Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0223/18
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:PENHORA
CONTA
BANCO
Sumário:A penhora da conta bancária não conduz a que o contribuinte incumpra com as suas obrigações fiscais ou outras no tocante a pagamentos e recebimentos decorrentes da sua actividade.
Nº Convencional:JSTA000P23086
Nº do Documento:SA2201803220223
Data de Entrada:03/02/2018
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A……………, LDA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF de Leiria) datada de 11 de Dezembro de 2017, que julgou improcedente a Reclamação da ordem de penhora de saldo, incluindo saldos futuros, de 22-08-2017, referente à conta bancária à ordem n.º ……………. da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, no montante de €5-466,18, ordenada pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria-2.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
A) - A douta sentença, de que ora se recorre, julgou improcedente a reclamação apresentada contra o ato (despacho) do órgão de execução fiscal, que determinou a penhora de saldo, incluindo saldos futuros, de conta bancária à ordem n.º ………….. da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, CRL - Balcão Colmeias, ordenada no âmbito da execução 3603201701051059 e apensos.
B) - Entendeu a Meritíssima Juiz do tribunal “a quo" que, no caso concreto, mesmo tendo sido considerado provado que a reclamante/recorrente não possui outra conta bancária afeta à atividade, não há norma legal que obste à penhora dos saldos daquela, isto é, nos artigos 736° e 373° do CPC não está prevista a impenhorabilidade absoluta ou relativa enquadrável no caso concreto.
C) - Todavia, o objeto da penhora não é a conta da executada/recorrente, mas sim o direito de crédito desta sobre a instituição de crédito, decorrente de um saldo positivo num depósito bancário.
D) - A ordem de penhora foi dada para o saldo atual e saldos futuros até perfazer o valor da quantia exequenda e demais acrescidos legais.
E) - No Ponto 8. do probatório foi considerado facto provado que “A conta identificada no número antecedente é a única conta que a Reclamante dispõe para exercer a sua actividade".
F) - Ao considerar-se aquele facto como provado, a douta sentença recorrida fez uma errónea aplicação do direito, incorrendo em erro de julgamento da matéria de direito.
G) - Uma vez que o art.º 63º-C, n.º 1 da LGT, aditado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, refere expressamente que "1 - Os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida."
H) - Assim, nos termos desta disposição legal, a reclamante/recorrente está sujeita de forma imperativa - e bem assim todas as pessoas com atividade empresarial - a possuir uma conta bancária, exclusivamente movimentada para pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida, existência de conta bancária que é condição imprescindível para a regular situação tributária do contribuinte perante a AT.
I) - Ora, estando a reclamante/recorrente impedida de movimentar a conta, pelo menos quanto a saída de valores (uma vez que a penhora foi ordenada também para saldos futuros) está impedida de, através da conta bancária afeta à atividade, efetuar pagamentos bancários a fornecedores e outros credores da atividade, nomeadamente o Estado.
J) - Como se conclui, por força da ordem de penhora contestada, não é possível à Reclamante obedecer àquela norma imperativa da LGT.
L) - Assim como não lhe é possível cumprir com as várias disposições legais impostas pela recente Lei n.º 92/2017 de 22/08/2017, relativa a obrigações de meios de pagamento específico em transações de determinado montante, seja a particulares, seja ao Estado.
M) - Desta forma, a ordem de penhora contestada, tal como foi ordenada, impõe à Reclamante uma de duas atitudes: ou interrompe a sua atividade com todas as consequentes inerências ou é forçada à adoção de comportamentos ilegais no que toca a pagamentos e recebimentos dos seus clientes e fornecedores.
N) - Ora, não é pelo facto de não haver norma específica relativa à impenhorabilidade dos saldos de conta bancária, que se pode concluir que a ordem de penhora é legal.
O) - De facto, a ordem de penhora em causa, na extensão em que foi ordenada, impõe a violação normas jurídico-tributárias e/ou impõe a paralisação da atividade da empresa face à impossibilidade de manter uma regular atividade financeira.
P) - Entende-se, portanto, que no caso concreto a situação "sub judice" é comparável à situação de inadmissibilidade de penhora por a utilização da conta bancária, que é a única afeta à atividade, ser uma imposição legal ao exercício da atividade, e como tal ser de interesse vital à prossecução da atividade da recorrente.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão recorrida, determinando-se a anulação do ato de penhora do saldo atual e futuros da conta bancária.


Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado pronunciou-se pela improcedência do recurso por entender que, “(…) Quanto à penhora de saldos bancários em execução fiscal é de aplicar o previsto no art. 223.° do C.P.P.T. e o disposto no C.P.C., nomeadamente, nos artigos 735.° e ss., em que se contêm as disposições consideradas na sentença recorrida.
Não resulta ilegalidade na penhora efetuada à recorrida, quer quanto a saldo existente quer quanto a saldos futuros, ainda que tal ocorra na conta bancária única da recorrida afeta à atividade empresarial.
Com efeito, o previsto no art.º 63.º-C n.º1 da L.G.T. as demais disposições legais que a recorrente invoca relaciona-se com a A.T. poder aceder a documentos da mesma em casos legalmente previstos.
E quanto à penhora de saldos futuros, sendo aplicável o procedimento especificamente previsto no art.º 223.º n.º 4 e 5 do C.P.P.T., não é também de invalidar a mesma."

