Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0606/14
Data do Acordão:09/10/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRC
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário:I – O privilégio imobiliário previsto no artigo 11.° do decreto-lei n.º 103/80, de 9/5 é geral e não especial pelo que não prefere ao crédito hipotecário, também reclamado, na respectiva graduação de créditos.
II – As normas constantes do art.º 11.º do DL n.º 103/80, de 9 de Maio, e do art.º 2.º do DL n.º 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil, foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 363/02, de 17/09/2002.
III – As decisões do Tribunal Constitucional são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, prevalecendo sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras autoridades, tendo a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral os efeitos previstos no art.º 282.º da CRP.
Nº Convencional:JSTA00068876
Nº do Documento:SA2201409100606
Data de Entrada:05/26/2014
Recorrente:CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPC96 ART685-C N5 ART735 N3.
ETAF02 ART278
DL 38/2003 DE 2003/03/08 ART5 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01149/02 DE 2003/05/07.; AC STAPLENO PROC0452/07 DE 2007/09/26.; AC STAPLENO PROC0630/10 DE 2011/03/17.
Referência a Doutrina:RUI DUARTE MORAIS - A EXECUÇÃO FISCAL PAG167.
ANTÓNIO CARVALHO MARTINS - RECLAMAÇÃO E VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS PAG89.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – A Caixa Geral de Depósitos, S.A., com os sinais dos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 30.12.2013, proferida nos autos de verificação e graduação de créditos apensos à execução fiscal nº 1546.93.101172.3, instaurada contra a sociedade B…………, Ldª e outros.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1- O artigo 11.° do DL 103/80, de 9 de Maio dispõe que “os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição, e os respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748º do Código Civil.”
2. - Tal preceito foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 363/2002, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferindo à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do art.° 751.° CC, por violação do princípio da confiança ínsito no estado de direito democrático consagrado no art.° 2º da Constituição da República.
3 - A Caixa Geral de Depósitos registou hipoteca sobre o prédio urbano, sito na Fonte Boa dos Nabos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.° 00871, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Ericeira sob o artigo 2728, com a ap. 06/110388, que veria a ser convertida em definitiva pelo averbamento n.° 1 — ap. 03/180588.
4. - A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade do registo.
5. - O privilégio atribuído aos créditos do CRSS é um privilégio imobiliário geral, logo, não preferente à hipoteca.
6. - O CRSS registou sobre o mesmo prédio hipoteca legal por ap. 12/941006.
7- Atendendo à existência de duas hipotecas sobre o mesmo bem e ao preceito do art.° 686.° do CC, a hipoteca da CGD apenas cede preferência além dos privilégios especiais, em caso de prioridade de registo, o que não sucede claramente no caso em apreço.
8 - A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, pelo que o Tribunal “a quo” não poderia, como fez e nos sentido em que o fez, aplicar a norma do art.° 11.° do DL 103/80, de 09 de Maio.
9 - Assim os créditos do CRSS e respectivos juros não podem ser graduados à frente do crédito exequendo e juros da CGD.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a douta sentença recorrida ser revogada e alterada, nos termos ora preconizados, com as demais consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA.»

II- Não foram apresentadas contra alegações.

III- O Exmº Magistrado do Mº Pº emitiu parecer no seguinte sentido:
«(….) Em inteira concordância com o discurso fundamentador da recorrente plasmado nas conclusões de fls. 653/656, que se subscreve, entendemos que o recurso merece provimento.
De facto, a recorrente registou hipoteca sobre o prédio em causa em 11 de Março de 1988, sendo certo que, como deflui do probatório inexiste qualquer outra hipoteca, legal ou voluntária, com registo anterior.
Nos termos do disposto no artigo 686.° do Código Civil, «A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago perlo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ao a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo».
Por sua vez, nos termos do estatuído no artigo 11º do DL 103/80, de 9 de Maio, «Os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição, e os respectivos juros de mora, gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.° do Código Civil».
O citado preceito foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão n.° 363/2002, do Tribunal Constitucional, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do CC, por violação do princípio da confiança ínsito no estado de direito democrático consagrado no art. 2.° da CRP.
Atento o disposto no artigo 686.° do CC a hipoteca registada a favor da recorrente apenas cede perante privilégios especiais e em caso de prioridade de registo.
Uma vez que os créditos da segurança social apenas gozam de privilégio imobiliário geral e inexiste qualquer outra hipoteca com registo anterior é certo que a hipoteca da recorrente prevalece.
Assim sendo, e com referência ao produto da venda do citado imóvel, os créditos da segurança social devem ser graduados após os créditos da recorrente.
A sentença recorrida merece, pois, censura.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar-se a sentença recorrida, graduando-se o crédito da recorrente à frente do da Segurança Social.»

