Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:079/04.6BEMDL 0689/17
Data do Acordão:02/14/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:LICENCIAMENTO DE CONSTRUÇÃO
VIOLAÇÃO DO PLANO DIRECTOR MUNICIPAL
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - Para que se verifique a “situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna”, exigida pelo art.º 31.º, n.º 4, do Regulamento do PDM de Sabrosa, para que, excepcionalmente, seja permitida a construção para fins habitacionais nos terrenos considerados como “outras áreas agrícolas”, não basta que se faça prova que o requerente do licenciamento não é dono de qualquer fracção urbana nesse concelho.
II - Dado que, no procedimento administrativo, a Administração tem o dever de, oficiosamente, proceder às investigações necessárias ao conhecimento da matéria relevante para uma decisão justa, não se devendo limitar à consideração dos factos alegados e aos elementos probatórios oferecidos pelo interessado, ainda que sobre este recaia o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado, não se pode sustentar que a falta de alegação dos factos relevantes pelo requerente do licenciamento tinha, como consequência necessária, que não se pudesse considerar verificada a situação excepcional referida em I.
III - O acto administrativo que reconheceu o direito do requerente do licenciamento construir em terreno que, segundo o aludido PDM, se integrava em “outras áreas agrícolas”, considerou que se mostravam preenchidos os requisitos do referido art.º 31.º, n.º 4.
IV - Sendo intentada acção administrativa especial de impugnação desse acto, a repartição do ónus da prova deve ser efectuada em função da posição substancial que as partes ocupam na relação material subjacente ao procedimento administrativo.
V - Tendo a entidade demandada, tomado posição, pela positiva, através do acto que praticou, deve o processo ser encarado como se tivesse sido ela a intentar a acção que a autora vem contestar.
VI - Se o vício invocado pelo impugnante se traduz num ataque frontal à realidade dos factos constitutivos do direito de construir no terreno classificado como “outras áreas agrícolas”, é sobre a entidade demandada que recai o ónus da prova de verificação desses factos, procedendo o vício se essa prova não foi efectuada.
Nº Convencional:JSTA000P24230
Nº do Documento:SA120190214079/04
Data de Entrada:09/13/2017
Recorrente:VICE PRESIDENTE DA CM DE SABROSA
Recorrido 1:SOCIEDADE A...., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


RELATÓRIO

“Sociedade A………., SA”, com sede na ……………, n.º………., ……..., no Porto, intentou, no Tribunal Administrativo (TAF) de Mirandela, acção administrativa especial para impugnação do despacho, de 18/2/2004, do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Sabrosa, que deferiu o pedido de licenciamento apresentado pelo contra-interessado, B………….., para construção de uma moradia unifamiliar no prédio rústico de que este era proprietário, sito em ………, ………., inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º 548.º.
Após a realização de audiência de julgamento, o TAF proferiu acórdão a julgar a acção procedente, por o despacho impugnado padecer de nulidade, por violação do art.º 31.º, n.º 4, do PDM de Sabrosa.
Interposto recurso pela entidade demandada, o TCA-Norte, por acórdão de 20/1/2017, negou-lhe provimento.
Deste acórdão, a entidade demandada interpôs recurso de revista para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
“1ª Com o respeito devido, o d. Acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como infra se demonstrará.
2ª Face à singularidade do caso dos presentes autos, in casu, estamos perante uma questão com relevância jurídica, nos termos dos nºs 1 a 4 do artº 150 do CPTA.
3ª O requisito do nº 1 do artigo citado verifica-se pela questão da complexidade e novidade do caso e implica um detalhado exercício que requer a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, tudo para lograr uma melhor aplicação do direito.
4ª Na verdade, a relevância jurídica da questão assenta ainda no seu ineditismo, sendo que se nos afigura que essa relevância jurídica se justifica também por ser necessária uma melhor aplicação do direito, e por estar em causa uma questão manifestamente complexa, de difícil resolução, cuja subsunção jurídica impõe debate pela doutrina e jurisprudência com o objectivo de obter um consenso com vista a servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão, a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação, com que poderão contar, das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito.
5ª Com efeito, no caso dos autos, está em causa a possibilidade ou não de construção de uma habitação em outras áreas agrícolas, desde que cumpridos os requisitos do artº 31 do Regulamento do PDM de Sabrosa, em vigor à data dos factos, aprovado pela Assembleia Municipal de Sabrosa, em 29 de Abril de 1994 e ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 74/94.
6ª Afigura-se-nos que se reveste de relevância jurídica, fundamentadora do presente recurso de revista excepcional, a questão de saber qual a interpretação jurídica correcta desse mesmo preceito, mormente do seu nº 4 por forma a conferir a possibilidade de construção para fins habitacionais numa parcela integrada em outras áreas agrícolas.
7ª Vem pois o presente recurso interposto do d. Acórdão proferido pelo TCA Norte, o qual negou provimento ao recurso interposto da d. Decisão proferida pela 1ª Instância e manteve a mesma, ainda que com outro fundamento tal como se diz na pág. 24 daquele.
