Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0393/16.8BEPNF
Data do Acordão:07/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:FUNCIONÁRIO JUDICIAL
APOSENTAÇÃO VOLUNTÁRIA
NORMATIVO APLICÁVEL
Sumário:I - Deve ser recusada pelo tribunal a aplicação do nº 1 do artigo 43º do Estatuto da aposentação, na redacção dada pela Lei nº66-B/2012, de 31.12, segundo a qual o regime aplicável a pedido de aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade é o decorrente da lei em vigor à data em que é proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação;
II - A pedido de aposentação voluntária, formulado por funcionários judiciais em Dezembro de 2013, deverão ser aplicadas as regras do regime de aposentação antecipada do DL nº 229/2005, de 29.12, e não as da Lei nº11/2014, de 06.03, não obstante o despacho que lhes fixou a pensão ser de 2015.
Nº Convencional:JSTA000P24798
Nº do Documento:SA1201907110393/16
Data de Entrada:03/27/2019
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:A.............. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A………………, residente na Rua …………., nº ……….., 4440 – ………. Valongo, B……………………., residente na Rua ………….., nº ………., ………., ………….., 4440 – ………….. Valongo, C………………., residente na Rua ………., nº ………………., ………….., 4445 – ………….. Ermesinde, e D…………….., residente na Travessa ………….., nº ………., …………, 4445 – …………. Ermesinde, melhor identificados nos autos, intentaram no TAF de Penafiel, a presente acção administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações, com sede na Avenida 5 de Outubro, 175, 1054 – 001 Lisboa, impugnando os despachos que definiram, respectivamente, os valores das suas pensões de aposentação, e formulando o seguinte pedido:

«(…) deve a presente ação ser declarada procedente por provada e em consequência devem ser anulados os atos administrativos que definem os valores das pensões mensais de aposentação referidos nos nº 11, 20, 29 e 40 da petição, respetivamente para cada um dos Autores e, em consequência ordenado o recálculo desses montantes de acordo com a legislação, jurisprudência e os argumentos supra expostos, devendo ainda ser decretada a inconstitucionalidade do art. 43º do EA».


*

Por sentença do TAF de Penafiel, proferida em 26.12.201, foi: (i) recusada a aplicação, no caso dos autos, do disposto no artº 43º, nº 1, do Estatuto da Aposentação, DL 498/72, de 09/12, na redacção que lhe foi dada pela Lei 66-B/2012, de 31/12, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios da segurança jurídica e da igualdade; (ii) e julgada a acção administrativa procedente e, em consequência, anulados os despachos impugnados, e condenada a entidade demandada a proceder a novo cálculo das pensões dos autores, tendo por base o regime legal vigente à data da apresentação dos respectivos requerimentos de aposentação.

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A CGA interpôs recurso jurisdicional para o TCA Norte, tendo este, por acórdão datado de 14-09-2018, negado provimento ao recurso.

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A CGA, inconformada, veio interpor o presente recurso de revista, tendo apresentado alegações que concluiu do seguinte modo:

«1.ª Verificam-se, no presente caso, os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista para o STA, nos termos do disposto no artigo 150º do CPTA, já que se pretende obter uma melhor interpretação e aplicação da Lei, concretamente da norma vertida no artigo 43º do Estatuto da Aposentação (EA), na redação conferida pelo artigo 79º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, cujo nº 2 prescreve, expressamente, que “As alterações introduzidas ao Estatuto de Aposentação aplicam-se aos pedidos e prestações apresentados após a entrada em vigor da presente lei.” (ou seja: 2013-01-01).

2.ª Estamos perante um universo alargado de subscritores que requereram a aposentação nas mesmas circunstâncias dos recorridos, cuja decisão tem impacto ao nível da determinação dos montantes das pensões, sendo que, a par da presente ação, existem dezenas de outras ações judiciais em curso sobre esta matéria nos Tribunais Administrativos.

3.ª É essencial determinar claramente, para uma melhor aplicação do direito, qual o sentido e alcance da regra constante no artigo 43º do EA, na redação conferida pelo artigo 79º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, cuja interpretação defendida no Acórdão 195/2017, de 26 de abril, é divergente da que sempre foi seguida pelo Tribunal Constitucional, como resulta da jurisprudência mais adiante citada.

4.ª O presente recurso justifica-se, ainda, na nossa ótica, pelo facto de esta ser uma questão que extravasa do caso concreto, suscita dificuldades superiores ao comum, e que não mereceu ainda tratamento jurisprudencial por parte do Supremo Tribunal Administrativo.

Nestes termos,

5.ª Os recorridos apresentaram os seus pedidos de aposentação antecipada em 2013-12-30, 2013-12-27, 2013-12-27 e 2013-12-30 (cfr. 2), 10) 18) e 29) dos Factos Assentes).

6.ª Nessas datas, já estava em vigor – desde 2013-01-01 – a redação dada ao artº 43º do Estatuto da Aposentação (EA) pelo art.º 79º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, onde se estabelece que que as pensões são calculadas em função da lei em vigor e na situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação.

7.ª Os recorridos não podiam desconhecer, no momento em que requereram a aposentação antecipada (em dezembro de 2013), que as suas pensões seriam calculadas em função da lei em vigor e na situação existente à data em que viesse a ser proferido despacho a reconhecer o direito de aposentação.

8.ª Nem podiam, por isso, ter a expetativa de ser aposentados de acordo com o regime legal estabelecido à data do requerimento, nem terem a expetativa de serem tratados em igualdade de circunstâncias com aqueles que apresentaram os seus requerimentos antes da alteração do artº 43º do EA pelo artigo 79º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro.

9.ª Sobre a decisão proferida pelo Acórdão do TC nº 195/2017, de 26 de abril – que sustenta a decisão recorrida – há que dizer, em primeiro lugar, que tal Acórdão incidiu sobre a uma situação de Professores em regime de monodocência e não de Funcionários Judiciais.

10.ª Havendo, também que sublinhar que o mencionado Acórdão do TC nº 195/2017 exige uma cuidada análise e profunda ponderação, na medida em que a apreciação nele feita bebeu parte da sua fundamentação em decisões que incidiam sobre a norma retroativa constante da Lei nº 1/2004, de 15 de janeiro (cfr. ponto 9 do Acórdão nº 195/2017), e não especifica e concretamente sobre a regra vertida no artigo 43º do EA.

11.ª Este comando legal (artigo 43º do EA) não implica – como implicava o da Lei nº 1/2004 – nenhuma alteração retroativa de um regime jurídico, pelo contrário, faz apelo ao princípio tempus regit actum.

12.ª Incontornável no presente processo é a factualidade de que quando os recorridos requereram a aposentação antecipada (em 2013-12-30, 2013-12-27, 2013-12-27 e 2013-12-30 (cfr. 2), 10) 18) e 29) dos Factos Assentes)) já estava em vigor – há quase um ano – a redação dada ao artº 43º do EA pelo artº 79º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, onde se estabelece que as pensões são calculadas em função da lei em vigor e na situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação.

13.ª Salientando-se que o critério da data do despacho, adotado no artigo 43º do EA, constitui o critério clássico do regime daquele Estatuto, desde a sua versão original de 1972 (Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro) e apenas interrompido entre 2007 e 2012, pelas redações que lhe foram dadas, primeiro pelo artigo 2º da Lei nº 52/2007, de 31 de agosto, e depois, pelo artigo 1º do Decreto-Lei 238/2009, de 16 de setembro.

14.ª Ou seja, o critério do artº 43º do EA, assente da data do despacho, foi sempre aplicado no cálculo das pensões da CGA desde 1973-01-01, com exceção dos pouco mais de 5 anos que mediaram entre 2007 e 2012, pelo que muito surpreende que após quase 40 anos de vigência daquele critério, em sã convivência da Constituição, só agora se detete que tal norma é, afinal, desconforme à Lei fundamental.