IV- Com dispensa de vistos dada a natureza da questão, frequentemente tratada pela jurisprudência da secção, cabe decidir.

V – Fundamentação

V-A
Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
A) - A pedido da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, a Administração Fiscal instaurou execução fiscal, com o n° 1546.93.101172.3, contra B…………, LDA, como devedora principal, para cobrança coerciva da quantia de 22.852.553$00, proveniente dos contratos de empréstimo celebrados com a executada e com os números: 90881923297.119 (actual N° 0426I000072I582I0019, conforme esclarecimento a fls. 241 a 242 - ver fls. 50 a 51), até ao montante de 1.500.000$00; e 9088.880157.900 (actual n.º 0426I000065I282I0019 - ver fls, 241 a 242 e 50 a 51), até ao montante de 15.500.000$00,
sendo aquela quantia de 22.852.553$00 resultante de:
Emp. n.° 9088I923297.119 (ex 1810702):
- 1.809.205$00 = 1.500.000$00 de capital; 308.905$00 de juros de 05.02.92 a 15.12.92; 300$00 de despesas;
Emp. 9088.880157.900 (ex-1 81 0703):
- 21.043.347$00= 15.500.000$00 de capital; 2.861.005$00 de juros de 26.10.89 a 15.12.92; 77$50 de Despesas; conforme documentos de 6 a 38 da execução (ver também Notas de Débito de fls. 249 a 250), que se dão por reproduzidos;
B) - A execução fiscal segue também termos contra C………… e mulher D…………; E………… e mulher F………… e G………… e mulher H…………, na qualidade de fiadores, mas para cobrança coerciva apenas da quantia global de 12.670.287$00, por só em relação a esta importância serem responsáveis pelo pagamento, relativamente aos mesmos contratos de empréstimo celebrados com a executada e com os números 90881923 297.119 (actual N.° 0426I000072158210019, conforme esclarecimento a fls. 241 a 242 - ver fls. 50 a 51), até ao montante de 1.500.000$00 e 9088.880157.900 (actual n° 04261000065128210019 - ver fls. 241 a 242 e 50 a 51), até ao montante de 15.500.000$00, sendo aquela quantia de 12.670.287$00 resultante de: Emp. N° 90881923297.119 (actual N° 0426I000072/582I0019): - 1.809.205$00 1.500.000$00 de capital; 308.905$00 de juros de 05.02.92 a 15.12.92; 300$00 de despesas; Emp. 9088.880157.900 (actual n .° 0426/000065I282/0019: - 10.861.082$50= 8.000.000$00 de capital; 2.861.005$00 de juros de 26.10.89 a 15.12.92; 77$50 de Despesas, conforme documentos de 6 a 38 e 251 a 256 da execução, dando-se também estes últimos por reproduzidos;
C) - Nos referidos autos de execução fiscal, conforme auto de Penhora de 01/09/1993, de fls. 56 a 56-v dos autos de execução, que se dá por reproduzido, foi penhorado à executada B…………, Lda, para garantia da citada quantia de 22.852.553$00, além dos respectivos adicionais, juros de mora e custas provenientes da execução, o prédio urbano destinado a fábrica de bolos, sito em Fonte Boa dos Nabos, inscrito na matriz urbana da freguesia da Ericeira sob o artigo 2728 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 00871;
D) - A penhora foi registada na Conservatória do Registo Predial pela inscrição F-1, ap.05/930902, conforme certidão de fls. 67 a 70, da execução, que se dá por reproduzida (ver fls. 70);
E) - O bem foi adjudicado à exequente no dia 14.07.1999 pelo valor de 21.000.000$00, conforme Auto de Abertura de Propostas de fls. 227 a 228 e Título de Adjudicação de fls. 230, (fotocópia e incompleto), da execução, que se dão por reproduzidos;
F) - Sobre o dito prédio foi constituída hipoteca voluntária a favor da exequente Caixa Geral de Depósitos, inscrita na Conservatória do Registo Predial por inscrição 0-1, por ap. 06/110388, convertida pelo av. n.° 1 - Ap. 03/180588, para garantia do seguinte empréstimo: - EMPRÉSTIMO Valor: Capital 15.500.000$00; montante máximo de capital e acessórios - 25.420.000$00; Juro anual: 16%, acrescido de 4% em caso de mora; Despesas: 620.000$00, conforme mesma certidão (fls. 70);