8ª Por questão de economia processual, dão-se aqui por reproduzidos, para todos os efeitos legais, os factos provados em sede 1ª Instância sem descurar que o TCA Norte decidiu retirar dos mesmos a matéria constante do facto 15º.
9ª Tal como observaram e bem a 1ª e a 2ª Instâncias, na presente acção “discute-se a legalidade de licença de construção de um prédio do Contra Interessado em área que o PDM de Sabrosa classifica de “Outras áreas agrícolas”.
10ª O PDM de Sabrosa (aprovado pela Assembleia Municipal de Sabrosa, em 29 de Abril de 1994, e ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº. 74/94), à data em vigor, no seu art.º 31.º, nº. 3 e 4, consagra o seguinte:
3 - Admitem-se construções para fins habitacionais desde que se trate de uma moradia unifamiliar e se verifique, cumulativamente, que:
a) A área mínima da parcela seja de 10.000 m2, excepto nos casos de colmatação entre construções de habitação existentes devidamente licenciadas e distanciadas entre si menos de 70m;
b) A cércea não seja superior a dois pisos;
c) O índice máximo de utilização seja de 0,04, excepto no caso de colmatação, em que será de 0,30;
d) A construção seja servida por via pública existente.
4 - É ainda permitida a construção de habitação própria e exclusiva dos seus proprietários, quando se encontrem em situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna e daí não resultem inconvenientes para a exploração agrícola das áreas onde se insiram, para parcelas de terreno superiores a 4000 m2 desde que verifiquem cumulativamente as alíneas b), c) e d) do número anterior”.
11ª Não restam dúvidas de que está em causa averiguar se estão preenchidos os requisitos que permitiam a edificação, previstos no citado artº 31, nºs 3 e 4 do PDM, sendo certo que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, é nosso entendimento que a resposta deve ser afirmativa, porquanto todos os pressupostos estão preenchidos, pese embora a possibilidade de construção que o nº 4 prevê ser independente daquela que o nº 3 contempla.
12ª É inegável que existe a possibilidade de construção em “Outras áreas agrícolas” desde que, cumulativamente, a área mínima da parcela seja de 10.000 m2, excepto nos casos de colmatação entre construções de habitação existentes devidamente licenciadas e distanciadas entre si menos de 70m; a cércea não seja superior a dois pisos; o índice máximo de utilização seja de 0,04, excepto no caso de colmatação, em que será de 0,30; a construção seja servida por via pública existente - por um lado (artº 31, nº3 do PDM);
ou desde que seja para habitação própria e exclusiva dos seus proprietários, quando se encontrem em situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna e daí não resultem inconvenientes para a exploração agrícola das áreas onde se insiram, para parcelas de terreno superiores a 4000 m2, e a cércea não seja superior a dois pisos; o índice máximo de utilização seja de 0,04, excepto no caso de colmatação, em que será de 0,30 e a construção seja servida por via pública existente - por outro (artº 31, nº4 do PDM).
13ª In casu, estando-se perante uma habitação constituída por cave, r/c e cobertura, e não existindo quaisquer dúvidas de que os critérios das alíneas b), c) e d), do nº 3 do artº 31, aplicados por força do nº 4 do mesmo preceito, estão preenchidos, restará analisar se este nº 4 está também ele preenchido, isto é, se in casu ocorre a “situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna”.
14ª O Tribunal a quo entendeu que não, com os seguintes argumentos (distintos dos da 1ª Instância)
como já vimos não há dúvidas que se pode dar como provada a primeira parte destes pressupostos, ou seja, que estamos perante a construção de uma habitação própria e exclusiva para os seus proprietários, mas não se encontra provado que se esteja perante uma situação de extrema necessidade e não haja uma qualquer outra alternativa viável de obtenção de uma outra habitação.
Nem o contra-interessado alegou quaisquer factos, neste âmbito, quando solicitou o licenciamento da construção, a altura para o fazer, nem o recorrente se debruçou sobre a questão em apreço. É que não basta referir que o contra-interessado não é proprietário de qualquer habitação, tornava-se também necessário alegar e provar que se encontrava em situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para obtenção de habitação condigna.
O contra-interessado, como se vê da matéria de facto dada como provada, é emigrante na Suíça, e não se sabe, nem o mesmo alegou, no processo de licenciamento, e esse era o local indicado para o efeito, que pretendia ter habitação em Portugal, e que se encontrava numa situação de extrema necessidade, porque, por exemplo, não conseguia adquirir habitação própria. Não se sabe, nem foi alegado, se pretendia vir viver para Portugal, se só pretendia vir de férias, ou então definitivamente, e que dificuldades teriam na aquisição de uma habitação. Nada foi referido quanto à situação de extrema necessidade. Aliás, esta questão torna-se mais duvidosa quando poucos meses antes de solicitar o licenciamento da construção em causa alienou uma fracção urbana que tinha em seu nome. Esta alegação e prova era uma obrigação do recorrente e nada foi referido, neste aspecto, quando do processo de licenciamento.
