Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:062/10
Data do Acordão:09/15/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
REVISÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
ACORDO DOS PERITOS
LUCRO TRIBUTÁVEL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Sumário:I - O art. 86.º, n.º 4, da LGT, ao não permitir que na impugnação do acto tributário de liquidação, em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, possa ser invocada qualquer ilegalidade se a liquidação tiver por fundamento o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável, não viola o princípio constitucional contido no art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
II - O contribuinte não fica vinculado pelo acordo que seja obtido, podendo consequentemente impugnar a liquidação quanto à fixação da matéria tributável determinada por avaliação directa, sempre que se demonstre que o seu representante agiu fora dos limites dos seus poderes de representação.
Nº Convencional:JSTA00066571
Nº do Documento:SA2201010915062
Data de Entrada:01/29/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - MATÉRIA COLECTÁVEL.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART54 ART62 N1 N2 ART175.
CPTRIB91 ART34.
LGT98 ART16 N1 ART48 N1 ART49 N1 N2 ART77 ART86 N4 ART91 ART92 N3 N4 N5.
DL 398/98 DE 1998/12/17 ART6.
CCIV66 ART258 ART326 N1 ART327 N1 ART1178 N1.
CONST97 ART20 N1 ART268 N3 N4.
CPA91 ART124 ART125.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC656/04 DE 2004/11/23.; AC STA PROC657/04 DE 2004/11/23.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, LDA, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente uma impugnação judicial que deduziu, relativamente a liquidações da IRC e IVA dos anos de 1996, 1997 e 1998.
Posteriormente, a Impugnante restringiu a impugnação às liquidações de IRC (fls. 203).
Uma primeira sentença foi anulada por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 15-4-2009, na sequência do que foi proferida a sentença agora sob recurso.
A Recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
1. Sendo a prescrição de conhecimento oficioso, a mesma verifica-se in casu, devendo declarar-se extintos os presentes autos, por declaração de prescrição dos procedimentos tributários referentes ao IRC dos anos de 1996, 1997 e 1998.
Sem conceder, e por mero dever de patrocínio,
2. A única interpretação do art. 86.º, 4, 2.ª parte, (até para evitar a sua inconstitucionalidade) é no sentido de admitir a invocabilidade de qualquer ilegalidade, quer essa ilegalidade emirja da avaliação indirecta ou do acordo, no seu todo, desde que estejam em causa vícios que atentem contra interesses de terceiros (vg., futuros sócios do sujeito passivo) e/ou dos credores.
3. Se assim não fosse, seria possível ao sujeito passivo sanar ilegalidades das quais decorreria o vício de nulidade, impedindo a invocação dessas mesmas ilegalidade por parte de terceiros e/ou dos credores.
4. A leitura formulada pelo tribunal a quo atenta contra os interesses dos terceiros e/ dos credores, já que ela impede a utilização por parte destes de qualquer mecanismo jurídico que evite, respectivamente, a diminuição do valor da empresa e/ou a diminuição da garantia que o seu património representa.
Sem prescindir,
5. Mesmo admitindo como boa a interpretação do tribunal a quo, ele sempre estaria obrigado a seguir o iter judicativo e, consequentemente, a afirmar que ilegalidades foram (ou não) encontradas na avaliação indirecta a que o sujeito passivo, ora recorrente, foi objecto, pelo menos e com a intenção de demonstrar que houve uma ilegalidade e, consequentemente, que lhe é permitido aplicar o referido art. 86.º, 4. E, para isso, teria de valorar (positiva ou negativamente) a prova produzida em audiência de julgamento, operação que, manifestamente, não fez.
6. É que há ilegalidades e ilegalidades, das quais emergem diferentes interesses em jogo assim como diferentes regimes a aplicar - a jurisprudência tem admitido isso mesmo no sentido de o eventual acordo não obstar à impugnação da liquidação em termos amplos - cf. Ac. TCAS, de 21.2.2006, Rec. 62/04, e jurisprudência nele referida.