G) - Nos mesmos autos de execução fiscal, conforme auto de Penhora de 02/02/1996, de fls. 124 a 124-v dos autos de execução, que se dá por reproduzido, foi penhorado aos executados E………… e mulher F…………, para garantia da citada quantia de 22.852.553$00, além dos respectivos adicionais, juros de mora e custas provenientes da execução o segundo andar, direito, da ala sul, fracção 1, do prédio sito na Rua …………, Mafra, inscrito na matriz urbana da freguesia da Mafra sob o artigo 4437, fracção “1”, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 478-1, conforme documentos de fls. 127 a 138, da execução, que se dão por reproduzidos;
H) - A penhora foi registada na respectiva Conservatória do Registo Predial pela inscrição F-2, ap.21/960311, conforme certidão de fls. 135 a 138, da execução, que se dá por reproduzida (ver fls. 138);
I) - O bem foi adjudicado no dia 26.01.200) a I………… pelo valor de 10.200.000$00, conforme Auto de Abertura de Propostas de fls. 312 a 313, requerimento de remissão de fls. 316, Guia de Pagamento de fls, 321 e Título de Adjudicação de fls. 337, todos da execução, dando-se todos os documentos por reproduzidos;
J) - Sobre a dita fracção autónoma, fracção 1 (E…………), foi constituída hipoteca voluntária a favor da exequente Caixa Geral de Depósitos, inscrita na respectiva Conservatória do Registo Predial por inscrição 0-1, por ap. 07/150788, convertida pelo av. n.° 1 - Ap. 09/041188, para garantia do seguinte empréstimo:
- EMPRÉSTIMO Valor: Capital 2.820 000$00; montante máximo de capital e acessórios - 7.116.271$00, Juro anual: 17%, acrescido de 4% ao ano em caso de mora; Despesas: 112.800$00, conforme certidão de fls. 13: a 138, da execução (ver fls. 138), conforme documento de fls. 1082. 113, que se dá por reproduzido;
L) - Os executados E………… e mulher F…………, em relação ao empréstimo identificado na alínea anterior, ainda devem à Caixa Geral de Depósitos a quantia de 6.589.319$00, com o agravamento diário de 1828$00 a partir de 26.01.2000, conforme artigos 100 da p. i. e doc. de fls. 91 a 100 e 108 a 113 desta reclamação, que se dão por reproduzidos;
M) - Ainda nos mesmos autos de execução fiscal, conforme auto de Penhora de 02/02/1996, de fls. 126 a 126-v dos autos de execução, que se dá por reproduzido, ainda foi penhorado aos executados G………… e mulher H…………, para garantia da citada quantia de 22.852.553$00, além dos respectivos adicionais, juros de mora e custas provenientes da execução o rés do chão para habitação, fracção C, do prédio sito na Rua de ………, Lote ………, Mafra, inscrito na matriz urbana da freguesia da Mafra sob o artigo 4323, fracção “C”, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 565-C, conforme documentos de fls. 139 a 150, da execução, que se dão por reproduzidos;
N) - A penhora foi registada na respectiva Conservatória do Registo Predial pela inscrição F-3, ap. 20/960311, conforme certidão de fis. 146 a 150 da execução (ver fls. 150);
O) - O bem foi adjudicado no dia 26.01.2001 a J………… pelo valor de 11.800.000$00, conforme Auto de Abertura de Propostas de fls. 314 a 315, requerimento de remissão de fls. 318, guia de pagamento a fls. 322 e Título de Adjudicação de fls. 338, todos da execução, que se dão por reproduzidos;
P) - Sobre a dita fracção “C” (G…………), foi constituída hipoteca voluntária a favor da exequente Caixa Geral de Depósitos, inscrita na respectiva Conservatória do Registo Predial por inscrição 0-1, por ap. 18/140188, para garantia do seguinte empréstimo:
