Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01802/13
Data do Acordão:05/07/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
RECURSO DE DECISÃO ARBITRAL
Sumário:I - O recurso para o STA de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º RJAT), não devendo, ainda, o recurso ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável “ex vi” do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).
II - Não havendo entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA eleito como fundamento contradição sobre a mesma questão fundamental de direito - porquanto nem a questão objecto de um e outro recurso é a mesma, nem os pressupostos de facto de um e outro se afiguram como susceptíveis de ser enquadrados na mesma hipótese normativa – não deve o recurso ser admitido.
Nº Convencional:JSTA00068689
Nº do Documento:SAP2014050701802
Data de Entrada:11/27/2013
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECLAMAÇÃO
Objecto:DESP RELATOR STA
Decisão:INDEFERIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
DIR PROC ADM GRAC - RECL
Legislação Nacional:RJAT ART25 N1 N2 N3
CPTA02 ART27 N2 ART92 N2 ART152 N1
CPPTRIB99 ART54 ART169 N1 ART276
LGT08 ART95 N2 H
CONST76 ART20 N1 ART268 N4
ETAF02 ART27 N1 B
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01032/09 DE 2010/06/23; AC STAPLENO PROC0598/08 DE 2009/03/25; AC STAPLENO PROC0557/08 DE 2009/10/22
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 2ED 2007 PAGS765-766 PAGS883-884
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…….., S.A., com os sinais dos autos, notificada do Despacho da Relatora de 15 de Janeiro (de fls. 117 a 125 dos autos), que não lhe admitiu o recurso para uniformização de jurisprudência que interpusera para este STA da decisão arbitral de 23 de Outubro de 2013, proferida no processo n.º 79/2013-T vem, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), dele reclamar para a Conferência, nos termos de fls. 130 a 141 dos autos, requerendo a submissão à Conferência do despacho de não admissão do recurso proferido pela Exma. Senhora Doutora Juíza Conselheira Relatora solicitando-se aos Venerandos Conselheiros a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência neste Alto Tribunal, para tanto alegando que, contrariamente ao aí decidido, existe contradição, relativamente à questão sobre que versava o recurso de uniformização – Aplicação do princípio da impugnação unitária ao abrigo do artigo 54.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) -, entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão do STA eleito como acórdão fundamento.

2 – É do seguinte teor o Despacho reclamado:
1. A……., S.A., com os sinais dos autos, notificada da decisão arbitral de 23 de Outubro de 2013, proferida no processo n.º 79/2013-T, que julgou improcedentes os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRC de 2010 n.º 2012 2310006160 e respectivas liquidações de juros compensatórios e de mora bem como o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios, dela veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência este Supremo Tribunal, alegando contradição do aí decidido com o Acórdão deste STA de 23 de Junho de 2010, proferido no recurso n.º 1032/09, no que respeita à questão jurídica fundamental – aplicação/interpretação do artigo 54.º do CPPT relativo ao princípio da impugnação unitária, porquanto entende que o acórdão recorrido vem interpretar o artigo 54.º do CPPT não no sentido de considerar a impugnação autónoma como uma forma de tutela dos interesses dos contribuintes, no sentido de poderem impugnar alguns atos interlocutórios, mas sim como um ónus para o contribuinte (como uma obrigação) cuja não observação leva à preclusão de um direito (efeito negativo do art. 54.º) enquanto o acórdão fundamento interpreta o artigo 54.º do CPPT como uma forma de tutela judicial do contribuinte, adicional e facultativa, possibilitando-lhe um meio adicional de tutela, mas que não preclude o posterior direito de contestação unitária (efeito positivo do art. 54º).

