Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:055/12
Data do Acordão:03/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IRC
RETENÇÃO NA FONTE
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
IMPUGNAÇÃO
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
LEGITIMIDADE ACTIVA
Sumário:I – De acordo com o disposto no artº 132º do CPPT, a retenção na fonte é susceptível de impugnação por parte do substituto e do substituído, embora com diferentes fundamentos.
II – Tendo o substituto deduzido reclamação graciosa contra a retenção na fonte, e tendo esta sido indeferida com fundamento na sua ilegitimidade, carece também a substituída de legitimidade para interpor acção administrativa especial pedindo a anulação daquele despacho de indeferimento.
III – Com efeito, a legitimidade para essa acção decorre da invocação da titularidade da relação jurídica administrativa donde emerge o conflito, sendo certo que a substituída não teve intervenção naquela reclamação, nem da decisão ali proferida lhe resultou qualquer lesão, uma vez que o direito à restituição dos valores retidos não foi sequer apreciado.
Nº Convencional:JSTA00067485
Nº do Documento:SA220120321055
Data de Entrada:01/23/2012
Recorrente:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
Recorrido 1:A..., S.A
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TAF SINTRA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
DIR PROC TRIBUT CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART132
CPTA02 ART9 N1 ART55 N1 A ART68 N1 A
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I- A Fazenda Publica, veio recorrer do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a acção administrativa especial interposta por “A……, S.A”., com os sinais dos autos, contra o despacho proferido pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu a reclamação por si deduzida, do acto de retenção na fonte no valor de € 398.160,43 apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
A) O, aliás, douto Acórdão recorrido, incorreu em excesso de pronúncia, o que o inquina no vício de nulidade, nos termos da al. d) do nº 1 do art. 668° do CPC, bem como, fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, não se podendo, pois, manter.
B) Considerou, em primeiro lugar, o Tribunal “a quo”, em decisão interlocutória, despacho saneador a fls. 160 a 163, que ora também se impugna, nos termos do disposto no nº 5 do artº. 142° do CPTA, que a B……, SA, sociedade de direito francês, tinha legitimidade activa para, através da sua representante fiscal “A……, SA”, intentar a presente acção administrativa especial.
C) Ora, está provado nos autos, que a reclamação graciosa apresentada ao abrigo do artº. 132°, nº 4 do CPPT, no âmbito da qual foi proferido o acto impugnado, foi interposta pela “A……, SA”,- cfr. alíneas d) e e), do ponto III, do segmento fáctico, do Acórdão a fls. 196. E, tal reclamação, foi apresentada em nome próprio e na qualidade de substituto tributário da C…….
D) De acordo com o artº. 9º, nº 1 do CPTA, a primeira conclusão a retirar, em matéria de legitimidade activa, é a do que, por regra, tem legitimidade para litigar em Tribunal quem invoque ser o titular da relação jurídica administrativa donde emerge o conflito.
E) O titular da relação jurídica administrativa que foi objecto da presente acção administrativa especial é a C…… que, na qualidade de substituto tributário veio, perante o órgão administrativo, requerer a anulação das retenções na fonte por si efectuadas e a restituição do correspondente imposto.
F) Pese embora o artº 55º, nº 1, al. a), do CPTA também confira legitimidade para impugnar um acto administrativo a quem seja titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e o artº. 68°, nº 1, al. a), também do CPTA, a legitimidade para pedir a condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido, a quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto, não basta, como fez o Tribunal “a quo”, atribuir legitimidade a quem tem um interesse, supostamente directo, na anulação do acto ou na emissão do mesmo, por se pressupor que foi ele quem suportou o prejuízo.
G) Donde, a segunda conclusão a retirar é a de que, à luz do regime da legitimidade constante do novo contencioso administrativo, embora se possa recorrer a juízo sem se ser titular da relação jurídica administrativa, tem, no entanto, que provar-se sempre um interesse directo, pessoal e legitimo, sendo certo que, no preenchimento de tais conceitos, se deve atender ao princípio do acesso ao direito e à tutela judicial efectiva.
H) Por outro lado, pode não haver qualquer dúvida quanto à questão de saber se quem está em juízo é parte na relação material controvertida, como o Autor a configurou e questionar-se a existência efectiva de uma tutela judiciária, pelo que, em terceiro lugar, pode-se concluir que alguém só tem legitimidade quando ocorre uma situação de lesão que se repercute na sua esfera jurídica, causando-lhe directa e imediatamente prejuízos e quando dai decorra uma necessidade de tutela judicial que justifique a interposição da acção.
I) No caso em concreto, a B……, que é quem figura como A. na presente acção, não foi parte na relação jurídica administrativa, pelo que, a sua legitimidade nunca decorreria do princípio geral constante do nº 1 do artº. 9° do CPTA.
J) E aquela não tem interesse pessoal, por a anulação do acto não se reflectir, desde logo, na sua esfera jurídica, mas sim, na da C……, enquanto substituto tributário com legitimidade, ou não, para reclamar das retenções na fonte e, mais decisivo ainda, por a tutela judicial efectiva e o princípio do acesso ao direito estar devidamente acautelado com a interposição de acção judicial pela C…….
K) Ainda para mais quando a questão jurídica, em análise na presente acção, é uma questão de legitimidade, de saber se as retenções na fonte podiam ser reclamadas pelo substituto, pelo que, só este tem interesse pessoal e directo em discutir tal questão.
L) Donde, devia o Tribunal “a quo”, ter absolvido a entidade demandada da Instância, por ilegitimidade activa da B……. Ao não o ter feito e ao concluir que o substituído tributário e então A., detinha legitimidade processual para discutir em juízo a outra questão da legitimidade do substituto tributário para, no âmbito do procedimento administrativo, poder reclamar das retenções na fonte por si efectuadas, procedeu o mesmo, salvo o devido respeito, a uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 9º, nº 1, al. a) e 55º, n°1, al. a), ambos do CPTA, aos factos.
M) Deliberou-se, depois, no Acórdão recorrido, que a C……., enquanto substituto tributário, tinha legitimidade para reclamar das retenções na fonte por si efectuadas, aquando da colocação à disposição da B…… de dividendos no montante de €3.981.604,33.
N) Ora, salvo o devido respeito, pensamos que a interpretação que o, aliás, douto Acórdão recorrido fez dos referidos artigo 18°, nº 3 da LGT, 9° nº 1 e 4 do CPPT, bem como do nº 1 do artº. 132° do mesma CPPT, não tem, na letra ou no espírito das normas, um mínimo de correspondência.
O) É que, o legislador não pretendeu multiplicar situações de legitimidade em casos de retenção na fonte, ao substituto e ao substituído tributário, mas apenas conferir tal legitimidade a um dos mesmos e sempre que o carácter lesivo do acto se repercuta directa e imediatamente na esfera jurídica do substituto ou do substituído tributário.
P) Deste modo, a retenção na fonte só se assume com um carácter lesivo para o substituto tributário quando este entrega imposto superior ao que reteve, só aqui, efectivamente, ele pode ficar lesado na sua esfera jurídica, por ser ele e, não o substituído tributário, que fica privado dessas quantias e, ainda assim, desde que não lhe seja possível corrigir os montantes a mais entregues nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido,- cfr. nº 2 do referido artº. 132° do CPPT.
Q) Tal interpretação literal ou, se quisermos restritiva, do nº 1 do artº 132° do CPPT, de que a retenção na fonte só é susceptível de impugnação, por parte do substituto, em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido é aquela que corresponde à ratio legis da norma.
R) Podendo dizer-se, igualmente, que este regime da legitimidade, contemplado na mesma norma, cumpre o princípio constitucional de tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos sendo assegurado sempre, quer ao substituto tributário quer ao substituído tributário, a faculdade de reclamar ou impugnar sempre que sejam potencialmente afectados na sua esfera jurídica por determinado acto de retenção na fonte.
S) Salvo o devido respeito, a interpretação que o, aliás, douto Acórdão recorrido faz dos artigos 18°, nº 3 da LGT e dos artigos 9°, nº 1 e 4 do CPPT, descurou o elemento sistemático, histórico e teleológico na interpretação das mesmas normas em conjugação com o artº. 132° do CPPT, do que resulta uma verdadeira interpretação abrogante deste último artigo.
T) Assim, a conclusão a que o Tribunal “a quo” chegou, é certo que com base em alguma jurisprudência desse STA, sacrifica por completo a norma do artº. 132° do CPPT e, chegar a tal conclusão, quando nem sequer existe uma contradição insanável entre os artigos 18°, nº 3 da LGT e 9°, nº 1 do CPPT com o art.º 132º do mesmo CPPT, mas apenas uma complementação e desenvolvimento dos primeiros pelo último é, no mínimo, ir muito para além do fim visado pelo legislador.
U) Por outro lado, a responsabilidade pelo incumprimento da obrigação tributária, também não pode servir para estender o âmbito da norma que confere ao substituto legitimidade para reclamar ou impugnar, até porque, no caso em concreto, não estamos perante uma situação de incumprimento, perante a AT, por parte do substituto tributário.
V) E, no que toca à responsabilidade civil que o substituto possa ter perante o substituído ela não importa para a relação que, quer o substituto quer o substituído, têm perante a AT, sendo só esta aquela que tem que ser acautelada pelas normas processuais tributárias.
W) Entendeu, finalmente, o Acórdão recorrido condenar a AT à prática do acto de restituição do imposto retido por ter considerado não só que as retenções eram indevidas, como também que o Tribunal se podia substituir à AT porquanto “não se configura admissível a identificação pela Administração de uma qualquer outra solução como legalmente possível, em face dos factos provados e da solução por nós preconizada”
X) Ora, salvo o devido respeito, ao assim considerar, o Tribunal “a quo”, cometeu nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do nº 1 da al. d) do artº. 668° do CPC, ao ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento, tendo sempre, mesmo que assim não se entenda, feito uma incorrecta interpretação e aplicação do artº. 71°do CPTA.