- EMPRÉSTIMO Valor: Capital 3.100 000$00; montante máximo de capital e acessórios - 8.531.696$00; Juro anual: 18%, acrescido de 4% ao ano em caso de mora;
Despesas: 112.800$00, conforme certidão de fls. 145 a 150 da execução (ver fls. 150)
e 101 a 107 desta reclamação, que se dá por reproduzido;
Q) - Os executados G………… e mulher H…………, em relação ao empréstimo identificado na alínea anterior, ainda devem à Caixa Geral de Depósitos a quantia de 9.430.768$00, com agravamento diário de 2.361$00 a partir de 26.01.2000, mas de cujo valor a reclamante apenas reclama o pagamento, nestes autos, de 8.531.696$00, conforme artigos 100 e 15° da p.i. e documento de fls. 81 a 90 desta reclamação, que se dá por reproduzido;
R) - Sobre a mesma fracção "C" foi registada da penhora, provisória por dúvidas, na respectiva Conservatória do Registo Predial por inscrição F-2, por ap. 03/960227, convertida por ap. 8 e 9/060730, para garantia do crédito de 1 .21 2.465$00, a favor do Banco Nacional Ultramarino, hoje Caixa Geral de Depósitos, por todo o seu património se ter fundido nesta, tudo conforme documentos de fls. 150 da execução e 206 a 221, 101 a 107 (106) e 223 a 230 da reclamação, dando-se todos por reproduzidos;
S) - Em relação ao crédito referido na alínea anterior, o executado G………… ainda deve ao BNU, hoje Caixa Geral de Depósitos, a quantia de 1.366.661$00, liquidada no art. 6° da reclamação (fls. 45), conforme documentos de fls. 223 a 230 da reclamação;
T) - O reclamante Banco Nacional Ultramarino instaurou execução sumária, com o n.º 294/95, pela importância de 1.212.465$00, que correu termos pela 7ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, tendo sido efectuada penhora sobre a fracção C acima referida, a qual foi registada na respectiva CRP por ap. 03/960227 - ver fls. 106;
U) - A executada não entregou a:
1 – A…………, a quantia de 343.222$00;
2 – L…………, a quantia de 396.643$00;
3 – M…………, a quantia de 424.975$00;
4 – N…………, a quantia de 343.222$00;
5 – O…………, 1 quantia de 484.894$00, conforme p.i. dirigida ao T.T. de Loures, sentença do mesmo Tribunal, 2.a parte do despacho de fls. 117 a 117-v e fls. 120 a 126 (bem como p.i. de fls. 3 a 5, ainda que substituida pela de fls. 121 a 126), dando-se todos os documentes por reproduzidos;
V) - A reclamação referida na alínea anterior foi deduzida no dia 29.05.96, conforme p.i. de fls. 3 e ss.;
X) - A executada não entregou nos cofres do CRSS de Lisboa as seguintes importâncias: -664600$00, do ano de 1994, a que acrescem juros nos termos legais;
--843.139$00, dos anos de 1990, 1991 e 1992, conforme certidão de fls. 32;
Z) - A execução fiscal foi instaurada em 22 de Junho de 1993, conforme carimbo aposto no requerimento inicial, de fls. 2 a 8 da execução, que se dá por reproduzido.
x A convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas supra.
Quanto às reclamações das trabalhadoras da executada, os valores indicados na alínea U) supra resultam do facto de terem sido esses os valores indicados na petição inicial apresentada no Tribunal de Trabalho de Loures e reconhecidos em dívida na respectiva sentença, julgando-se procedente a acção, mas remetendo-se para eventual liquidação em execução de sentença.
As reclamantes foram notificadas para juntarem certidão judicial de onde constasse a liquidação em execução de sentença dos valores reclamados, mas não a juntaram nem disseram nada sobre o assunto, não resultando, portanto, provada a quantia, alegadamente em dívida, pela Executada, nem se parte dessa quantia, e qual, provêm de salários em atraso.»