Estamos perante um conceito indeterminado, com múltiplas variantes e era ónus do contra-interessado alegar e provar os factos que integrassem o mesmo. A Administração não poderia ter licenciado o pedido em causa sem estarem preenchidos tais pressupostos” – sic.
15ª Não se conforma o Recorrente com estes argumentos do TCA Norte, porquanto,
No âmbito do processo de licenciamento, o Contra Interessado, no dia 20/11/2003, apresentou na Câmara Municipal de Sabrosa o pedido de licenciamento de obra particular de uma moradia unifamiliar - cf. facto provado sob o nº 3, sendo que, nessa data, o mesmo não era dono de qualquer prédio / fracção urbana, logo, não era possuidor de habitação própria, do que fez prova em sede desse mesmo processo.
16ª Na presença de todos estes elementos processuais competia ao Recorrente, através dos seus Serviços Técnicos, confirmar os mesmos, o que foi feito.
17ª Seja-nos permitido transcrever o que as testemunhas disseram na Audiência de Julgamento, onde, em sede de depoimento o Sr Engº …………. - à data Chefe de Divisão questionado disse:
Perante os documentos que foram entregues cumpria o nº4 do artº 31” - gravação da Audiência ocorrida no dia 13 de Novembro de 2014, gravação com início a 12:53 a 12:58.
E, a instância do Mandatário da A. disse:
Estou a responder o que era habitual nestas situações (...) quanto à extrema necessidade o que nós fazíamos lá era juntamente ao pedido as pessoas apresentarem uma prova na altura das finanças dos prédios que tinham na freguesia e isso era analisado. (...) Apresentou os documentos da relação de bens das Finanças que era o que habitualmente se solicitava - gravação da Audiência ocorrida no dia 13 de Novembro de 2014, gravação com início a 15:19 a 16:14.
18ª Por sua vez, em sede de depoimento o Sr Engº ………… - à data foi quem analisou tecnicamente o processo, questionado disse:
O que é isso de situação extrema necessidade? É a questão de fazer prova se não tem mais nenhum terreno, prédio urbano, onde elaborar a construção. Ele apresentou um artigo que está aqui que apresentava uma área de cinco mil e setenta e seis metros quadrados - gravação da Audiência ocorrida no dia 13 de Novembro de 2014, gravação com início a 25:16 a 25:35.
E continuou dizendo:
O que é isso da situação de extrema necessidade? Tem mais artigos em seu nome? Tem que apresentá-los na Câmara, digamos, para análise respectiva. E ele apresentou. Tenho aqui um requerimento. Ele solicitou ao Serviço de Finanças e na Conservatória que só tinha prova de três artigos. Na altura estive a ver o processo e apresentou três artigos. Os três artigos que apresentou um era uma fracção, em........., um apartamento que era dele, e tinha mais dois artigos rústicos, um com a área mínima de setecentos e qualquer coisa metros quadrados; no qual não confrontava com arruamentos públicos, chamamos nós a esse terreno de interioridade, portanto, o terreno para ser passível de construção tem que confrontar com arruamentos para ter acesso a ele. Esse terreno não tinha. E apresentou outro que tinha que foi onde ele levou a efeito a construção” - gravação da Audiência ocorrida no dia 13 de Novembro de 2014, gravação com início a 26:02 a 27.
E ainda:
O único artigo passível de levar a efeito a construção foi este, o qual eu informei e foi para despacho” - gravação da Audiência ocorrida no dia 13 de Novembro de 2014, gravação com início a 27:31 a 27:41. Os requisitos todos foram cumpridos, foram esses. Estão todos cumpridos na íntegra” - gravação da Audiência ocorrida no dia 13 de Novembro de 2014, gravação com início a 27:51 a 27:55.
19ª No seguimento de parecer técnico e da discricionariedade que assiste a quem decide, reforçada quer pelo conhecimento pessoal quer da real situação que o Executivo dos Municípios pequenos (como é o caso do Município de Sabrosa) tem dos seus Munícipes, entendeu-se que o interessado particular demonstrou o requisito imposto pelo nº 4 do artº 31 do PDM.
20ª Aliás, tal como foi referido pelas duas testemunhas indicadas pela CM em sede de Audiência de Julgamento, o entendimento da Câmara Municipal foi o de que no referido artigo do PDM quando se diz que desde que os proprietários “se encontrem em situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna“, essa necessidade traduz-se na necessidade/possibilidade de construção.
Isso mesmo é referido também a fls. 57/58 do PA que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
21ª Ora, à data, o contra interessado apenas era dono de dois prédios rústicos sitos no Concelho de Sabrosa, sendo que um deles era o prédio sobre o qual incidiu o pedido de licenciamento.
22ª Todos estes factos e elementos reforçaram a ideia supra referida de necessidade de construção, pese embora o facto do particular ser (ou não) emigrante, situação que não é condição para afastar a possibilidade de construir a quem quer que seja, incluindo o interessado particular em causa, na concretização até de um direito com consagração constitucional - artº 65 da CRP, que aqui se invoca para legais efeitos.