2. A recorrente apresentou alegação tendente a demonstrar a verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, bem como do mérito do recurso, concluindo nos seguintes termos:

A) O presente recurso é interposto do douto acórdão do Tribunal Arbitral em Matéria Tributária (CAAD) de 25 de outubro de 2013, que decidiu negar provimento ao pedido de pronúncia apresentado pela ora Recorrente;

B) O presente recurso tem como fundamento a uniformização de jurisprudência relativamente à seguinte questão: Aplicação do princípio da impugnação unitária ao abrigo do artigo 54.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), com o decidido no douto acórdão do STA de 23 de junho de 2010, processo n.º 11032/09, publicado em www.dgsi.pt;

C) A procedência do presente recurso afigura-se inquestionável, porquanto o aresto fundamento julgou a mesma questão fundamental de direito de forma oposta ao decidido no acórdão recorrido, na ausência de modificação substancial da regulamentação jurídica, pelo que estão preenchidos os requisitos estabelecidos nos artigos 25.º do RJAT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPPTA) e 27.º, n.º 1 b) do Estatuto dos Tribunais administrativos e Fiscais (ETAF);

D) O acórdão recorrido e o acórdão fundamento apreciaram e decidiram relativamente à mesma questão fundamental de direito: - Aplicação do princípio da impugnação unitária ao abrigo do artigo 54.º do CPPT;

E) Os acórdãos recorrido e fundamento consagraram soluções postas para a mesma questão jurídica fundamental – aplicação/interpretação do artigo 54.º do CPPT relativo ao princípio da impugnação unitária uma vez que: (i) o acórdão recorrido vem interpretar o artigo 54.º do CPPT não no sentido de considerar a impugnação autónoma como uma forma de tutela dos interesses dos contribuintes, no sentido de poderem impugnar alguns atos interlocutórios, mas sim como um ónus para o contribuinte e; o acórdão fundamento interpreta o artigo 54.º do CPPT como uma forma de tutela judicial do contribuinte;

F) O acórdão recorrido faz uma interpretação indevida do artigo 54.º do CPPT, considerando que a não impugnação autónoma quer de atos considerados (pela AT) como imediatamente lesivos, quer de atos cuja obrigatoriedade de impugnação autónoma se encontra expressa na lei tem como consequência a preclusão do direito do contribuinte sindicar os respetivos atos em sede de impugnação do ato de liquidação;

G) Por contraposição o acórdão fundamento embora reconheça a possibilidade de em caso de lesividade imediata ou em caso de norma expressa em sentido contrário o contribuinte poder impugnar autonomamente um ato interlocutório, faz uma clara distinção entre: (i) atos imediatamente lesivos e (ii) atos relativamente aos quais existe uma norma expressa que obrigue a essa impugnação autónoma;

H) O acórdão fundamento restringe o ónus sobre o contribuinte aos casos em que não impugnou autonomamente aos atos relativamente aos quais existe uma norma expressa que obrigue a essa impugnação autónoma, excluindo dessa cominação os atos que sejam de considerar como imediatamente lesivos;

I) A liquidação de IRC de 2010, cuja legalidade se contestou em sede de pedido de pronúncia, está relacionada com a cessação ilegal, por parte da AT de um benefício fiscal que havia sido atribuído à Recorrente, o que por sua vez decorreu do levantamento, também ele ilegal, da suspensão do processo de execução fiscal referente à liquidação de IRC de 2002;

J) Ilegalidades que foram expressamente reconhecidas no Acórdão recorrido;

K) Os atos interlocutórios do procedimento apenas poderão ser autonomamente impugnáveis quando verificada uma das seguintes condições: (i) sejam imediatamente lesivos: ou (ii) exista norma expressa que obrigue o contribuinte a impugná-los sob pena de consolidação na ordem jurídica;

L) A lei, como forma de tutela dos interesses dos contribuintes, criou a possibilidade (mas não o ónus) de o contribuinte impugnar alguns atos interlocutórios, poupando o contribuinte às Recorrentes delongas dos processos administrativos até à emissão da respetiva liquidação de imposto;

M) É esta interpretação que, seguramente, está em consonância com o princípio constitucional da tutela efetiva (arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP), que não se compagina com a preclusão de direitos de impugnação contenciosa sem uma previsão legislativa inequívoca;

N) A obrigatoriedade de impugnação autónoma, é como tal restringida às situações em que haja norma expressa nesse sentido;

O) Relativamente à cessação do benefício fiscal não existe qualquer norma específica que obrigue o contribuinte a impugnar autonomamente (via ação administrativa especial) a cessação do benefício e que estabeleça a cominação de, não o fazendo, ver o seu direito de impugnação precludido;