V-B- De direito

A sentença recorrida graduou os créditos reclamados pela Fazenda Pública, decorrentes de contribuições em dívida à Segurança Social respeitantes aos anos de 1990, 1991, 1992 e 1994, bem como os respectivos juros de mora, à frente dos créditos da CGD, ora recorrente, referentes a mútuo garantido por hipoteca, com o fundamento no privilégio imobiliário concedido pelo artº 11º do decreto-lei 103/80 de 09.05.

Contra o assim decidido insurge-se a recorrente alegando que a sentença recorrida, ao graduar o créditos reclamados relativos a contribuições devidas à Segurança Social, que gozam de privilégio imobiliário geral e estão garantidos por hipoteca, mas anterior, com preferência sobre o crédito exequendo, violou as normas constantes dos artigos 686° do Código Civil e 282°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

VI
É nesta divergência que se funda a questão apreciar, que consiste em saber se os créditos da C.G.D que gozam de garantia real constituída por hipoteca têm preferência, na graduação, aos créditos relativos a contribuições à Seg. Social, também garantidos por hipoteca, mas posterior.

Cumpre desde já referir que o recurso merece provimento.
Com efeito o Código Civil consagrava no seu artº 735º, nº 3 o princípio de que os privilégios imobiliários eram sempre especiais.
Porém, com a redacção introduzida pelo Dec.-Lei 38/2003, de 08.03 a norma em causa passou a ter a seguinte redacção: «Os privilégios imobiliários estabelecidos neste Código são sempre especiais».
Pretendeu-se assim salvaguardar o caso de outros privilégios imobiliários gerais, criados posteriormente ao Código Civil e constituíam excepção ao referido princípio.
Eram eles os privilégios imobiliários das instituições de Segurança Social sobre imóveis do devedor à data da instauração da acção executiva e do Estado, e, relativamente a IRS e IRC, sobre os imóveis existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou acto equivalente.
Tais privilégios imobiliários previstos nos artigos 111º do CIRS, 116.° do CIRC e 205.° do Cód. do Regime Contributivo do Sistema Providencial da Segurança Social aprovado pela Lei n.º 110/09, de 16/9 (que sucedeu ao disposto nos arts. 10.º e 11.° do Dec. Lei n.º 103/80, de 9/5) são gerais, porque referentes à generalidade dos bens imóveis do devedor.
Neste sentido se tem pronunciado, de forma dominante, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo da qual destacamos os Acórdãos de 28.03.2007, recurso 132/07, de 21.01.2009, recurso 953/08, de 21.12.2009, recurso 724/09 e de 10.03.2010, recurso 1000/09, de 13.01.2010, recurso 917/09, de 13.10.2011, recurso 921/09, de 16.11.2011, recurso 831/11 e de 17.03.2011, recurso 630/10-50 (do Pleno) todos in www.dgsi.pt. (Vide também, na doutrina, Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, pag. 167, e António Carvalho Martins, Reclamação e Verificação de Créditos, pag. 89.).
Como se sublinha nos Acórdãos 953/08 de 21.01.2009, e 917/09, de 13.10.2011, «o direito de crédito garantido por hipoteca só cede perante os créditos que disponham de privilégio imobiliário especial ou prioridade de registo (cfr. nº 1 do art. 686º do CCivil) já que «dos privilégios creditórios só os especiais, porque envolvidos de sequela, se traduzem em garantia real de cumprimento de obrigações, limitando-se os gerais a constituir mera preferência de pagamento e sendo apenas susceptíveis de prevalecer em relação a titulares de créditos comuns».
Acresce dizer, tal como alega a recorrente, que as normas constantes do art.º 11.º do DL n.º 103/80, de 9 de Maio, e do art.º 2.º do DL n.º 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil, foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 363/02, de 17/09/2002.
Ora as decisões do Tribunal Constitucional são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, prevalecendo sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras autoridades, tendo a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral os efeitos previstos no art.º 282.º da CRP
Por outro lado, atendendo à existência de duas hipotecas sobre o mesmo bem e ao preceito do art.° 686.° do CC, a hipoteca da recorrente CGD apenas cede preferência, além dos privilégios especiais, em caso de prioridade de registo, o que não sucede claramente no caso subjudice, já que a hipoteca que garante os créditos relativos a contribuições à Seg. Social é posterior à da recorrente.
Daí que se conclua que os créditos reclamados relativos a contribuições à Segurança Social gozam apenas de privilégio imobiliário geral pelo que não preferem ao anterior crédito hipotecário da recorrente.
O recurso merece, pois, provimento.
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento impugnado e, em consequência, reformular a referida graduação dos créditos (quanto ao produto da venda do bem penhorado à B…………, Ldª) nos termos seguintes:
1° os créditos exequendos e juros;
2° os créditos reclamados pela Fazenda Pública referentes a contribuições em dívida à Segurança Social e respectivos juros.
Sem custas.
Lisboa, 10 de Setembro de 2014. - Pedro Delgado (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva.