Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0181/11
Data do Acordão:10/26/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:LOTEAMENTO
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
ÁREAS CLANDESTINAS
ALVARÁ
Sumário:I - A licença (ou autorização) do loteamento é o acto administrativo que define de forma imperativa a divisão fundiária e a constituição de novos prédios urbanos, pelo que a emissão do respectivo alvará marca o momento da ocorrência do facto que a norma de incidência real define como facto gerador da imposição do IMI.
II - Nos termos da Lei 91/95 de 2/9, as parcelas em avos indivisos dos prédios rústicos que integram uma área urbana de génese ilegal (AUGI), mesmo que materialmente delimitadas, só passam a ter natureza de prédios urbanos após a aprovação pela câmara do plano de pormenor ou do alvará de loteamento.
III - Apesar do loteamento dar origem a novas unidades prediais, sem a divisão da coisa comum, cada um dos titulares das parcelas em avos continua a ter direito a uma fracção ou quota ideal não especificada do prédio.
IV - O IMI devido entre a emissão do alvará de loteamento e a data da escritura da divisão da coisa comum é uma obrigação fiscal que deve ser imposta à “administração conjunta”, o órgão constituído por todos os consortes que administra os prédios integrados na AUGI.
Nº Convencional:JSTA00067207
Nº do Documento:SA2201110260181
Data de Entrada:02/25/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IMI
Legislação Nacional:LGT98 ART18 N3 ART36
CIMI03 ART6 N1 C N3 ART13 ART8 N2 ART9 N1 ART101 ART106 H
DL 555/99 DE 1999/12/16 ART2 I
L 91/95 DE 1995/09/02 ART1 N2 ART2 ART8 N6 ART10 ART15 N1 ART16-A ART30 ART31 N4 ART36 ART37 N23 NAS REDACÇÕES DA L 165/99 DE 1999/09/14 E L 64/2003 DE 2003/08/23
LGT98 ART18 N3
CCIV66 ART985 ART1407
Referência a Doutrina:FERNANDA PAULA OLIVEIRA LOTEAMENTO URBANO E DINÂMICA DAS NORMAS DE PLANEAMENTO PAG98
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1.1. A…, com os demais sinais nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial do acto de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativo aos anos de 2006 e 2007 e incidente sobre os lotes para construção inscritos na matriz urbana de Sesimbra sob os artigos U-17306, U-17308, U-17310 e U-17312.
Nas alegações, conclui o seguinte:
1 - Nos Anos de 2006 e 2007, os actuais lotes para construção urbana inscritos na matriz da freguesia de Quinta do Conde, Município de Sesimbra sob os artigos U-17306, U-17308, U-17310 e U-17312, antes de 2008 faziam parte integrante dos prédios rústicos, em regime de compropriedade, inscritos sob os artigos 24 e 25 da Secção D, Município de Sesimbra e descritos na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob os nºs. 258/120286 e 82/111185, dos quais eram comproprietários cerca de 300 pessoas singulares ou colectivas.
2 - Os referidos actuais lotes para construção urbana só foram constituídos e adjudicados aos titulares das inscrições correspondentes dos prédios descritos sob os nºs 258 e 82 da Conservatória do Registo Predial de Sesimbra através da escritura de divisão de coisa comum, por acordo de uso, realizada, no dia 27 de Maio de 2008 no âmbito da Augi n° 24 — Ribeira do Marchante, criada ao abrigo da Lei nº 91/95 de 02/09, com as alterações que, posteriormente, lhe foram introduzidas pelas Leis nºs 165/99 de 14/09, 64/2003 de 23/08 e 10/2008 de 20/02.
3 - Os ditos actuais lotes para construção foram constituídos e adjudicados aos titulares das inscrições referidas na conclusão que antecede, por força da realização da escritura de divisão de coisa comum, por acordo de uso, no dia 27/05/2008.
4 - Antes de 27/05/2008, tais lotes não existiam, nem se encontravam individualizados, pois, faziam parte dos prédios rústicos, em regime de compropriedade, descritos na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob os nºs 258 e 82.
5 - Tais lotes só adquiriram a natureza de lotes para construção urbana, com a escritura de divisão de coisa comum, por acordo de uso, realizado no dia 27/05/2008 e não na data em que foi emitido o alvará de loteamento dos referidos prédios rústicos, pelo Município de Sesimbra, em 2006.