P) O artigo 276.º do CPPT faculta ao contribuinte a possibilidade de reagir de um ato interlocutório. Em momento algum do texto do artigo se refere a obrigatoriedade, sob pena de consolidação do ato na esfera jurídica, de reclamar das decisões interlocutórias emitidas pelo órgão de execução fiscal ao longo do processo de execução;

Q) Foi este o entendimento prosseguido pela sentença recorrida, tendo considerado que o levantamento da suspensão do processo de execução fiscal, não consubstancia, por si só, nem um ato imediatamente lesivo, nem um ato destacável;

R) Pelo que, não era suscetível de impugnação autónoma. Assim sendo, podia a ora Recorrente contestar a cessação ilegal da suspensão do processo de execução fiscal em sede de pedido de pronúncia relativo à liquidação de 2010;

S) Assim, sendo possível a sua contestação em sede de pedido de pronúncia, por não consubstanciar ato destacável ou caso julgado no processo, deveria o tribunal recorrido ter anulado o ato de levantamento da suspensão da execução fiscal;

T) A procedência do entendimento preconizado pela sentença recorrida consubstanciaria um meio de violação do princípio da tutela judicial efetiva, ínsito na Constituição da república Portuguesa que permitiria que a AT, através de um comportamento errático consolidasse no ordenamento jurídico uma série de condutas ilegais que se tornariam insindicáveis;

U) Relativamente à legalidade da liquidação de IRC de 2010 em momento algum houve por parte da Recorrente qualquer imposto em falta ou qualquer dívida não reclamada ou garantida;

V) A própria AT veio (bem) alterar a sua posição veiculando novo entendimento pelo Ofício-Circulado n.º 60.094, de 12 de março de 2013;

W) Tendo a AT reconhecido a caducidade da garantia na pendência da reclamação graciosa e tendo, a ora Recorrente, proposto tempestivamente impugnação judicial na sequência de indeferimento da reclamação, deveria, o processo de execução fiscal ficar suspenso até à decisão final do pleito, como refere no art. 169.º, n.º 1 do CPPT;

X) Por “decisão final do pleito” tem sido entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência dos tribunais superiores que ela ocorre apenas quando se considera findo o pleito, quando o ato de liquidação se torne definitivo, ou seja, quando a controvérsia entre a AT e a Recorrente gerada pelo ato de liquidação estiver definitivamente decidida;

Y) A AT não podia, assim, aquando da apresentação da impugnação judicial relativa ao exercício de 2000 por parte da Recorrente, ter levantado a suspensão do processo de execução fiscal considerando em dívida o montante de 1.342.991,33€ referente a IRC de 2000, com base na ausência de prestação de garantia, uma vez que o designado “pleito” não havia chegado ao seu termo, como ainda não chegou;

Z) A AT, como ficou demonstrado, violou a lei em vigor à data, que estipulava expressamente que a suspensão do processo de execução fiscal se mantinha até decisão do pleito;

AA) O procedimento da AT carecia de fundamento legal, pelo que o ato de liquidação deveria ter sido anulado por violação de lei e errónea fundamentação, com vista a repor a legalidade tributária;

BB) Pelo que a sentença recorrida, não esteve bem quando ao considerar a cessação do benefício fiscal como ato destacável de impugnação autónoma obrigatória permitiu, em clara violação com o princípio constitucional da tutela efetiva, previsto nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP), que a conduta ilegal da AT se mantivesse insindicável, provocando um claro prejuízo na esfera jurídica da Recorrente.

CC) Deverá, assim, conceder-se provimento ao presente recurso por verificação da existência da contradição alegada, uniformizando jurisprudência no sentido do que foi decidido no acórdão fundamento e, em consequência, anular-se o acórdão recorrido, com todas as demais consequências legais, o que se fará a habitual JUSTIÇA!!!

3. Dão-se por reproduzidos os probatórios fixados na decisão arbitral recorrida (a fls. 83 a 92 dos autos) e no acórdão fundamento (a fls. 62/63 dos autos).

4. Importa decidir na admissibilidade do recurso, parecendo que caberá ao Relator no Tribunal de Recurso proferir Despacho admitindo ou rejeitando o recurso interposto (cfr. o artigo 27.º alínea j) e 152.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA –, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), após apreciação da verificação ou não dos respectivos pressupostos legais.