15.ª Pois a verdade é que a apreciação do Tribunal Constitucional, quanto a esta questão, historicamente, vai no sentido na constitucionalidade do artº 43º do EA, importando, por isso, dizer que a apreciação feita no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 195/2017 mostra-se contrária ao entendimento que tem sido defendido pelo Tribunal Constitucional no que concerne à regra prevista no artigo 43º do EA.

16.ª Como resulta do Acórdão nº 580/99, de 1999-10-20 – parcialmente transcrito supra em Alegações –, cuja análise incidiu em concreto sobre a norma prevista no artº 43º do EA “O momento do reconhecimento do direito, esse sim, é o ponto de referência pelo qual a igualdade deve ser plenamente aferida.”

17.ª Acrescendo dizer que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que a tutela constitucional da confiança não abrange todo e qualquer juízo de previsibilidade que o sujeito possa fazer em face de determinado quadro normativo vigente. Com efeito, apenas colidirá com a tutela da confiança a afetação infundada e arbitrária de expectativas legítimas objetivamente consolidadas.

18.ª Veja-se, quanto a este particular a jurisprudência do Tribunal Constitucional vertida nos Acórdãos nºs 237/98, publicado em D.R., II Série, de 17 de Junho de 1998, nº 615/07, de 2007-12-19, parcialmente transcritos supra em Alegações, de acordo com os quais, as sucessivas alterações ao regime jurídico de aposentação, ainda que desfavoráveis aos respetivos interessados, não violam o princípio da segurança jurídica, salvo quando manifestamente desrazoáveis, desproporcionadas e inesperadas.

19.ª Veja-se, também, o Acórdão nº 303/09, de 2009-06-21, segundo o qual “Na verdade, como se sublinhou no citado Acórdão nº 99/2004, quando estão em causa as diferenças de regime decorrentes da normal sucessão de leis, há que reconhecer ao legislador uma apreciável margem de liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante para aplicação do novo e do velho regime. Aliás, numa outra decisão (Acórdão nº 467/2003), este Tribunal, referindo-se igualmente a uma situação de comparação de regimes de aposentação de um ponto de vista dinâmico da sucessão no tempo, vistos – tal como aqui sucede – na perspectiva do princípio da igualdade, considerou não funcionar este princípio, enquanto exigência do texto constitucional, “em termos diacrónicos”.

Retomando o discurso do Acórdão nº 99/2004, há que reconhecer que, também no caso ora em análise, “a determinação da fronteira entre os dois regimes ocorreu, na interpretação da decisão recorrida, por referência a um critério geral, previamente definido no artigo 12º, nº 1 do Código Civil (e como tal perfeitamente previsível), segundo o qual a lei só dispõe para o futuro, quando lhe não seja atribuída eficácia retroactiva pelo legislador”, prosseguindo:

“Não se verificando neste domínio normativo qualquer exigência constitucional de retroactividade da lei nova, a opção pela disposição só para o futuro – que confirma o entendimento intuitivo de «que em todo o preceito jurídico está implícito um ‘de ora avante’, um ‘daqui para o futuro’» (J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, pág. 225) – apresenta se como uma solução racional e, de qualquer forma, situada dentro da margem de liberdade concedida ao legislador”.

20.ª Termos em que, resultando da matéria assente que os recorridos requereram a aposentação antecipada em 2013-12-30, 2013-12-27, 2013-12-27 e 2013-12-30 (cfr. 2), 10) 18) e 29) dos Factos Assentes), haverá – reitera-se – que ter em conta de que, quando aqueles requereram a aposentação antecipada, já estava em vigor – desde 2013-01-01 – a redação dada ao artº 43º do EA pelo artº 79º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, onde se estabelece que que as pensões são calculadas em função da lei em vigor e na situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação, sendo que, por isso mesmo, não podiam os Recorridos ter a expetativa de serem aposentados de acordo com o regime legal estabelecido à data do requerimento.

21.ª Não ocorre, assim, qualquer violação da Lei Constitucional, pois tendo os recorridos apresentado os seus requerimentos após a alteração do artº 43º do EA pelo artigo 79º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro:

• não podiam ter a expetativa de ser aposentados de acordo com o regime legal estabelecido à data do requerimento,

• nem ter a expetativa de serem tratados em igualdade de circunstâncias com aqueles que apresentaram os seus requerimentos antes da alteração do artº 43º do EA pelo artigo 79º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro.

22.ª Acrescendo dizer, por outro lado, que não é sequer razoável argumentar-se que a CGA teria obrigatoriamente que despachar o processo dos recorridos ainda antes da entrada em vigor da Lei nº 11/2014, de 6 de março, pois entre a data da apresentação dos requerimentos e 2014-03-06 (data em que entrou em vigor a referida Lei) não havia sequer decorrido o prazo geral de 90 dias para a conclusão do procedimento previsto no artigo 58º do Código do Procedimento Administrativo, na versão então vigente.

Nestes termos e com o douto suprimento de V.ª Exªs deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, com as legais consequências.».


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As recorridas A…………………… e, outras, apresentaram contra alegações que concluíram da seguinte forma:

«A) O douto acórdão recorrido encontra-se coerente e suficientemente fundamentado, pelo que deve ser mantido;

B) De resto, os recorridos requereram a aposentação em finais de 2013;

C) A questão que a aqui se problematiza prende-se com o seguinte: qual o regime aplicável aos recorridos – o vigente à data da apresentação do pedido de aposentação ou o vigente à data do despacho da recorrente a conferir a aposentação?

D) Ora, o artº 43º do Estatuto da Aposentação aponta para o regime vigente à data do despacho da recorrente a conferir a aposentação. E a questão é pertinente dado que em Março de 2014 foi publicada legislação muito mais penalizadora no tocante ao cálculo das pensões de aposentação dos funcionários públicos.

E) No entanto, o douto acórdão recorrido (e já antes da decisão de 1ª instancia) analisou este artigo à luz da CRP.

F) E abordou ainda o douto acórdão proferido, o facto de já existirem decisões judiciais no sentido de afastar esta mesma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.

G) Considerou assim, uma dessas decisões judiciais, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 195/2017, que ao cindir o momento do exercício do direito à aposentação voluntária do momento determinante para efeitos de fixação do regime aplicável, a norma sindicada estabelece uma situação de incerteza sobre as consequências da decisão de o funcionário se aposentar, expondo-o à álea do dever legislativo em matéria de cálculo das pensões de aposentação; além de que o Estado subtrai, ao fixar o regime aplicável à aposentação o do momento em que é proferido despacho, o domínio sobre a matéria, com vastas implicações na sua vida e reserva para si a faculdade de, através de decisão discricionária quanto ao momento da prolação de despacho, assumir ele próprio controlo integral sobre a situação em benefício próprio.

H) Face a isso concluiu que tal artigo, com tal entendimento, viola a vertente prospetiva do princípio da segurança jurídica, até porque há um agravamento muito desfavorável no cálculo da pensão de aposentação do recorrido: apenas é considerado 80% da remuneração relevante, quando antes era de 90%, é aumentada a idade legal para aposentação, perdem o benefício constante no art. 37º-A nº 4 do EA.

I) Por outro lado, concluiu ainda que o art. 43º do EA viola o princípio da igualdade dado que pode gerar em si mesmo, situações de desigualdade, na medida em que faz depender o conteúdo do direito do momento da decisão administrativa. E se dois funcionários, reunindo os mesmos pressupostos, requeressem a aposentação em simultâneo poderiam ainda assim obter decisões distintas consoante o momento em que a Administração despachasse o seu pedido.

J) Tratando-se assim de uma distinção discriminatória, não fundada e sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional, o que consubstancia até total arbítrio.

K) Face ao supra exposto, o douto acórdão recorrido manteve a decisão de primeira instância que determinava a anulação dos atos administrativos determinativos do cálculo da pensão de aposentação dos Recorridos, condenando a recorrente a proceder a novo cálculo da pensão de aposentação de acordo com o regime legal vigente à data em que os recorridos apresentaram os pedidos de aposentação.