6 - Foi para salvaguardar esta situação que foi aditado à Lei nº 91/95 de 02/09, o art. 30°-A, introduzido pela Lei n°10/2008 de 20/02 no qual se estabelece que nos prédios constituídos em compropriedade, o prazo para apresentação do Modelo 1 para efeitos de inscrição do lote na matriz a que se refere o artigo 13° do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis, conta-se a partir da data da inscrição da aquisição do lote por divisão de coisa comum.
7 - Os lotes em causa só foram adjudicados ao ora requerente, com a realização da escritura de divisão de coisa comum, em 27/05/2008 pelo que os mesmos estão abrangidos pelo disposto no referido art. 30° - A, criado especificamente para abranger estas situações, o qual, é uma norma especial que prevalece sobre o regime geral previsto no CIMI (Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis). Na verdade,
8 - O prazo para a inscrição dos lotes na matriz, conta-se a partir da data da realização da escritura de divisão de coisa comum, já que se trata de lotes resultantes de loteamentos de prédios parcelados em avos (em regime de compropriedade), pelo que só a partir da data na inscrição na matriz, em nome da pessoa, singular ou colectiva, é que tais lotes poderão ser objecto de tributação, ou seja, tais lotes só podem ser tributados como lotes para construção urbana, a partir do ano de 2009, relativamente ao ano de 2008.
1.1. Não houve contra-alegações.
1.2. O Ministério Público não emitiu parecer.
2. A sentença deu por assente os seguintes factos:
1. Em 17/01/2005, foi publicado no DR 1 Série a ratificação por Resolução do Conselho de Ministros n° 10/2005 da aprovação do Plano de Pormenor da AUGI 24 da Ribeira do Marchante (cfr. doc. junto a fls. 182 dos autos);
2. Em 05/04/2006, por reunião ordinária da Câmara Municipal de Sesimbra, foi deliberado emitir certidão nos termos do artigo 31°, n° 4 da Lei n° 91/95 de 2 de Setembro, aprovando as obras de Urbanização — Fixação do Valor da Caução — AUGI 24 — Ribeira do Marchante (cfr. doc. junto a fls. 126 dos autos);
3. Em 05/12/2006, foi emitida a Certidão a que se reporta a deliberação identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 126 dos autos);
4. Em data que não se pode precisar mas anterior a Abril de 2007, foi B… — Cabeça de Casal da Herança — Representado por C…, notificado para proceder ao pagamento do IMI referente ao exercício de 2006 dos prédios rústicos inscritos na respectiva matriz predial de Sesimbra sob os artigos R-00024-D e 00025-D, no montante de € 3,25 e € 3,48, respectivamente (cfr. doc. junto a fls. 13 dos autos);
5. Em data que não se pode precisar mas anterior a Setembro de 2008, foi B… — Cabeça de Casal da Herança — Representado por C…, notificado para proceder ao pagamento do IMI referente ao exercício de 2007 dos prédios rústicos inscritos na respectiva matriz predial de Sesimbra sob os artigos R-00024-D e 00025-D, no montante de € 3,21 e € 3,24, respectivamente (cfr. doc. junto a fls. 15 dos autos);
6. Em 27/05/2008, foi celebrada uma escritura pública de Divisão de Coisa Comum Por Acordo de Uso — AUGI 24 — Ribeira do Marchante, da qual consta que a AUGI em questão tem a área de 192.000 metros quadrados e que se encontra em avos indivisos, inscritos na matriz da freguesia de Quinta do Conde, Concelho de Sesimbra sob os artigos 24 e 25 da Secção D e que a Câmara Municipal de Sesimbra emitiu o Plano de Pormenor n° 1 em 05/12/2006 tendo criado os respectivos lotes (cfr. doc. junto a fls. 126 e segs. dos autos);
7. Em data que não se pode precisar mas anterior a Novembro de 2008, foi remetida ao Impugnante uma notificação para efectuar o pagamento do IMI referente ao exercício de 2006 dos prédios urbanos sitos na Quinta do Conde, inscritos nas respectivas matrizes prediais urbanas sob os artigos U-17306, U-17308, U.17310 e U-17312, no montante de € 962,16 (cfr. doc. junto a fls. 9 dos autos);
8. Em data que não se pode precisar mas anterior a Novembro de 2008, foi remetida ao Impugnante uma notificação para efectuar o pagamento do IMI referente ao exercício de 2007 dos prédios urbanos sitos na Quinta do Conde, inscritos nas respectivas matrizes prediais urbanas sob os artigos U-17306, U-17308, U.17310 e U-17312, no montante de € 914,50 (cfr. doc. junto a fls. 11 dos autos);
3. A administração tributária procedeu à liquidação do Imposto Municipal de Imóveis (IMI), relativo aos anos de 2006 e 2007, incidente sobre quatro lotes urbanos que, na sequência de escritura de divisão de coisa comum realizada em 27/5/2008, foram inscritos na matriz predial em nome do recorrente.
