº 1 do art. 12º da LGT, a nova redacção do preceito é aplicável ao presente caso.
Por tudo o que ficou dito concluímos então no sentido de que ainda não se verificou a prescrição, improcedendo, por isso, as conclusões Iª) a XIª)
5.2. Passemos agora a conhecer da 2ª questão acima enunciada - inexigibilidade da mesma dívida – conclusões XIIª) a XIVª);
Sobre esta matéria, refere o recorrente que a dívida é ineficaz em relação a si, uma vez que “anteriormente ao momento do conhecimento acidental da exigência de pagamento subsidiário, por parte do Recorrente, nunca este havia sido notificado pela Administração Fiscal da determinação do crédito e da exigência do seu pagamento”.
Por outro lado, “Do título executivo, nada consta que o Recorrente – na qualidade de devedor subsidiário - tivesse sido convidado a proceder ao pagamento voluntário do imposto”, sendo ainda certo que por falta da notificação para o pagamento voluntário “não teve oportunidade de se pronunciar acerca da dívida exequenda e da possibilidade de eventual pagamento por parte do devedor principal”.
Resulta então daqui que o recorrente entende que a dívida só lhe poderia ser exigida em execução fiscal se tivesse sido previamente notificado para efectuar o pagamento voluntário da dívida.
Será que este entendimento colhe algum apoio legal?
5.2.1. O recorrente foi chamado à execução na qualidade de responsável subsidiário, tendo contra ele sido ordenada a reversão da execução fiscal (alínea h) do probatório).
Ora, de acordo com o artº 23º, nºs 1 e 2 da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, dependendo esta da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.
Deste modo, não tinha o recorrente de ser notificado previamente à citação para o pagamento voluntário da dívida do devedor principal.
Por outro lado, como bem refere o MºPº no seu parecer de fls. 211/212, a menção de convite ao devedor subsidiário para pagamento voluntário do imposto não é requisito legal do título executivo (artº 163º, nº 1 do CPPT) e nem o poderia ser porque, no momento em que é extraído se ignora a necessidade de reversão da execução contra os responsáveis subsidiários, dependente da insatisfação da dívida exequenda pelo devedor originário (artº 153º, nº 2 do CPPT).
Acresce ainda que tal notificação nem se compreenderia, na medida em que o responsável subsidiário “fica isento de juros de mora e de custas se, citado para cumprir a dívida tributária principal, efectuar o respectivo pagamento no prazo de oposição”- (artº 23º, nº 5 da LGT), o que significa que a dívida, neste caso, será paga como se de pagamento voluntário se tratasse.
Finalmente, a reversão contra o responsável subsidiário, de acordo com o disposto no artº 23º, nº 4 do mesmo diploma, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação, pelo que o recorrente poderia ter-se pronunciado nos termos por si referidos nas alegações, já que conforme resulta de fls. 64, do acto de citação constam a proveniência da dívida e respectivo montante.
E, o artº 22º, nº 4 da LGT, estabelece também que “As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais”.
5.2.2. Temos então que o fundamento invocado para a inexigibilidade da dívida em processo executivo não colhe apoio legal, já que o recorrente poderia ter efectuado o pagamento da dívida após a citação, como também poderia ter usado dos meios administrativos e judiciais para sua defesa, pelo que improcedem também as conclusões XIIª) a XIVª).
5.3. Vejamos, finalmente, a questão da ilegitimidade do oponente para a execução.
Entende o recorrente que o despacho de reversão não prova a sua culpa pelo facto de o património da sociedade se ter tornado insuficiente para satisfação das dívidas tributárias da executada, pelo que a reversão efectuada não deveria ter ocorrido.
A Administração Fiscal tinha, nos termos legais, de provar os pressupostos de culpa do recorrente o que no caso em apreço não aconteceu.