7. Se assim não fosse, o tribunal sempre ficaria com um (insolúvel) dilema por resolver. Como os factos são únicos, logo valorados de uma mesma forma, o tribunal sempre teria a obrigação de aferir os factos excluídos do acordo pelas partes (porque isso foi aceite pelas partes nesses termos) e que foram alegados na petição inicial pela ora recorrente.
8. O art. 86.º, 4, LGT, é inconstitucional por violar o disposto no art. 268.º, 4, CRP, na leitura de que o acordo firmado entre as partes impede, in totum, o acesso por parte do sujeito passivo aos tribunais e o consequente direito a uma sentença (justa) cujo objecto contenha com o procedimento de avaliação indirecta, os pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável e o acordo propriamente dito.
9. O tribunal a quo omitiu pronunciar-se sobre a legalidade do recurso a métodos indirectos por parte da AT, por falta de adequada fundamentação, de facto e de direito, da respectiva decisão, quando isso foi lhe directamente colocado na petição inicial, pelo que violou o disposto no art. 124.º, do CPPT, e art. 660.º do CPC.
A decisão proferida pelo tribunal a quo violou os arts. 48.º, LGT, 123.º, CPPT, 659.º, CPC, o art. 86.º, 4, LGT, ou dele não resultando a melhor interpretação, e ainda os arts 124.º, CPPT e 660.º, CPC.
A referida sentença ainda violou o art. 268.º, 4, CRP, na interpretação que retirou do art. 86.º, 4, LGT.
Termos em que, na procedência do presente recurso, deve ser emitido acórdão revogando a douta sentença recorrida considerando a violação das normas jurídicas apontadas e ainda errónea interpretação das mesmas.
Só assim V. Ex.as farão a costumada justiça a que nos habituaram
Não foram apresentadas contra-alegações.
A Meritíssima Juíza que proferiu a sentença recorrida pronunciou-se no sentido de não ocorrer a nulidade de sentença invocada pela Recorrente.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
I. Nulidade da sentença
II. A arguida nulidade por omissão de pronúncia sobre a questão da legalidade do recurso a métodos indirectos para fixação da matéria tributável não se verifica porque a sua apreciação ficou prejudicada, na economia do discurso jurídico, pela solução da questão da inadmissibilidade da impugnação judicial da liquidação, em consequência do acordo obtido no procedimento de revisão (sentença fls. 365/367; art. 660 nº 2 CPC)
Registe-se que a falta de pressupostos para a determinação indirecta da matéria colectável tinha sido invocada como um dos fundamentos do pedido de revisão da matéria tributável (processo apenso fls. 264/294)
II. Prescrição das obrigações tributárias
1. A impugnação judicial visa a apreciação da legalidade do acto tributário; a prescrição não projecta os seus efeitos nesta legalidade mas apenas a jusante, na exigibilidade da obrigação emergente do acto tributário de liquidação.
Em processo de impugnação judicial a prescrição deverá ser conhecida, como pressuposto da questão da inutilidade no prosseguimento da lide, determinante de extinção da instância, de conhecimento oficioso (art. 287º al. e) CPC/art. 2º al. e) CPPT) Sem embargo a questão é de conhecimento oficioso directo, quer pelo órgão da execução fiscal, quer pelo tribunal (art. 175.º CPPT)
O sujeito passivo elegeu como objecto da impugnação judicial a liquidação de IRC (exercícios de 1996, 1997 e 1998) (despacho fls. 190 e fls. 203).
2. A determinação da lei aplicável, em caso de sucessão de leis que estabelecem distintos prazos de prescrição, resulta da ponderação do regime constante do art. 297º nº 1 CCivil (art. 5º nº 1 DL nº 398/98, 17 Dezembro).
