Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:075/21.9BEMDL
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
NULIDADE INSUPRÍVEL
Sumário:É de admitir a revista que versa sobre a «questão» da alegada ocorrência de nulidade insuprível consubstanciada em terem sido notificadas para depor «no local do processo disciplinar» testemunhas cuja inquirição foi pedida para «o local da respectiva residência ou domicílio profissional».
Nº Convencional:JSTA000P28800
Nº do Documento:SA120220113075/21
Data de Entrada:12/14/2021
Recorrente:MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Recorrido 1:A...............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA [MJ] - demandado neste processo cautelar - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, peticionar a admissão deste recurso de revista do acórdão do TCAN, de 08.10.2021, que, concedendo provimento à «apelação» de A………….. - requerente cautelar - revogou a sentença do TAF de Mirandela - de 19.07.2021 - e deferiu a suspensão de eficácia da decisão disciplinar que a puniu com despedimento.
Defende que a «revista» interposta - e que pretende ver admitida - é necessária face à «clara necessidade de uma melhor aplicação do direito», bem como à «relevância jurídica do caso».

A recorrida – A………….. - por sua vez defende a «não admissão da revista», entendendo não estarem preenchidos, no caso, os pressupostos legalmente exigidos para o efeito.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. A requerente cautelar pediu a tribunal a suspensão de eficácia da sanção disciplinar de «demissão» que lhe foi aplicada - decisão da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 08.10.2020, mantida pelo «despacho do Secretário de Estado da Justiça de 11.01.2021», que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto da mesma.

O tribunal de 1ª instância - TAF de Mirandela - indeferiu tal pretensão com fundamento na não verificação do «fumus boni juris», mas deu por verificado o «periculum in mora» e considerou desnecessário abordar a «ponderação de interesses públicos e privados».

No âmbito do «fumus boni juris» apreciou perfunctoriamente, e julgou improcedentes, as ilegalidades invocadas e consubstanciadas na prescrição do procedimento disciplinar, em nulidades relativas à prova documental e testemunhal requeridas, e na violação dos princípios da igualdade, imparcialidade, proporcionalidade, e audiência prévia.

O tribunal de 2ª instância - TCAN - conhecendo do objecto da «apelação» da requerente cautelar, julgou improcedente o invocado erro de julgamento sobre o fumus boni juris no domínio da prescrição do procedimento disciplinar, mas, procedente, no domínio da nulidade insuprível por compressão do direito de defesa da arguida na medida em que, tendo ela indicado várias testemunhas cuja inquirição pediu para ser «requisitada» - ao abrigo do artigo 212º, nº5, LGTFP - à autoridade administrativa ou policial da área da residência ou do domicílio profissional das mesmas, todas elas acabaram por ser notificadas para inquirição no local onde decorria o processo disciplinar [Porto], resultando que três delas - residentes em Vila Real, Lisboa e Faro - não compareceram.

Ao julgar procedente esta nulidade insuprível - artigos 203º, nº1, 212º nº5, 218º nº2, da LGTFP - o tribunal de apelação escusou-se a conhecer os invocados erros de julgamento sobre as demais ilegalidades, e, «julgando em substituição» - artigo 149º, nº3, do CPTA - apreciou a «ponderação de interesses públicos e privados», e deferiu a pretensão cautelar.

O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA discorda, e vem, agora em sede de revista, apontar «erro de julgamento de direito» ao acórdão do TCAN com particular incidência no julgamento que nele é efectuado sobre a referida «nulidade insuprível» e sobre a «ponderação de interesses públicos e privados».

A questão acerca da «nulidade insuprível», que efectivou a ocorrência do «fumus boni juris», cifra-se em saber se a circunstância de o instrutor ter notificado para inquirição «no local onde decorria o processo disciplinar» [Porto] testemunhas cuja inquirição tinha sido pedido para ser requisitada à autoridade competente «do local da sua residência ou domicílio profissional» [Vila Real, Lisboa, Faro], se traduz numa intolerável compressão do direito de defesa da arguida, sancionada com nulidade insuprível - artigo 103º, nº1, da LGTFP.

Associada à visão diametralmente oposta das instâncias relativamente a esta questão, surge a nossa apreciação, preliminar e sumária, de haver fortes dúvidas sobre o mérito do seu desfecho no tribunal de apelação, dúvidas que justificam que este órgão cimeiro da justiça administrativa esclareça, mediante revista. Aliás, também a apreciação feita no acórdão recorrido sobre a ponderação de interesses não está imune às críticas que lhe são dirigidas pelo actual recorrente.

Deste modo, não obstante estarmos no âmbito da «justiça cautelar», instrumental e provisória por natureza, e por isso mesmo pouco atreita a soluções de «revista» que, à partida, estão mais vocacionadas para as questões de carácter mais definitivo, o certo é que a presente revista deve ser admitida, não tanto pela importância fundamental da questão nuclear suscitada mas antes pela necessidade de melhor aplicação do direito.

Assim, importa, neste caso, quebrar a regra da excepcionalidade do recurso de revista, e admiti-lo.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir o recurso de revista interposto pelo MINISTÉRIO DA JUSTIÇA.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.