L) No tocante ao argumento histórico invocado pela recorrente de que o teor atual do art. 43º do EA é o critério clássico e que já tinha sido sindicado pelo Tribunal Constitucional sem que fosse decretada a inconstitucionalidade, impõe-se dizer que a recorrente apenas faz referência a um único acórdão de 1999, e portanto de há 19 anos atrás (os outros acórdãos mencionados não se pronunciam expressamente sobre esse artigo); que já havia acórdãos a decretar essa inconstitucionalidade em situações concretas nos últimos anos; e que agora há pelo menos 5 acórdãos do Tribunal Constitucional já transitados em julgado a decretar a inconstitucionalidade do art. 43º na atual versão, proferidos por diversas secções desse mesmo Tribunal Superior. Além de que, esse entendimento tem sido seguido em diversos acórdãos proferidos em 1ª e 2ª instância. Pelo que, a jurisprudência está a mudar e está a ser unânime no entendimento. Além de que, está pendente processo de fiscalização de inconstitucionalidade com força obrigatória geral deste mesmo artigo, impulsionado pelo Ministério Público.

M) Assim, deve manter-se o douto acórdão proferido e objeto do presente recurso, recusando-se a aplicação do art. 43º do EA no caso dos aqui recorridos por violação do princípio da segurança jurídica (quando interpretado no sentido de que se aplicam aos funcionários judiciais que apresentaram o requerimento de aposentação antes da entrada em vigor da Lei nº 11/2014 de 06-03, o regime legal vigente à data da prolação do despacho que reconheceu o direito à aposentação) e da igualdade (quando interpretado no sentido de que permite aplicar aos funcionários judicias que apresentaram o requerimento de aposentação antes da entrada em vigor da Lei nº 11/2014 de 06-03 regimes legais distintos, consoante o momento da decisão administrativa e não o momento da apresentação do requerimento de aposentação) e mantendo-se a condenação da recorrente a recalcular as pensões de aposentação de acordo com a legislação vigente à data da apresentação dos requerimentos dos recorridos.

N) Pelo que face ao exposto, deve improceder a argumentação da recorrente no sentido de dever ser anulado o douto acórdão recorrido.


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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 01.03.2019.

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte:

«1. Os autores são oficiais de justiça aposentados;

2. Em 30.12.2013, a autora A…………… apresentou requerimento tendo em vista obter a aposentação antecipada – cf. documento de fls. 11 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

3. Nessa data, a autora A…………. tinha 56 anos de idade e 32 anos de serviço;

4. Por ofício datado de 29.09.2015, de referência UAC232CV802534, os serviços da entidade demandada notificaram a autora A…………. do valor previsível da pensão, fazendo aí constar a percentagem de redução a aplicar de € 8,50% e o valor ilíquido de € 1.136,82 – cf. documento de fls. 43/44 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

5. A autora A………. respondeu a este ofício, mediante requerimento escrito datado de 05.10.2015, declarando aceitar a aposentação antecipada a que correspondia o valor mensal ilíquido de € 1.136,82, tendo depois remetido nova missiva pela qual entendia estar errada a percentagem de redução da pensão, por considerar que devia ser aplicado o regime vigente em 2013 – cf. documentos de fls. 45 a 49 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

6. Os serviços da entidade demandada responderam a estes requerimentos escritos, por ofício de 20.10.2015, de referência UAC232CV802534, no qual manifestam o seu entendimento de que se aplica o regime em vigor à data do despacho que reconhece o direito à aposentação – cf. documento de fls. 51 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

7. Ao que a autora A………… voltou a responder, mediante requerimento escrito datado de 30.10.2015 – cf. documento de fls. 52/58 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

8. Em 18.11.2015, foi proferido despacho pelos diretores da entidade demandada, aposto sobre prévia informação que procedeu ao cálculo do montante da pensão, e que reconheceu à autora A………… o direito à aposentação, fixando-lhe o respetivo montante, assumindo como idade para a aposentação 59 anos e 6 meses de idade – cf. documento de fls. 59 do processo administrativo apenso aos autos, relativo ao autor;

9. Ulteriormente, a autora A………… foi notificada do valor definitivo da pensão, por ofício datado de 18.11.2015, de referência EAC232CV.802534/00, do seguinte teor:

“(…)

Informo V. Exa. de que, ao abrigo do artigo 97º do Estatuto da Aposentação – Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro, lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2015-11-18, da Direcção da CGA (proferido por delegação de poderes publicada no Diário da República II Série, nº 192 de 2013-10-04), tendo sido considerada a situação existente em 2015-11-18, nos termos do artigo 43º daquele Estatuto, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 238/2009, de 16 de setembro. O valor da pensão para o ano de 2015 é de € 1 146,57 e foi calculado, nos termos do artigo 5º, nºs 1 a 3, da Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei nº 52/2007 e com a redação dada pelo artigo 30º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, com base nos seguintes elementos:

P1 (Parcela da pensão com tempo de serviço até 2005-12-31): P2 (parcela da pensão com tempo decorrido após 2006-01-01):

Tempo efetivo: 24a10m Tempo efetivo: 09a10m

Anos civis considerados: 10a

Tempo Total: 24a10m Taxa Anual de formação: 2,00%

Ano 2015 2005

Remuneração base: € 1 716,40 € 1 490,65 Remunerações de referência: € 1 811,91

Outras remunerações base: € 0,00 € 0,00

Outras rem. Art.º 47º nº 1 al. b): € 139,04 € 132,59

Remuneração Total: € 1 623,14 (1) € 1 524,68 (2)

Rem. Considerada (Lim. 12xIAS): € 1 524,68

Fator Sustentabilidade (FS): 0,9522

Montante de P1: € 829,11 Montante de P2: € 317,46

Pensão em 2015: € 1 146,57 (3)

(1) Na remuneração considerada foi aplicado o fator de redução de 0,02800 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 90,00%.

(2) Na remuneração de 2005 foi aplicado o fator de revalorização de 1,1741 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 80,00%.

(3) O montante da pensão foi reduzido em 4,78%, por aplicação do Fator de Sustentabilidade para o ano de 2013.

A pensão global encontra-se reduzida da percentagem de 8,00%, calculada nos termos do nº 1 do art.º 29º da Lei 3-B/2010.

(…)”; Cf. documento de fls. 22 (verso) e 23 (frente) dos autos em suporte físico, e de fls. 63/64 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

10. Por sua vez, a autora B………….., em 27.12.2013, apresentou requerimento tendo em vista obter a aposentação antecipada e, por requerimento escrito datado do mesmo dia, dirigido ao Diretor da entidade demandada solicitou o seguinte: “Nestes termos solicita a V. Ex.ª se digne confirmar, antes da prolação de qualquer despacho sobre o seu pedido, se é o regime constante do citado DL nº 229/2005 de 29 de dezembro, que lhe vai ser aplicado, para que o(a) ora requerente decida sobre a manutenção ou não do seu pedido de aposentação” – cf. documento de fls. 24/25 dos autos em suporte físico, e documentos de fls. 8 a 25 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora.