Os efeitos interruptivos ou suspensivos do prazo de prescrição produzidos por certos factos jurídicos são regulados pela lei vigente na data em que se verificam (art. 12º nº 1 CCivil)
Resultando as dívidas tributárias exequendas de IRC (exercícios de 1996, 1997 e 1998) é aplicável o prazo de prescrição de 8 anos constante do art. 48º nº 1 LGT, considerando:
a) o prazo de prescrição de 10 anos da lei antiga, contado a partir o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário (art. 34º nº 1 CPT)
b) a inexistência de causas de interrupção ou de suspensão da prescrição na vigência do CPT
3. O prazo mais curto de 8 anos iniciou-se em 1.01.1999
A dedução de impugnação judicial em 4.01.2001 interrompeu a prescrição (art. 49º nº 1 LGT).
O facto interruptivo inutiliza para a prescrição o prazo decorrido até à sua verificação; o novo prazo só começa a correr após o trânsito em julgado da decisão final (arts. 326º nº 1 e 327º nº 1 CCivil; Jorge Lopes de Sousa Notas sobre a aplicação no tempo das normas sobre a prescrição da obrigação tributária 3. 3. 1.; 3. 3. 2. 1; 3. 3. 2. 2.)
Contrariamente à alegação da recorrente o processo de impugnação judicial não esteve parado, por facto não imputável ao sujeito passivo, entre 4.01.2001 e 13.09.2002, porquanto em 19.12.2001 foi proferido despacho de admissão liminar da petição e ordenada a notificação do RFP para contestação (fls. 130); a compulsação do processo evidencia que, posteriormente, a tramitação não esteve parada por período superior a um ano.
Neste contexto é improcedente a excepção peremptória da prescrição das obrigações tributárias deduzida pela recorrente.
III. Acordo no procedimento de revisão da matéria tributável
O acordo obtido no procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos preclude a possibilidade de invocação de qualquer ilegalidade ocorrida naquele procedimento na subsequente impugnação judicial do acto de liquidação (art. 86º nº 4 LGT)
A matéria tributável fixado pelo acordo constitui a base imperativa da liquidação do tributo (art. 92º nº 3 LGT)
O sujeito passivo pode discutir no procedimento de revisão a questão jurídica da legalidade dos pressupostos da avaliação indirecta da matéria tributável (art. 91º nº 14 LGT); esta excepção à impossibilidade de apreciação de questões de direito justifica-se por a sua resolução assentar essencialmente numa decisão de facto, que envolve também uma apreciação de carácter técnico, que é a suficiência ou não dos elementos existentes para determinar com exactidão a matéria colectável (art. 88º desta Lei) (Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária comentada e anotada 2ª edição revista e aumentada 2000 p. 384)
IV. Constitucionalidade do art. 86º nº 4 LGT
A interpretação da norma constante do art. 86º nº 4 LGT efectuada na sentença impugnada não viola a garantia constitucional de impugnação contenciosa de qualquer acto administrativo lesivo (art. 268º nº 4 CRP), considerando:
a) a intervenção do perito no procedimento em representação do sujeito passivo (art. 91º nº 1 LGT); contrariamente ao regime do CPT em que o perito nomeado pelo contribuinte tinha o dever legal de agir com imparcialidade e independência técnica (art. 86º nº 5 CPT redacção do DL nº 47/95, 10 Março)
b) a possibilidade de o sujeito passivo poder deduzir impugnação judicial contra o acto de liquidação (ou contra o acto de avaliação indirecta da matéria tributável que não dê origem a liquidação) para discussão de qualquer questão de direito, com exclusão dos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável (art. 91º nº 14 LGT; cf. supra III.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.