Enquanto a Fazenda Pública entende que o IMI é devido a partir do momento em que esses lotes foram constituídos por deliberação camarária que aprovou o Plano de Pormenor da área urbana de génese ilegal (AUGI) – 5 de Abril de 2006 – o recorrente considera que o tributo só é devido após a escritura de divisão de coisa comum de 2008, através da qual (i) os lotes adquiriram a natureza de lotes para construção urbana, (ii) foram individualizados (iii) e puderam ser inscritos na matriz.
Portanto, a questão de direito a decidir é a seguinte: a obrigação do imposto constituiu-se a partir do acto administrativo que aprovou o loteamento ou a partir do momento em que os lotes foram inscritos na matriz na sequência da escritura de divisão de coisa comum?
Como princípio de resposta não pode deixar de se prestar atenção ao que se diz no artigo 36º da LGT: «a relação jurídico tributária constituiu-se com o facto tributário». Se a realização do imposto nasce com a realização do facto tributável, o que confere à liquidação natureza declarativa (ou de “verificação constitutiva” da obrigação de imposto), então é preciso encontrar no CIMI o momento em que se considera realizado o facto tributário que dá imediatamente origem à obrigação de imposto.
No caso dos autos, o IMI foi liquidado em virtude de alteração na classificação do prédio de que originou alterações na matriz. O IMI, que antes do loteamento incidia sobre um prédio rústico, passou a incidir sobre os lotes para construção decorrentes dessa operação urbanística.
A reconversão urbanística que transforma um prédio rústico em vários prédios urbanos, naturalmente que tem claras repercussões do ponto de vista fiscal. Desde logo, há uma alteração na classificação dos prédios, que implica o ajustamento do mapa parcelar e a correspondente eliminação e inscrição na matriz cadastral (cfr. arts. 101º e al. h) do art. 106º do CIMI).
O loteamento urbano é uma operação que se caracteriza pela transformação fundiária de uma área, da qual resultam novas unidades prediais destinadas à edificação urbana, com o estatuto jurídico de lotes urbanos. A alínea i) do artigo 2º do DL nº 555/99 de 16/12, define loteamento urbano, como «as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento». Como se vê, o que há de essencial no loteamento é pois uma divisão predial (ou junção e posterior divisão, no caso de reparcelamento), que dá origem a novos prédios urbanos que se destinam imediata ou subsequentemente à edificação urbana.
Quando o loteamento incide sobre um prédio rústico, como é o caso mais normal, a transformação fundiária que ele origina implica necessariamente uma mudança na classificação do prédio, pois o que há de mais característico no lote é o destino à edificação urbana. O prédio (ou prédios) rústico inicialmente existente extingue-se e constituem-se novos prédios urbanos, sem que entre eles haja qualquer correspondência. Como refere Fernanda Paula de Oliveira, com a licença de loteamento «processa-se uma transformação da situação fundiária existente, criando-se novos prédios urbanos destinados a construção perfeitamente individualizados e objecto de direito de propriedade nos termos gerais, desaparecendo correspectivamente, do ponto de vista jurídico, o(s) anterior(es) prédio(s), o(s) qua(is) são substituído(s) pelas novas unidades prediais destinadas, de forma precisa, a edificação (lotes)» (cfr. in, Loteamento Urbano e Dinâmica das Normas de Planeamento, Almedina, pág. 98).
No direito fiscal, o lote urbano constituído através de uma operação de loteamento configura um «prédio urbano» sobre cujo valor patrimonial incide o IMI. A alínea c) do nº 1 do art. 6º do CIMI considera prédio urbano os «terrenos para construção» e o nº 3 do mesmo artigo define terrenos para construção, para além do mais, aqueles «para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento». Como a licença (ou autorização) do loteamento é o acto administrativo que define de forma imperativa a divisão fundiária e a constituição de novos prédios urbanos, então a sua prolação marca o momento da ocorrência do facto que a norma de incidência real define como facto gerador da imposição do IMI.
Deste modo, o momento a partir do qual se constitui a obrigação do IMI coincide com o momento em que por um acto de autoridade se constituíram os lotes destinados à edificação urbana. Como a constituição de novos prédios urbanos a partir de prédio rústico implica uma alteração da classificação do prédio e variação do seu valor patrimonial tributário, por aplicação da alínea c) do nº 1 do art. 9º do CIMI, o imposto é devido a partir do ano em que ocorreram as alterações. Assim, contrariamente ao que defende o recorrente, o imposto é devido desde o ano em que foi autorizado o loteamento urbano e não desde o ano em que se procedeu à divisão de coisa comum.
O problema que se levanta nos autos não é pois relativo à incidência real do IMI, pois é certo que o alvará de loteamento, ao alterar a finalidade do prédio, deve ser apresentado nas Finanças e inscrito no registo predial, mas sim uma questão de incidência subjectiva, uma vez que os proprietários dos lotes só foram individualizados com a divisão de coisa comum.
O loteamento ocorreu no âmbito do regime excepcional de reconversão urbanística de áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), regulado pela Lei nº 91/95 de 2/9 (com as alterações constantes das Leis nº 165/99, de 14/9 e 64/2003, de 23/8). Diz o nº 2 do artigo 1º desse diploma que se «consideram AUGI os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objecto de operações físicas de parcelamento destinadas a construção até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 400/84 de 31 de Dezembro, e que, nos respectivos planos municipais de ordenamento do território (PMOP), estejam classificados como espaço urbano ou urbanizável».
O DL nº 400/84 veio proibir a venda de parcelas em avos, que era a forma que os loteadores ilegais utilizavam para iludir a proibição de venda de prédios rústicos em lotes imposta pelo DL nº 289/73 de 6 de Junho. Até este diploma, podia-se vender e registar parcelas de terrenos como lotes juridicamente individualizado, embora de natureza rústica. Após a entrada em vigor deste diploma, passou-se a vender parcelas em avos, sendo o registo feito em regime de compropriedade. Como esta prática teve consequências negativas para os compradores, que jamais conseguiram as licenças camarárias para construírem as habitações, proliferaram “bairros clandestinos”, a que o regime excepcional da Lei nº 91/95, pretendeu dar resposta.
Nos termos desta lei, as parcelas em avos indivisos dos prédios rústicos que integram a AUGI, mesmo que materialmente delimitadas, só passam a ter natureza de prédios urbanos após a aprovação pela câmara do plano de pormenor ou do alvará de loteamento. Só após a emissão do alvará de loteamento e a sua inscrição no registo predial é que pode ser exercido o direito de exigir a divisão da AUGI constituída em regime de compropriedade (cfr. art. 2º). A divisão dos lotes pelos titulares inscritos dos direitos em avos, e a consequente aquisição individual como lotes urbanos a favor dos titulares a quem foram adjudicados pode ser efectuada, por acordo de uso, por escritura pública ou por decisão judicial (cfr. art. 36º).
Até à divisão da coisa comum, o prédio rústico integrado na AUGI permanece em regime de compropriedade. Apesar do loteamento dar origem a novas unidades prediais, sem aquela divisão, cada um dos titulares das parcelas em avos continua a ter direito a uma fracção ou quota ideal não especificada do prédio. A operação de loteamento não converte as parcelas em lotes, não havendo sequer correspondência material e jurídica entre ambas as fracções. Por se tratar de uma operação urbanística complexa, a constituição dos lotes não assenta sobre a área ou a localização das parcelas em avos indivisos, pois mesmo que tenha havido demarcação da parcela, dada a indivisibilidade do prédio, ela não produz quaisquer efeitos jurídicos. Por isso, na divisão da coisa comum, o lote que cabe ao comproprietário pode não ter qualquer correspondência com a dimensão e localização da parcela em avos adquirida. Pode mesmo acontecer que ao titular da parcela em avos não seja adjudicado qualquer lote, por acordar em receber exclusivamente tornas (cfr. nº 23 do art. 37º).
Tendo em conta essa realidade, o nº 5 do artigo 30º da Lei nº 91/95 preceitua que «caso o alvará respeite a prédio em compropriedade, a individualização dos lotes a que se refere o artigo 54º do Código de Registo Predial só tem lugar simultaneamente com a inscrição de aquisição por divisão de coisa comum»; e o número 8 do mesmo artigo diz que o prazo para inscrição do lote na matriz «conta-se a partir da data da inscrição da aquisição do lote por divisão de coisa comum», o que deve ser interpretado como sendo a data da escritura de divisão de coisa comum.