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Em 16-03-2017 foi instaurado contra a Reclamante, no Serviço de Finanças de Leiria-2, o processo de execução fiscal n.º 3603201701051059, para cobrança de dívidas de IRS do ano de 2012, no valor de € 20.860,00;
2. Em 31-03-2017 foi instaurado contra a Reclamante, no Serviço de Finanças de Leiria - 2, o processo de execução fiscal n.º 3603201701062174, para cobrança de dívidas de IRS do ano de 2012, no valor de € 44.407,66;
3. Em 04-04-2017 foi instaurado contra a Reclamante, no Serviço de Finanças de Leiria - 2, o processo de execução fiscal n.º 3603201701064428, para cobrança de dívidas de IRS do ano de 2012, no valor de € 63.470,31;
4. Em 21-06-2017 a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Leira - 2 requerimento a solicitar a dispensa da prestação de garantia;
5. Em 25-07-2017, foi proferida decisão de indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia identificado no número antecedente;
6. Em 02-07-2017 a Reclamante apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças de Leiria - 2 a informar que deduziu reclamação graciosa contra a liquidação de IRS e juros compensatórios do período de 2012-02;
7. Em 22-08-2017 a Reclamante tomou conhecimento da ordem de penhora do saldo, incluindo de saldos futuros, da conta à ordem n.º ……….., da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, CRL - Balcão de Colmeias, no montante de € 5.468,18, ordenada pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leira-2;
8. A conta identificada no número antecedente é a única conta que a Reclamante dispõe para exercer a sua actividade;
9. A presente Reclamação foi apresentada no Serviço de Finanças de Leiria -2 em 28-08-2017, tendo dado entrada neste Tribunal em 15-09-2017.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Se bem se percebem as conclusões apresentadas pela recorrente a mesma coloca apenas uma questão, saber se a penhora dos saldos bancários presentes e futuros impede que a recorrente movimente a sua conta bancária.
Alega para tanto que ao considerar-se como provado o facto do Ponto 8. do probatório –“A conta identificada no número antecedente é a única conta que a Reclamante dispõe para exercer a sua actividade-, a douta sentença recorrida fez uma errónea aplicação do direito, incorrendo em erro de julgamento da matéria de direito.
O art.º 63º-C, n.º 1 da LGT, aditado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, refere expressamente que "1 - Os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida."
Assim, nos termos desta disposição legal, a reclamante/recorrente está sujeita de forma imperativa - e bem assim todas as pessoas com atividade empresarial - a possuir uma conta bancária, exclusivamente movimentada para pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida, existência de conta bancária que é condição imprescindível para a regular situação tributária do contribuinte perante a AT.
Ora, estando a reclamante/recorrente impedida de movimentar a conta, pelo menos quanto a saída de valores (uma vez que a penhora foi ordenada também para saldos futuros) está impedida de, através da conta bancária afeta à atividade, efetuar pagamentos bancários a fornecedores e outros credores da atividade, nomeadamente o Estado.
Como se conclui, por força da ordem de penhora contestada, não é possível à Reclamante obedecer àquela norma imperativa da LGT.
Assim como não lhe é possível cumprir com as várias disposições legais impostas pela recente Lei n.º 92/2017 de 22/08/2017, relativa a obrigações de meios de pagamento específico em transações de determinado montante, seja a particulares, seja ao Estado.
Desta forma, a ordem de penhora contestada, tal como foi ordenada, impõe à Reclamante uma de duas atitudes: ou interrompe a sua atividade com todas as consequentes inerências ou é forçada à adoção de comportamentos ilegais no que toca a pagamentos e recebimentos dos seus clientes e fornecedores.
Ora, não é pelo facto de não haver norma específica relativa à impenhorabilidade dos saldos de conta bancária, que se pode concluir que a ordem de penhora é legal.
De facto, a ordem de penhora em causa, na extensão em que foi ordenada, impõe a violação normas jurídico-tributárias e/ou impõe a paralisação da atividade da empresa face à impossibilidade de manter uma regular atividade financeira.
Entende-se, portanto, que no caso concreto a situação "sub judice" é comparável à situação de inadmissibilidade de penhora por a utilização da conta bancária, que é a única afeta à atividade, ser uma imposição legal ao exercício da atividade, e como tal ser de interesse vital à prossecução da atividade da recorrente.

Portanto, a questão que vem colocada passa por saber se a penhora dos saldos bancários presentes e futuros é idónea a impedir a recorrente de usar a sua conta bancária a crédito e a débito tal como lhe é imposto pelas regras fiscais.
E desde já se poderá dizer que não.
A recorrente pode continuar a utilizar a sua conta bancária a crédito e a débito, pode continuar a utilizá-la normalmente, porém, no que respeita às operações a débito tudo se passa como se o seu saldo fosse zero até ser cumprida a ordem de penhora.
Na verdade a operacionalidade da conta bancária não se encontra diminuída em si mesma para efeito dos preceitos fiscais invocados nas conclusões das alegações, e para efeito da realização de operações bancárias só se encontra diminuída no que toca às operações a débito, sendo certo que as operações a crédito continuam a processar-se com normalidade e aquelas que forem a débito só ficam diminuídas, caso a recorrente não tenha uma conta bancária com crédito a descoberto, até que o valor total a penhorar se mostre satisfeito.
Ou seja, a ordem de penhora não afecta a operacionalidade da conta bancária tal como exigida pelos preceitos fiscais invocados, pode afectar o regular cumprimento das obrigações civis, comerciais e fiscais da recorrente quando se trate de pagamentos, mas não contende com as exigências legais atinentes à própria existência da conta bancária, essas mantêm-se cumpridas e a recorrente continua a respeitar tais imposições legais.
Portanto, como a recorrente bem refere, as suas limitações à utilização da conta bancária são as mesmas que teria se não tivesse saldo positivo na conta e, assim sendo, improcede na totalidade a argumentação por si utilizada.

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
D.n.


Lisboa, 22 de Março de 2018. - Aragão Seia (relator) – Dulce Neto – Pedro Delgado.