23ª Assim sendo, como de facto é, preenchendo o particular os requisitos legais, e estando o processo em causa, dentro de tais parâmetros e em consonância com a interpretação usual da Câmara Municipal de Sabrosa, o processo mereceu despacho de deferimento após análise apurada de toda a documentação.
24ª Resulta pois do exposto que o acto recorrido não padece de qualquer vício, devendo o mesmo ser mantido, com inerentes efeitos legais, porquanto na prolação do mesmo o R. não violou qualquer preceito legal, mormente o disposto no art.º 31, nº 4 do PDM de Sabrosa à data aplicável.
25ª Face ao que vem de se dizer,
fica claro que o d. Acórdão recorrido viola, por erro de interpretação e aplicação, os preceitos legais supra invocados, o que nesta sede urge agora reparar, estando em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito - artº 150 do CPTA.
26ª Pelo que,
inexistindo qualquer fundamento válido e muito menos fundamento legal para o TCA Norte negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida, pelo presente,
Requer-se a este Venerando STA a revogação do d. Acórdão recorrido, mediante a prolação de outro que para além de revogar aquele julgue a acção improcedente, como é de JUSTIÇA!”

A recorrida, “Sociedade A…….., SA”, contra-alegou, tendo concluído:
“1. Está vedado a este Venerando Tribunal a alteração da matéria de facto.
2. O Recorrente nas conclusões 17º a 23º das suas alegações de recurso versa matéria de facto, transcreve depoimentos de testemunhas como se tais depoimentos fossem verdadeiros factos e não meros meios de prova, pretendendo adulterar a matéria de facto fixada pelas instâncias.
3. Assim sendo, deve ser mantida e inalterada a matéria de facto dada como provada pelo Acórdão do TCA Norte.
4. A construção do prédio não podia ter sido licenciada ao abrigo do nº 4 do artº 31º do regulamento do PDM.
5. Com efeito, na data do despacho impugnado, não estavam preenchidos os requisitos exigidos pelo Regulamento do PDM para a construção de habitação com invocação da situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna.
6. O Interessado particular não invocou no processo administrativo a situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna.
7. A fls 49 do FA consta certidão da repartição de finanças que atesta que é proprietário de dois prédios rústicos e de um prédio urbano.
8. Os factos provados pelo Acórdão recorrido sob os pontos 10, 14, 16, 17 e 18 provam que o Interessado particular não preenchia os requisitos do nº 4 do artº 31º do Regulamento do PDM.
9. Residindo na Suíça, esse interessado particular não tinha nem podia ter uma situação de extrema necessidade e sem alternativa viável pata obtenção de habitação condigna.
10. O acto impugnado violou o disposto no art.º 31.º, n.º 4 do PDM de Sabrosa à data aplicável, pelo que o acto é nulo - cfr. art.º 68.º, al. a) do DL 555/99, de 16/12, na redacção da Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro
11. O Recorrido requer a ampliação do recurso nos termos do artº 636º CPC ao decaimento da invocada violação do art.º 60.º do RGEU, prevenindo a inesperada hipótese da necessidade da sua apreciação”.

Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.

O Exmº Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos do n.º 1 do art.º 146.º do CPTA, emitiu parecer onde concluiu pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento

FUNDAMENTAÇÃO

I. MATÉRIA DE FACTO
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
“1. A A. é legítima dona e proprietária dos seguintes prédios:
a. Prédio rústico denominado A…………, sito em ………….., concelho de Sabrosa, com a área de 174.094 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 418 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sabrosa sob o n.º 00134;
b. Prédio rústico sito no lugar da V..., freguesia de ……….., com a área de 9.970 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 396 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sabrosa sob o n.º 00447. – Cfr. docs 1 e 2 da PI;
2. O Contra Interessado é dono de um prédio rústico sito no lugar da …….., freguesia de ………., com a área de 5.076 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 5.076 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sabrosa sob o n.º 00366, que confronta do lado sul/este com o prédio descrito em b) do número anterior – Fls. 14 a 18 dos autos e art.º 3 da PI não impugnado
3. No dia 20/11/2003, o Contra Interessado apresentou na Câmara Municipal de Sabrosa o pedido de licenciamento de obra particular de uma moradia unifamiliar a construir no prédio identificado no número anterior, o que deu origem ao processo de obras particulares n.º 114/2003 – Fls. 3 do PA
4. O prédio onde a habitação é implantada tem 5080 m2 - Fls. 38 do PA;
5. A cércea não é superior a dois pisos - Fls. 42 do PA;
6. A área bruta de construção é de 400,12 m2, assim distribuída: 200,06 de área bruta de construção na cave; e 200,06 de área bruta de construção no R/C - Fls. cfr. fls. 3 e fls. 39 do PA, respectivamente requerimento para licenciamento e plantas do Projecto, que aqui se dão por reproduzidas
7. Em 29/12/2003 foi aprovado o projecto de arquitectura que, para além do mais, se fundamentou nas seguintes “(…)5 - Notas: (…) 5.2 – É entregue pelo requerente uma declaração de Finanças de forma a fazer prova de acordo com o n.º4 do art.º 31.º - (Construção de habitação própria e exclusiva dos seus proprietários) ” – Fls. 57 do PA;
8. Dá-se aqui por reproduzido o requerimento que o Contra Interessado dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de Sabrosa em 21/11/2003, com o seguinte destaque: “ vem muito respeitosamente requerer a V.Exª se digne mandar certificar o seguinte: (assinalar com um X o que pretende) (…) Apenas consta um prédio em nome do requerente (…)” – Fls. 49 e 49/V do PA
9. Dá-se aqui por reproduzida a certidão emitida pelo SF de Sabrosa em 25/11/2003 que atesta que “em nome do requerente B……..residente em ………….. constam 3 prédios, conforme o print anexo” – Fls. 50 do PA;
10. Em 25/11/2003 encontravam-se inscritos na matriz predial da freguesia de ……….., em nome do Contra Interessado, os seguintes prédios: artigos 194 e 277 (prédios rústicos); e artigo 670-A (prédio urbano) – cfr. o referido “print” de fls. 51 do PA, que aqui se dá por reproduzido;
11. O pedido de licenciamento foi deferido por despacho do Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal de Sabrosa, datado de 18 de Fevereiro de 2004, tendo sido atribuído o alvará de licença de construção n.º 18/2004, datado de 23/02/2004 – Fls. 61 do PA;
12. O prédio do Contra Interessado, para o qual foi licenciada a obra de construção de uma moradia, encontra-se situado na zona de "outras áreas agrícolas", de acordo com o disposto no artº 11 n.º 4 alínea c), no Regulamento do Plano Director Municipal de Sabrosa, ratificado por Resolução do Conselho de Ministros, com o n.º 74/94, de 21/07/94, in Diário da República, I série, n.º 200, de 30 de Agosto de 1994 – Cfr. fls. 57 e 61 do PA;
13. A fachada principal está a 24,29 metros, no mínimo, do muro do Contra Interessado e, do lado sul (Sudeste), a 3 metros do distância do muro do prédio do contra interessado, onde a habitação está implantada - cfr. peças desenhadas do projecto de arquitectura aprovado, ínsitas a fls. 37 a 46 do PA;
14. O Contra interessado é emigrante na Suíça – Fls. 48 do PA e confissão do art.º 27.º da sua contestação;
15. Até 11/8/2003 encontrava-se registado a favor do Contra Interessado a fracção A, de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização de ………, …………., descrito na Conservatória do Registo Predial de Sabrosa sob o n.º 00099/050986 – A, e inscrito (a totalidade do prédio urbano constituído por r/c, 1º, 2º e 3º andares) sob o artigo 670 – Fls. 52 a 55 do PA;
16. Em 12/8/2003 essa fracção autónoma foi registada provisoriamente “por natureza (alínea g) do n.º1 do art.º 92)” a favor de C…………. por “aquisição” – Fls. 53 do PA;
17. Em 13/11/2003 aquele registo provisório por natureza foi convertido em registo definitivo Fls. 53 do PA
18. A A. requereu em 10/03/2004 ao Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas a declaração de expropriação por utilidade pública do prédio propriedade pertença do Contra Interessado, supra identificado, conforme fls. 122 e ss do PA, que aqui se reproduzem;
19. Esse pedido foi indeferido – Cfr. Depoimento de ………….., accionista da A. em 2004 e confissão da A., conforme art.º 8 das suas alegações".

II. O DIREITO.

O Acórdão recorrido, para negar provimento ao recurso interposto pela entidade demandada da sentença do TAF, ponderou o seguinte:
“(…).
Vejamos o que está em causa nos autos.
A Autora, ora recorrida, é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de indústria agrícola, indústria vitivinícola, fabrico e comercialização de vinhos.
No prosseguimento da sua actividade pretende adquirir um prédio rústico, confinante dos prédios de que é proprietária, e que pertence ao contra-interessado. Para esse efeito iniciou em 14 de Fevereiro de 2004 procedimento administrativo tendente à expropriação do terreno em causa.
No entanto, com data de 20 de Novembro de 2003, o contra-interessado solicitou junto da Câmara Municipal de Sabrosa um pedido de licenciamento de obra particular, uma moradia, no terreno que em 2004 iria ser alvo de tentativa de expropriação.
Vem a recorrida sustentar que o licenciamento desta construção viola o Regulamento do PDM de Sabrosa, mais propriamente o seu artigo 31º, bem como o artigo 60º do RGEU.
A decisão recorrida, como verificámos, vem concluir que, de facto, se encontra violado o artigo 31 do Regulamento do PDM de Sabrosa, uma vez que não está demonstrada a excepcionalidade constante do referido artigo, nomeadamente porque não tinha sido feita prova de que o contra-interessado não dispusesse de outro prédio urbano na zona.
É contra este entendimento que se vem insurgir o recorrente, Município de Sabrosa.
Vejamos então.