11. Nessa data, a autora B……………. tinha 55 anos de idade e 30 anos de serviço;

12. Por ofício datado de 27.10.2014, os serviços da entidade demandada notificaram a autora B…………. da proposta de indeferimento do seu pedido de aposentação, constando do referido ofício, de referência EAC232AN.883024/00, o seguinte: “A partir de 2013-01-01 cessou a vigência do regime especial transitório ao abrigo do DL nº 229/2005, não podendo, assim, aposentar-se com fundamento naquela disposição legal” – cf. documento de fls. 26 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

13. Ao que a referida autora respondeu mediante requerimento escrito – cf. documento de fls. 29 e ss. do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

14. Já por ofício de 22.10.2015, a autora B………….. foi notificada para se pronunciar sobre o valor previsível da pensão de aposentação e para dizer se pretendia desistir ou não da aposentação – cf. documentos de fls. 25 (frente) dos autos em suporte físico, e de fls. 94 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

15. Ao que a mesma autora respondeu, por requerimento escrito, manifestando manter a intenção de se aposentar nas condições por si indicadas, e discordando designadamente da percentagem de redução indicada – cf. documento de fls. 95 a 101 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

16. Em 17.11.2015, foi proferido despacho pelos diretores da entidade demandada, aposto sobre prévia informação que procedeu ao cálculo do montante da pensão, e que reconheceu à autora o direito à aposentação, fixando-lhe o respetivo montante, assumindo como idade para a aposentação 59 anos e 6 meses de idade e 30 anos de serviço – cf. documento de fls. 102 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

17. Ulteriormente, a autora B…………. foi notificada do valor definitivo da pensão, por ofício datado de 17.11.2015, de referência EAC232AN.883024/00, do seguinte teor:

“(…)

Informo V. Exa. de que, ao abrigo do artigo 97º do Estatuto da Aposentação – Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro, lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2015-11-17, da Direcção da CGA (proferido por delegação de poderes publicada no Diário da República II Série, nº 192 de 2013-10-04), tendo sido considerada a situação existente em 2015-11-17, nos termos do artigo 43º daquele Estatuto, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 238/2009, de 16 de setembro. O valor da pensão para o ano de 2015 é de € 1 048,40 e foi calculado, nos termos do artigo 5º, nºs 1 a 3, da Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei nº 52/2007 e com a redação dada pelo artigo 30º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, com base nos seguintes elementos:

P1 (Parcela da pensão com tempo de serviço até 2005-12-31): P2 (parcela da pensão com tempo decorrido após 2006-01-01):

Tempo efetivo: 23a02m Tempo efetivo: 09a10m

Anos civis considerados: 10a

Tempo Total: 23a02m Taxa Anual de formação: 2,00%

Ano 2015 2005

Remuneração base: € 1 716,40 € 1 490,65 Remunerações de referência: € 1 819,42

Outras remunerações base: € 0,00 € 0,00

Outras rem. Art.º 47º nº 1 al. b): € 139,04 € 127,16

Remuneração Total: € 1 623,14 (1) € 1 519,58 (2)

Rem. Considerada (Lim. 12xIAS): € 1 519,58

Fator Sustentabilidade (FS): 0,9522

Montante de P1: € 741,76 Montante de P2: € 306,64

Pensão em 2015: € 1 804,40 (3)

(1) Na remuneração considerada foi aplicado o fator de redução de 0,02800 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 90,00%.

(2) Na remuneração de 2005 foi aplicado o fator de revalorização de 1,1741 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 80,00%.

(3) O montante da pensão foi reduzido em 4,78%, por aplicação do Fator de Sustentabilidade para o ano de 2013.

A pensão global encontra-se reduzida da percentagem de 11,50%, calculada nos termos do nº 1 do art.º 29º da Lei 3-B/2010.

(…)”; Cf. documento de fls. 25 (verso) e 26 (frente) dos autos em suporte físico, e de fls. 106/107 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

18. A autora C…………, em 27.12.2012, apresentou requerimento tendo em vista obter a aposentação antecipada, e, por requerimento escrito datado de 05.04.2013, dirigido ao Diretor da entidade demandada solicitou o seguinte: “(…) que antes de ser proferido o meu despacho de deferimento da minha pensão, me seja comunicado o valor da referida pensão, para que possa avaliar o impacto financeiro que a mesma me irá produzir no meu dia a dia” – cf. documento de fls. 2 a 15 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

19. E por requerimento escrito datado de 18.12.2013, dirigido ao diretor da Caixa Geral de Aposentações, a autora C………….. solicitou o seguinte: “Nestes termos, solicita a V. Exª se digne confirmar, antes da prolação de qualquer despacho sobre o seu pedido, se é o regime constante do citado DL nº 229/2005 de 29 de dezembro, que lhe vai ser aplicado, para que o(a) ora requerente decida sobre a manutenção ou não do seu pedido de aposentação” – cf. documento de fls. 25 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

20. Por ofício datado de 23.06.2014, os serviços da entidade demandada notificaram a autora C…………. da proposta de indeferimento do seu pedido de aposentação, constando do referido ofício, de referência EAC232SS.864565/00, o seguinte:

“(…)

Nos termos do nº 1 do artº 37º-A, do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei 3-B/2010, de 28/2, as pensões antecipadas só podem ser deferidas desde que o subscritor reúna, pelo menos, 55 anos de idade e que, à data em que perfaçam esta idade, tenham completado, pelo menos, 30 anos de serviço.

Ora, não tendo usado a prerrogativa inserta nos nºs 4 e 5 do art.º 39º do referido Estatuto, na redacção dada pelo citado D.L. 238/2009, constata-se que à data da entrada do requerimento (2012/12/27), não reunia o requisito da idade – 55 anos – não satisfazendo, portanto, o requisito legal exigido.

Registe-se, ainda, que a partir de 2013-01-01 cessou a vigência do regime especial transitório ao abrigo do DL nº 229/2005” - cf. documento de fls. 30 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

21. Ao que a referida autora respondeu mediante requerimento escrito, no qual afirma que perfez a idade de 55 anos em Abril de 2013, bem como que o requerimento apenas foi apreciado em Junho de 2014, pelo que nessa data o requisito da idade já estava preenchido – cf. documento de fls. 35 a 39 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

22. Em 25.07.2014, os diretores da entidade demandada proferiram despacho no sentido de ser indeferido o requerimento de aposentação da autora C…………, o qual foi aposto sobre informação do seguinte teor:

“(…)

Nos termos do nº 1 do artº 37º-A, do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei 3-B/2010, de 28/2, as pensões antecipadas só podem ser deferidas desde que o subscritor reúna, pelo menos, 55 anos de idade e que, à data em que perfaçam esta idade, tenham completado, pelo menos, 30 anos de serviço.

Ora, não tendo usado a prerrogativa inserta nos nºs 4 e 5 do art.º 39º do referido Estatuto, na redacção dada pelo citado D.L. 238/2009, constata-se que à data da entrada do requerimento (2012/12/27), não reunia o requisito da idade – 55 anos – não satisfazendo, portanto, o requisito legal exigido.

Registe-se, ainda, que a partir de 2013-01-01 cessou a vigência do regime especial transitório ao abrigo do DL nº 229/2005”;

A carta enviada pela subscritora em nada altera os motivos de indeferimento comunicado por esta Caixa, em 2014/06/23. (…)”; cf. documento de fls. 40 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

23. Tendo a autora C…………… sido notificada por ofício de 25.07.2014, de referência EAC232SS.864565/00 – cf. documento de fls. 44 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

24. Sucede que, no seguimento de informação datada de 12.08.2015, a própria entidade demandada decidiu proceder à reapreciação do requerimento de aposentação apresentado pela autora C………., o que lhe foi comunicado por ofício de 13.08.2015, de referência AAC6 CR 864565.00 – cf. documentos de fls. 116 a 118 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

25. A autora C……….. respondeu a este ofício, por requerimento escrito datado de 24.08.2015 – cf. documento de fls. 120 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

26. Já por ofício de 06.10.2015, dirigido à Direção-Geral da Administração da Justiça, a autora C………….. foi notificada para se pronunciar sobre o valor previsível da pensão de aposentação e para dizer se pretendia desistir ou não da aposentação, indicando uma percentagem de penalização a aplicar de 12,00%, e o valor ilíquido da pensão de 1.143,62€ mensais – cf. documentos de fls. 27 dos autos em suporte físico, e de fls. 127 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

