Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0969/09
Data do Acordão:01/27/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:MAIS VALIAS
IRS
PRÉDIO RÚSTICO
TRANSMISSÃO
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
Sumário:Nos termos do disposto no art. 5º do DL nº 442-A/88, de 30/11, que estabelece um regime transitório para rendimentos da categoria G de IRS, não são tributados em sede deste imposto os ganhos obtidos com a transmissão de terrenos agrícolas que foram adquiridos antes da vigência do CIRS e se mantinham com essa natureza no momento da entrada em vigor deste.
Nº Convencional:JSTA00066243
Nº do Documento:SA2201001270969
Data de Entrada:10/26/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRS88 ART9 N1 A ART10 N1 A.
CIMV65 ART1.
DL 442-A/88 DE 1988/11/30 ART5.
L 2030 DE 1948/06/22 ART17.
DL 41616 DE 1958/05/10 ART4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1100/05 DE 2006/12/12.; AC STA PROC179/07 DE 2007/06/06.; AC TC PROC203/89 DE 1990/06/20.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorreu, para o TCAS, da sentença que, proferida pelo TAF de Almada, julgou procedente a impugnação deduzida por A… contra a liquidação de IRS, relativa ao ano de 2000, no montante de € 3.459,63.
Por acórdão de 15/7/2009 (fls. 109-111) o TCAS declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, por este versar apenas matéria de direito, declarando competente esta Secção do STA.
1.2. A recorrente termina as alegações do recurso formulando as Conclusões seguintes:
1. O regime transitório da categoria G, previsto no nº 1 do art. 5° do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, não tem aplicação na situação em apreço, pois os ganhos obtidos devidos por aquela alienação já estavam sujeitos a tributação nos termos do disposto no art. 1º do CIMV, caso se verificassem antes da entrada em vigor do CIRS;
2. A tributação dos ganhos obtidos pelo impugnante, resultantes da transmissão em 2000.08.31, de um lote de terreno para construção, está correcta e é legal, pois os mesmos constituem rendimento da Categoria “G” (mais-valias), tal como dispõe o art. 10º do CIRS, devendo por isso manter-se na ordem jurídica a liquidação ora impugnada;
3. Decidiu mal a Meritíssima Juíza ao anular liquidação oficiosa de IRS impugnada, violando assim o disposto naquela disposição legal.
Termina pedindo o provimento do recurso e que a sentença seja revogada e substituída por acórdão que julgue improcedente a impugnação.
1.3. Não foram apresentadas contra alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, fundamentando-se, em síntese, no seguinte: interessando para a aplicação do regime transitório do nº 1 do art. 5º do DL nº 442-A/88 (diploma que aprovou e regulou a entrada em vigor do Código do IRS) saber a qualidade que o bem detinha no momento da entrada em vigor daquele diploma legal; ora, sendo o prédio aqui em causa um prédio rústico aquando da sua aquisição (1972), mantendo essa qualidade até à data da entrada em vigor do CIRS (1/1/1989) e tendo sido adquirido, também nessa qualidade, antes da vigência do referido diploma legal, haverá de concluir-se que os ganhos resultantes da respectiva venda estão isentos por estarem abrangidos no regime transitório previsto naquele art. 5º nº 1 do DL nº 442-A/88 (redacção do DL nº 141/92 de 17/6).
1.5. Colhidos os vistos legais, cabe decidir
1.6. A questão a decidir é a de saber se a transmissão de um terreno destinado a construção urbana, ocorrida em 31/8/2000, mas adquirido como prédio rústico em 22/3/72, está sujeita a tributação em sede de IRS, a título de mais valias ou dela está isento por se encontrar abrangido no regime transitório da categoria G, previsto no nº 1 do art. 5º do DL nº 442-A/88 (redacção do DL nº 142/92, de 17/6).