A sentença recorrida, por sua vez, entendeu que cabia à Fazenda Pública o ónus da prova do efectivo exercício de funções de gerência pelo oponente como pressuposto necessário ao exercício do direito de reversão, o que foi feito nos autos.
Sendo assim, e sendo o oponente responsável pela dívida exequenda ao abrigo do disposto no artº 24º, nº 1, alínea b) da LGT, cabia-lhe demonstrar que não teve culpa pela falta de pagamento da prestação tributária em causa nos autos.
Este entendimento colheu também o apoio do MºPº, tal como resulta do parecer de fls. 211/212.
Temos então que existe divergência quanto à interpretação do artº 24º, nº 1 da LGT no que se refere ao ónus da prova, pelo que importa dilucidar esta questão.
O referido artº 24º, nº 1 da LGT estabelece o seguinte:
“1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Ora, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13º do CPT também já consagrava.
No caso dos autos está provado que a oponente exerceu as suas funções de gerente da executada, quer no período em que as dívidas se constituíram, quer no período em que se venceram.
Sendo assim, o oponente poderá ser responsável subsidiário pelas dívidas em causa, pelo que importa apurar se a situação dos autos se enquadra na alínea a) ou na alínea b) a que acima nos referimos.
A letra da lei não deixa dúvidas quanto ao campo de aplicação de cada uma das alíneas. Assim, a alínea a) é aplicável às dívidas tributárias:
- cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo, mas postas à cobrança posteriormente à cessação do mesmo (se o facto constitutivo e a cobrança se verificarem no período de exercício do cargo é já aplicável a alínea b);
- ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício.
Trata-se, em qualquer dos casos, de situações em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança, pelo que só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a satisfação da prestação tributária.
O ónus da prova dessa culpa caberá à Fazenda Pública, estando agora em causa um facto positivo - a prova da culpa -, ao contrário do previsto no artigo 13º do CPT em que cabia ao gerente ou administrador provar a ausência de culpa (facto negativo).- Neste sentido v. António Lima Guerreiro – LGT Anotada, pág. 140/141 e Diogo Leite de Campos e outros – LGT Anotada, pág. 132.
Por sua vez, a alínea b) é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, o que significa que está aqui abrangida a situação em que nesse período concorrem o facto constitutivo e a cobrança.
E, nestes casos, e como resulta da expressão “quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”, o ónus da prova cabe aos gerentes ou administradores.
Compreende-se esta diferença de regimes já que no caso da alínea a) o gerente ou administrador não pode ser responsabilizado pela falta de pagamento, uma vez que, enquanto exerceu o cargo, a dívida ainda não tinha sido posta a pagamento; assim, apenas poderá ser responsabilizado por eventual culpa na insuficiência do património.
Já no caso da alínea b), constituindo o pagamento da prestação tributária uma obrigação do gerente ou administrador, não sendo aquela satisfeita, cabe aqueles provar que a falta de pagamento não lhes é imputável, podendo, nomeadamente, provar que os gerentes ou administradores que exerceram o cargo durante o período do nascimento da dívida praticaram actos lesivos do património da executada que impedem o pagamento por falta das verbas necessárias.
Uma vez que as dívidas se constituíram e se venceram no período do exercício do cargo da oponente, a situação é enquadrável na alínea b) supra referida, pelo que importa apurar se aquele provou que a falta de pagamento das dívidas lhe não era imputável.
Ora, não negando o oponente o exercício de facto e de direito da gerência da executada, a verdade é que não provou – como lhe competia, em face da parte final da alínea b) acima transcrita – que a falta de pagamento da dívida não lhe era imputável.
Sendo assim, e porque, ao contrário do invocado nas alegações, o ónus da prova cabia ao oponente e não à Fazenda Pública e este não cumpriu esse ónus, improcedem as conclusões XVª) a XIXª).
6. Nestes termos e pelo exposto nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 29 de Setembro de 2010. – Valente Torrão (relator) – Isabel Marques da Silva – Alfredo Madureira.