27. Em 20.11.2015, foi proferido despacho pelos diretores da entidade demandada, aposto sobre prévia informação que procedeu ao cálculo do montante da pensão, e que reconheceu à autora o direito à aposentação, fixando-lhe o respetivo montante, assumindo como idade para a aposentação 59 anos e 6 meses de idade e 30 anos de serviço – cf. documento de fls. 129 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

28. Ulteriormente, a autora C………. foi notificada do valor definitivo da pensão, por ofício datado de 20.11.2015, de referência EAC232BF.864565/00, do seguinte teor:

“(…)

Informo V. Exa. de que, ao abrigo do artigo 97º do Estatuto da Aposentação – Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro, lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2015-11-20, da Direção da CGA (proferido por delegação de poderes publicada no Diário da República II Série, nº 192 de 2013-10-04), tendo sido considerada a situação existente em 2015-11-20, nos termos do artigo 43º daquele Estatuto, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 238/2009, de 16 de setembro. O valor da pensão para o ano de 2015 é de € 1 152,54 e foi calculado, nos termos do artigo 5º, nºs 1 a 3, da Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007 e com a redação dada pelo artigo 30º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, com base nos seguintes elementos:

P1 (Parcela da pensão com tempo de serviço até 2005-12-31): P2 (parcela da pensão com tempo decorrido após 2006-01-01):

Tempo efetivo: 23a08m Tempo efetivo: 09a10m

Anos civis considerados: 10a

Tempo Total: 23a08m Taxa Anual de formação: 2,00%

Ano 2015 2005

Remuneração base: € 1 853,71 € 1 617,52 Remunerações de referência: € 1 948,86

Outras remunerações base: € 0,00 € 0,00

Outras rem. Art.º 47º nº 1 al. b): € 147,51 € 141,88

Remuneração Total: € 1 750,56 (1) € 1 652,57 (2)

Rem. Considerada (Lim. 12xIAS): € 1 652,57

Fator Sustentabilidade (FS): 0,9522

Montante de P1: € 824,08 Montante de P2: € 328,46

Pensão em 2015: € 1 152,54 (3)

(4) Na remuneração considerada foi aplicado o fator de redução de 0,02806 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 90,00%.

(5) Na remuneração de 2005 foi aplicado o fator de revalorização de 1,1741 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 80,00%.

(6) O montante da pensão foi reduzido em 4,78%, por aplicação do Fator de Sustentabilidade para o ano de 2013.

A pensão global encontra-se reduzida da percentagem de 11,50%, calculada nos termos do n.º 1 do art.º 29º da Lei 3-B/2010. m(…)”; cf. documento de fls. 28 dos autos em suporte físico, e de fls. 133 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

29. Em 30.12.2013, o autor D……….. apresentou requerimento tendo em vista obter a aposentação antecipada, tendo remetido ainda ao diretor da entidade demandada requerimento escrito em que solicitava o seguinte: “Nestes termos solicita a V. Exª se digne confirmar, antes da prolação de qualquer despacho sobre o seu pedido, se é o regime constante do citado DL nº 229/2005 de 29 de dezembro, que lhe vai ser aplicado, para que o(a) ora requerente decida sobre a manutenção ou não do seu pedido de aposentação” – cf. documentos de fls. 29 (verso) e 30 (frente) dos autos em suporte físico, e documentos de fls. 1 a 36 do processo administrativo apenso aos autos, relativo ao autor;

30. Nessa data, o autor D……….. tinha 56 anos de idade e 34 anos de serviço;

31. Por ofício datado de 27.10.2014, de referência EAC232LR.823622, os serviços da entidade demandada notificaram o autor D……….. da intenção de indeferir o requerimento de aposentação, aí se dizendo: “A partir de 2013-01-01 cessou a vigência do regime especial transitório ao abrigo do DL nº 229/2005, não podendo, assim, aposentar-se com fundamento naquela disposição legal” – cf. documento de fls. 30 (verso) dos autos em suporte físico e de fls. 38 do processo administrativo apenso aos autos, relativo ao autor;

32. O autor D………….. pronunciou-se sobre esta intenção de indeferimento por requerimento escrito – cf. documento de fls. 31/32 dos autos em suporte físico e de fls. 41/42 do processo administrativo apenso aos autos, relativo ao autor;

33. Entretanto, por ofício de 22.09.2015, de referência EAC232LR823622, dirigido à Direção-Geral de Administração da Justiça, o autor D…………… foi notificado do valor previsível da pensão, fazendo aí constar a percentagem de redução a aplicar de € 8,50% e o valor ilíquido de 1.429,85€ – cf. documento de fls. 33 dos autos em suporte físico, e de fls. 46 do processo administrativo apenso aos autos, relativo ao autor;

34. O autor D………….. respondeu a este ofício, mediante requerimento escrito apresentado em 06.10.2015, declarando não concordar com a percentagem de penalização aplicada, bem como que devia ser aplicado o regime vigente à data em que apresentou o requerimento de aposentação – cf. documentos de fls. 34 a 36 (frente) dos autos em suporte físico, e de fls. 47/48 do processo administrativo apenso aos autos, relativo ao autor;

35. Os serviços da entidade demandada responderam a este requerimento escritos, por ofício de 20.10.2015, de referência UAC232LR823622, no qual manifestam o seu entendimento de que se aplica o regime em vigor à data do despacho que reconhece o direito à aposentação – cf. documento de fls. 49 do processo administrativo apenso aos autos, relativo ao autor;

36. Ao que o autor D………… voltou a responder, mediante novo requerimento escrito – cf. documento de fls. 37 a 41 dos autos em suporte físico, e de fls. 52/58 do processo administrativo apenso aos autos, relativo ao autor;

37. Em 23.11.2015, foi proferido despacho pelos diretores da entidade demandada, aposto sobre prévia informação que procedeu ao cálculo do montante da pensão, e que reconheceu ao autor D……….. o direito à aposentação, fixando-lhe o respetivo montante, assumindo como idade para a aposentação 59 anos e 6 meses de idade – cf. documento de fls. 57 do processo administrativo apenso aos autos, relativo ao autor;

38. Ulteriormente, o autor D………….. foi notificado do valor definitivo da pensão, por ofício datado de 23.11.2015, de referência EAC232LR.823622/00, do seguinte teor:

“(…)

Informo V. Exa. de que, ao abrigo do artigo 97º do Estatuto da Aposentação – Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro, lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2015-11-23, da Direção da CGA (proferido por delegação de poderes publicada no Diário da República II Série, nº 192 de 2013-10-04), tendo sido considerada a situação existente em 2015-11-23, nos termos do artigo 43º daquele Estatuto, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 238/2009, de 16 de setembro. O valor da pensão para o ano de 2015 é de € 1 441,96 e foi calculado, nos termos do artigo 5º, nºs 1 a 3, da Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei nº 52/2007 e com a redação dada pelo artigo 30º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, com base nos seguintes elementos:

P1 (Parcela da pensão com tempo de serviço até 2005-12-31): P2 (parcela da pensão com tempo decorrido após 2006-01-01):

Tempo efetivo: 26a04m Tempo efetivo: 09a10m

Anos civis considerados: 10a

Tempo Total: 26a04m Taxa Anual de formação: 2,00%

Ano 2015 2005

Remuneração base: € 2 059,68 € 1 807,81 Remunerações de referência: € 2 156,12

Outras remunerações base: € 0,00 € 0,00

Outras rem. Art.º 47º nº 1 al. b): € 171,25 € 157,01

Remuneração Total: € 1 930,83 (1) € 1 845,52 (2)

Rem. Considerada (Lim. 12xIAS): € 1 845,52

Fator Sustentabilidade (FS): 0,9522

Montante de P1: € 1 064,20 Montante de P2: € 377,76

Pensão em 2015: € 1 441,96 (3)

(4) Na remuneração considerada foi aplicado o fator de redução de 0,03835 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 90,00%.

(5) Na remuneração de 2005 foi aplicado o fator de revalorização de 1,1741 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 80,00%.