Y) E, tão ou mais grave é essa interpretação e aplicação quando é certo que, ao condenar a AT à prática do acto devido o Tribunal “a quo” teve, necessariamente, que apreciar a questão de legalidade dessas retenções e tal questão só podia ser conhecida e decidida no meio processual da impugnação judicial e não no presente meio da acção administrativa especial.
Z) Tal facto, em nosso entender, seria suficiente para devolver ao órgão administrativo a possibilidade de apreciação da legalidade das retenções na fonte efectuadas
AA) Por outro lado, o Tribunal “a quo” não detinha todas as premissas e conhecimento da situação de facto que lhe permitisse considerar a condenação ao pagamento do imposto retido, como a única solução legalmente possível.
BB) Na verdade, em situações como a presente, haveria sempre que apurar se o substituído tributário não se teria já apresentado a reclamar ou a impugnar as mesmas retenções ou mesmo se não teria já pedido o reembolso do imposto retido por via do mecanismo contemplado no IRC, relativamente à dupla tributação.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exa., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, deve ser julgada procedente a excepção da ilegitimidade e ser o ora recorrente absolvido da instância ou, mesmo que assim não se entenda, deve ser declarado nulo o Acórdão recorrido, por excesso de pronúncia, ou, caso ainda assim também não se entenda, ser o mesmo revogado, por ter feito uma incorrecta apreciação e aplicação dos factos ao direito.
II – A sociedade recorrida “A……, SA”, apresentou contra alegações, concluindo da seguinte forma:
Iª). A R. vem interpor o presente recurso do Acórdão de fls. 195 a 204 que julgou a acção administrativa especial procedente e que, consequentemente, decidiu “anular o acto praticado pela Entidade Demandada em 21.05.2005” e “condenar a Entidade Demandada na prática do acto devido consubstanciado que submeta na restituição à Autora a quantia de €398.160,43”.
IIª). A Recorrente limita o objecto do seu recurso a três questões:
a) A questão da legitimidade activa da “B……”, representada pela C……, para interpor a acção administrativa especial;
b) A questão de saber se o substituto tributário tem legitimidade para reclamar das retenções na fonte por si efectuadas; e
c) A questão da condenação na prática do acto de reembolso pedido.
IIIª). No âmbito da questão da legitimidade activa da B……, representada pela C……, para interpor a acção administrativa especial, a Recorrente impugna o despacho saneador, a fls. 160 a 163, que considerou que a sociedade de direito francês B……, S.A. tinha legitimidade activa para intentar a presente acção administrativa especial através da sua representante fiscal A……, S.A. e para fundamentar a sua posição sobre a ilegitimidade activa da B…… a Recorrente alega que “tem legitimidade para litigar em tribunal quem invoque ser o titular da relação jurídica administrativa donde emerge o conflito”, entendendo que o titular dessa relação jurídica é a C……. pois foi esta que na qualidade de substituto tributário veio requerer a anulação das retenções na fonte por si efectuadas.
IVª). No entanto, e ao contrário da alegação da Recorrente de que “tem legitimidade para litigar em tribunal quem invoque ser o titular da relação jurídica administrativa donde emerge o conflito”, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.10.2009, proferido no rec. n.º 01054/08 que se ocupa sobre a legitimidade activa expõe, a esse propósito, o seguinte:
“I) O princípio geral relativo à legitimidade encontra-se no artº 9°/1 do CPTA onde se lê que «sem prejuízo do disposto no número seguinte e do que no art.º 40º e no âmbito da acção administrativa especial se estabelece neste código, o autor é considerado parte legitima quando alegue ser parte na relação material controvertida». Deste modo, por princípio, só se poderá apresentar a litigar em juízo quem alegue ser titular da relação jurídica administrativa donde emerge o conflito.
II) Todavia, esse principio sofre adaptação quando está em causa a propositura de uma acção administrativa especial já que, neste caso, a legitimidade activa não depende da titularidade da referida relação visto a lei se limitar a exigir que o autor alegue «ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos» (art.º 55º/1/a do CPTA). O que alarga a possibilidade daquele que não é titular da relação material controvertida poder propor uma acção deste tipo, para tanto bastando alegar que é titular de um interesse directo e pessoal e de que este foi lesado, ainda que reflexamente, por aquela relação.”
Vª). Assim, e conforme o despacho saneador a fls. 160 a 163, hoje considera-se “corrente dominante na doutrina e na jurisprudência a de que a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da acção possa advir para as partes, face aos termos (pedido e causa de pedir) em que o Autor configura o direito que reclama.”
VIª). Por outro lado, a questão da legitimidade activa deve ser aferida em conformidade com o disposto no n.º 4 do artº. 268° da Constituição da República, e, sobre o qual, o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 23.11.2005, proferido no rec. n.º 0871/05 expõe, o seguinte:
“I- A matriz da recorribilidade contenciosa dos actos administrativos, na perspectiva da sua lesividade e da legitimidade para os impugnar, radica, antes de tudo, na Constituição da República, no art.º 268°, n.º 4, quando afirma ser garantido «aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem...»
II — No âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalista, «pro actione» e «in dubio pro favoritatae instantiae» impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva (…)”
Em consequência, qualquer das normas que define os critérios de legitimidade para o recurso contencioso (...) tem de respeitar os contornos definidos pela Lei Constitucional, tendo, por essa razão, que ser interpretada em conformidade com ela.
«O conceito de interesse pessoal não pode ser livremente densificado pelo legislador, pelo menos no sentido restritivo. Ele deve ser definido de modo a habilitar todos os titulares de interesses relevantes a defenderem as suas posições jurídicas (...).
Por outro lado, relembre-se que este Supremo Tribunal tem afirmado, reiteradamente, que «no âmbito dos pressupostos processuais, os princípios antiformalista “pro actione” e “in dúbio pro favoritatae instantiae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva» (acórdão do Pleno de 5.5.05 proferido no recurso 1002/02) e concluído, também repetidamente, que devem ser interpretados restritivamente todos os preceitos que limitem o mais importante dos direitos e garantias dos administrados, que é o do direito ao recurso contencioso aos actos administrativos ilegais (idem).”
VIIª). O princípio da tutela jurisdicional constitucionalmente consagrado no artigo 268° da Lei Fundamental, compreende o acesso aos tribunais, sendo que, no conteúdo essencial da garantia constitucional da via judiciária está inerente o princípio de efectividade da tutela das posições subjectivas dos cidadãos cuja salvaguarda apenas possa ser accionada mediante esta via, bem como assegurar a tutela integral de todas as situações jurídicas e estes princípios postulam que, ao nível dos pressupostos processuais, se deve privilegiar uma interpretação que se mostre mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.
VIIIª). Quer isto dizer que o legislador constitucional colocou a tónica da recorribilidade do acto administrativo na lesão jurídica sofrida pelos particulares, pelo que, na relação tributária que subjaz ao presente processo, deverá ser dada prevalência à vertente material e substancial que se consubstancia na errada, injusta e indevida retenção e entrega de IRS junto dos cofres do Estado em detrimento de qualquer especificidade processual que possa por em causa a prossecução da justiça tributária.
IXª). A este respeito referira-se que, conforme acórdão 499/96 do TC, “de modo manifesto, a intenção do legislador constitucional, objectivamente considerada, aponta para o aprofundamento das garantias dos administrados. Na perspectiva do legislador constitucional, a alteração do n.º 4 do artigo 268° significou o propósito de desvincular a garantia de recurso do conceito tradicional de acto definitivo e executório, pondo a sua tónica nos actos que são susceptíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. Esses actos serão, desde logo, susceptíveis de impugnação contenciosa, ao abrigo do disposto da citada norma constitucional.”
Xª). Entendimento diverso violaria o preceito constitucional que garante aos cidadãos a tutela jurisdicional dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, através da impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, pelo que, a ora Recorrida não pode concordar, seja a que titulo for, com a interpretação dos aludidos preceitos apresentada pela Recorrente nas suas alegações.
XIª). Assim, a “B…… S.A” é parte legítima uma vez que tem interesse directo e pessoal em demandar pois, embora o imposto tenha sido entregue pelo seu substituto fiscal, foi esta sociedade que suportou o seu pagamento e, havendo lugar à sua restituição, será a “B……, SA” que beneficiará da mesma pois integrará os lucros distribuídos no ano de 2000.
XIIª). No âmbito da questão de saber se o substituto tributário tem legitimidade para reclamar das retenções na fonte por si efectuadas, o Acórdão recorrido entendeu que a C……, enquanto substituto tributário, tinha legitimidade para reclamar das retenções na fonte que efectuou e respeitantes aos dividendos distribuídos à B……, no entanto, a Recorrente não se conforma com a interpretação dada pelo tribunal “a quo” dos artigos 18°, n.º 3 da LGT, 9°, n.º 1 e 4 do CPPT e 132°, n.º 1 também do CPPT, alegando que esta interpretação não tem “na letra ou no espírito das normas um mínimo de correspondência”, mas, certo é que, não lhe assiste qualquer razão porquanto o douto Acórdão recorrido fundamenta cuidadosamente a sua interpretação e consequente decisão.
XIIIª). Assim, e conforme Acórdão recorrido, a jurisprudência já se pronunciou sobre situações idênticas tal como explanado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.09.2009 que, sobre esta matéria, expõe o seguinte: “na substituição tributária em sentido próprio (a título definitivo ou liberatória), como a que está em causa nos autos e constituí a regra para os rendimentos auferidos por não residentes em Portugal (mesmo IRC, nas situações de rendimentos devidos a entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português), a lei põe a cargo do «substituto» o cumprimento da generalidade dos deveres tributários - de liquidação, declarativos, de entrega do imposto retido -, interessando-se pelo «substituído», o verdadeiro titular da capacidade contributiva onerada pelo imposto, somente no caso de não ter sido efectuada a retenção legalmente devida e apenas a título subsidiário (cfr. o artigo 28°, n.º 1 e 3 da LGT), pois que lhe é mais simples e cómodo demandar o «substituto» que o «substituído», sendo isso especialmente verdade quando este seja um «não residente» (sendo igualmente razoável admitir que, como alega a recorrente a fls. 47 dos autos, aos não residentes seria mais difícil empreender a defesa dos seus direitos perante a Administração tributária e os tribunais portugueses, ao menos por dificuldades linguísticas e de desconhecimento do sistema jurídico nacional), e a retenção na fonte a título definitivo tem vantagens em termos de comodidade para o Fisco e o substituído (não as tendo, apenas, para o substituto).
XIVª). Não pode, pois, afirmar-se sem mais que, ao menos nos casos de verdadeira e própria substituição tributária, que o «substituto» apenas é prejudicado quando haja entregue imposto superior ao retido, pois que é igualmente responsável, perante o Estado, mas também perante o «substituído» (como alegado e necessariamente resultante das regras da responsabilidade civil), quando haja cometido ilegalidades na liquidação, quer estas ilegalidades se traduzam na retenção de quantia superiores ou inferiores às devidas, que se traduzam na retenção de quantia indevidas, quer ainda consistam em atrasos na retenção a que está obrigado, pois por todas elas responde exclusivamente ou em primeira linha (cfr. o artigo 28° da LGT), inclusivamente no plano contra-ordenacional (cfr. o artigo 114°, nº 4 e n.º 5 alínea a) do RGIT. Mas se assim é, não se vê como negar que lhe assista um interesse directo em demandar uma ilegal liquidação por retenções na fonte, não apenas nos casos de entrega de imposto superior ao retido mas em todos os outros em que prove ter interesse em demandar, interesse esse que há-de presumir-se pois é sujeito passivo da relação tributária e equiparado a contribuinte para efeitos de legitimidade tributária — cfr. os artigos 18°, n.º 3 da LGT, 9°, n.º 1 e 4 do CPPT e 26° do CPC), assim lhe permitindo que possa, quanto antes, desencadear o processo destinado a expurgar da ordem jurídica eventuais ilegalidades cometidas na liquidação das retenções na fonte e a que por erro deu causa, sendo este seu interesse indubitavelmente digno de tutela do Direito, já que da ilegalidade da liquidação decorrem consequência não menosprezáveis para a sua esfera patrimonial (cfr. Acórdão citado em 13).
XVª). Estas são razões suficientemente fortes para que, de harmonia com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (artigo 268°, n.º 4 da Lei Fundamental), que assegura a impugnabilidade de todos os actos lesivos, se lhe tenha de reconhecer legitimidade para a reclamação e posterior impugnação da retenção na fonte, não apenas no caso expressamente previsto no n.º 1 do artigo 132° do CPPT mas em todos os outros em se lhe reconheça utilidade derivada da procedência da acção, legitimidade que se há-de presumir no caso, como o dos autos, em que a própria lei lhe reconhece a posição de sujeito passivo da relação jurídica tributária (cfr. o n.º 3 do artigo 18° da LGT e o equipara ao contribuinte para efeitos de legitimidade procedimental e processual (cfr. o artigo 9°, n.° 1 e 4 do CPPT). Há-de entender-se assim que, para além dos casos previstos no n.º 1 do artigo 132° do CPPT, o «substituto tributário» tem ainda legitimidade procedimental para reclamar e processual para impugnar (posteriormente à reclamação) as retenções na fonte que repute ilegais resultando tal legitimidade da sua qualidade de sujeito passivo da relação jurídica de imposto (artigo 13°, n.º 3 da LGT) e do disposto nos artigos 9°, n.º 1 e 4 do Código do Procedimento e do Processo Tributário e do artigo 26° do Código de Processo Civil.” (cfr. Acórdão citado em 13).
XVIª). Por outro lado, dispõe o n.º 1 do artigo 128° do CIRC que “os sujeitos passivos de IRC, seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação, efectuada pelos serviços da administração fiscal, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
XVIIª). Acrescendo ainda salientar o disposto no n.º 3 do mesmo preceito legal segundo o qual “a reclamação, pelo titular dos rendimentos ou seu representante, da retenção na fonte de importâncias total ou parcialmente indevidas só tem lugar quando essa retenção tenha carácter definitivo e deve ser apresentada no prazo de dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido na fonte ou da data do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, se posterior.”
XVIIIª). Decorre, assim, do exposto que, a C……, enquanto substituto tributário, tem legitimidade procedimental para reclamar das retenções na fonte que considere ilegais.
XIXª). A Recorrida foi condenada à prática do acto de restituição do imposto retido e, no âmbito desta questão, a Recorrente entende que o tribunal “a quo” cometeu uma nulidade, “por excesso de pronuncia, nos termos do n.º 1 da al. d) do artº. 668° do CPC, ao ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento, tendo sempre, mesmo que assim não se entenda, feito uma incorrecta interpretação e aplicação do artº. 71° do CPTA”, mais entendendo a Recorrente que a questão da legalidade das retenções na fonte “só podia ser conhecida e decidida no meio processual da impugnação judicial e não no presente meio da acção administrativa especial.”
XXª). Ora, salvo o devido respeito “tal argumentação apenas faz sentido à luz do antigo contencioso administrativo, mas obviamente, que será de recusar perante as novas regras instituídas pelo Código do Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais.” (conforme douto Acórdão recorrido).
XXIª). Nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 47° do CPTA “2 - O pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência de um acto administrativo pode ser nomeadamente cumulado com: a) O pedido de condenação á prática do acto administrativo devido, em substituição, total ou parcial, do acto praticado” e, a lei faz depender a procedência do pedido de condenação da verificação dos pressupostos estabelecidos pelo artº 67° do CPTA.
XXIIª). Por seu lado, o n.º 1 do art.º 71° do CPTA dispõe que “ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual acto de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido” pelo que o tribunal “a quo” ao decidir sobre este pedido, nada mais fez do que exercer os poderes de pronúncia que lhe atribui a lei.
XXIIIª). Por outro lado, não procede a alegação feita pela Recorrente de que o tribunal “a quo” não dispunha de todos os elementos essenciais para conhecer e decidir sobre o pedido de condenação na prática do acto de reembolso pois, as alíneas A), B) e C) do probatório informam que a sociedade beneficiária dos dividendos é uma sociedade de direito francês, sediada em França, que detém uma participação no capital social da C…… superior a 25%, e que durante o exercício de 2000 esta procedeu à distribuição de dividendos à sociedade mãe e entregou aos cofres do Estado a quantia de € 398.160,43 a título de retenção na fonte do imposto de IRC, à taxa de 10%, sobre a quantia de € 3.981.604,33 que corresponde aos dividendos distribuídos.
XXIVª). Ora, a Directiva 90/435/CEE, de 23 de Julho, impôs ao Estado Português a isenção de tributação na fonte dos lucros distribuídos pela sociedade afiliada residente em Portugal à sociedade mãe residente noutro Estado-Membro quando esta detenha pelo menos 25% do capital social e estabeleceu um regime transitório até à data limite de 31 de Dezembro de 1999 em que seria permitido continuar a efectuar a retenção na fonte do imposto e, após essa data limite e findo o período derrogatório, a norma respeitante à isenção de tributação contida no n.º 1 do art. 5° da Directiva entrou em pleno vigor pelo que, desde o dia 1 de Janeiro de 2000, as taxas reduzidas de IRS previstas nos artigos 69° e 75° do CIRC deixaram de poder ser aplicadas, tal facto foi reconhecido pela Administração Fiscal através da Circular n.º 16/2000 no âmbito da qual se refere que “tendo terminado em 31.12.1999 o período derrogatório concedido a Portugal pelo n.º 4 do art. 5° da Directiva 90/435/CEE, de 23 de Julho, o regime instituído no nº 1 do mesmo artigo é de aplicação directa no ordenamento jurídico interno ... a partir de 1 de Janeiro de 2000.”
XXVª). Assim, o tribunal “a quo” está munido de todos os poderes e informações necessária para conhecer e decidir sobre o pedido de condenação na prática do acto de reembolso e, atendendo às razões supra expostas e aos factos provados no âmbito do Acórdão sob recurso, face à legislação aplicável, a retenção na fonte efectuada pela C…… à Recorrente aquando da distribuição de dividendos pode, sem margem para dúvidas, reputar-se de indevida, uma vez que os mesmos não deveriam ser objecto de retenção na fonte em Portugal nos termos da Directiva 90/435/CEE, de 23 de Julho.
XXVIª). Neste termos andou bem o tribunal “a quo” ao condenara a Entidade Demandada na prática do acto devido consubstanciado na restituição à Autora a quantia de € 398.160,43.
III - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
IV - Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos.
A) A Autora é uma entidade residente, para efeitos fiscais, em França, e desde o ano de 1989, que detêm uma percentagem de 99,78% do capital social da “A……., SA”.. (Doc. n° 2 junto à p. i.)
B) Durante o exercício de 2000, a “A……, SA”. colocou à disposição da Autora dividendos no valor de € 3.981.604.33, sobre os quais efectuou retenção na fonte à taxa de 10%.
C) O imposto retido foi entregue em 20.06.2000, 21.08.2000 e 20.10.2000, através, respectivamente, das guias de pagamentos n. 42908334810, 42908334844 e 42908334852.
D) Em 19.06.2002, a “A……, S.A.” deduziu reclamação graciosa, ao abrigo do artigo 132°, nº 4 do CPPT, al. f) do n°1 do artº. 54° da LGT e do artigo 128°, nº 2° do CIRC, requerendo o reembolso do valor de € 398.160,43 relativo a IRC retido na fonte indevidamente, durante o ano de 2000 e que incidiu sobre dividendos distribuídos à “B……, S.A”. (Doc. fls. 3/6/do p.a.t. apenso)
E) Por despacho proferido no dia 01.08.2002, foi a reclamação a que alude a al. D) do probatório indeferida por intempestividade. (Doc. n°7 junto à p. i.)
F) No dia 06.09.2002, a “A……, S.A”. interpôs recurso hierárquico da decisão a que alude a al. E) do probatório junto da Ministra das Finanças. (Doc. nº 8 junto à p.i.)
G) Mediante ofício datado de 13.09.2002, o Ministério das Finanças comunicou à “A……, S.A”. o seguinte:
«Na sequência do pedido formulado por essa empresa em representação da empresa francesa B……, SA, com sede em França, somos a informar que por despacho proferido pelo Senhor Subdirector-Geral dos Impostos na informação/Parecer n.º 104/2003, foi determinada a convolação do pedido em reclamação graciosa, uma vez que, o mesmo não encontra enquadramento no artigo 89° do CIRC, mas sim, no artigo 89° do CIRC, mas sim no artigo 132° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Na mesma data foi remetido todo o expediente à Direcção de Finanças de Lisboa, para efeitos de instauração e apreciação em sede de reclamação graciosa.» (Doc. n.º 9 junto à p.i.)
H) No âmbito da reclamação a que alude a G) do probatório, foi emitida informação da qual se respiga:
«Legitimidade
1. Nos termos do nº 8 do artº. 128° do CIRC a reclamação da retenção na fonte com, carácter definitivo, de importância totalmente indevidas deverá ser apresentada no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo de entrega pelo substituído tributário, e deverá ser apresentada pelo titular dos rendimentos ou seu representante.
2. A reclamante não é titular dos rendimentos, o substituído, mas sim o substituto tributário, e nem está mandatada pelo titular dos rendimentos para o representar, pelo que se pode concluir que a reclamante não é parte legítima no presente processo. (...)
Parecer
A falta de legitimidade obsta a apreciação do mérito do pedido (art. 9° e 68º do CPPT)» Doc. fls. 136/137 do p.a.t. apenso)
I) No dia 21.05.2004, foi a reclamação a que alude a al. G) do probatório indeferida com fundamento em falta de legitimidade da reclamante.
J) Em, 28.05.2004, a reclamante foi notificada do despacho a que alude a al i) do probatório. (Doc. fls. 141/142 do p.a.t. apenso).
V. Conforme refere a recorrida na conclusão IIª) das suas alegações, são as seguintes as questões a conhecer no presente recurso:
a) A questão da legitimidade activa da “B……”, representada pela C……, para interpor a acção administrativa especial;
b) A questão de saber se o substituto tributário tem legitimidade para reclamar das retenções na fonte por si efectuadas; e
c) A questão da condenação na prática do acto de reembolso pedido.
Comecemos pela 1ª questão que, a proceder, prejudicará o conhecimento das restantes.
V.1. Veio a recorrente, logo no início das suas alegações, impugnar a decisão recorrida na parte em que reconheceu legitimidade à recorrida para deduzir a presente acção administrativa especial.
A recorrente invocou a seguinte argumentação:
Está provado nos autos, que a reclamação graciosa apresentada ao abrigo do artº. 132°, nº 4 do CPPT, no âmbito da qual foi proferido o acto impugnado, foi interposta pela “A……., SA”,- e apresentada em nome próprio e na qualidade de substituto tributário da C…….
De acordo com o artº. 9º, nº 1 do CPTA, tem legitimidade para litigar em Tribunal quem invoque ser o titular da relação jurídica administrativa donde emerge o conflito.
O titular da relação jurídica administrativa que foi objecto da presente acção administrativa especial é a C…… que, na qualidade de substituto tributário veio, perante o órgão administrativo, requerer a anulação das retenções na fonte por si efectuadas e a restituição do correspondente imposto.
Assim, embora o artº 55º, nº 1, al. a), do CPTA também confira legitimidade para impugnar um acto administrativo a quem seja titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e o artº. 68°, nº 1, al. a), também do CPTA, a legitimidade para pedir a condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido, a quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto, não basta, como fez o Tribunal “a quo”, atribuir legitimidade a quem tem um interesse, supostamente directo, na anulação do acto ou na emissão do mesmo, por se pressupor que foi ele quem suportou o prejuízo.
Significa isto que, embora se possa recorrer a juízo sem se ser titular da relação jurídica administrativa, tem, no entanto, que provar-se sempre um interesse directo, pessoal e legítimo, sendo certo que, no preenchimento de tais conceitos, se deve atender ao princípio do acesso ao direito e à tutela judicial efectiva.
No caso em concreto, a B……, que é quem figura como A. na presente acção, não foi parte na relação jurídica administrativa, pelo que, a sua legitimidade nunca decorreria do princípio geral constante do nº 1 do artº. 9° do CPTA, não tendo, por isso, interesse pessoal, por a anulação do acto não se reflectir, desde logo, na sua esfera jurídica, mas sim, na da C……, enquanto substituto tributário com legitimidade, ou não, para reclamar das retenções na fonte e, mais decisivo ainda, por a tutela judicial efectiva e o princípio do acesso ao direito estar devidamente acautelado com a interposição de acção judicial pela C…….
Ainda para mais quando a questão jurídica, em análise na presente acção, é uma questão de legitimidade, de saber se as retenções na fonte podiam ser reclamadas pelo substituto, pelo que, só este tem interesse pessoal e directo em discutir tal questão.
Donde, devia o Tribunal “a quo”, ter absolvido a entidade demandada da Instância, por ilegitimidade activa da B…….
A recorrida, por sua vez, entende que é parte legítima na presente acção, uma vez que tem interesse directo e pessoal em demandar pois, embora o imposto tenha sido entregue pelo seu substituto fiscal, foi esta sociedade que suportou o seu pagamento e, havendo lugar à sua restituição, será a “B……, SA” que beneficiará da mesma pois integrará os lucros distribuídos no ano de 2000.
Vejamos então se procede a argumentação da recorrente ou a da recorrida.
V.2. Está provado nos autos que a Autora é uma entidade residente, para efeitos fiscais, em França, e desde o ano de 1989, que detêm uma percentagem de 99,78% do capital social da “A……, SA”.
Durante o exercício de 2000, esta última colocou à disposição da Autora dividendos no valor de € 3.981.604.33, sobre os quais efectuou retenção na fonte à taxa de 10%., tendo o imposto retido sido entregue em 20.06.2000, 21.08.2000 e 20.10.2000.
Em 19.06.2002, a “A……, S.A.” deduziu reclamação graciosa, requerendo o reembolso do valor de € 398.160,43 relativo a IRC retido na fonte acima referido.
Mediante ofício datado de 13.09.2002, o Ministério das Finanças comunicou à “A……, S.A”. que o recurso hierárquico por si deduzido contra aquela reclamação fora convolado em pedido em reclamação graciosa.
Esta reclamação foi indeferida porque a reclamante não era titular dos rendimentos, por ser o substituto tributário, e por não estar mandatada pelo titular dos rendimentos para o representar, reconhecendo-se-lhe assim a falta de legitimidade.
V.3. A presente acção administrativa especial vem agora na sequência do indeferimento daquela reclamação, sendo interposta pela entidade substituída.
Será então que esta possui legitimidade para o efeito?
Não estando em causa o direito à tutela jurisdicional, nem que a legitimidade possa ser atribuída a quem invocar ser titular da relação jurídica administrativa, nem que a recorrida – a autora – possa ter interesse na restituição do valor retido na fonte, a verdade é que a tutela jurisdicional é conferida mediante o cumprimento de determinadas regras processuais.
Ora, desde logo, havia que respeitar o disposto no artº 132º do CPPT, que estabelece o seguinte:
“Artigo 132.º
Impugnação em caso de retenção na fonte
1 – A retenção na fonte é susceptível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.
2 – O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do imposto indevido.
3 – Caso não seja possível a correcção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de dois anos a contar do termo do prazo nele referido.
4 – O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.
5 – Caso a reclamação graciosa seja expressa ou tacitamente indeferida, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a entrega indevida nos mesmos termos que do acto de liquidação.
6 – À impugnação em caso de retenção na fonte aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo anterior.”
Ora, examinando este preceito, vemos que tanto o substituto como o substituído podem impugnar em caso de retenção na fonte (embora com diferentes fundamentos).
E, no caso concreto dos autos, quem deduziu reclamação graciosa (que foi indeferida) foi o substituto.
De acordo com o artº. 9º, nº 1 do CPTA, em regra, tem legitimidade para litigar em Tribunal quem invoque ser o titular da relação jurídica administrativa donde emerge o conflito.
Ora, o titular da relação jurídica administrativa que foi objecto da presente acção administrativa especial é a C…… que, na qualidade de substituto tributário e perante o órgão administrativo, requereu a anulação das retenções na fonte por si efectuadas e a restituição do correspondente imposto.
No caso em concreto, a B……, A. na presente acção, não foi parte na relação jurídica administrativa, pelo que, a sua legitimidade nunca decorreria do princípio geral constante do nº 1 do artº. 9° do CPTA, sendo certo que esta não tem interesse pessoal, por a anulação do acto não se reflectir, desde logo, na sua esfera jurídica, mas sim, na da C……, enquanto substituto tributário.
É certo que o artº 55º, nº 1, al. a), do CPTA também confere legitimidade para impugnar um acto administrativo a quem seja titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e o artº. 68°, nº 1, al. a), também do CPTA.
Porém, no caso concreto, o despacho da administração tributária, nem sequer é lesivo de qualquer interesse da autora, já que negou legitimidade ao substituído, mas não apreciou se os valores das importâncias retidas deviam ou não ser reembolsados.
Portanto, a questão da legitimidade do substituto só a ele diz respeito, não interferindo com o direito da autora em ver reconhecido o seu direito aos valores em causa através do meio processual próprio.
Concluindo, podemos afirmar que a legitimidade ocorre quando se verifique uma situação de lesão que se repercute na sua esfera jurídica do administrado, causando-lhe directa e imediatamente prejuízos e quando dai decorra uma necessidade de tutela judicial que justifique a interposição da acção.
No caso em concreto, a B……, que é quem figura como A. na presente acção, não foi parte na relação jurídica administrativa, pelo carece de legitimidade para intentar acção administrativa especial contra o despacho em causa nos autos.
Em face do que ficou dito, procedem as conclusões das alíneas A) a L) e, em consequência, fica prejudicado o conhecimento das outras questões acima identificadas.
VI. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e, julgando-se procedente a excepção da ilegitimidade da recorrida, absolve-se a Fazenda Pública da instância, corrijo absolve-se da instância a entidade Ré.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 21 de Março de 2012. – João António Valente Torrão (relator) – Francisco Rothes – Fernanda Maçãs.