Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0619/09
Data do Acordão:04/21/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRC
DESPESAS CONFIDENCIAIS
SENHA DE REFEIÇÃO
Sumário:I - Os títulos ou vales de refeição são meros meios de pagamento de refeições ou de outros produtos disponibilizados pelos estabelecimentos aderentes a este sistema de pagamento.
II - A aquisição destes vales constitui uma mera troca de meios de pagamento, não consubstanciando, em si, uma despesa.
III - Não sendo conhecido o destino dado a esses vales, estes devem ser considerados despesas confidenciais e, consequentemente, tributados autonomamente, nos termos do artigo 4.º do Dec.Lei n.º 192/90, de 9 de Junho.
Nº Convencional:JSTA00066391
Nº do Documento:SA2201004210619
Data de Entrada:06/08/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:DL 192/90 DE 1990/06/09 ART4.
CIRC88 ART8 ART9 ART41 N1 H.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença que o Tribunal Tributário de Lisboa proferiu no âmbito do processo de impugnação judicial instaurado contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas referente ao exercício de 1993 e juros compensatórios, no montante total de € 100.894,83, sentença que julgou totalmente improcedente essa impugnação.
A recorrente terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
1. A Recorrente é uma sociedade anónima que, em 31 de Outubro de 1997, se fundiu com a sociedade “B…, S.A.”, mediante incorporação do património desta sociedade.
2. Esta fusão reportou os seus efeitos contabilísticos a 31 de Outubro de 1997, tendo sido cumpridas as obrigações fiscais relacionadas com a cessação da actividade da sociedade absorvida.
3. A Recorrente recebeu oportunamente uma liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1993, com o número 8310020299, dirigida à sociedade “B….”, cujas obrigações foram assumidas pela ora Recorrente por via da fusão referida.
4. Com referência ao exercício de 1993, a Recorrente procedeu, dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, à entrega da correspondente declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC.
5. A referida declaração, bem como os demais documentos subjacentes às obrigações declarativas e de pagamento respeitantes a IRC, por referência ao exercício de 1993, foram objecto de um procedimento externo de inspecção tributária conduzido pelos Serviços de Inspecção Tributária (“SIT”) da Direcção de Finanças de Lisboa.
6. Uma vez terminada a mencionada acção de inspecção, a ora Recorrente foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária, no qual se propôs uma liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 1993, no valor total de € 100.894,83 (cem mil e oitocentos e noventa e quatro euros e oitenta e três cêntimos), relativo a correcções efectuadas por referência a despesas consideradas como não documentadas ou confidenciais pela Administração Tributária, e, consequentemente, sujeitas a tributação autónoma à taxa de 10%, nos termos do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho.
7. Não podendo concordar com a correcção proposta pelos referidos técnicos, a Recorrente apresentou, no prazo legal preceituado para o efeito - a 29 de Março de 1999 - a competente reclamação graciosa do acto tributário da liquidação adicional de IRC n.º 8310020299, tendo ainda procedido ao pagamento da correspondente liquidação adicional, dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.
8. Não obstante, foi a Recorrente notificada, no dia 16 de Janeiro de 2002, mediante o Processo n.º 638/07-28/02.3.2 das conclusões finais do mesmo, nos termos do qual a Administração Tributária manteve a correcção, em sede de IRC, no valor de € 100.894,83.
9. Não podendo, uma vez mais, a Recorrente concordar com os argumentos aduzidos pela Administração Tributária que estiveram na base da liquidação adicional de IRC e correspondentes juros compensatórios, no valor de € 100.894,83 supra referida, apresentou a competente impugnação judicial n.º 638/2007, a 28 de Janeiro de 2002, com os mesmos fundamentos apresentados em sede de reclamação graciosa.
10. Foi a ora Recorrente notificada da sentença objecto do presente recurso referente ao processo de impugnação judicial nº 638/2007-28/02.3.2., na qual o Tribunal Tributário de Lisboa manteve liquidação adicional de IRC, e correspondentes juros compensatórios, oportunamente impugnada.
11. Assim, considerou a douta sentença como “despesas confidenciais ou não documentadas» os encargos referentes a títulos de refeição adquiridos pela empresa, os quais foram utilizados em pagamentos de operações relacionados com a “estiva e desestiva de navios” aos estivadores cujos serviços a Recorrente contratou no ano em causa para o desenvolvimento das suas actividades, concluindo com o entendimento já propugnado pela Administração Tributária, de que estas despesas estão sujeitas a uma tributação autónoma cuja taxa, à data a que se reporta a liquidação adicional, era de 10% nos termos do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho.
12. A Administração Tributária fundamentou os seus argumentos na equiparação da norma prevista na alínea g) do número 1 do artigo 42.° do Código do IRC à norma prevista no número 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, quanto aos respectivos pressupostos, considerando que a aplicabilidade de uma e de outra dependem, de forma equivalente, da consideração de despesas como confidenciais ou não documentadas, pelo que o custo em apreço configurava, alegadamente, um custo não aceite para efeitos fiscais, nos termos do disposto no número 1 do artigo 23.° do Código do IRC.
13. A sentença ora recorrida concluiu pela improcedência total da impugnação judicial apresentada, embora, uma vez mais salvaguardado o devido respeito, os fundamentos invocados em juízo para tal improcedência careçam, na opinião da Recorrente, de suporte na legislação fiscal aplicável.
14. Não alcança a Recorrente porque toda a argumentação técnica da sentença se debruça sobre a dedutibilidade do custo incorrido com a aquisição dos vales de refeição e contabilizados na conta POC 655 - Estiva e desestiva de navios.
15. A Recorrente nunca contestou a não aceitação, como custo dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável, em sede de IRC, do exercício de 1993, do valor incorrido com a aquisição dos vales de refeição e contabilizados na conta POC 655 - Estiva e desestiva de navios.
16. A questão controvertida e impugnada pela Recorrente restringiu-se única e exclusivamente à sujeição a tributação autónoma de despesas que, em sua opinião, jamais poderiam ser consideradas despesas confidenciais ou não documentadas.
17. E neste aspecto a sentença ora recorrida é omissa em fundamentar a manutenção da liquidação adicional de IRC em referência que, reitera-se, respeita apenas a tributação autónoma.
18. No que concerne à temática das despesas confidenciais é necessário ressalvar, desde logo, que as despesas em causa estão identificadas, no que respeita à sua natureza, origem e finalidade.
19. De facto, entende a Recorrente que apenas poderão ser classificadas com despesas confidenciais aquelas para as quais não existe qualquer suporte documental que permita identificar a razão/justificação do seu efectivo dispêndio.
20. Aliás o Plano Oficial de Contabilidade prevê expressamente, na sua classe 6 — Custos e Perdas, uma rubrica específica conta 653 — Despesas Confidenciais, para a contabilização de despesas relativamente às quais os sujeitos passivos desconhecem a natureza e o destino.
21. O entendimento da Recorrente é aliás cabalmente validado pela melhor jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, jurisprudência essa inclusivamente citada na sentença ora recorrida (Acórdão n.º 1283/03, de 3 de Dezembro de 2003, do STA e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25 de Setembro de 2008, no processo 350/04) que atrás se invocaram e que aqui e agora se dão por reproduzidos.
22. As despesas em análise, por estarem especificadas quanto à sua natureza, origem e finalidade, não deverão ser classificadas como despesas confidenciais sujeitas a tributação autónoma.
23. Adicionalmente, de forma a reforçar ainda mais o entendimento da Recorrente, a redacção do número 1 do artigo 81.º do Código do IRC introduzida pelo Orçamento de Estado para 2008 veio clarificar que “As despesas não documentadas são tributadas autonomamente à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como custo nos termos no artigo 23°”.
24. O legislador fiscal eliminou da norma legal referida no artigo anterior a referência a “despesas confidenciais” (que esteve em vigor até 31 de Dezembro de 2007) concretizando assim a inequívoca distinção entre “despesas não devidamente documentadas” e “despesas não documentadas”, sendo que apenas estas últimas se encontram sujeitas a tributação autónoma.
25. Ora, no caso concreto da Recorrente, existe documentação para comprovar a origem, finalidade e natureza das despesas em apreço, o que impossibilita a classificação destas despesas como “não documentadas”.
26. Não obstante, no seu caso concreto, estas despesas não poderão ser consideradas como despesas confidenciais e/ou não documentadas para efeitos da tributação autónoma como pretende fazer valer não só a Administração Tributária como a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa.
27. Isto porque, e uma vez mais a Recorrente gostaria de sublinhar que, caso estas despesas fossem efectivamente confidenciais a Administração Tributária nunca teria conseguido identificar que se tratavam de títulos de refeição que foram adquiridos pela Recorrente e utilizados em pagamentos de operações relacionadas com a sua actividade.