(6) O montante da pensão foi reduzido em 4,78%, por aplicação do Fator de Sustentabilidade para o ano de 2013.

A pensão global encontra-se reduzida da percentagem de 8,00%, calculada nos termos do nº 1 do artº 29º da Lei 3-B/2010. (…)”; - cf. documento de fls. 41 (verso) e 42 (frente) dos autos em suporte físico, e de fls. 61/62 do processo administrativo apenso aos autos, relativo ao autor».


*

2.2. O DIREITO

Como supra já se enunciou, na presente acção administrativa importa saber e decidir se devem ser anulados os actos que fixaram o montante da pensão dos autores, designadamente, pela aplicação (i)legal da fórmula de cálculo que resultou da Lei nº 11/2014 de 06.03, bem como, se deve ser desaplicada a norma do artº 43º do Estatuto da Aposentação, com fundamento na sua inconstitucionalidade.

Alegam os autores que, aquando da apresentação dos seus requerimentos de aposentação antecipada (Dezembro de 2013, excepto quanto à autora C…………, que apresentou o requerimento em Dezembro de 2012), vigorava o DL nº 229/2005 de 29.12 e que os serviços da CGA procederam ao cálculo das suas pensões de acordo com as regras legais vigentes à data do despacho que lhes reconheceu o direito à aposentação e não, como entendem que deveriam ter sido, de acordo com as regras vigentes à data dos respectivos requerimentos de aposentação voluntária.

E que, afirmam, esta aplicação feita das normas pela entidade demandada faz toda a diferença, porque as regras da Lei nº 11/2014 de 06.03 – aplicadas pelos serviços da CGA – resultam em seu prejuízo, relativamente às regras do DL nº 229/2005 de 29/12 – que pretendem ver aplicadas.

Mais alegam que os serviços da CGA seguiram a determinação constante no artº 43º, nº 1 do Estatuto da Aposentação – EA aprovado pelo DL nº 498/72 de 09.12, na redacção dada pelo artº 79º da Lei nº 66-B/2012 de 31.12 – mas o tribunal deverá recusar a aplicação desta norma por ser inconstitucional.

Contrapõe a Caixa Geral de Aposentações, referindo que nos cálculos das respectivas pensões, aplicou o regime que foi entretanto introduzido pela Lei nº 11/2014 de 06.03, ou seja, aplicou o regime em vigor à data do despacho que reconheceu o direito à aposentação, seguindo o disposto no artº 43º do Estatuto da Aposentação (DL nº 498/72 de 09.12 – EA).

O Tribunal de 1ª instância concedeu provimento à acção, tendo decidido: a) Recusada a aplicação, no caso dos autos, do disposto no artº 43º, nº 1, do Estatuto da Aposentação, DL 498/72, de 09/12, na redacção que lhe foi dada pela Lei 66-B/2012, de 31/12, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios da segurança jurídica e da igualdade; b) Julgada a acção administrativa procedente e, em consequência, anulados os despachos impugnados, e condenada a entidade demandada a proceder a novo cálculo das pensões dos autores, tendo por base o regime legal vigente à data da apresentação dos respetivos requerimentos de aposentação.

Interposto recurso de apelação desta decisão, pela CGA, para o TCA Norte, o mesmo negou provimento ao recurso, confirmando a sentença de 1ª instância.

Na presente revista, a CGA convoca o erro de julgamento de direito ao acórdão recorrido, continuando a defender que o artº 43º, nº 1 do EA [na redacção dada pelo artº 79º da Lei nº 66-B/2012 de 31.12] não é inconstitucional e que os actos impugnados aplicaram de forma correcta as regras que se impunham.

Vejamos, sendo que, a nossa tarefa se mostra facilitada pela jurisprudência que tem surgido por parte do Tribunal Constitucional, relativamente a esta matéria – cfr. Acórdãos do TC nº 195/2017 de 26.03.2017, nº 716/2018 de 27.02.2019 e mais recentemente, o nº 134/2019 de 01.03.2019.

O Acórdão do TC nº 134/2019, proferido no âmbito do processo nº 716/18, publicado no DR, 1ª série, nº 66, de 03.04.2019, supra referido, decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do segmento do artigo 43º, nº 1, do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei nº 66 -B/2012, de 31 de dezembro, que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação, com fundamento nos artigos 2.º e 13.º da Constituição.

E fê-lo consignado a seguinte argumentação:

«9 — A diversidade entre a norma apreciada no Acórdão n.º 186/2009 e a que constitui o objeto do presente processo prende -se com o critério de determinação da lei aplicável ao cálculo da pensão: num caso, o momento em que é proferido o despacho que reconhece o direito à aposentação; no outro, o momento em que o processo de aposentação é enviado à CGA. Em ambos os casos, porém, coloca-se a questão de saber se é constitucionalmente admissível um critério de determinação do regime aplicável que desconsidere a salvaguarda dos direitos adquiridos em matéria de cálculo da pensão.

Com efeito, o artigo 43.º, n.º 1, do EA, na parte aqui em apreciação, aparentando ser uma norma de direito transitório formal neutra, determina a aplicação da lei nova a situações jurídicas já constituídas, nomeadamente o direito à fixação da pensão de acordo com a lei vigente no momento em que é apresentado o pedido de aposentação, caso o interessado reúna já nesse momento todos os requisitos legais para a aposentação. Tal direito integra a sua esfera jurídica com a natureza jurídica de verdadeiro direito subjectivo e, quanto ao mesmo, o reconhecimento do direito à aposentação possui uma eficácia declarativa. Isso mesmo decorre da alínea a) do n.º 2 do artigo 66.º das Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, estabelecidas pela Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 83 -A/2013, de 30 de dezembro, quando define «direitos adquiridos», por contraposição a «direitos em formação», como aqueles que «já se encontram reconhecidos ou possam sê-lo por se encontrarem reunidos todos os requisitos legais necessários ao seu reconhecimento.» (v. os Acórdãos nºs 187/2013 e 862/2013). Ou seja, desde que se verifiquem os pressupostos legais da aposentação voluntária, incluindo o respetivo pedido, o conteúdo da situação jurídica de aposentado encontra-se fixado ope legis, passando a gozar a partir desse momento da tutela própria dos direitos adquiridos. Isto sem prejuízo das faculdades previstas nos nºs 4, 5 e 6 do artigo 39.º do EA e, bem assim, do dever de a CGA considerar a situação do requerente à data em que é proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação (artigo 43.º, nº 1).

O principal fundamento invocado pelo Tribunal para a declaração de inconstitucionalidade da norma apreciada no Acórdão n.º 186/2009 foi o princípio da proteção da confiança, que respeita a expectativas quanto à continuidade e estabilidade da ordem jurídica e à permanência e regularidade das situações e relações jurídicas constituídas.

A jurisprudência constitucional densificou-o através da definição dos respetivos pressupostos essenciais (Acórdão n.º 287/90) e da tradução destes numa sequência de requisitos ou testes (Acórdão n.º 128/2009). A síntese dessa jurisprudência, regularmente reiterada nas decisões que aferem da violação do princípio da proteção da confiança, encontra -se nas seguintes palavras do Acórdão n.º 128/2009:

«Para que [a confiança] seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:

a) A afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda

b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).

Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou ‘testes’. Para que haja lugar à tutela jurídico -constitucional da ‘confiança’ é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados ‘expectativas’ de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do ‘comportamento’ estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.»

Os três primeiros requisitos respeitam a uma situação de confiança imputável ao legislador e prima facie merecedora de tutela constitucional. Todos se encontram satisfeitos no caso vertente.