As partes foram notificadas deste douto parecer e nada vieram dizer.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
a) A actividade e contabilidade da impugnante foram objecto de inspecção relativamente aos exercícios de 1996 a 1998, inclusive, IRC e IVA;
b) Dessa inspecção, cujo relatório se dá aqui por reproduzido, resultou apuramentos dos lucros tributáveis para cada ano, respectivamente, de: 28.419.951$00;19.174.773$00; 11.371.712$00, com os fundamentos constantes do relatório da inspecção de 29/11/99 constante do P.A que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
c) Discordando deste resultado a impugnante, em 28/3/00, formulou pedido de revisão, nos termos do art. 91º da LGT, com os fundamentos constantes da petição de fls. 264 a 294 do P.A., que aqui se dá por reproduzido;
d) Aos 20/6/00, pelas 10h, reuniu-se a Comissão de revisão composta por: perito da administração fiscal e um perito indicado pela reclamante Dr. B…, relativamente à matéria tributável do IRC e IVA apurado dos exercícios de 1996 a 1998;
e) «Na condução do procedimento, o perito da Administração Fiscal procurou estabelecer o acordo, o qual foi possível concretizar do seguinte modo:
LUCRO TRIBUTÁVEL
– IRC nos montantes:
14.825.793$00
8.963.049$00
9.838.746$00
– IVA nos montantes:
1.974.542$00
1.406.334$00
1.523.890$00.
Este acordo foi estabelecido nos seguintes termos:
1. Aceitação dos valores fixados quanto a Obras de Remodelação e Projectos,
2. Correcção da margem bruta para 20% a aplicar sobre os custos das obras apuradas em exame à escrita, para cálculo das vendas acordadas, mantendo-se os valores de venda sempre que forem mais elevados do que resultaria do cálculo anteriormente referido (custos*1.2). Estão neste caso as obras nº s 1, 3º, 4º, no exercício de 1996 e as obras n.º s 4 nos exercícios de 1997 e 1998.
Junta-se em anexo à acta folhas de cálculo das obras objecto de correcção que será acrescido para apuramento do lucro tributável, constituindo igualmente a base de I.V.A. em falta para cálculo do imposto.
3. Relativamente à obra designada no relatório por Dr. C…, corrigiu-se na totalidade as vendas presumidas em exame uma vez que foi demonstrado, pelos elementos da contabilidade, que a empresa contabilizou como proveitos do exercício de 1995, a totalidade do valor da obra no montante de 11.600.000$00, recebidos do cliente a título de adiantamentos.
Este montante que deveria ter sido contabilizado numa conta de adiantamentos de clientes para efeitos de IRC foi levado a proveitos influenciando os resultados daquele exercício, muito embora os custos da obra se encontrem repartidos pelos exercícios de 1995 e 1996. Assim entenderam os peritos corrigir as vendas presumidas tendo em vista evitar dupla tributação sobre os mesmos valores. (Juntam-se fotocópias das contas correntes demonstrativas da contabilização atrás referida).
4. Aceitação das restantes correcções efectuadas em exame à escrita.
5. Correcção de 5.000$00 no montante escrito no quadro do apuramento do lucro tributável (pág. 19 do relatório) resultante da transposição incorrecta da pág. 15 do mesmo relatório (resumo das correcções efectuadas).
Assim, o lucro tributável apurado fica determinado como segue:
(Dá-se como reproduzido o quadro que consta da sentença recorrida)
O imposto será repartido pelos períodos de acordo com o critério aplicado no exame à escrita. (...)»
f) a impugnação foi enviada por telecópia (fax) no dia 3/1/01 pelas 19h55m e o original pelo registo do correio com data de 3/1/01 (fls. 152 a 154).
Mais se provou através da prova testemunhal produzida os factos insertos nos itens 33º a 36º, 39º a 41º, 44º, 46º, 52º, 71º, 72º, 102º :
– O pessoal da impugnante exerce a sua actividade simultaneamente para mais de uma obra, dependendo, algumas vezes, das condições climatéricas e de funcionalidade e optimização do trabalho dos funcionários;
– Existia recurso frequente a subempreiteiros das diversas especialidades, redes técnicas: como águas, canalizações e electricidade, serralharia, carpintaria e estuque, assentamento de azulejo;
– Obras realizadas de subempreitada directa, sem imputação de mão-de-obra;
– As facturas no valor de 301.000$00 pagas à D… respeita a rendas de instalações e serviços logísticos prestados pela A…;
– As obras realizadas e indicadas no relatório, foram executadas com margens diminutas de lucro, chegando a não cobrir os custos, por se tratarem de obras para particulares: com pouca disponibilidade financeira e que recorriam a financiamento bancário, obra de E…; obras realizadas com adiantamentos de dinheiro do dono da obra, como a do Sr. C…; a obra de F… sócio gerente da impugnante, a obra do G… que permitiu entrada e circulação de dinheiro na empresa;
– No início da actividade da A… prestou serviços a potenciais clientes, como: projectos para construção não remunerados e alguns não originaram a realização da respectiva obra, caso dos clientes H… e I…;
– Foram intentadas acções de condenação sob a forma ordinária contra os clientes J… e L…, respectivamente em 1996 e 2000.
3 – A Recorrente imputa à decisão recorrida omissão de pronúncia por não ter apreciado sobre a questão da legalidade do recurso a métodos indirectos de fixação da matéria tributável por falta de adequada fundamentação de facto e de direito da respectiva decisão, questão essa que foi colocada na petição inicial.
A falta de apreciação de questões que devam ser apreciadas constitui vício de omissão de pronúncia, pelo que é nesse contexto que esta crítica tem de ser apreciada.
A nulidade de sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões sobre as quais deveria ter-se pronunciado (art. 125.º do CPPT).
Esta nulidade está conexionada com os deveres de cognição do Tribunal, previstos no art. 660.º, n.º 2, do CPC, em que se estabelece que o juiz tem o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Na sentença recorrida entendeu-se, em suma, que
a ora Recorrente não podia impugnar, com os mesmos fundamentos com que apresentou a reclamação do acto de fixação da matéria tributável, a liquidação efectuada em sintonia com o acordado em procedimento de revisão da matéria tributável, por força do preceituado art. 86.º, n.º 4, da LGT, que estabelece que «na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo».
– designadamente, no caso dos autos, a Recorrente não imputa ilegalidades ao procedimento de revisão nem faz qualquer referência à actuação do seu perito que agiu, no âmbito da Comissão de Revisão como seu representante;
– sendo com a concordância da Recorrente a foi efectuado o acordo, está afastada a inconstitucionalidade à face do art. 268.º, n.º 4, da CRP, porque este acordo implica conformação com a resolução dada ao litígio por via administrativa.
Como bem refere o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, à face da tese adoptada na sentença recorrida, a questão da legalidade da decisão de recorrer a métodos indirectos para fixação da matéria tributável ficou prejudicada pela solução dada à questão da impugnabilidade da fixação efectuada através de acordo, na Comissão de Revisão.
Na verdade, a tese adoptada na sentença recorrida é a de que o acordo implica a fixação definitiva da matéria tributável, sendo inadmissível a impugnação contenciosa quanto ao seu conteúdo e à verificação dos seus pressupostos, e que a Recorrente apenas «põe em causa errónea quantificação dos factos tributários e a falta de pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos».
Como é óbvio, se se entendeu que o acordo não podia ser impugnado também quanto à questão da verificação dos pressupostos de uso de métodos indirectos, não tinha qualquer utilidade apreciar se estes pressupostos se verificavam ou não, pois o acordado sempre teria de ser mantido.
Por isso, a apreciação desta questão da verificação dos pressupostos de uso de métodos indirectos ficou prejudicada pela solução dada àquela questão da inimpugnabilidade do acordo.
Se a tese adoptada for errada, haverá erro de julgamento, mas, à face do preceituado na parte final do n.º 2 do art. 660.º do CPC, não havia dever de pronúncia sobre tal questão da verificação dos pressupostos de uso de métodos indirectos.
Assim, a sentença recorrida não enferma de nulidade por omissão de pronúncia.
4 – A Recorrente suscita a questão da prescrição da dívida liquidada.
Como vem entendendo este Supremo Tribunal Administrativo, a prescrição das dívidas liquidadas, embora não constitua fundamento de impugnação judicial, por não ter a ver com a legalidade da liquidação, pode ser apreciada neste meio processual por ser fundamento de inutilidade superveniente da lide, uma vez que, sendo a prescrição de conhecimento oficioso (art. 175.º do CPPT), não poderá ser exigido o pagamento.
As dívidas de IRC a que se reportam as liquidações de IRC impugnadas (como se vê pelo documento de fls. 203 a Impugnante restringiu a impugnação às liquidações de IRC) referem-se aos anos de 1996, 1997 e 1998.
Para apreciar se se verificou a prescrição, começar-se-á pela dívida relativa ao ano de 1996, uma vez que, se essa dívida mais antiga não estiver prescrita, também não o estarão as mais recentes.
O prazo de prescrição relativamente a essa dívida iniciou-se em 1-1-1997, início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário, por força do disposto no art. 34.º do Código de Processo Tributário, sendo o prazo de 10 anos.
Em 1-1-1999, entrou em vigor a LGT, que fixou o prazo de prescrição em 8 anos, com o mesmo termo inicialmente, relativamente às dívidas de IRC (art. 48.º, n.º 1, da LGT e art. 6.º do DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro, que a aprovou).
Ao novo prazo de prescrição aplica-se o regime do art. 297.º do Código Civil (art. 5.º do DL n.º 398/98), em que se estabelece que «a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».
Em 1-1-1999, do prazo de prescrição de 10 anos iniciado em 1-1-1997, faltavam decorrer 8 anos, período igual ao previsto naquele art. 48.º da LGT, pelo que à face da lei antiga não faltava menos tempo para a prescrição se completar. Consequentemente, por força daquele art. 297.º, n.º 1, é aplicável o prazo da LGT, embora a opção não tenha alcance prático por ser idêntico o prazo que faltava decorrer à face do CPT.
O prazo de prescrição, contado de 1-1-1999, interrompeu-se com a impugnação judicial, por força do disposto no art. 49.º, n.º 1, da LGT.
Não houve qualquer período em que o processo estivesse parado por mais de um ano, pelo que não se verificou a transformação do efeito interruptivo em suspensivo que se previa no n.º 2 do art. 49.º da LGT.
Assim, o efeito daquele facto interruptivo (eliminação do período decorrido anteriormente e suspensão do decurso do prazo enquanto o processo estiver pendente, nos termos dos arts. 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 1, do Código Civil) ainda se mantém, o que significa que ainda não decorreu qualquer prazo para a prescrição.
Conclui-se, pelo exposto, não ocorreu a prescrição de qualquer das dívidas de IRC, não se verificando, assim, a inutilidade superveniente da lide.
5 – A Recorrente chegou a acordo no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável previsto nos arts. 91.º e 92.º da LGT.
O art. 92.º da LGT, estabelece nos seus n.ºs 3 a 5, o seguinte:
3. Havendo acordo entre os peritos nos termos da presente subsecção o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada.
4. O acordo deverá, em caso de alteração da matéria inicialmente fixada, fundamentar a nova matéria tributável encontrada.
5. Em caso de acordo, a administração tributária não pode alterar a matéria tributável acordada, salvo em caso de trânsito em julgado de crime de fraude fiscal envolvendo os elementos que serviram de base à sua quantificação, considerando-se então suspenso o prazo de caducidade no período entre o acordo e a decisão judicial.
Na presente impugnação judicial, a Recorrente pretende impugnar os actos de liquidação de IRC com fundamento em não se verificarem os pressupostos de facto de que depende a utilização de métodos indirectos para determinar a matéria tributável e ilegalidades da própria quantificação, designadamente por erros de qualificação de rendimentos, lucros e valores patrimoniais, para além de falta de fundamentação.
Na sentença recorrida entendeu-se que resulta do art. 86.º, n.º 4, da LGT que o contribuinte que tenha chegado a acordo com a Administração Tributária no âmbito da Comissão de Revisão não pode impugnar a fixação da matéria tributável.
O art. 86.º, n.º 4, estabelece que «na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo».
É inequívoco, à face da parte final desta norma, que se afasta a possibilidade de impugnação judicial da fixação da matéria tributável quando a liquidação se tenha baseado no acordado no procedimento de revisão, previsto nos arts. 91.º e 92.º da LGT.
Na verdade, há naquele art. 86.º, n.º 4, uma opção clara pelo regime da impugnação unitária, que é confirmada pelo art. 54.º do CPPT, ao estabelecer que «salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida».
Por outro lado, a estatuição no sentido de não poder ser invocada na impugnação do acto de liquidação a matéria tributável resultante de acordo obtido no procedimento de revisão tem o alcance de expressar que não é admitida também a impugnação autónoma.
Na verdade, para além de não se vislumbrar qualquer possível justificação para excepcionar do princípio da impugnação unitária a fixação da matéria tributável apenas nos casos em que foi fixada por acordo, trata-se de uma situação em que, quando com base na fixação da matéria tributável é praticado um acto de liquidação, não se está perante um acto imediatamente lesivo nem perante um caso em que exista disposição expressa no sentido da impugnação autónoma, que são as únicas situações em que o art. 54.º do CPPT afasta a aplicação do princípio da impugnação unitária.
Por outro lado, o procedimento de revisão abrange não só as operações de quantificação através de métodos indirectos, mas também a decisão de os utilizar, como evidencia o art. 117.º, n.º 1, do CPPT, ao estabelecer a regra de que «a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável».
Na verdade, se a impugnação dos actos tributários com base em erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, é forçoso concluir que este procedimento abrange a decisão de utilização de métodos indirectos.
Por isso, o acordo a que se referem os n.ºs 3 a 5 do art. 92.º da LGT, que, pondo termo ao procedimento, abrange necessariamente tudo o que nele pode ser questionado, implica concordância não só sobre a forma como eles foram aplicados os métodos indirectos, mas também sobre a existência de uma situação em que eles podem ser utilizados.
Assim, é de concluir que o regime que resulta da lei ordinária é o de que o acordo no procedimento de revisão da matéria tributável abrange tanto a decisão de utilização de métodos indirectos como a forma como foram utilizados para quantificar a matéria tributável e que se proíbe, quanto a esses pontos, a impugnação da liquidação que for efectuada com base no acordo.
Não quer isto dizer que seja proibida, em absoluto, a impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, pois este regime pressupõe, naturalmente, a validade do acordo e a sua oponibilidade ao contribuinte.
Ficará aberta, assim, a possibilidade de impugnação da liquidação efectuada com base no acordo invocando ilegalidade procedimental que afecte a sua validade. ( ( )Neste sentido, pode ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23-11-2004, processo n.º 656/04. )
O art. 62.º, n.º 1, do CPPT confirma esta interpretação no sentido do carácter não absoluto da proibição de impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, ao estabelecer que «em caso de a fixação ou a revisão da matéria tributável dever ter lugar por procedimento próprio, a liquidação efectua-se de acordo com a decisão do referido procedimento, salvo em caso de esta violar manifestamente competências legais», o que supõe que o contribuinte possa questionar a validade do acordo, pois estabelece-se que «a declaração da violação das referidas competências legais pode ser requerida pelo contribuinte» (n.º 2 deste art. 62.º).
Por outro lado, assentando o acordo na intervenção de um representante do contribuinte, será aplicável o regime próprio da representação, quanto à vinculação do sujeito passivo pela actuação deste perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (arts. 1178.º, n.º 1, e 258.º do Código Civil), o que tem suporte explícito no art. 16.º, n.º 1, da LGT que, com carácter geral, estabelece que «os actos em matéria tributária praticados pelo representante em nome do representado produzem efeitos na esfera jurídica deste, nos limites dos poderes de representação que lhe forem conferidos por lei ou por mandato».( ( ) Neste sentido, pode ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23-11-2004, processo n.º 657/04. )
Não é de colocar, no âmbito de um acordo, a possibilidade de vício formal derivado de falta ou deficiência de fundamentação, pois a lei e a CRP apenas a exigem quanto a decisões da Administração (actos administrativos, cujo conceito é definido no art. 120.º do CPA) e não quanto a acordos, mesmo que inseridos em procedimentos administrativos ou tributários (arts. 268.º, n.º 3, da CRP, 124.º e 125.º do CPA e 77.º da LGT).