No que respeita aos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso – legitimidade da recorrente, tempestividade do recurso, valor da causa e requisitos formais da alegação – nada obsta à admissibilidade do recurso, porquanto a recorrente tem legitimidade, está em tempo e o requerimento de interposição e respectivas alegações obedecem aos requisitos legais.
Importa averiguar, porém, se há entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão deste STA invocado como fundamento oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º RJAT), não devendo, ainda, o recurso ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável “ex vi” do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT)
Como é pacificamente aceite pela jurisprudência e a pela melhor doutrina - cfr., entre outros, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 25 de Março de 2009, rec. n.º 598/08 e o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo de 22 de Outubro de 2009, rec. n.º 557/08 e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/ CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2007, pp. 883/884 -, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito (ou de oposição de acórdãos) entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento devem seguir-se os critérios jurisprudenciais firmados na vigência da legislação anterior (ETAF/1984 e LPTA), sendo, pois, exigível para a verificação de contradição relevante que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos, o que naturalmente supõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. Cfr. Mário Aroso e Carlos Cadilha, Comentário ao CPTA, 2.ª edição, pp. 765/6. (cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 25 de Março de 2009, rec. n.º 598/08).
Haverá entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, como alegado pela recorrente?
Estamos convictos de que não, não obstante o esforço argumentativo da recorrente tendente a demonstrar a existência de tal oposição.
É que enquanto no acórdão fundamento estava em causa a sindicabilidade autónoma de um acto praticado pela Direcção Geral de Impostos que determina a correcção da declaração de IRS submetida via internet, substituindo o anexo B pelo anexo C, acto este que se configura em sentido próprio como um acto interlocutório do procedimento de liquidação de IRS e que se julgou ser autonomamente impugnável porque imediatamente lesivo, na decisão arbitral recorrida os actos de cuja ilegalidade não se conheceu na impugnação da liquidação de IRC sindicada nos autos são os de “levantamento da suspensão da execução fiscal com base na ausência de prestação de garantia” e de “cessação de benefícios fiscais por aquela não ser prestada”, actos estes que não são actos interlocutórios do procedimento de liquidação do IRC, antes, o primeiro, um acto praticado pelo órgão de execução no respectivo processo executivo - sindicável directa e necessariamente por via de “reclamação judicial” a deduzir nos termos dos artigos 276.º e seguintes do CPPT -, e o segundo um acto necessariamente objecto de impugnação autónoma, daí que autonomamente notificado para o efeito.
Acresce que, enquanto na decisão arbitral recorrida estava em causa a legalidade do acto de liquidação do IRC alegadamente inquinado em virtude de ilegalidades pretéritas, no Acórdão recorrido estava em causa a legalidade de um acto interlocutório do procedimento de liquidação, sindicado autonomamente.
Não há, pois, entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA eleito como fundamento contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, porquanto nem a questão objecto de um e outro recurso é a mesma, nem os pressupostos de facto de um e outro se afiguram como susceptíveis de ser enquadrados na mesma hipótese normativa, razão pela qual o recurso não será admitido.
Notifique.
Lisboa, 15 de Janeiro de 2014
A Relatora

3 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir.