1.7. Previamente, porém, haveremos de concluir, como concluímos, pela competência, em razão da hierarquia, desta secção do STA, para conhecer do recurso, já que, tal como resulta das Conclusões das alegações, o mesmo versa exclusivamente matéria de direito, como entendeu o acima referenciado acórdão do TCAS.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados e não provados os factos seguintes:
2.1. Factos provados
A) O impugnante adquiriu, em 22/03/1972, em regime de compropriedade, um prédio rústico com a área de 400 hectares, com casa de habitação, sito no lugar de …, freguesia de Canha, sendo a parte rústica inscrito na matriz sob o artigo 489.
B) Posteriormente, por escritura realizada em 22/01/1980, tal prédio foi dividido em sete parcelas, que ficaram a constituir outros tantos prédios autónomos, tendo sido três deles adjudicados ao aqui impugnante.
C) Um desses prédios, com a área de 5.053 m2, foi inscrito na matriz sob o artigo 70, secção C, da freguesia de Pegões, concelho do Montijo, na qual ficou a constar que o mesmo é composto por cultura arvense.
D) Mediante declaração apresentada em 28/08/2000, junto do serviço de finanças do Montijo, o impugnante requereu a inscrição na matriz de um lote de terreno para construção urbana, com a área de 540 m2, a desanexar do prédio rústico inscrito na matriz cadastral da freguesia de Pegões, concelho do Montijo, sob o artigo 70, secção “C”.
E) Foi emitida certidão pela Câmara Municipal do Montijo, da qual consta que foi autorizado o destaque de tal parcela de terreno, e tendo sido aprovado projecto de construção em 03/02/2000.
F) Por escritura pública realizada em 31/08/2000, o impugnante vendeu o referido lote de terreno pelo preço de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos).
G) Para efeitos de avaliação e correcção da liquidação de sisa e nos termos do art. 109° do CIMSISSD, foi instaurado o processo n° 255/2000, no âmbito do qual foi atribuído ao referido lote de terreno o valor de € 32.400,00 euros.
H) Em face de tal venda e considerando que os ganhos resultantes da mesma estavam sujeitos a IRS, a administração tributária procedeu ao cálculo das mais valias obtidas pelo impugnante, e tendo por base o valor matricial atribuído ao prédio rústico inscrito na matriz cadastral da freguesia de Pegões, concelho do Montijo, sob o artigo 70, secção “C” - 11.740$00 - e o valor atribuído ao lote de terreno em sede de comissão de avaliação designada para efeitos de sisa - € 32.400,00 euros - administração tributária chegou ao valor de € 32.393,75 euros, correspondente à diferença entre o valor da aquisição e o valor da venda.
I) Partindo desse valor a administração tributária procedeu à liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano de 2000, nº 5354259722 no montante de 3.459,63 euros.
2.2. Factos não provados:
«… Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»
2.3. Como se disse, a questão que importa decidir é a de saber se a venda aqui em causa está sujeita a tributação em IRS, a título de mais-valias.
A sentença recorrida entendeu que os ganhos aqui em causa não estão sujeitos a IRS porque, em síntese, é aplicável o disposto no regime transitório previsto no art. 5º do DL nº 442-A/88, de 30/11, uma vez que o prédio não tinha a natureza de terreno para construção antes da entrada em vigor do CIRS.
Discorda a Fazenda Pública, sustentando que tal regime transitório da categoria G não tem aqui aplicação, pois os ganhos obtidos com a alienação em causa já estariam sujeitos a tributação nos termos do disposto no art. 1º do CIMV, caso se verificassem antes da entrada em vigor do CIRS.
Vejamos.
2.3.1. A al. a) do nº 1 do art. 9º do CIRS dispõe que constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias. E estas são constituídas (al. a) do nº 1 do art. 10º do CIRS, na redacção ao tempo) pelos ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Por sua vez, o art. 5º do DL nº 442-A/88, de 30/11 (que aprovou o CIRS), prescreve, no seu nº 1, que os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias criado pelo DL 46373, de 9/6/1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor do CIRS.
E o art. 1º do revogado CIMV (aprovado pelo dito DL 46373, de 9/6/65), dispunha que o imposto de mais-valias incidia sobre os ganhos realizados através de, entre outros actos, transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que fosse o título por que se operasse, quando dela resultassem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17º da Lei 2030, de 22/6/48, ou no artigo 4º do DL 41616, de 10/5/58, e que não tivessem a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.
Já nos termos do § 2º deste mesmo art. 1º do CIMV, eram havidos como terrenos para construção «os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo».
Ora, de acordo com o Probatório, o prédio rústico em causa, que tinha sido adquirido em 22/3/1972, veio a ser dividido, em 22/1/1980, em sete parcelas, que ficaram a constituir outros tantos prédios autónomos, sendo um deles, com a área de 5.053 m2, inscrito na matriz sob o artigo 70, secção C, da freguesia de Pegões, concelho do Montijo, na qual ficou a constar que o mesmo é composto por cultura arvense.
E em 28/8/2000 o impugnante requereu a inscrição na matriz de um lote de terreno para construção urbana, com a área de 540 m2, a desanexar deste prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo 70, lote que veio a ser vendido, por escritura pública de 31/08/2000, pelo preço de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos).
Ou seja, o questionado imóvel era um prédio rústico na data da respectiva aquisição (1972) e deteve essa mesma qualidade até à data da entrada em vigor do CIRS (1/1/1989).
O que é decisivo para a questão da tributação em IRS, dado que para saber se se verificam os pressupostos da tributação, releva a qualidade que o bem detinha no momento da entrada em vigor do CIRS, uma vez que, como se viu, no regime transitório estabelecido para a categoria G de IRS (regime previsto no nº 1 do art. 5º do citado DL 442-A/88), se estabelece que os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.
Daí que careça de razão a recorrente ao alegar que os ganhos são sujeitos a IRS porque estamos perante a venda de um lote de terreno para construção urbana que já nos termos do disposto no nº 1 do CIMV era tributada (cfr. art. 7º das alegações de recurso).
Como se sublinha no acórdão deste STA, de 12/12/06, rec. nº 1100/05, «o que se pretendeu com a mudança de regime de tributação operada a partir de 1989 foi tributar em IRS, categoria G, todas as transmissões onerosas sobre imóveis; todavia, para evitar efeitos retroactivos, estabeleceu-se que para serem tributadas tais transmissões era necessário que os bens abrangidos fossem adquiridos e alienados dentro da vigência da nova lei, com excepção daqueles que já eram antes tributados por força do CIMV, ou seja, os terrenos para construção, os quais passariam agora a ser tributados nos termos do Código do IRS».
E também no ac. de 6/6/07, deste mesmo STA, rec. nº 179/07, se escreve, a este propósito, que a não tributação em IRS - a título de mais-valias - dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que à data da entrada em vigor do CIRS eram qualificados como terrenos agrícolas (citado art. 5º do DL 442-A/88) se compreende «pelo facto de, tendo-se optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor da aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor.
Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art. 103°, nº 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral (Essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 216/90, de 20-6-1990, processo nº 203/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 398, página 207), que não se vislumbram em matéria de tributação de mais-valias» (cf. ainda, no mesmo sentido, entre outros, os acs. de 4/2/09, rec. nº 872/08 e de 29/10/08, rec. nº 539/08 e de 13/2/08, rec. nº 763/07).
2.3.2. No caso que nos ocupa, já se viu que o prédio questionado era, à data da entrada em vigor do CIRS (1/1/89) um prédio rústico destinado ao cultivo agrícola tendo sido adquirido, também nessa qualidade, antes da vigência do referido diploma legal.
Independentemente, pois, de posteriormente ter ocorrido algum facto modificativo do conteúdo do respectivo direito de propriedade (por via da aprovação do projecto de construção e do pedido de inscrição na matriz de um lote de terreno para construção urbana) se não estavam, na vigência do abolido imposto de mais valias, sujeitos a esse tributo os ganhos resultantes da sua transmissão, afastados estão, também, da sujeição a IRS, porque abrangidos no regime transitório previsto no nº 1 do art. 5º do DL nº 442-A/88 (redacção do DL nº 141/92 de 17/6).
DECISÃO
Termos em que se acorda em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente Fazenda Pública, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2010. - Casimiro Gonçalves (relator) - Dulce Neto - Pimenta do Vale.