Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0245/12
Data do Acordão:05/09/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
TRIBUTAÇÃO
IRS
Sumário:I - Os juros de mora não são tributáveis em sede IRS quando forem atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual e na medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta.
II - Todavia, tais juros de mora já serão tributáveis em sede de IRS, se o valor da indemnização foi corrigido monetariamente.
III - Neste caso, a tributação não viola o principio constitucional da igualdade, uma vez que o montante dos juros não poderá ser perspectivado como expressão monetária da indemnização.
Nº Convencional:JSTA00067581
Nº do Documento:SA2201205090245
Data de Entrada:03/06/2012
Recorrente:A...... E B......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:CIRS01 ART5 N1 N2 G
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC67/08 DE 2008/04/30; AC STA PROC24936 DE 2000/05/10
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – A……… e B………, melhor identificados nos autos, vêm recorrer da decisão do TAF do Porto que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional e respectivos juros compensatórios, referente ao ano de 2000, no montante global de € 30.488,88, apresentando, para o efeito, alegações nas quais concluem:

Iª). A indemnização por lucro cessante não foi fixada com correcção monetária, mas sim com base em valores constantes por referência ao valor nominal do rendimento auferido pelo lesado à data do acidente.

IIª). A indemnização fixada por sentença proferida em 29 de Outubro de 2001 foi determinada por referência à data do acidente ocorrido em 4 de Março de 1997 ou seja, mais de nove anos antes.

IIIª). Os juros legais desde a citação são, evidentemente, juros moratórios.

IVª). Como tal, a obrigação do seu pagamento não visa remunerar o capital sobre o qual incidem, mas sim indemnizar o credor pelo atraso no seu pagamento (indemnização pela mora - cf. artigo 806°, nº 1 do Código Civil).

Vª). Isto é, os juros de mora não são, dogmaticamente um rendimento de aplicação de um determinado capital, mas sim o critério legal fixado supletivamente pelo legislador para indemnizar a mora no cumprimento de obrigações pecuniárias e como tal os juros de mora devem ser equiparados ao respectivo capital em dívida, uma vez que visam reintegrá-lo, pois a indemnização visa repor o lesado na situação anterior à lesão - cfr. 566°, n°2 do Código Civil.

VIª). Por isso, os juros de mora (ou indemnizatórios) são uma componente do próprio capital (da obrigação pecuniária em causa) na medida em que o reintegram pelo atraso indevido no seu pagamento: não são, pois, rendimento, mas sim património.

VIIª). Tais juros não são contemplados, pois, na previsão do artigo 5º, nºs 1 e 2 al. g) do CIRS, sendo nesse exacto sentido que tal norma deve ser interpretada.

VIIIª). A interpretação aposta (que admita que tais juros constituem rendimento sujeito a incidência e tributáveis em sede de IRS), conduziria a inconstitucionalidade material de tais normas, por violação dos princípios da igualdade dos cidadãos perante a lei, da justiça do sistema fiscal e da contribuição deste para uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, diminuição das desigualdades e contribuição para a igualdade, consagrados nos artigos 13°, 103°, nº 1 e 104° nºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que também aqui expressamente se invoca.

XIª). A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação a norma constante do artigo 5°, nºs 1 e 2, al. g) do CIRS, devendo ser revogado e substituído por outra que julgue totalmente procedente a impugnação e anule também quanto a esse aspecto a liquidação.

II - Não foram apresentadas contra alegações.

III- O MP emitiu parecer no sentido que o recurso não merece provimento devendo ser confirmada a sentença impugnada.

IV - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

V- Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

1º). Correu termos no Tribunal Judicial de Vila do Conde, sob o n.º 117/1994, acção de processo sumário, no qual era Autor, o Impugnante marido, A………, e Réus, C………, Ldª. e D………, na qual foi proferida sentença transitada em julgado em 03.04.2003 e da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“[…] Dos factos provados resulta que, em consequência do acidente e para tratamento das lesões dele directamente resultantes, o Autor perdeu de ganhar a Importância de 11 800 000$00.
O veículo TS ficou totalmente destruído, o qual valia 815 000$00.
Assim, o Autor tem direito a ser ressarcido deste prejuízo através de uma quantia indemnizatória que se fixa no valor de esc. 12 615 000$00 (doze milhões, seiscentos e quinze escudos).
[…] Resulta igualmente provado que, por força das lesões sofridas e directamente resultantes do acidente, o Autor ficou afectado com uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) para o trabalho, emergente de deficiência da clavícula, equivalente a 75% na Tabela Nacional de Incapacidades.
Provou-se, ainda, que as lesões sofridas implicam uma impossibilidade para o Autor para o exercício da sua profissão […].
Nos termos do Artº. 562°, n.º 2 do Código Civil encontra-se consagrada a ressarcibilidade dos danos futuros […].
[...] Na sequência de tal entendimento, a jurisprudência tem decidido que, nestes casos a indemnização deve ser calculada tendo em atenção o tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual.
[...] Entendemos, no entanto, que o tempo decorrido desde que foi proferido este acórdão, obriga a um esforço de actualização da taxa de juro - tendo em conta a redução que estas têm vindo a sofrer, bem como o facto de ser notória a estabilidade em baixa da inflação - que se entende ser de 4%.
Entende-se assim que a taxa de juro deve funcionar como elemento constante nas operações de cálculo a efectuar.
Já no que respeita ao limite da vida activa [...] o STJ tem vindo a fixar os 65 anos de idade.
[...] No caso em apreço, o Autor tinha 47 anos à data da ocorrência do acidente tendo, dessa forma, cerca de 18 anos de vida activa pela frente — tendo em conta o limite de 65 anos de idade supra considerado.
Aquando do acidente o Autor auferia um vencimento líquido mensal equivalente a Esc. 200 000$00.
Sendo a IPP sofrida de 75%, o Autor deveria ver garantida uma prestação anual de Esc. 1 800 000$00.
Encontradas as constantes necessárias para o cálculo da indemnização, cumpre lançar mão da fórmula que nos é dada pela jurisprudência como instrumento de trabalho […]:
C= Px (1/i) - ((1+i)/ (1/+i)n x i)+P x(1+i)-n
Em que “C”corresponde ao capital a depositar no 1º ano;
“P”à prestação a aplicar anualmente,
“i”a taxa de juro a aplicar;
“n”o número de anos em que a prestação se manterá.
A tal fórmula, e no que respeita à definição da taxa de juro, será necessário introduzir determinados factores de correcção resultantes da inflação ou expectativas de promoção profissional que implicam variações nas retribuições mensais ao longo da vida do lesado, em que a taxa de juro, representada por “i” será igual a 4% […].
Assim, para efectuar o cálculo de «P», anteriormente referido:
P= 200 000$00 x 12 meses x 0,75
P = 1 800 000$00
A prestação a pagar anualmente será de Esc. 1 800 000$00.
C= 1 800 000$00 x (1/0,04) - ((1+0,04)/(1+0,04)18 x 0,04)) + 1 800 000$00 x (1+0,04)18
C= 1 800 000$00 x (25) - (1,04)/1,04 18 x 0,004)))+1 800 000$00 x 1,0418
C= 1 800 000$00 x (25)- (1,04/0,0810326))+ 1 800 000$00 x 1, 0418
C= 1 800 000$00 x 12,1 65659+ 1 800 000$00 x 1,0418
C= 23698186 x 1,418
C= 23698186 x 0,4936281
C= 23 698 187
Em conclusão, da combinação dos factores enunciados e do recurso à fórmula exposta atingimos o valor da quantia a depositar como sendo equivalente a Esc. 23 698 187$00.
Haverá, no entanto, que ter em conta que esta fórmula não ultrapassa a condição de mero instrumento de trabalho […].
[…] Não poderemos, não obstante, de adaptar casuisticamente tais modelos, introduzindo as correcções exigidas, pelas circunstâncias de cada caso.
[...] Assim, […] entende-se ser equitativamente justa uma indemnização equivalente a Esc. 24.000.000$00 pelos danos futuros traduzidos na perda da capacidade de ganho.
No que respeita aos danos não patrimoniais […]
Atendendo aos critérios oferecidos pelo Art. 494º, que são o grau de culpabilidade do agente responsável pelo acidente — culpa exclusiva a situação económica dos envolvidos — o Autor aceitava adjudicações de moradias e outras obras de construção e ganhava 200.000$00/mês -, a incidência das lesões, o desgosto derivado da sua deficiência física, entende-se como equitativamente justa uma indemnização no montante de Esc. 3 000.000$00 (três milhões de escudos).
Ao montante da indemnização por danos patrimoniais acrescem juros a contar da citação (Art. 805. °, n.º 3 e 806. °, n.º 1 do Código Civil), à taxa legal de 15%, e de 10% a partir de 30/09/05 até dia 17 de Abril de 1999 (Art. 559º do Código Civil e Portaria 1171/95, de 25 de Setembro). A partir de 17 de Abril de 1999, estes juros serão computados à taxa legal de 7% ao ano (Portaria n° 263/99, de 12 de Abril).
A quantia respeitante a danos não patrimoniais, e atendendo a que esta se fixou tendo em conta a data mais recente que pôde ser atendida pelo tribunal, encontrando-se, nessa medida, actualizada, sendo que a obrigação pecuniária (no sentido de obrigação traduzida em dinheiro) só neste momento se constitui os juros serão contabilizados à taxa legal de 7%, a contar da presente decisão.
[…]
Pelo exposto:
Julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno os Réus E………, D………, SA e F………, Lda. a pagar ao Autor A………, as seguintes quantias:
A título de danos patrimoniais:
- A quantia de Esc. 12 615 000$00 (doze milhões, seiscentos e quinze escudos), relativa ao valor da viatura destruída e à importância que o Autor deixou de ganhar desde Maio de 1994 a Abril de 1999;
- A título de danos futuros (lucro cessante) — IPP — a quantia de Esc. 24 000.000$00 (vinte e quatro milhões de escudos);
A título de danos morais
- A quantia de Esc. 3.000.000$00 (três milhões de escudos).
Num total global de Esc. 39 615 000$00 (trinta e nove milhões, seiscentos e quinze mil escudos).
A quantia referida será paga pela seguradora, até ao montante fixado para o contrato de seguro obrigatório, e a restante quantia, pelo civilmente responsável.
Acrescidos de juros legais devidos desde a citação, no que respeita aos danos patrimoniais e à taxa legal de 15% e a partir de 30/09/95 de 10% ao ano a partir até 17 de Abril de 1999 (Art. 559° do Código Civil e Portaria 1171/95 de 25 de Setembro) e, a partir de 17 de Abril de 1999, estes juros serão computados à taxa legal de 7% ao ano (Portaria n.º 263/99, de 12 de Abril);
[…]
- cf. doc. de fls. 112 a 136 dos autos.

2º). Consta, entre o mais, do Recibo n.º 2002 177528- “Quitação Responsabilidade Civil c/Sub-rogação” emitido pela Companhia de Seguros G……… em nome do Impugnante marido:
“VALOR DA INDEMNIZAÇÃO € 349.854,16 (trezentos e quarenta e nove mil oitocentos e cinquenta e quatro euros e dezasseis cêntimos)
[…]
cfr. sentença proferida na acção sumária nº. 117/94, do 1º Juízo Cível do tribunal de Vila do Conde; incluídos juros sobre a quantia de eur. 187.373,43, no valor ilíquido de Eur. 147.516,79; IRS sobre os juros (retenção na fonte à taxa de 15%): Eur. 22.127,51; Valor a pagar: Eur. 327.726,65”. - cfr. doc. de fls. 65 do p.a. apenso aos autos.
3º). Consta, entre o mais, do Recibo n.º 2002 195280 - “Quitação Responsabilidade Civil c/Sub-rogação” emitido pela Companhia de Seguros G……… em nome do Impugnante marido:
“VALOR DA INDEMNIZAÇÃO 611.801,01 (onze mil oitocentos e um euros e um cêntimo)
[..] Relativo a juros contabilizados sobre a quantia de esc. 3. 000.000$ (eur. 14.963,94), que não haviam sido considerados no recibo da indemnização anteriormente emitido com o nº. 2002 - 177428; IRS sobre os juros (retenção na fonte à taxa de 15%): Eur. 1.770,15; Valor a pagar: Eur. 10.030,86”.

VI. A única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se os juros pela indemnização de 24.000.000$00, atribuída ao recorrente a título de lucro cessante estavam ou não sujeitos a tributação – artº 5º, nº 2, alínea g) do CIRS.

A decisão recorrida entendeu que os juros estavam sujeitos a tributação, seguindo jurisprudência deste STA, por entender que o valor monetário equivalente à indemnização devida foi fixado atendendo-se já aos factores decorrentes da erosão monetária.

Os recorrentes, por sua vez, alegam que a indemnização por lucro cessante não foi fixada com correcção monetária, mas sim com base em valores constantes por referência ao valor nominal do rendimento auferido pelo lesado à data do acidente e que os juros legais desde a citação são juros moratórios.
Assim, a obrigação do seu pagamento não visa remunerar o capital, mas sim indemnizar o credor pelo atraso no seu pagamento.
Os juros de mora (ou indemnizatórios) são uma componente do próprio capital (da obrigação pecuniária em causa) na medida em que o reintegram pelo atraso indevido no seu pagamento: não são, pois, rendimento, mas sim património, não estando, por isso, contemplados na previsão do artigo 5º, nºs 1 e 2 al. g) do CIRS.

Vejamos então.

No acórdão deste Supremo Tribunal, de 30.04.2008, proferido no Processo nº 067/08 sobre questão semelhante, escreveu-se o seguinte:

“A questão a resolver nos autos é esta: os juros de mora provenientes de uma indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual devem ser consideradas rendimentos de capital, sujeitos então à norma de incidência real estabelecida na al. g) do nº. 2 do artº. 5º do CIRS, logo sujeitos a tributação em sede de IRS, ou, ao invés tais juros podem ser equiparados à própria indemnização, para efeito do artº. 12º do CIRS, logo não susceptíveis de incidência de IRS?
Este STA, por acórdão de 10/05/2000 (rec. nº. 24.936), considerou que os juros de mora pagos por uma seguradora por causa do atraso no pagamento de uma indemnização são um rendimento de capital.
E daí que tenha concluído que “os juros de mora, para efeitos de IRS, e independentemente da natureza que se lhes deva reconhecer para efeitos da lei civil, são tratados como um rendimento autónomo, distinto da indemnização de que possam depender”, pelo que “é de concluir pela sujeição a IRS dos juros referidos”.
Posteriormente, porém, o TC fez uma distinção em termos que nos parecem equilibrados e absolutamente ajustados, que responde de forma parcialmente diversa à prosseguida no acórdão que vimos citando.
Trazendo à colação os acórdãos do Tribunal Constitucional citados nos autos (acórdãos 170/2003 e 497/2004), e como bem refere o EPGA, o TC pronunciou-se pela inconstitucionalidade da norma constante da alínea g) do n. 1 do art. 6º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (hoje art. 5º) quando interpretada no sentido de serem tributáveis como rendimento os juros que forem atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual e na medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta.
Escreveu-se impressivamente naquele primeiro acórdão:
“…Antevê-se como certo que, para quem defenda que, se, numa dada decisão judicial, o valor monetário equivalente à indemnização devida a título de responsabilidade civil extracontratual foi fixado atendendo-se já aos factores decorrentes da erosão monetária e se, além disso, ficou consagrada a obrigação de pagamento de juros sobre aquele valor, contados a partir da citação, o montante equivalente a estes últimos não pode perspectivar-se como integrador da denominada «teoria da diferença» - à qual se deverá submeter aquilo que é imposto pelo dever de reparação do dano sofrido em consequência da lesão -, mas sim como uma compensação pela demora no pagamento. E, assim, tendo os juros por fonte uma obrigação diversa daquela donde advém do dever de indemnizar, os fundamentos carreados e a conclusão ínsita no Acórdão nº 453/97, já citado, seriam perfeitamente de aceitar.
Mas, se em causa estiver um caso em que para se alcançar a expressão monetária da indemnização se não teve em conta aquilo que alguns designam por «correcção monetária», limitando-se, pois, tal expressão monetária à reconstituição da situação que seria a detida pelo lesado caso o evento lesivo não tivesse ocorrido, acrescendo, ao assim definido quantum indemnizatório, a condenação do responsável nos juros devidos desde a citação, então é plausível entender-se que estes juros têm por finalidade fazer acrescer àquele quantum o desvalor verificado em consequência da desvalorização.
“Em casos como esse, o montante dos juros não poderá, pois, deixar de ser perspectivado ainda como a expressão monetária da indemnização.
“E, a ser assim, a tributação desse montante a título de rendimentos da categoria E, nos termos da alínea g) do nº 2 do art. 5º do Código de Rendimentos Sobre o Imposto das Pessoas Singulares antever-se-ia como violadora do princípio da igualdade, na medida em que a expressão monetária de uma indemnização não está sujeita a essa tributação e, afinal, o indicado montante dos juros não deixa de fazer parte daquela expressão, sendo certo que a função substancial do valor da indemnização é perfeitamente idêntica (é, verdadeiramente, a mesma) da dos juros cujo pagamento foi determinado com tal finalidade”.

Vejamos agora o caso concreto.

Tal como se refere na decisão recorrida, a indemnização de 24.000.000$00 correspondente a lucro cessante foi calculada atendendo à correcção monetária e sobre a mesma incidiram juros a contar da citação.

E, com efeito, resulta da matéria de facto dada como provada o seguinte:
” Resulta igualmente provado que, por força das lesões sofridas e directamente resultantes do acidente, o Autor ficou afectado com uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) para o trabalho, emergente de deficiência da clavícula, equivalente a 75% na Tabela Nacional de Incapacidades.
Provou-se, ainda, que as lesões sofridas implicam uma impossibilidade para o Autor para o exercício da sua profissão […].
Nos termos do Artº. 562°, n.º 2 do Código Civil encontra-se consagrada a ressarcibilidade dos danos futuros […].
[...] Na sequência de tal entendimento, a jurisprudência tem decidido que, nestes casos a indemnização deve ser calculada tendo em atenção o tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual.
[...] Entendemos, no entanto, que o tempo decorrido desde que foi proferido este acórdão, obriga a um esforço de actualização da taxa de juro - tendo em conta a redução que estas têm vindo a sofrer, bem como o facto de ser notória a estabilidade em baixa da inflação - que se entende ser de 4%.
Entende-se assim que a taxa de juro deve funcionar como elemento constante nas operações de cálculo a efectuar.
Já no que respeita ao limite da vida activa [...] o STJ tem vindo a fixar os 65 anos de idade.
…Encontradas as constantes necessárias para o cálculo da indemnização, cumpre lançar mão da fórmula que nos é dada pela jurisprudência como instrumento de trabalho […]:
C= Px (1/i) - ((1+i)/ (1/+i) n x i)+P x(1+i) -n
Em que “C”corresponde ao capital a depositar no 1º ano;
“P”à prestação a aplicar anualmente,
“i”a taxa de juro a aplicar;
“n”o número de anos em que a prestação se manterá.
A tal fórmula, e no que respeita à definição da taxa de juro, será necessário introduzir determinados factores de correcção resultantes da inflação ou expectativas de promoção profissional que implicam variações nas retribuições mensais ao longo da vida do lesado, em que a taxa de juro, representada por “i” será igual a 4% […].
Assim, para efectuar o cálculo de «P», anteriormente referido:
P= 200 000$00 x 12 meses x 0,75
P = 1 800 000$00
A prestação a pagar anualmente será de Esc. 1 800 000$00.
C= 1 800 000$00 x (1/0,04) - ((1+0,04)/(1+0,04)18 x 0,04)) + 1 800 000$00 x (1+0,04) 18
C= 1 800 000$00 x (25) - (1,04)/1,04 18 x 0,004)))+1 800 000$00 x 1,04 18
C= 1 800 000$00 x (25)- (1,04/0,0810326))+ 1 800 000$00 x 1, 04 18
C= 1 800 000$00 x 12,1 65659+ 1 800 000$00 x 1,0418
C= 23698186 x 1,4 18
C= 23698186 x 0,4936281
C= 23 698 187
Em conclusão, da combinação dos factores enunciados e do recurso à fórmula exposta atingimos o valor da quantia a depositar como sendo equivalente a Esc. 23 698 187$00.
Haverá, no entanto, que ter em conta que esta fórmula não ultrapassa a condição de mero instrumento de trabalho […].
[…] Não poderemos, não obstante, de adaptar casuisticamente tais modelos, introduzindo as correcções exigidas, pelas circunstâncias de cada caso.
[...] Assim, […] entende-se ser equitativamente justa uma indemnização equivalente a Esc. 24.000.000$00 pelos danos futuros traduzidos na perda da capacidade de ganho”.

Esta quantia foi acrescida “de juros legais devidos desde a citação, no que respeita aos danos patrimoniais e à taxa legal de 15% e a partir de 30/09/95 de 10% ao ano a partir até 17 de Abril de 1999 (Art. 559° do Código Civil e Portaria 1171/95 de 25 de Setembro) e, a partir de 17 de Abril de 1999, estes juros serão computados à taxa legal de 7% ao ano (Portaria n.º 263/99, de 12 de Abril)” - cfr. doc. de fls. 112 a 136 dos autos. (facto 1º do probatório)

Sendo assim em face da doutrina deste STA e do Tribunal Constitucional, no caso concreto, os juros de mora devem ser considerados como rendimentos de capital, e como tal sujeitos à incidência real estabelecida na alínea g) do nº. 2 do art. 5º do CIRS.

E, pelo que acima ficou transcrito, não ocorre nesta situação violação do princípio da igualdade, uma vez que houve correcção monetária.

VII. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 9 de Maio de 2012. – Valente Torrão (relator) – Francisco Rothes – Fernanda Maçãs.