Em primeiro lugar, presume-se que o comportamento legislativo tenha gerado nos destinatários expectativas de continuidade. Com efeito, ao estabelecer os pressupostos da aposentação voluntária e fazer depender a sua efectivação de requerimento do interessado (artigo 39º, nº 1, do EA), o legislador fomenta nos destinatários a expectativa na aplicabilidade do regime determinável na data da apresentação do requerimento, e que não pode deixar de ser o que se extrai da legislação em vigor nesse momento. Como se afirmou no Acórdão n.º 130/2018:

«[Q]uando o cidadão requer a aposentação, no exercício do seu direito, naturalmente deverá conhecer quais serão as regras jurídicas que são aplicáveis à sua pensão. Só dessa forma pode prever em consciência as consequências jurídicas do seu ato — a ordem jurídica não lhe pode exigir a tomada desta decisão, tão importante para a sua vida futura, sem que exista ao menos a possibilidade de conhecer esse regime. No limite, o requerente confiará na aplicação do regime jurídico que se encontra em vigor, pois só esse é o conhecido e só ele pode ser tido em conta por si como fator determinante para a manifestação da sua vontade aquando da apresentação do requerimento.»

Em segundo lugar, não pode duvidar-se da legitimidade da expectativa do interessado em que se lhe aplique o regime que se extrai da legislação vigente no momento em que decide aposentar-se. O despacho da CGA que reconhece o direito à aposentação, como resulta da própria nomenclatura, limita-se a reconhecer uma situação jurídica subjetiva já existente, retirando da mesma todas as consequências em termos estatutários.

Em terceiro lugar, é natural que o requerente, exercendo o direito a aposentar-se, invista na confiança gerada pelo comportamento legislativo. A aposentação é uma decisão estruturante na vida de um cidadão, como o são a generalidade dos cidadãos, para o qual o trabalho remunerado é o principal fator de ocupação e fonte de rendimento no decurso da vida adulta. A hipótese da aposentação voluntária obriga-o a ponderar inúmeras vantagens e inconvenientes, materiais e intangíveis, e a planear a sua vida futura com base nessa ponderação. Acresce que a aposentação é irreversível, o que indicia um grau máximo de investimento na estabilidade das respetivas consequências jurídicas.

10 — Verificada uma situação de confiança imputável ao legislador, resta determinar se a frustração das expectativas legítimas dos requerentes na aplicabilidade do regime que se extrai da legislação vigente na data da apresentação do requerimento — ou, no caso previsto no artigo 39º, nº 4, do EA, na data em que se reúnam todos os requisitos da aposentação — se pode justificar por razões de interesse público ou por outras considerações constitucionais relevantes.

Trata -se de um juízo de proporcionalidade, em que se pondera a gravidade do sacrifício da confiança e o peso das razões desse sacrifício.

A lesão da confiança imputável ao legislador é de intensidade máxima. Como se escreveu no Acórdão n.º 195/2017:

«Por um lado, ao cindir o momento do exercício do direito à aposentação voluntária do momento determinante para efeitos de fixação do regime aplicável, a norma sindicada estabelece uma situação de incerteza sobre as consequências da decisão de o funcionário se aposentar, expondo-o à álea do devir legislativo em matéria de cálculo das pensões de aposentação. É certo que, nos termos do n.º 6 do artigo 39.º do EA, o requerente pode desistir do pedido de aposentação até à data em que seja proferido o despacho a reconhecer o respetivo direito, pelo que a sua decisão não é irreversível; mas nem essa reversibilidade neutraliza os efeitos negativos da incerteza, na medida em que esta persiste no momento em que é exercido o direito, nem ela é inteiramente controlável pelo requerente, porque a sua efetividade está condicionada pela álea administrativa do momento da prolação do despacho. Em suma, no momento em que decide aposentar-se, o funcionário não sabe com o que pode contar, nem mesmo sabe se é do seu interesse aposentar-se.

Por outro lado, ao fixar o regime aplicável à aposentação com base na lei em vigor, não no momento do requerimento, mas no momento em que é proferido o despacho, o Estado não apenas subtrai ao interessado o domínio sobre uma matéria com vastas implicações na sua vida, como se reserva a faculdade de, através da decisão discricionária quanto ao momento da prolação do despacho, assumir ele próprio controlo integral sobre a situação em benefício próprio. É imaginável, por exemplo, que, estando em preparação legislação destinada a alterar as fórmulas de cálculo das pensões de aposentação em sentido desfavorável aos interessados, e implicando semelhante alteração uma poupança significativa de recursos públicos, sejam dadas instruções para que os processos pendentes não sejam despachados até à entrada em vigor do novo regime. Semelhante possibilidade de manipulação, ainda que meramente teórica, constitui um fator adicional de insegurança para os destinatários, porque à imprevisibilidade das consequências das suas decisões soma-se o risco de o Estado poder intervir ad nutum, e no seu próprio interesse, no sentido de precipitar um cenário desfavorável.

Ao reservar-se tal faculdade arbitrária, pois, o Estado inspira a desconfiança dos cidadãos na sua integridade, agravando a insegurança jurídica.»

Este sacrifício grave da confiança legítima não pode ser justificado pelo interesse público resumivelmente subjacente à solução consagrada no segmento do nº 1 do artigo 43.º do EA escrutinado nos presentes autos, pelas razões aduzidas no Acórdão nº 130/2018:

«O Acórdão nº 158/2008, ponto 2.2, refere uma justificação possível para a norma: ‘Como anota António José Simões de Oliveira (Estatuto da Aposentação Anotado e Comentado, Coimbra, 1973, p. 119), esta norma — tendo por pressuposto a conveniência de uma verificação administrativa do direito de requerer a aposentação — visou acautelar as situações em que entre a data do requerimento e a da resolução do processo de aposentação decorra largo tempo, no decurso do qual o funcionário, em princípio, se manteve ao serviço, com mais tempo aproveitável para a aposentação e eventual superveniência de outras alterações relevantes, designadamente ao nível remuneratório, sendo manifestamente injusto, em tal quadro, calcular a pensão à data do requerimento [No sentido da inconstitucionalidade da referida norma se interpretada no sentido de aplicar alterações de regime desfavoráveis ao interessado surgidas após a data do requerimento — questão que não está em causa no presente recurso — cf. José Cândido de Pinho, Estatuto da Aposentação, Coimbra, 2003, p. 161]’ (Acórdão 158/2008, 2.ª Secção, ponto 2.2). No entanto, se o interesse público prosseguido for o de permitir a contagem do tempo de serviço entretanto decorrido, a questão escapa à presente análise, por esta apenas dizer respeito à determinação do regime legal aplicável a determinado pedido de aposentação e não à situação de facto a ser tida em conta. Se o interesse público justificativo for a possibilidade de aplicação de regime legal superveniente mais favorável ao requerente, então no caso presente tal não poderá prevalecer, pois da aplicação da norma em causa resulta uma situação mais lesiva para o cidadão.

Um outro interesse público que pode ser identificado é o da sustentabilidade do sistema de aposentações. De facto, pode ser argumentado que existe um interesse geral em que uma determinada alteração ao regime de pensões, fundada na garantia da sua sustentabilidade, vigore de forma mais abrangente possível. Esta é uma área em que deve ser assegurada uma grande margem de discricionariedade para o legislador, como o Tribunal Constitucional tem admitido.

No entanto, o sacrifício que é imposto ao cidadão por esta norma, mesmo à luz deste interesse público, revela-se excessivo. Ao requerer a aposentação, no momento em que está a exercer esse seu direito, o requerente não tem forma de antecipar, com o mínimo de certeza, qual o regime que lhe será aplicável — se o que se encontra em vigor, se um qualquer outro. Trata-se de uma situação de absoluta dependência da discricionariedade administrativa quanto ao momento em que o despacho de reconhecimento é proferido [...]»

Resta, assim, concluir que a norma do segmento nº 1 do artigo 43.º do EA que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação viola o princípio da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2º da Constituição.

11 — Nas decisões em que se baseia o pedido de generalização que deu origem aos presentes autos, o Tribunal entendeu ainda que a norma sindicada viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, nº 1, da Constituição.

