Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01087/13
Data do Acordão:10/09/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
PENHORA
Sumário:Os créditos de IRS, IRC, IVA e por Contribuições à Segurança Social prevalecem na graduação sobre os créditos comuns garantidos por penhora, em razão do privilégio creditório mobiliário geral que a lei lhes atribui.
Nº Convencional:JSTA00068397
Nº do Documento:SA22013100901087
Data de Entrada:06/17/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:B...., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO DE 2012712/27
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CIRS ART111
CIRC ART108
CC ART733-736
DL 103/80 DE 1980/05/09 - ART6 ART10 ART11
Jurisprudência Nacional:AC TC PROC362/2002; AC TC PROC193/2003; AC STA PROC0648/11 DE 2012/01/18
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 27 de Dezembro de 2012, proferida nos autos de Reclamação, Verificação e Graduação de Créditos que correm apensos à execução fiscal nº 501 518 070, na parte em que não graduou os créditos reclamados pela Fazenda Pública relativos a IRS, IVA, IRC e Contribuições para a Segurança Social em primeiro lugar, prevalecendo sobre os demais créditos comuns verificados e graduados, apresentando para tal as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 1.ª instância, na parte em que não graduou os créditos de IRS, IRC, IVA e Contribuições para a Segurança Social, reclamados pela Fazenda Pública, no lugar que lhes competia.

B. Como bem refere a douta sentença de que se recorre, gozam do privilégio mobiliário geral previsto nos artigos 111.º do CIRS e 108.º (actual 116.º) do CIRC e art. 736.º do Código Civil, os créditos de IRS e IRC reclamados, face à data da penhora ocorrida em 30.08.1996, uma vez que estamos perante os últimos três anos.

C. Por sua vez, gozam os créditos de IVA de igual privilégio mobiliário geral, sem limite temporal, de acordo com os artigos 736.º, n.º 1 do Código Civil e os de Contribuições para a Segurança Social nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80 de 08 de Maio.

D. Todavia, na douta sentença, alicerçando-se no douto Acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 362/2002, publicado no DR nº 239, I séria A, de 16 de Outubro de 2002, que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, da norma constante do artigo 104.º do Código do IRS, actual 111.º, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Nacional prefere à hipoteca, nos termos do art. 751.º do Código Civil,

E. entendeu-se que “os créditos privilegiados de IRS, IVA e IRC não gozam de prioridade na graduação em confronto com os créditos garantidos por penhora, em que militam as mesmas razões, tanto mais que a penhora decorre de um acto determinado por uma entidade pública e a hipoteca resulta de um acto privado”.

F. Acontece que, no caso dos autos, o concurso não é entre o privilégio (i)mobiliário geral de que beneficiam os créditos reclamados pela Fazenda Pública e a hipoteca, mas sim entre aquele privilégio mobiliário e a penhora de que beneficiam os outros créditos reclamados e exequendos.

G. Contrariamente ao que ocorre na ocorrência da hipoteca e do privilégio (i)mobiliário geral, o Tribunal Constitucional entende que não há lugar a qualquer violação do princípio da confiança dos demais credores, nem a preferência se mostra arbitrária, irrazoável ou desproporcional à protecção conferida pela penhora, cfr. Acórdãos n.º 193/2003, 697/2004 e 231/07, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.

H. No mesmo sentido, acolhendo esta jurisprudência do Tribunal Constitucional, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, nos recursos n.º 648/11, de 18.01.2012, n.º 0173/12 de 23.05.2012 e n.º 315/12, de 05.07.2012, disponíveis em www.dgsi.pt.

I. Como se doutrinou no aresto proferido pelo STA, no recurso n.º 0173/12, que aqui nos permitimos citar: “A preferência do privilégio creditório sobre a penhora resulta da conjugação dos artigos 822.º com o artigo 733.º do CCv, uma vez que a preferência que a penhora confere ao exequente de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, apenas existe nos casos em que a lei especial não estabeleça outras regras de preferência, sendo um desses casos as normas que estabelecem os privilégios (cfr. ac. do STA de 30/11/2004, rec. n.º 752/04)”.

J. Continuando, “Por um lado, confrontando-se o privilégio com créditos cuja única causa de preferência é a penhora, apesar dos direitos conferidos por ambas as garantias se reportarem à mesma data – a da apreensão de bens – o privilégio pré-existe e, por isso, o credor que dele goza deve ser satisfeito com prioridade.(cfr. Miguel Lucas Pires, Dos Privilégios Creditórios: regime jurídico e sua influência no concurso de credores, pág. 183).”.

K. Pela penhora, e como preceitua o n.º 1 do art. 822.º do Código Civil, o exequente adquire um direito real de garantia, que lhe assegura preferência sobre os demais credores sem privilégio ou garantia real anterior, no pagamento pelo produto da venda dos bens penhorados.

L. Como refere Salvador da Costa, in O Concurso de Credores, 1998, pág. 171, o privilégio creditório “surge com a constituição do direito de crédito que garante, mas a sua eficácia depende do acto de penhora sobre os bens que são objecto da sua incidência, o que significa que a sua constituição se verifica quando ocorrem os actos ou os factos de que a lei faz depender a sua atribuição, e que se concretizam nos bens penhorados na acção executiva”.

M. Neste contexto, tendo a penhora nos autos de execução fiscal sido efectuada em 30.08.1996, os créditos reclamados pela Fazenda Pública de IRS, IRC, IVA e Segurança Social dos anos de 1993 a 1996, gozam, como entendido pelo tribunal “a quo”, de privilégio mobiliário geral.

N. Deste modo, como os privilégios surgiram com a constituição dos direitos de crédito que garantem, apesar de eficazes com o acto de penhora em 1996, os créditos reclamados pela Fazenda Pública, devem prevalecer sobre os créditos exequendos e reclamados cuja única causa de preferência resulte de penhoras constituídas em datas posteriores.

O. Padece assim a douta sentença de erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 240.º, n.º 1 do CPPT, 822.º, n.º 1 e 733.º do Código Civil.

Termos em que,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença e substituída por acórdão que admita, reconheça e gradue os créditos reclamados pela Fazenda Pública, relativos a IRS, IRC e IVA e Contribuições para a Segurança Social, garantidos por privilégio mobiliário geral nos termos dos citados preceitos, em primeiro lugar, sobre os demais créditos verificados e graduados que beneficiam de penhora ocorrida em data posterior.

2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu o parecer de fls. 359 e 360 dos autos, no sentido de que o recurso merece provimento, sendo de proceder a nova graduação na qual os créditos reclamados de IRS, IRC e IVA, bem como os respectivos juros, devem ser graduados em 1.º lugar, seguindo-se-lhes, em 2.º lugar, os exequendos e os reclamados relativos a contribuições para a segurança social e respectivos juros.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -

3 – Questão a decidir

É a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao não ter graduado os créditos reclamados provenientes de IRS, IRC, IVA e CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL com prevalência sobre os créditos comuns garantidos por penhora, no entendimento de que o juízo de inconstitucionalidade expresso no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 362/2002 no confronto entre privilégios imobiliários gerais e créditos garantidos por hipoteca vale igualmente no confronto entre privilégios mobiliários gerais e os créditos garantidos por penhora, tanto mais que a penhora decorre de um acto determinado por uma entidade pública e a hipoteca resulta de um acto privado.

4 – Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos (que numerámos):

1. Por apenso ao processo de execução fiscal que a Fazenda Pública instaurou a “A………, Lda.”, Contribuinte Fiscal n.º ………, com domicílio fiscal na Rua ………, ………., em Matosinhos foram reclamados os seguintes créditos:
a. Por “B…………, S.A.”, CF nº ………., um crédito no montante global de 8.439.808$00, sendo 7.080.968$00 de capital, acrescido de juros vencidos em 21/4/99 no montante de 1.358.840$00, garantido por penhora lavrada em 30/9/1998, efectuada no Processo nº 439/07, que corre termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de são João da Madeira, que incidiu sobre os bens móveis identificados no auto de penhora de fls. 9/13 (18/20).
b. Por “C…………, S.A.”, CF n.º ………, um crédito no montante de 1.472.864$00, acrescido de juros legais, garantido por penhora lavrada em 7/11/1997, efectuada no Processo nº 43-A/97, que corre termos no 7.º Juízo Cível do tribunal Judicial de Lisboa, que incidiu sobre os bens móveis penhorados nos autos.
c. Pela Fazenda Pública foram reclamados créditos de IRS referentes a 1993 a 1996, créditos de IRC relativos a 1994, créditos de IVA, créditos provenientes de Contribuições para a Segurança Social, todos acrescidos de juros.
d. Por “Instituto da Segurança Social, I.P.2 NIPC 505 305 500, um crédito no montante global de €260.011,47, referente a Contribuições para a Segurança Social, acrescido de juros de mora, garantido por privilégio imobiliário.

2. O processo de execução corre termos para cobrança de Contribuições para a Segurança Social, juros de mora e legais acréscimos.
3. A penhora efectuada no processo de execução fiscal ocorreu em 30/08/1996 e incidiu sobre os bens móveis constantes do auto de penhora de fls. 100/102.

5. Apreciando.

5.1 Do alegado erro de julgamento da graduação de créditos efectuada na sentença recorrida

A sentença recorrida, a fls. 285 a 295 dos autos, embora tendo reconhecido e admitido à graduação todos os créditos reclamados, graduou-os, porém, atendendo somente à antiguidade da penhora que os garantia: em 1.º lugar, os créditos exequendos, garantidos por penhora efectuada em 30/8/2006; em 2.º lugar, os créditos reclamados por “C…………, S.A.”, que beneficiam de penhora lavrada em 7/11/1997 e em 3.º lugar os créditos reclamados por “B……….., S.A.”, garantidos por penhora lavrada em 30/9/1998, remetendo para 4.º e 5.º lugar na graduação, respectivamente, os créditos reclamados de IRS, IVA e IRC e os créditos reclamados (pela Fazenda Pública e pelo Instituto de Segurança Social, I.P.), da Segurança Social, no entendimento de que estes, embora beneficiem de privilégio mobiliário geral (artigos 111.º do Código do IRS, 108.º do Código do IRC, 733.º e 736.º, n.º 1 do Código Civil e 6.º, 10.º e 11.º do DL n.º 103/80, de 9 de Maio), não gozam de prioridade na graduação em confronto com os créditos garantidos por penhora (…) tanto mais que a penhora decorre de um acto determinado por uma entidade pública e a hipoteca resulta de um acto privado, julgando aplicável à situação dos autos o juízo de inconstitucionalidade expresso no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 362/2002.

Não o entende, contudo, assim o próprio Tribunal Constitucional, como bem afirma a recorrente Fazenda Pública (cfr. conclusão G) das suas alegações de recurso).

Ponderando especificamente a questão de saber se seria inconstitucional a norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 8 de Maio, quando interpretada no sentido de que o privilégio imobiliário nela conferido prefere à garantia emergente do registo da penhora, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade da referida norma assim interpretada no seu Acórdão n.º 193/2003, julgamento este reiterado nos Acórdãos do mesmo Tribunal n.º 697/04 e 231/07 (estes, contudo, sufragados com um voto de vencido).

Reconhecendo embora que várias das razões inventariadas na jurisprudência anterior deste Tribunal para concluir pela inconstitucionalidade da norma que atribui prevalência ao privilégio imobiliário em causa relativamente à hipoteca se aplicam igualmente aqui, entende o Tribunal Constitucional que não se pode deixar de reconhecer que, face à hipoteca, é bem mais fraca a garantia do credor comum resultante da penhora: a dívida exequenda não goza ab origine de qualquer privilégio, não está de qualquer modo relacionada com o bem penhorado e surge num momento imprevisível dependente da simples tramitação processual, daí que conclua que não parece assim ser arbitrária, irrazoável ou infundada a consagração do referido privilégio a favor da Segurança Social. Não estamos, com efeito, perante uma afectação inadmissível, arbitrária ou excessivamente onerosa da confiança, já que a preferência resultante da penhora é de, algum modo, temporariamente aleatória (do acórdão do TC n.º 193/2003).

Ora, o entendimento expresso pelo Tribunal Constitucional relativamente ao privilégio imobiliário geral previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de que beneficiam os créditos da segurança social, vale, de igual modo, para o privilégio mobiliário geral previsto no artigo 10.º do mesmo diploma de que gozam aqueles créditos, bem como para o privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos de IRS, IRC e IVA, nos termos, respectivamente, dos artigos 111.º do Código do IRS, 116.º do Código do IRC e 733.º e 736.º, n.º 1 do Código Civil (os primeiros se compreendidos dentro do limite temporal legalmente fixado, como no caso dos autos, no caso do IVA sem limite temporal).
Também este Supremo Tribunal tem entendido que os créditos que gozam de privilégios creditórios prevalecem, na graduação, sobre os créditos apenas garantidos por penhora, como alega a recorrente e resulta à evidência, entre outros, dos Acórdãos por ela citados nas suas alegações de recurso, bem como do recente Acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Fevereiro de 2013, rec. n.º 1340/12, onde se pode ler:

«Esta jurisprudência do Tribunal Constitucional, embora sem dispor de força obrigatória geral, já foi acolhida por este Supremo Tribunal do Acórdão de 18/1/20102, proc nº 648/11, e não vemos razão para nos afastarmos dela. Naquele aresto do STA acrescentou-se ainda, a favor da tese do Tribunal Constitucional que “(…) a preferência do privilégio creditório sobre a penhora resulta da conjugação dos artigo 822º com o artigo 733º do CCv, uma vez que a preferência que a penhora confere ao exequente de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, apenas existe nos casos em que a lei especial não estabeleça outra regras de preferência, sendo um desses casos as normas que estabelecem os privilégios. Por outro lado, confrontando-se o privilégio com créditos cuja única causa de preferência é a penhora, apesar dos direitos conferidos por ambas garantias se reportarem à mesma data – a da apreensão dos bens – o privilégio pré-existe e, por isso, o credor que dele goza deve ser satisfeito com prioridade”».

Pelo exposto deve concluir-se que a graduação efectuada na sentença recorrida não pode manter-se, havendo que, no provimento do recurso, proceder a nova graduação de créditos na qual prevaleçam sobre os créditos garantidos por penhora os que gozam de privilégio mobiliário geral, preferindo os relativos a impostos sobre os relativos a contribuições para a segurança social – atento o disposto no artigo 747.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil e 10.º do Decreto-Lei n.º 103/80 de 8 de Maio -, e graduando os créditos comuns reclamados atendendo à antiguidade do registo da penhora de que beneficiam.

- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento impugnado, que no demais se mantém, graduando os créditos do seguinte modo (saindo as custas precípuas do produto da venda):

1.º - Os créditos de IRS, IRC e IVA, reclamados pela Fazenda Pública, acrescidos de juros;
2.º - Os créditos da Segurança Social, exequendos e reclamados pela Fazenda Pública e pelo Instituto de Segurança Social, I.P., acrescidos de juros;
3.º - O crédito reclamado por “C………., S.A.”, acrescido de juros;
4.º O crédito reclamado por “B………., S.A., acrescido de juros.


Sem custas.
Lisboa, 9 de Outubro de 2013. - Isabel Marques da Silva - (relatora) - Pedro Delgado - Casimiro Gonçalves.