Refere o artigo 31º do Regulamento do PDM de Sabrosa, em vigor à data dos factos, aprovado pela Assembleia Municipal de Sabrosa, em 29 de Abril de 1994, e ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 74/94, com a epígrafe “Edificabilidade” (inserido na secção VII “Outras áreas agrícolas”), o seguinte:

“3 - Admitem-se construções para fins habitacionais desde que se trate de uma moradia unifamiliar e se verifique, cumulativamente, que:
a) A área mínima da parcela seja de 10 000 m2, excepto nos casos de colmatação entre construções de habitação existentes devidamente licenciadas e distanciadas entre si menos de 70m;
b) A cércea não seja superior a dois pisos;
c) O índice máximo de utilização seja de 0,04, excepto no caso de colmatação, em que será de 0,30;
d) A construção seja servida por via pública existente.
4 - É ainda permitida a construção de habitação própria e exclusiva dos seus proprietários, quando se encontrem em situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna e daí não resultem inconvenientes para a exploração agrícola das áreas onde se insiram, para parcelas de terreno superiores a 4000 m2, desde que verifiquem cumulativamente as alíneas b), c) e d) do número anterior.”
A decisão recorrida considerou estarem reunidas as condições referidas nas alíneas b), c) e d), do n.º 3, e esta questão não vem levantada no recurso. O recorrente apenas se insurgiu quanto à condicionante constante do n.º 4, quando na mesma é referido que ainda é “permitida a construção de habitação própria e exclusiva dos seus proprietários, quando se encontrem em situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna e daí não resultem inconvenientes para a exploração agrícola das áreas onde se insiram”.
Sustenta, o recorrente, que se fez prova de que o contra-interessado não tinha qualquer outro prédio urbano, razão pela qual necessitaria de construir no referido local, o único que dispunha para a construção da sua habitação.
Aliás, na informação integrante da aprovação do licenciamento datada de 15/12/2003, vem referido que foi entregue pelo requerente uma declaração de Finanças de forma a fazer prova do n.º 4 do artigo 31º (fls. 47). Ou seja, a recorrente como se verifica da informação em causa e dos depoimentos das testemunhas ocorridos em sede de audiência final, para prova do constante no artigo 31º, n.º 4, do Regulamento do PDM apenas solicitava prova de que o recorrente não tivesse outra habitação.
Na decisão recorrida chegou-se à conclusão de que o recorrente não fez prova de que não tivesse outra habitação razão pela qual se concluiu pela violação do referido artigo 34º do Regulamento do PDM. E isto porque na certidão do Serviço de Finanças, junta pelo recorrente, vem referido que este seria proprietário de um prédio urbano. Não teria sido feita prova da transmissão de propriedade.
No entanto, analisada a referida certidão, verifica-se que da mesma consta averbamento, com data de 12 de Agosto de 2003, nos termos da qual tal fracção foi registada provisoriamente por natureza a favor de C………, por aquisição (n.º 17 do probatório). No mesmo dia foi constituída hipoteca voluntária a favor de da Caixa Geral de Depósitos. Por seu lado, em 13 de Novembro de 2003, o registo provisório foi convertido em registo definitivo (n.º 18 do probatório).
Nos termos do artigo 7º do Código de Registo Predial “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. Assim sendo, se ocorreu registo provisório da fracção Urbana em causa em favor de terceiro por aquisição e hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos, seguida de registo definitivo, não há duvidas que a fracção em causa já não era propriedade do contra-interessado, pelo menos desde 13 de Novembro de 2003, quando ocorreu o registo definitivo.
Assim sendo, em 20 de Novembro de 2003, quando o contra-interessado apresentou pedido de licenciamento de obra particular já não era proprietário de qualquer fracção urbana, razão pela qual não poderia ter-se concluído, nesta parte, como na decisão recorrida.
No entanto levanta-se, mesmo assim, a questão de saber se apesar de o recorrente não ter qualquer fracção urbana, se encontravam preenchidos os pressupostos para que o seu pedido fosse deferido.
Na verdade, de acordo com o artigo 31.º n.º 4 do Regulamento do PDM, para que se pudesse proceder a qualquer construção num terreno integrado na denominada "outras áreas agrícolas", tornava-se necessário que a construção fosse para habitação própria e exclusiva dos seus proprietários, quando se encontrem em situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para obtenção de habitação condigna”.
Ou seja, não basta estar provado que a habitação seja para habitação própria e exclusiva dos seus proprietários, mas também se tornava necessário saber se estes se encontravam em situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para obtenção de habitação condigna.
Como já vimos não há dúvidas que se pode dar como provada a primeira parte destes pressupostos, ou seja, que estamos perante a construção de uma habitação própria e exclusiva para os seus proprietários, mas não se encontra provado que se esteja perante uma situação de extrema necessidade e não haja uma qualquer outra alternativa viável de obtenção de uma outra habitação.
Nem o contra-interessado alegou quaisquer factos, neste âmbito, quando solicitou o licenciamento da construção, a altura para o fazer, nem o recorrente se debruçou sobre a questão em apreço. É que não basta referir que o contra-interessado não é proprietário de qualquer habitação, tornava-se também necessário alegar e provar que se encontrava em situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para obtenção de habitação condigna.