28. É essa a própria raiz etimológica da expressão “não documentada” no sentido em que se revela impossível um raciocínio cognoscitivo sobre qual a alocação da despesa incorrida.
29. Por outro lado, caso estivessem aqui em causa despesas não documentadas, o que apenas por mera hipótese académica se coloca, então também não existiria um documento externo na posse da Recorrente a comprovar a aquisição de títulos de refeição.
30. Tal como resulta do exposto, estas despesas não configuram despesas não documentadas na forma prevista na legislação fiscal, na medida em que se afigura possível identificar a sua natureza e os respectivos destinatários através da documentação que já foi fornecida pela ora Recorrente aos serviços competentes da Administração Tributária, sendo que a documentação de suporte não permite, isso sim, a consideração da despesa incorrida como custo dedutível, em sede de IRC, por incumprimento dos demais requisitos legalmente exigidos — facto, reitera-se, nunca contestado pela Recorrente.
31. Consequentemente, a aplicação da taxa de 10% de tributação autónoma sobre as referidas despesas, resultante do facto das mesmas terem sido classificadas como “despesas confidenciais ou não documentadas”, encontra-se manifestamente incorrecta e, consequentemente, afigura-se ilegal.
32. Invoca, de novo, a recorrente o citado Acórdão n.º 01283/03, de 3 de Dezembro de 2003, do STA “São despesas confidenciais as que não especificam a sua natureza, origem e finalidade. Tais despesas são, por natureza, indocumentadas. Não é confidencial a despesa, titulada por documento, do qual constam as identidades do vendedor e do adquirente e a designação do bem transmitido e respectivo preço. Esta despesa não é susceptível de tributação autónoma nos termos do art° nº 4 do D.L. 192/90, de 9/6”.
33. Não pode assim a Recorrente aceitar como foi possível na sentença recorrida ter sido citado o Acórdão em apreço, sem no entanto ser completada a análise do mesmo, que facilmente permitiria a conclusão pela procedência total da impugnação judicial apresentada e, consequentemente, a anulação total da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios oportunamente identificada.
34. No mesmo sentido advogou o entendimento da jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, através do Acórdão n.º 01486/06 de 30 de Janeiro de 2007, ao entender que “À luz dos princípios expostos não constituem encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados (existem quando não se encontram apoiados em documentos externos em termos de possibilitar conhecer fácil, clara e precisamente a operação, evidenciando a causa, natureza e montante) e as despesas de carácter confidencial (existem quando não são especificadas ou identificadas quanto à natureza, origem e finalidade, sendo não documentadas por natureza,)”, que concluiu “Por não se provar por documento externo ou outro idóneo meio de prova que os custos em causa estavam directamente relacionados com a actividade normal da impugnante não se configura, em tal situação, o nexo causal de «indispensabilidade» que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos. E, não estando devidamente documentados não podem ser tributados, autonomamente à taxa de 30%, nos termos do art. 4º do Decreto-Lei nº 192/90, de 9/6 (na redacção da Lei n.º 52-C/96 de 27/12).”.
35. Neste âmbito, cite-se ainda o Acórdão n.º 00563/05, de 15 de Junho de 2005, do mesmo Tribunal, onde se entendeu que “Não constituem encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial (...) Um encargo não se encontra devidamente documentado quando não se encontre apoiado em documentos externos em termos de possibilitar conhecer fácil, clara e precisamente a operação, evidenciando a causa, natureza e montante (...)”.
36. Entendendo este último Acórdão que “Os encargos suportados pela contribuinte (...) inscritos como custos na sua contabilidade desde que não se mostrem comprovados por outros meios de prova de que tal combustível foi utilizado em veículos ao serviço da sua actividade não constituirão um custo, por episodicamente não se mostrarem devidamente documentados, mas não podem ser tributados, autonomamente ao abrigo do Dec-Lei n.º 192/90, como despesas confidenciais, por não se ver verificar a ocultação da sua natureza, origem e finalidade”.
37. Acresce ainda que, em face do entendimento supra transcrito, assim como da orientação jurisprudencial manifestada através dos vários Acórdãos supra citados, resulta, de forma clara e inequívoca, que as despesas em apreço, não obstante não configurarem custos aceites para efeitos de determinação do lucro tributável, não deverão ser considerados como encargos sujeitos a tributação autónoma.