Porém, o evidente alcance útil do n.º 4 do art. 86.º da LGT é não permitir que seja discutida a fixação da matéria tributável quanto àquilo sobre que versa o acordo que é, como se referiu, tanto a verificação dos pressupostos da utilização de métodos indirectos como a quantificação da matéria tributável.
Sendo este o regime legal previsto na lei ordinária, são irrelevantes as considerações que a Recorrente faz sobre a hipotética desprotecção de terceiros, pois não se detecta uma preocupação legislativa desse tipo, o que, aliás, nem se compreenderia, uma vez que a disponibilidade que o contribuinte tem sobre a fixação da matéria tributável é essencialmente idêntica à que tem de aceitar a fixação proposta pela Administração Tributária, abstendo-se de apresentar reclamação.
Assim, havendo uma opção legislativa no sentido da inimpugnabilidade da liquidação efectuada com base no acordo, abrangendo tanto a decisão de utilização de métodos indirectos como a forma como foram utilizados, a aplicação deste regime pelos Tribunais apenas pode derivar de ofensa de regra de hierarquia superior à lei ordinária, nomeadamente de normas constitucionais.
É precisamente uma ofensa deste tipo que a Recorrente defende existir, por incompatibilidade deste regime com o art. 268.º, n.º 4, da CRP, pelo que há que apreciar a questão da constitucionalidade material deste regime.
6 – A questão da constitucionalidade, à face dos arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, da interpretação aqui adoptada sobre o alcance do art. 86.º, n.º 4, da CRP, foi já apreciada por este Supremo Tribunal Administrativo no citado acórdão de 23-11-2004, proferido no processo n.º 656/04, nos seguintes termos:
Mas, no caso, não estamos perante um acto administrativo que afecte os direitos ou interesses da recorrente.
É que a fixação da matéria tributável, sendo assunto da competência da Administração Tributária, foi objecto de um pedido de revisão formulado pela ora recorrente, nos termos do artigo 91º da LGT, e a liquidação tomou por base o acordo a que chegaram os peritos da Administração e da agora recorrente, tudo como consta da matéria de facto fixada.
Ora, sendo, hoje, o perito designado pelo contribuinte para o procedimento de revisão um seu representante, o acordo em que ele intervenha vincula o contribuinte, projectando-se na sua esfera jurídica. Agindo o seu perito em representação do contribuinte, não pode este queixar-se senão de si – a não ser que o seu perito actue para além dos poderes que lhe conferiu, que é questão que, no caso, se não levanta.
Deste modo, estamos perante algo que não é um puro acto de autoridade, cujo resultado se imponha ao contribuinte independentemente da sua vontade, mas perante um acordo entre um seu representante e o da Administração, vinculativo, aliás, para esta, e insusceptível, com a já apontada ressalva, de afectar os seus direitos ou interesses – o acordo consubstancia, antes, a realização desses direitos ou interesses.
Não vemos, pelas razões expostas, que haja impedimento constitucional a que a lei não admita que se invoque, na impugnação judicial do acto de liquidação, a errónea determinação da matéria tributável com base em avaliação indirecta, nos casos em que aquela matéria tenha sido encontrada mediante acordo obtido no processo de revisão.
É esta jurisprudência com que se concorda, que aqui se adopta.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente, com procuradoria de 50%.
Lisboa, 15 de Setembro de 2010. - Jorge de Sousa(relator) – Alfredo Madureira – Pimenta do Vale.