Alega a reclamante na sua reclamação para a conferência que a Relatora reconduz a sua análise à comparação das situações de facto que originaram os acórdãos em contradição, abstendo-se, salvo o devido respeito, de olhar para a questão fundamental de direito sobre a qual se solicita a uniformização de jurisprudência, sendo que a questão fundamental de direito analisada nos dois acórdãos, acórdão recorrido e acórdão fundamento, é exatamente a mesma, sendo a solução encontrada por ambas contraditória.
Não põe em causa a reclamante serem efectivamente diversas, e no sentido de não subsumíveis à mesma hipótese normativa, as situações de facto subjacentes à decisão arbitral recorrida e ao acórdão fundamento, porquanto, como se consignou no Despacho reclamado, no acórdão fundamento estava em causa a sindicabilidade autónoma de um acto praticado pela Direcção Geral de Impostos que determina a correcção da declaração de IRS submetida via internet, substituindo o anexo B pelo anexo C, acto este que se configura em sentido próprio como um acto interlocutório do procedimento de liquidação de IRS e que se julgou ser autonomamente impugnável porque imediatamente lesivo, enquanto na decisão arbitral recorrida os actos de cuja ilegalidade não se conheceu na impugnação da liquidação de IRC sindicada nos autos são os de “levantamento da suspensão da execução fiscal com base na ausência de prestação de garantia” e de “cessação de benefícios fiscais por aquela não ser prestada”, actos estes que não são actos interlocutórios do procedimento de liquidação do IRC, antes, o primeiro, um acto praticado pelo órgão de execução no respectivo processo executivo - sindicável directa e necessariamente por via de “reclamação judicial” a deduzir nos termos dos artigos 276.º e seguintes do CPPT -, e o segundo um acto necessariamente objecto de impugnação autónoma, daí que autonomamente notificado para o efeito, acrescendo que enquanto na decisão arbitral recorrida estava em causa a legalidade do acto de liquidação do IRC alegadamente inquinado em virtude de ilegalidades pretéritas, no Acórdão recorrido estava em causa a legalidade de um acto interlocutório do procedimento de liquidação, sindicado autonomamente.
Ora, se a diversidade de situações de facto subjacentes aos arestos era, só por si, determinante da rejeição do recurso por ausência dos respectivos pressupostos legais – porquanto sem tal identidade, no sentido de subsunção às mesmas normas legais, não há soluções opostas sobre a mesma questão fundamental de direito-, resulta do teor dos arestos em confronto que, não obstante o princípio da impugnação unitária consagrado no artigo 54.º do CPPT ter sido invocado em ambos os arestos, o foi não apenas em circunstâncias, mas também a propósito de questões diversas.
A decisão arbitral impugnada refere-se ao princípio da impugnação unitária, enunciado no artigo 54.º do CPPT, a propósito da não impugnação pela recorrente do acto que declarou a cessação do benefício fiscal (cfr. decisão arbitral, a fls. 98 a 102 dos autos), consignando a tal propósito que “o princípio da impugnação unitária não afasta a impugnabilidade autónoma e imediata de actos deste tipo ”(…), porquanto“(…) o acto que determinou a cessação dos benefícios fiscais enquadra-se duplamente na ressalva inicial que se faz no artigo 54.º do CPPT à aplicação do princípio da impugnação unitária, pelo que se impõe concluir que era imediata e autonomamente impugnável, estando a sua impugnabilidade expressamente indicada na alínea h) do n.º 2 do artigo 95.º da LGT, o que, aliás, foi expressamente comunicado à Requerente na respectiva notificação” (cfr. decisão arbitral, a fls. 99 e 100 dos autos).
Já no Acórdão deste STA indicado como fundamento – Acórdão de 23 de Junho de 2010, proferido no rec. n.º 01032/09 (junto a fls. 57 a 71 dos autos) – o princípio da impugnação unitária foi chamado à colação a propósito da questão prévia suscitada pelo Ministério Público da inimpugnabilidade - por falta de lesividade – do acto sindicado na impugnação, tendo o STA julgado improcedente a excepção suscitada pelo Ministério Público porquanto o acto em causa, embora interlocutório do procedimento de liquidação, “(…) constitui uma determinação actualmente lesiva, na medida em que afecta, de forma actual ou imediata, os direitos ou interesses legalmente protegidos da Impugnante, e que, por isso, reclama a possibilidade de impugnação autónoma e imediata, subtraída ao regime regra de impugnação unitária”.

Verifica-se, pois, como bem decidido, não haver entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, porquanto nem a questão objecto de um e outro recurso é a mesma, nem os pressupostos de facto de um e outro se afiguram como susceptíveis de ser enquadrados na mesma hipótese normativa, não merecendo censura, antes devendo ser confirmado, o Despacho reclamado de não admissão do recurso.

- Decisão -
4 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em indeferir a reclamação, confirmando o Despacho de não admissão o recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 7 de Maio de 2014. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Dulce Manuel da Conceição Neto – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Joaquim Casimiro Gonçalves – José da Ascensão Nunes Lopes - Ana Paula Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Maria da Fonseca Carvalho.