Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01401/22.9BEBRG
Data do Acordão:05/11/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRA-ORDENAÇÃO
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário:Não é de admitir revista de acórdão do TCA que declarou incompetente a jurisdição administrativa, uma vez que em tais circunstâncias a decisão a proferir pelo STA nem sequer evitaria um possível conflito de jurisdição.
Nº Convencional:JSTA000P31006
Nº do Documento:SA12023051101401/22
Data de Entrada:04/28/2023
Recorrente:A..., S.A.D.
Recorrido 1:CENTRO DE COMPETÊNCIAS JURÍDICAS DO ESTADO-JURIS APP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1.Relatório
A... SAD vem interpor recurso de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Norte em 27.01.2023 que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAF de Braga, que julgou o tribunal incompetente em razão da jurisdição [da matéria] para conhecer do mérito da causa, na qual se demandou o Estado Português, por actos praticados pela Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (doravante APCVD).
Pede a admissão da revista com vista a uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações a JurisApp (em representação do Recorrido) defende que a revista não deve ser admitida, por, desde logo, não se verificarem os pressupostos do art. 150º, nº 1 do CPTA.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

A Recorrente na acção administrativa formulou os seguintes pedidos: “a) A comunicação enviada à Autora pela APCVD no dia 12 de maio de 2022, através de correio eletrónico, bem como os deveres e encargos dela constantes, serem declarados ineficazes e inoponíveis para a Autora; … b) A comunicação enviada à Autora pela APCVD no dia 12 de maio de 2022, através de correio eletrónico, ser anulada; … c) O Réu ser condenado a determinar à APCVD a não emissão de ato administrativo que condene a Autora no âmbito do procedimento contraordenacional contra si instaurado (…)”.

Tanto o TAF de Braga [por sentença de 05.09.2022] como o TCA Norte entenderam que a jurisdição administrativa não era competente para conhecer de uma acção na qual a causa de pedir deriva de um processo contra-ordenacional instaurado pela APCVD, contra a A./Recorrente. Ou seja, a A. é arguida nos termos do Regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, por violação do dever de impedir um indivíduo sujeito a medida de interdição de acesso a recinto desportivo (ponto i) da alínea h) do nº 1 do art. 8º da Lei nº 39/2009, de 30/7).

Em síntese, entendeu o TCA Norte que a resolução do recurso, no qual está em causa um ilícito de mera ordenação social, deve ser procurada no ETAF: “11. Assim, e ante o quadro exposto, convoca-se a norma do artigo 4º, n.º 1, do citado ETAF, que prevê que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto [cfr. al. l)] impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de urbanismo e do ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias. (…)
13. Já quanto aos demais ilícitos contraordenacionais [ambientais, desportivas, etc.], continuam a ser competentes os Tribunais Judiciais [cfr. artigo 139.º, n.º 2, alínea d), e n.º 4, alínea b), da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro]m o que transporta obrigatoriamente para o âmbito da competência exclusiva destes tribunais o conhecimento dos presentes autos.
Assim, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

A Recorrente defende que a sentença de 1ª instância e o acórdão recorrido ao declarar o TAF incompetente em razão da matéria, incorreram em erro de julgamento, violando o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no art. 268º, nº 4 da CRP e 2º, nº 1 do CPTA, bem como em violação das disposições legais dos arts. 14º, nº 1, 61º, nº 1, 63º, nº 3, 112 e 163º, todos do CPA e dos arts. 2º, nºs 1 e 2, alínea c), 37º, nº 1, alínea c) e 39º, nº 2, todos do CPTA, 268º, nº 4 da CRP e o art. 4º, nº 1, al. b) do ETAF.

Como resulta do exposto a questão em causa no recurso é relativa à competência dos tribunais administrativos para a apreciação de uma acção que tem por objecto um processo contra-ordenacional instaurado no âmbito da Lei nº 39/2009, de 30/7 (violação do ponto i) da alínea h) do nº 1 do art. 8º da referida Lei).
No entanto, esta questão – por si só – não justifica a admissão da revista e isto porque, como esta Formação tem entendido em casos semelhantes, não é de “admitir recurso de revista excepcional quando a intervenção do STA não seja a última palavra sobre a questão que lhe é colocada, como acontece neste caso. Na verdade, a intervenção deste STA nem sequer evita a possibilidade de posterior conflito negativo de competência. Não existe assim a vantagem inerente a este tipo de recursos que é a de contribuir para a pacificação da jurisprudência.” – cfr. ac. de 23.11.2017, Proc. nº 01254/17 e, no mesmo sentido os acs. de 04.10.2017, Proc. nº 0962/17, de 17.05.2018, Proc. nº 0475/18 e de 13.01.2022, Proc. nº 0117/19.8BEMDL.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Sem custas

Lisboa, 11 de Maio de 2023. - Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.