O Acórdão nº 195/2017 fundamenta tal juízo da seguinte forma:

«Sobre o alcance do princípio geral da igualdade enquanto norma de controlo judicial do poder legislativo, escreveu -se no Acórdão nº 409/99: ‘O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz -se numa ideia geral de proibição do arbítrio.’

A questão que se coloca, pois, é a de saber se a norma sindicada, ao permitir que sejam tratados de modo diferente — ou seja, sujeitos a regimes diversos de cálculo da pensão de aposentação — requerentes contemporâneos, estabelece entre eles uma distinção arbitrária, porque destituída de qualquer fundamento racional. Para responder a tal questão, é indispensável que se determine qual o ponto de vista ou termo de comparação entre os sujeitos a tratamento diferenciado pela norma sindicada.

Segundo o Acórdão nº 580/99, o tertium comparationis é o momento do reconhecimento do direito à aposentação, pelo que nada há a censurar no tratamento diferenciado de requerentes contemporâneos cujo processo foi despachado no domínio da vigência de leis diferentes.

“O argumento segundo o qual a igualdade seria violada pela possibilidade de requerentes contemporâneos, em situações idênticas, obterem despacho de reconhecimento do direito à pensão em datas diferentes [...] não procede, porque a referida data do requerimento não constitui o momento pelo qual seja aferível a igualdade de posições perante a lei dos titulares do direito. O momento do reconhecimento do direito, esse sim, é o ponto de referência pelo qual a igualdade deve ser plenamente aferida.”

Todavia, dizer que o momento de reconhecimento do direito é o termo de comparação relevante equivale a dizer que, para determinar se a diferenciação legal é arbitrária, releva o próprio critério legal de diferenciação. A seguir semelhante entendimento, a proibição do arbítrio não teria qualquer conteúdo útil enquanto norma de controlo; e, na verdade, tal ponto de vista reflecte uma confusão entre o critério legal de diferenciação, com base no qual se delimita a classe dos destinatários da lei, e o fundamento racional para tal critério, o qual se encontra na ratio ou finalidade por aquela servida. Uma distinção legal é racional se for ditada pela própria finalidade da lei; atente -se na distinção entre automóveis ligeiros e pesados no regime que estabelece os limites de velocidade na circulação rodoviária. E será arbitrária se não tiver qualquer relação, ou uma relação comensurável, com a ratio legis, como seria o caso se a lei estabelecesse limites de velocidade diversos consoante a proveniência geográfica do construtor do automóvel. Chega-se a estas conclusões, como é bom de ver, através da determinação, ainda que implícita, de um termo de comparação entre as pessoas ou situações diferenciadas pela lei; no caso dos limites de velocidade, cuja finalidade é mitigar o risco de acidentes e dos danos emergentes da sua ocorrência, o tertium comparationis são as propriedades dos veículos que os tornam mais ou menos perigosos e mais ou menos aptos a provocar danos em caso de acidente — contando-se entre tais propriedades a massa do veículo, mas não a origem do seu construtor.

Ora, na fixação do regime aplicável à aposentação voluntária, releva seguramente o momento em que o direito à aposentação é exercido. Nenhuma arbitrariedade há no facto de dois funcionários, com carreiras contributivas idênticas, que se aposentam no domínio da vigência de leis diversas, estarem sujeitos a regimes diferentes; assim é porque essa desigualdade diacrónica de tratamento é o resultado natural do exercício da liberdade constitutiva do legislador, do seu poder de conformação política ou da autorrevisibilidade das suas opções, cujo fundamento constitucional é o princípio democrático ao qual se reconduz a sua autoridade. Quanto a este aspeto, as razões aduzidas no Acórdão nº 580/99 merecem plena adesão:

‘[I]mporta ter presente que o legislador tem uma ampla liberdade no que respeita à alteração do quadro normativo vigente num dado momento histórico. Na verdade, o legislador, de acordo com opções de política legislativa tomadas dentro de uma ampla zona de autonomia, pode proceder às alterações da lei que se lhe afigurarem mais adequadas e razoáveis, tendo presente, naturalmente, os interesses em causa e os valores ínsitos na ordem jurídica.

Uma alteração legislativa para operar, consequentemente, uma modificação do tratamento normativo conferido a uma dada categoria de situações. Com efeito, as situações abrangidas pelo regime revogado são objecto de uma valoração diferente daquela que incidirá sobre as situações às quais se aplica a lei nova. Nesse sentido, haverá situações substancialmente iguais que terão soluções diferentes.

Contudo, não se pode falar neste tipo de casos de uma diferenciação verdadeiramente incompatível com a Constituição. A diferença de tratamento decorre, como resulta do que se disse, da possibilidade que o legislador tem de modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção de conferir um diferente tratamento legal à categoria de situações em causa é afinal a razão de ser da própria alteração legislativa.

O entendimento propugnado pela recorrente levaria à imutabilidade dos regimes legais, pois qualquer alteração geraria sempre uma desigualdade. Ora, tal posição não é reclamável pelo princípio da igualdade no quadro constitucional vigente.’

Porém, nada justifica que sejam tratados de modo diferente dois requerentes contemporâneos cujos processos são despachados no domínio da vigência de leis diversas. Nenhuma razão discernível se pode encontrar para semelhante distinção. Tratando-se de aposentação voluntária, as propriedades relevantes das situações são as carreiras contributivas dos requerentes e o momento do exercício do direito a aposentarem-se — nenhuma das quais tem qualquer relação com o momento em que é proferido o despacho da CGA [...]. A distinção legal é, pois, arbitrária.»

Reiteram -se estes argumentos e o juízo de inconstitucionalidade — fundado no princípio da igualdade — a que os mesmos conduziram.


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Ora, face a esta declaração de inconstitucionalidade que se impõe a todos os casos em que esteja em causa a aplicação desse segmento da referida norma, perde relevância a argumentação aduzida pela recorrida no âmbito do presente recurso de revista, designadamente, no que toca à utilização do critério clássico do Estatuto da Aposentação, ou mesmo as divergências jurisprudenciais que ocorreram ao longo do tempo; igualmente, é irrelevante que o pedido de aposentação apresentado pelos recorridos [dezembro de 2012 e 2013] tenha sido apresentado já depois da sua existência na ordem jurídica [desde 01.01.2013, data da entrada em vigor da Lei nº 66-B/2012 de 31.12 – cfr. artº 265º].

Com efeito, face a esta declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a argumentação em que se baseia a recorrente, no sentido de que, os recorridos na altura em que formularam os pedidos de aposentação, já sabiam qual a lei que lhes iria ser aplicada, que segundo alega, seria sempre a lei em vigor no momento em que fosse proferido o despacho a reconhecer-lhes esse direito, com o fito de demonstrar a inexistência de qualquer legítima expectativa, desaparece por completo, dado que se mostra indiferente a data em que os recorrentes formularam o pedido.

Tal significa que deverá ser aplicado aos pedidos de aposentação voluntária formulados pelos autores/ora recorridos em Dezembro de 2012 e 2013 [cumpre notar que quanto à autora C…………., apesar de se ter provado que apresentou o requerimento ainda em 2012 e que este veio a ser indeferido por não se encontrar preenchido o requisito da idade de acesso à aposentação – tudo como resulta do probatório – valem os mesmos pressupostos, uma vez que, a própria entidade demandada acabou por aceitar apreciar o mesmo requerimento em 2015] o regime de aposentação antecipada previsto no DL nº 229/2005 de 29.12, como requereram, pois estava em vigor nessa data, sendo ao abrigo de tal diploma que requereram a efectivação do seu direito à aposentação – neste sentido, cfr. ainda o Acórdão recentemente proferido neste Supremo Tribunal Administrativo em 27.06.2019, no âmbito do processo nº 355/16.

Impõe-se, desta forma, confirmar o acórdão recorrido.


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DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 11 de Julho de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relator) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.