O contra-interessado, como se vê da matéria de facto dada como provada, é emigrante na Suíça, e não se sabe, nem o mesmo alegou, no processo de licenciamento, e esse era o local indicado para o efeito, que pretendia ter habitação em Portugal, e que se encontrava numa situação de extrema necessidade, porque, por exemplo, não conseguia adquirir habitação própria. Não se sabe, nem foi alegado, se pretendia vir viver para Portugal, se só pretendia vir de férias, ou então definitivamente, e que dificuldades teriam na aquisição de uma habitação. Nada foi referido quanto à situação de extrema necessidade. Aliás, esta questão torna-se mais duvidosa quando poucos meses antes de solicitar o licenciamento da construção em causa alienou uma fracção urbana que tinha em seu nome. Esta alegação e prova era uma obrigação do recorrente e nada foi referido, neste aspecto, quando do processo de licenciamento. Estamos perante um conceito indeterminado, com múltiplas variantes e era ónus do contra-interessado alegar e provar os factos que integrassem o mesmo. A Administração não poderia ter licenciado o pedido em causa sem estarem preenchidos tais pressupostos.
Assim sendo, tem razão a Autora, ora recorrida, nas suas conclusões, pelo que, ainda que com outro fundamento, não se pode manter a decisão recorrida.
No que se refere à ampliação do pedido feito pela recorrida, tendo em atenção que o recurso não se considera procedente fica prejudicado o conhecimento do mesmo.
Por todo o exposto, tem de se concluir, ainda que com outro fundamento, que não podem proceder as conclusões do recorrente, não merecendo a decisão recorrida a censura que lhe é assacada e, em consequência, nega-se provimento ao recurso jurisdicional interposto.”
O acórdão entendeu, assim, que o despacho impugnado violava o disposto no n.º 4 do art.º 31.º do Regulamento do PDM de Sabrosa, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 74/94, de 21/7, padecendo de nulidade, nos termos do art.º 68.º, al. a), do RJUE, aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16/12, na redacção resultante da Lei n.º 4-A/2003, de 19/2, dado que, embora o contra-interessado não fosse proprietário de qualquer prédio urbano, não se provara que estivesse numa situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para obtenção de habitação condigna, desde logo porque nem sequer alegara, no procedimento de licenciamento, quaisquer factos demonstrativos da verificação destes pressupostos.
Contra este entendimento, o recorrente, na presente revista, alega que, aquando da apresentação do pedido de licenciamento, o contra-interessado fez prova que não era dono de qualquer prédio ou fracção urbana – sendo apenas proprietário, no concelho de Sabrosa, de dois prédios rústicos, um dos quais aquele sobre que incidia o referido pedido –, pelo que se verificava a situação de necessidade exigida pelo citado art.º 31.º, n.º 4.
Vejamos se lhe assiste razão.
Relativamente às edificações em terrenos considerados pelo PDM de Sabrosa como “outros espaços agrícolas”, o mencionado art.º 31.º, n.º 4, permite, excepcionalmente, a construção, de habitação própria e exclusiva dos respectivos proprietários, desde que estes se encontrem, numa situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna.
Porém, ao contrário do que entende o recorrente, não basta, para que estes pressupostos se mostrem preenchidos, que o requerente do licenciamento faça prova que não é dono de qualquer fracção urbana no concelho de Sabrosa.
Efectivamente, o aludido preceito é claro quando exige que a construção se destine a habitação própria e exclusiva dos respectivos proprietários e que estes se encontrem numa situação de necessidade extrema e sem outra alternativa para obtenção de uma habitação que se possa considerar condigna, o que implicava que se demonstrasse, por exemplo, que pretendendo eles regressar a Portugal, não conseguiam adquirir habitação condigna e que, apesar de terem inscrito em seu nome na matriz outro prédio rústico, só naquele poderiam construir tal habitação.
Assim, em face da matéria fáctica que foi dada por provada, não se pode concluir pela verificação da situação excepcional em que o citado art.º 31.º, n.º 4, permitia a construção, o que coloca a questão de saber a quem incumbia o ónus da prova dos factos relevantes para a demonstração dessa situação e, consequentemente, quem suportava os riscos da respectiva falta de prova.
Contrariamente ao que o acórdão recorrido considerou, entendemos que a circunstância de o contra-interessado, no procedimento de licenciamento, não ter alegado factos demonstrativos da verificação dos requisitos em causa não impedia a entidade demandada de os considerar provados. Com efeito, porque no procedimento administrativo vigora o princípio da verdade material, tinha a entidade demandada o dever de oficiosamente proceder às investigações necessárias ao conhecimento dos factos relevantes para uma decisão justa, não se limitando à consideração dos factos alegados e dos elementos probatórios oferecidos pelo requerente, ainda que sobre este recaísse o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado (cf. artºs. 56.º, 86.º, 87.º e 88.º, n.º 1, todos do CPA aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15/11, então em vigor).