38. Efectivamente, conclui-se como manifestamente errado e ilegal o iter cognoscitivo que enquadra, para efeitos fiscais, como sujeito ao mesmo tratamento em sede de IRC, (i) uma despesa cuja natureza e finalidade é possível identificar apesar de suportada por documentos que carecem de preencher os demais requisitos legais, e (ii) uma despesa confidencial ou não documentada, relativamente à qual é impossível conhecer a sua natureza e finalidade por ausência absoluta de documentação de suporte.
39. Por tudo o que foi exposto supra, a Recorrente conclui pela ilegalidade da sentença recorrida pelo facto de sujeitas a tributação autónoma, em sede de IRC, despesas incorridas no exercício de 1993 que se encontravam indevidamente documentadas por violação do disposto no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, em vigor à data dos factos controvertidos.
Nestes termos e nos mais de direito deve o presente Recurso merecer provimento e consequentemente julgar-se procedente a Impugnação deduzida, decretando-se a anulação total da liquidação adicional de IRC e correspondentes juros compensatórios n° 8310020299 de 3 de Dezembro de 1998 e o consequente reembolso da quantia de 100.894,83 € acrescida dos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer, invocando a impossibilidade de o fazer no prazo que a lei estipula para o efeito.
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir a questão colocada neste recurso, a qual se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas.
* * *
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1. A sociedade impugnante, “A…, S.A.”, com o n.i.p.c. …, fundiu-se com a empresa “B…, S.A.”, mediante incorporação do património desta (cfr. factualidade admitida pela impugnante nos art°s. 1 e 2 da p.i.; informação exarada a fls. 60 a 63 do apenso administrativo);
2. No ano de 1993, a sociedade “B…, S.A.”, com o n.i.p.c. …, era sujeito passivo de I.R.C. no regime geral de tributação, devido ao exercício da actividade de consultoria e programação informática, CAE 72200, sendo colectada pelo 14°. Serviço de Finanças de Lisboa (cfr. documentos juntos a fls. 20 e 21 do apenso de reclamação graciosa);
3. Em 31/5/1994, a sociedade “B…, S.A.” apresentou a sua declaração, modelo 22, relativa a I.R.C. do ano de 1993, no 14°. Serviço de Finanças de Lisboa, na qual declarou um prejuízo fiscal no montante de € 1.058.901,98 (cfr. documentos juntos a fls. 17 e 21 do apenso de reclamação graciosa);
4. Na sequência de análise interna efectuada à declaração de rendimentos identificada no n°. 3, a Administração Fiscal não aceitou como custo fiscal o montante de € 571.114,61, quantia referente a títulos de refeição adquiridos pelo sujeito passivo e utilizados em pagamentos de operações relacionadas com a “estiva e desestiva de navios”, portanto, para fins diferentes daqueles a que normalmente se destinavam, não dispondo, todavia, a empresa de documentos/elementos comprovativos do destino que lhes foi dado, e tendo o valor de aquisição dos aludidos títulos de refeição sido registado na conta 655- Estiva e desestiva de navios, pelo que deve tal quantia ser considerada como confidencial ou não documentada, ao abrigo do art°. 41, n°. 1, al. h), do C.I.R.C., e igualmente sujeita a tributação autónoma nos termos do art°. 4, do Dec.Lei 192/90, de 9/6 (cfr. mapa de apuramento m. DC122, relativo ao ano de 1993, datado de 11/9/1998, cuja cópia se encontra a fls. 12 a 15 do apenso de reclamação graciosa, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido);
5. Em 3/12/1998, com base no mapa de apuramento identificado no n°. 4, a Administração Fiscal efectuou a liquidação adicional de I.R.C. n°. 8310020299, relativa ao exercício de 1993 e incidente sobre a actividade da sociedade “B…, S.A.”, na qual corrigiu para mais o montante da matéria colectável declarado por este, fixando-o no prejuízo fiscal de € 487.787,37, em virtude do que devia a empresa efectuar o pagamento adicional de I.R.C., no montante total de € 100.894,83, fixando-se o termo final do prazo de pagamento no dia 20/1/1999 e da mesma constando como sujeito passivo a sociedade impugnante em virtude da fusão, por incorporação, referida no n°. 1 (cfr. documentos juntos a fls. 8, 12 a 15 e 21 do apenso de reclamação graciosa; informação exarada a fls. 57 e 58 do apenso administrativo);
6. Em 20/1/1999, a sociedade impugnante efectuou o pagamento da liquidação identificada no n°. 5 (cfr. documentos juntos a fls. 8 e 9 do apenso de reclamação graciosa; informação exarada a fls. 57 e 58 do apenso administrativo);
7. Em 29/3/1999, a sociedade impugnante deduziu reclamação graciosa tendo por objecto a liquidação identificada no n° 5 supra (cfr. carimbo de entrada aposto a fls. 3 do apenso de reclamação graciosa);
8. Em 2/1/2002, a reclamação graciosa identificada no n° 7 foi indeferida através de despacho do Director de Finanças de Lisboa, o qual concorda com informação e parecer prévios (cfr. documento junto a fls. 33 do apenso de reclamação graciosa);
9. Em 16/1/2002, a sociedade impugnante foi notificada do indeferimento identificado no n° 8 (cfr. documentos juntos a fls. 40 e verso do apenso de reclamação graciosa);
10. Em 28/1/2002, deu entrada no extinto Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa a impugnação apresentada pela sociedade “A…, S.A.” e que deu origem ao presente processo (cfr. carimbo de entrada aposto a fls. 2 dos autos).
* * *
3. A questão que cumpre apreciar e decidir neste recurso consiste em saber se na sentença se incorreu em erro ao julgar que a correcção subjacente ao acto de liquidação de IRC impugnado não padece do vício de violação de lei que a Impugnante lhe imputa, correcção que resultou da ponderação efectuada pela Administração Tributária no sentido de que as despesas com vales de refeição que aquela adquiriu e utilizou em pagamentos de operações relacionadas com a estiva e desestiva de navios tinham de ser classificadas como despesas confidenciais ou não documentadas por força da inexistência de documentos/elementos comprovativos do destino dado a esses títulos, ficando, por esse motivo, sujeitos a tributação autónoma nos termos do artigo 4.º do Decreto Lei nº 192/90, de 9 de Junho.
Com efeito, a Impugnante, embora aceite a correcção no sentido de desconsiderar como custos fiscais, para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, as despesas suportadas com a aquisição dos vales de refeição, por estas despesas não se encontrarem devida e suficientemente documentadas, defende, nesta impugnação, a ilegalidade da aplicação de uma taxa de tributação autónoma de 10% sobre o seu montante, dado que, em sua opinião, elas não podem ser consideradas como despesas confidenciais ou não documentadas, na medida em que os títulos de refeição documentam a despesa efectuada, indicando a sua natureza, origem e finalidade, apenas não identificando o respectivo beneficiário.
A sentença julgou improcedente a impugnação com base, essencialmente, no entendimento de que a factualidade descrita permite concluir que «os custos em causa se devem considerar não documentados, porquanto o único suporte documental existente não obedece aos requisitos legalmente exigidos, igualmente não permitindo identificar os beneficiários de tais despesas, como expressamente admite a sociedade impugnante. Por outras palavras, os títulos de refeição em causa não constituem prova documental de despesas alguma, apenas relevando como alegado meio de pagamento de serviços prestados sem documento comprovativo. Documentos que seriam os recibos de pagamento devidamente emitidos com a identificação completa dos alegados prestadores de serviços. A mera classificação em conta não constitui um documento contabilístico. De facto, a despesa em causa deve considerar-se não documentada, dado não se encontrarem identificados os beneficiários da mesma nem a sua natureza.».
Pelo que a questão ainda em debate consiste em saber se se encontram verificados os condicionalismos para a aplicação artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho ao montante de € 571.114,61 registada na conta 655- Estiva e desestiva de navios, isto é, referente aos vales de refeição adquiridos pela Impugnante e utilizados em pagamentos de operações relacionadas com a estiva e desestiva de navios.
Vejamos.
Estabelecia o artigo 4.º do Decreto Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, na redacção aqui aplicável (anterior à redacção introduzida pelo artigo 29º da Lei n.º 39-B/94, de 27.12), que “As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.".
Por outro lado, dispunha o artigo 41.º, n.º 1, alínea h) do Código do IRC, na redacção então vigente, que não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial.
Donde decorre que as despesas de carácter confidencial são tratadas pelo legislador como aquelas que, por não especificadas nem identificadas, são por natureza indocumentadas, sendo, por isso, insusceptíveis de dedução para efeitos de determinação do lucro tributável e sujeitas a tributação autónoma, por contraposição às despesas não devidamente documentadas, que são aquelas que se encontram apoiadas em documentos mas estes não demonstram, de forma inequívoca, a materialidade da operação subjacente e os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respectivos reflexos e que, embora não dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, não ficam sujeitas a tributação autónoma.
No caso vertente, importa realçar que apenas se encontra documentada a aquisição dos vales de refeição pela Impugnante, e não já a sua entrega e utilização, inexistindo qualquer documento que titule este evento, embora se possa deduzir, como deduziu a Administração Tributária, que eles foram entregues a estivadores contratados pela Impugnante em pagamentos de operações relacionadas com a “estiva e desestiva de navios”, dado que a despesa se encontra registada na conta 655- Estiva e desestiva de navios.
Ora, como se sabe, os vales ou tickets de refeição são títulos de pagamento de refeições, isto é, são títulos que se destinam a ser utilizados na aquisição e pagamento de refeições ou de outros produtos disponibilizados pelos estabelecimentos de restauração aderentes a esse sistema de pagamento. Através de tal sistema possibilita-se ao titular do ticket a escolha do estabelecimento onde pretende fazer a refeição ou comprar determinados produtos alimentares, utilizando o vale como meio de pagamento, de modo que a refeição ou produto comprado seja pago por aquele que concedeu ou facultou o título.
Pelo que a aquisição destes vales consiste na mera troca de meios de pagamento (dinheiro por vales), só havendo despesa no momento em que a refeição é consumida e paga com a entrega do título ao estabelecimento fornecedor. O custo é, não a aquisição dos vales, mas a sua utilização junto do estabelecimento aderente a este sistema de pagamento.
Isto é, os vales ou títulos de refeição são “dinheiro” e a sua mera detenção não implica a verificação de qualquer encargo ou custo, o qual só ocorre quando eles são utilizados.
Deste modo, a aquisição e posse pela Impugnante de tais vales não implica, por si só, qualquer despesa. O custo só se concretizará quando o vale for utilizado. A despesa só existirá nesse momento. Aliás, a Impugnante sempre poderia voltar a convertê-los em meios monetários, pelo que enquanto não os usar no pagamento de refeições ou de outros produtos não se pode considerar que tenha incorrido em custo algum.
Nesta perspectiva, somos levados a concluir que o ticket ou vale de refeição, em si, não documenta qualquer despesa, constituindo um mero meio de pagamento para uma despesa potencial que se concretizará com a utilização desse meio de pagamento. E que a comprovação da despesa passa, necessariamente, pela existência de documentação capaz de revelar o consumo e o pagamento de refeições (ou de outros produtos) com esse título ao estabelecimento fornecedor.
Assim, e diversamente do afirmado pela Recorrente, os vales de refeição não documentam qualquer despesa. O que está em causa é a comprovação do custo (aquisição da refeição ou outro produto) através desses vales, a fim de se saber se a despesa foi realmente efectuada, qual a sua natureza e montante e quem foi o seu beneficiário.
Ora, não dispondo a empresa de quaisquer documentos/elementos comprovativos do destino que foi dado aos aludidos títulos de refeição registados na conta 655- Estiva e desestiva de navios, ignorando-se com quem e onde foram utilizados, que pessoas ou entidades receberam esses vales e quais os estabelecimentos que os arrecadaram como meio de pagamento, nem existindo documentos comprovativos de que tenha sido dispendido o montante de € 571.114,61 com a respectiva utilização, deve tal quantia ser considerada como não especificada nem identificada, isto é, como totalmente indocumentada ou confidencial, sujeita a tributação autónoma nos termos do Decreto Lei n.º 192/90, de 9 de Junho.
Em suma, as despesas registadas na conta 655- Estiva e desestiva de navios não se encontram documentadas e os ditos vales não são suficientes para retirar confidencialidade a essas despesas.
Consequentemente, mostra-se correcta e legal a classificação das referidas despesas como “despesas confidenciais ou não documentadas”, tributadas autonomamente à taxa de 10% por força do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho.
Nesta conformidade, a sentença não merece a censura que lhe é dirigida, improcedendo todas as conclusões do recurso.
* * *
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, fixando-se a procuradoria em 60%.
Lisboa, 21 de Abril de 2010. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Pimenta do Vale – António Calhau.