Se o alvará de loteamento ou aprovação do plano de pormenor (o qual tem que mesmo efeito do aquele - cfr. nº 4 do art. 31º), são os factos geradores do IMI incidente sobre prédio urbano, a verdade é que, enquanto não houver divisão da coisa comum, os sujeitos passivos desse tributo não podem ser os adjudicatários dos lotes. No período que medeia entre a emissão do alvará de loteamento e a divisão da coisa comum, os lotes não estão individualizados e os titulares inscritos nas descrições prediais englobadas na AUGI, e constantes do alvará de loteamento, continuam a dispor de direitos idênticos sobre quotas-partes do prédio idealmente consideradas.
Neste regime de compropriedade, a inscrição do loteamento na matriz, sem individualização dos lotes, só poderia ser efectuada nos termos do artigo 82º do CIMI, ou seja, em nome de todos os comproprietários, com indicação da parte que caiba a cada um e das correspondentes fracções do valor patrimonial tributário; e se não for conhecida a parte que caiba a cada um dos comproprietários, o prédio é inscrito em nome de todos eles, por ordem alfabética. A obrigação de entregar a declaração referida no art. 13º do CIMI é uma “obrigação conjunta” que impende sobre todos os comproprietários (cfr. art. 1407º e 985º do CCv) e a obrigação do IMI recai sobre os consortes, na proporção da sua quota-parte
Sendo certo que antes da divisão da coisa comum os lotes não estão individualizados e que o seu regime é de compropriedade, então o sujeito passivo do IMI devido a partir do loteamento e antes daquela divisão não pode ser o futuro adjudicatário do lote. Relativamente a um lote individualizado, o facto jurídico que gera a obrigação do imposto só pode ser a divisão da coisa comum e não o acto que licenciou o loteamento.
No caso sub judice, em 31 de Dezembro dos anos 2006 e 2007, o recorrente não podia figurar na matriz como titular dos lotes sobre que os quais incidiu o imposto ora impugnado. Nesses anos, os lotes não estavam individualizados, nem o recorrente era o único titular ou possuidor. Por isso, os sujeitos passivos do IMI devem ser todos os comproprietários e não os adjudicatários dos lotes
A Lei nº 91/95 criou um regime de administração dos prédios integrados na AUGI, cometendo-a a um sujeito novo, designado «administração conjunta», constituído por todos os consortes que, embora não goze de personalidade jurídica, está obrigatoriamente sujeito a inscrição no Registo Nacional de Pessoas Colectivas (nº 6 do art. 8º) e investida de direitos e deveres (art. 10º, 15º e 16º-A) Essa entidade é composta por três órgãos de administração, a assembleia de proprietários, uma comissão de administração e uma comissão de fiscalização. A comissão de administração representa os «titulares dos prédios» integrados na AUGI junto dos serviços de finanças para todos os efeitos relacionados com o prédio (al. i) do nº 1 do art. 15º).
Ora, apesar de lhe faltar o animus personificandi, administração conjunta pode ser sujeito passivo de tributação (cfr. nº 3 do art. 18º da LGT). Como é ela quem administra os prédios integrados na AUGI até à escritura de divisão da coisa comum, o IMI devido após a emissão do alvará de loteamento ou a certidão do plano de pormenor da AUGI é uma obrigação fiscal que lhe deve ser imposta, quer porque engloba todos os comproprietários, quer porque foi ela a promotora do loteamento. Se num loteamento normal o IMI é devido pelo loteador, no regime excepcional da AUGI deve ser devido pelo promotor, enquanto no ocorre a divisão da coisa comum. Na qualidade de administradora da AUGI e promotora do loteamento, deve ser a entidade que nos 60 dias após o loteamento, deve entregar a declaração referida no artigo 13º do CIMI.
De tudo que acaba se dizer, o recorrente tem razão na impugnação que fez: em 2006 e 2007 não era o único titular ou possuidor dos lotes que lhe foram adjudicados em 2008, pelo que não podia ser sujeito passivo desse imposto.
3. Pelo exposto acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em:
a) Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;
b) Julgar provada e procedente a acção de impugnação e anular as liquidações de IMI dos anos 2006 e 2007.
Custas pela Fazenda Pública, neste Supremo e na primeira instância.
Lisboa, 26 de Outubro de 2011. – Lino Ribeiro (relator) – António Calhau - Isabel Marques da Silva.