Mas se não se pode sustentar que a falta de alegação dos factos relevantes no procedimento de licenciamento por parte do contra-interessado tinha, só por si, como consequência que não se pudesse considerar verificada a situação excepcional prevista no mencionado art.º 31.º, n.º 4, não se pode deixar de entender que, no procedimento, era sobre ele que, nos termos do citado art.º 88.º, n.º 1, recaía o ónus da prova daqueles factos, pelo que o deferimento do requerido licenciamento dependia de essa prova ter sido efectuada.
Assim, esse acto administrativo, ao reconhecer o direito de o requerente do licenciamento construir no prédio em questão, considerou que se mostravam preenchidos os requisitos do aludido art.º 31.º, n.º 4.
Sendo intentada uma acção administrativa especial de impugnação do referido acto, a repartição do ónus da prova não pode deixar de obedecer à regra geral do art.º 342.º, do C. Civil, segundo a qual quem invoca um direito tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos, cabendo à parte contrária a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
Considerando-se hoje que não há uma presunção de legalidade do acto administrativo, abrangendo a presunção dos pressupostos em que ele assentou e cuja consequência seria a de impender sobre quem intenta a acção o ónus de alegação e prova dos factos demonstrativos dos vícios que imputa ao acto, é de entender “que a repartição do ónus da prova no âmbito da acção administrativa especial, deverá ser efectuada em função da posição substantiva que as partes ocupam na relação jurídica material que está subjacente ao procedimento administrativo” (cf. Carlos Fernandes Cadilha: “A prova em contencioso administrativo”, in CJA, n.º 69, pág. 49).
Para aferir da posição substantiva das partes, deve-se tomar em consideração que a Administração, porque dispõe de um poder de definição jurídica unilateral através da prática de um acto administrativo, fica dispensada de manifestar a sua pretensão com a interposição de uma acção perante um tribunal onde teria de deduzir e demonstrar os respectivos fundamentos, lançando, assim, sobre aqueles na esfera dos quais os efeitos dessa definição se projectam o ónus de recorrerem à via judicial para contestarem a pretensão consubstanciada no acto onde se irá discutir o bem fundado da pretensão que a Administração com este fez valer (cf. Mário Aroso de Almeida in “Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes”, 2002, pág. 190). Por isso, nas acções administrativas especiais de impugnação de actos administrativos, apesar de, na relação processual, o particular impugnante ser o autor, figurando a Administração como parte demandada, no plano das relações substantivas, a pretensão é, em regra, desta, cabendo àquele a negação, “pois foi a Administração que, pela positiva, tomou posição através do acto que praticou”, repercutindo-se esta inversão de posições no plano processual sobre as regras de distribuição do ónus da prova que não devem “atender à posição formal que as partes ocupam no quadro da relação processual”, devendo o processo ser “encarado como se tivesse sido a Administração a propor a acção, ao praticar o acto, e o autor no processo contencioso viesse contestar” (cf. Mário Aroso de Almeida, in “Teoria Geral do Direito Administrativo – O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo”, 3.ª edição, 2015, págs. 245 e 246). E uma vez que, consoante a argumentação do impugnante, a causa de invalidade do acto por este invocada se pode dirigir “ao reconhecimento de que não se preenchem os pressupostos (factos constitutivos) da posição assumida pela Administração com o acto ou, pelo contrário, à invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos que forem porventura oponíveis a esta posição”, não pode esta diferença de natureza substantiva deixar de se projectar sobre as regras de distribuição do ónus da prova, o qual, no primeiro caso, impende sobre a Administração e no segundo sobre o impugnante (cf. Mário Aroso de Almeida, in “Teoria Geral…”, págs. 246 e 247).
No caso em apreço, após a entidade demandada ter considerado, no acto impugnado, que se verificavam os pressupostos do art.º 31.º, n.º 4, do Regulamento do PDM de Sabrosa, que, excepcionalmente, permitiam a construção requerida, a A., na acção que intentou, alegou a violação deste preceito, com o fundamento que o contra-interessado não se encontrava numa situação de extrema necessidade e sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna, quer porque possuía uma habitação em Sabrosa, quer porque não era suficiente para extrair essa conclusão a circunstância de não ser proprietário de qualquer prédio urbano nesse concelho.
Atacou, pois, de frente, a realidade dos factos constitutivos do direito de construir no prédio em causa – e não apenas indirectamente, com base em causas impeditivas, modificativas ou extintivas da posição defendida no acto impugnado – e afirmou que esses factos não poderiam produzir o efeito jurídico que a entidade demandada deles extraiu.
Assim, porque, quanto ao vício em causa, a A., para fazer valer a sua pretensão, alegou o não preenchimento dos factos constitutivos da posição defendida pela entidade demandada no acto impugnado, era sobre esta que recaía o ónus da prova da verificação dos requisitos desse acto (ou seja, da pretensão administrativa que nele se consubstanciava).
E não tendo essa prova sido efectuada, terá de proceder a acção por falta de demonstração, pela entidade demandada, dos aludidos requisitos que considerara verificados ao deferir o requerido licenciamento.
Nestes termos, será de negar provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido, embora com uma fundamentação jurídica algo distinta.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando, nos termos referidos, o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro.