Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02271/22.2BELSB
Data do Acordão:05/04/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
DIREITO DE ASILO
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - Não se justifica admitir revista se as questões atinentes à aplicação da Lei do Asilo [e à não aplicabilidade no caso da Lei nº 23/2007 -, face ao que fora requerido à Administração pelo Recorrente], aparentam terem sido bem decididas pelo TCA (como antes pela 1ª instância), sem que se vislumbre que o acórdão recorrido tenha incorrido em erro de julgamento quanto à aplicação da Lei do Asilo que pudesse justificar a admissão deste recurso.
II - A revista não é o meio próprio para serem conhecidas questões de inconstitucionalidade, por poderem ser directamente colocadas ao Tribunal Constitucional, conforme é entendimento pacífico desta Formação.
Nº Convencional:JSTA000P30967
Nº do Documento:SA12023050402271/22
Data de Entrada:04/24/2023
Recorrente:AA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
Na presente acção administrativa AA, natural do ..., demandou o Ministério da Administração Interna visando a impugnação e anulação do despacho do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 01.07.2022, que considerou o pedido de asilo e de protecção internacional que formulou infundados, nos termos do disposto nos arts. 19º, nº 1, alínea e) e 20º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6 (Lei do Asilo), bem como que seja a Entidade Demandada “condenada à prática do acto devido, designadamente, concessão ao Autor de autorização de residência temporária nos termos do art.º 123.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 23/2007, de 04.07” ou, para “o caso de não proceder o pedido que antecede, que seja determinado pelo Tribunal, no sentido da Ré Autorizar a Residência do A., nos termos de um dos artigos 88.º, 116.º, n.º 1, al. d) ou Artigo 122.º, n.º 1, al. g) do mesmo diploma legal”.

Por sentença do TAC de Lisboa, de 05.10.2022, foi julgada improcedente a acção administrativa intentada e absolvida a Entidade Demandada do pedido.

Desta sentença interpôs o Autor recurso para o TCA Sul que por acórdão de 26.01.2023 negou provimento ao recurso. Acórdão este que foi complementado pelo proferido em 23.03.2023 que indeferiu a arguição de nulidade por omissão de pronúncia suscitada na revista contra o acórdão de 26.01.2023.

Deste acórdão interpõe revista o mesmo Autor, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo, invocando a importância jurídica e social da das questões [no caso a concretização de direitos, liberdades e garantias, como sejam o direito à audição da recorrente, o direito a um tratamento igualitário e o direito a uma tutela jurisdicional efectiva] e a necessidade de uma melhor aplicação do direito.

O Recorrido não contra-alegou.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Está em causa nos autos o Despacho do Director Nacional Adjunto do SEF, proferido em 01.07.2022, que considerou infundados os pedidos de asilo e de protecção internacional apresentados pelo aqui Recorrente, nos termos do disposto no nº 1 do art. 19º e do nº 1 do art. 20º, ambos da Lei nº 27/2008, de 30/6, cuja a anulação foi pedida, peticionando-se que seja a Entidade Demandada “condenada à prática do acto devido, designadamente, concessão ao Autor de autorização de residência temporária nos termos do art.º 123.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 23/2007, de 04.07” ou, para “o caso de não proceder o pedido que antecede, que seja determinado pelo Tribunal, no sentido da Ré Autorizar a Residência do A., nos termos de um dos artigos 88.º, 116.º, n.º 1, al. d) ou Artigo 122.º, n.º 1, al. g) do mesmo diploma legal”.

O TAC de Lisboa julgou improcedente a acção, por, em síntese, ter entendido que a situação do Autor, face à factualidade invocada pelo mesmo, não se enquadra nos pressupostos para a concessão de asilo, à luz do art. 3º da Lei do Asilo, sendo, igualmente inelegível para protecção internacional, pelo que nenhuma ilegalidade existe no acto impugnado ao considerar tais pedidos infundados, ao abrigo do art. 19º, nº 1, alínea e) da Lei do Asilo.
Quanto à pretensão de autorização de residência, referiu-se na sentença do TAC, o seguinte: “A este respeito, cabe explicitar que todos os fundamentos esgrimidos pelo Requerente a propósito da aplicação da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, ao seu caso concreto, não se repercutem quanto à validade da decisão que foi proferida relativamente ao pedido de proteção internacional do Requerente e, por conseguinte, são insuscetíveis de impactar no mérito da causa; neste sentido, o facto de, nomeadamente, o Requerente ter vivido em Itália por longo período, de aí ter autorização de residência ou de ter vindo trabalhar para Portugal, embora possam ser pertinentes à luz da aplicação da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, não relevam, pelo menos no sentido que o Requerente lhes confere (isto é, a anulação do ato impugnado), para o objeto do hodierno processo judicial”.

O TCA Sul confirmou o decidido em 1ª instância.
Entendeu, em síntese, quanto à invocada preterição da audição do interessado “porque não foi respeitado o formalismo previsto no art. 17º, nºs 1 e 2 da Lei nº 27/2008 (e em última análise dos arts. 121º e 122º do CPA)”, que: “Tal invocação ignora, em absoluto, a sentença recorrida, designadamente a matéria de facto, pois resulta do probatório que, após a elaboração do Relatório, foi dada oportunidade ao Recorrente para se pronunciar, especificamente nos termos do art. 17º da Lei do Asilo, o que optou por não fazer (cf. pontos 7, 8, 9 e 11). Tendo posteriormente, o seu pedido de protecção internacional sido julgado infundado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 19.º n.º 1 al. e) da Lei do Asilo.
Donde, tal como entendeu o Tribunal a quo, foi dada ao Recorrente a oportunidade de se pronunciar sobre o projecto de decisão tendo, por isso, sido atingida a finalidade prevista no art. 17º da Lei do Asilo, que é a do interessado, caso queira, intervir na fundamentação e sentido da decisão que vier a ser proferida pela Administração. Faculdade que o Recorrente abdicou, mas tal não a transmuta em omissão procedimental.
Quanto à reafirmação pelo Recorrente em apelação do direito de autorização de residência, ao abrigo da Lei nº 23/2007, o acórdão recorrido considerou, em síntese, que: “Dúvidas inexistem que o pedido formulado pelo Recorrente junto do SEF foi o de protecção internacional (vide ponto 4 do probatório).
O Estado português pode reconhecer ao abrigo da Lei do Asilo, que se desdobra em dois estatutos (asilo e protecção subsidiária) os quais, muito embora obedecendo a requisitos materiais diferentes partilham, do ponto de vista procedimental, uma regulação idêntica. Esclarecedora nesse sentido é, desde logo, a alínea ab) do n.º 1 do artigo 2.º, ao definir “proteção internacional” como o conjunto “[d]o estatuto de proteção subsidiária e [d]o estatuto do refugiado”.
Similitude procedimental que determina que, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º, a atribuição do estatuto da protecção subsidiária deva ser sempre ponderada em alternativa à atribuição do estatuto de refugiado, havendo uma convolação oficiosa do pedido inicial por parte da Administração, caso não se verifiquem os pressupostos do pedido de asilo, para um pedido de proteção subsidiária. Materialmente, porém, asilo e proteção subsidiária correspondem a dois estatutos diferenciados.
Logo, o Recorrente não formulou qualquer pedido de autorização de residência nos termos e para os efeitos da Lei nº 23/2007, o qual se rege por procedimentos e normas específicas conforme a situação particular do requerente”. Regime sobre o qual o acórdão tece considerações, nomeadamente sobre o art. 123º da Lei nº 23/2007, assinalando que embora se trate de um procedimento oficioso sempre caberia ao Recorrente efectuar o respectivo pedido nesse âmbito, junto da Entidade Demandada.
O acórdão teve ainda em conta que nada foi alegado pelo Recorrente sobremotivos fundamentos/significativos de que o Estado donde é nacional é incapaz de tomar medidas capazes de prevenir, detectar, proceder judicialmente e punir os actos de perseguição/ameaça grave, ou de que existe uma situação de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos, perante a inacção ou impotência dos agentes estatais. Aliás, questionado em concreto, sobre se alguma vez foi vítima de algum ataque ou perseguido, disse que não. Daí que o seu pedido tenha sido considerado infundado, nos termos da alínea e) do nº 1 do art. 19º da Lei do asilo, (…)”.
Além de que, ainda que o pedido de asilo não tivesse sido considerado infundado, sempre haveria de trazer à colação o art. 12º, nº 1 do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 (regulamento de Dublin), na medida em que detendo o Recorrente título de autorização de residência em Itália, válido até 01.01.2027, o Estado-Membro que o tiver emitido é responsável pela análise do pedido de protecção internacional, in casu o Estado Italiano.
No mais considerou que o Recorrente não alegou qualquer impedimento ou impossibilidade de regressar ao seu país ou ao país de residência em virtude de sistemática violação dos direitos humanos. E que a alegada violação dos arts. 13º e 20º da CRP é incompatível com o presente processo em que o Recorrente pôde expor e defender o seu ponto de vista e reclamar os direitos que entende lhe serem devidos. Não logrou obter vencimento, mas tal não significa qualquer colisão ou restrição dos referidos direitos.
Assim, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Na presente revista o Recorrente vem reafirmar o que alegara nas instâncias. Para além de invocar a nulidade do acórdão recorrido por falta de especificação de fundamentos de direito (art. 615º, nº 1, al. b) do CPC), alega ainda que a interpretação do acórdão recorrido ao concluir que se podem preterir formalidades essenciais [no caso a audição do interessado] viola os princípios da juridicidade, legalidade, boa fé e da tutela jurisdicional efectiva [por, segundo defende, em momento algum o Recorrente pôde apresentar elementos ou sequer defender-se, tendo-lhe sido imposto um indeferimento, de forma desleal, sem que tenha havido um eventual enquadramento num dos arts. 123º, nº 1, al. b), 88º, 116º, nº 1, al. d) ou 122, nº 1, al. g), todos da Lei nº 23/2007, de 4/7], sendo inconstitucional a interpretação do art. 17º, nºs 1, 2 e 3 da Lei nº 27/2008, dos arts. 121º e 122º do CPA, do art. 89-A do CPTA, do art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva previsto no art. 20º da CRP e concretizado no contencioso administrativo, no art. 268, nº 4 da CRP e inconstitucionalidades por violação dos arts. 8º, nº 4 e 267º, nº 5 da CRP.
A argumentação do Recorrente não é, porém, convincente.
Desde logo, quanto à arguição da nulidade, mesmo no juízo sumário que a esta Formação cabe fazer, é manifesto que a mesma não ocorre, tanto porque o acórdão recorrido conheceu de todas as questões submetidas pelo Recorrente à sua apreciação, como porque contém os fundamentos de direito que a propósito de cada questão considerou aplicáveis, explicitando, nomeadamente, porque considerava não ser aplicável ao caso a Lei nº 27/2008, como porque improcedia a violação do direito de audição do interessado.
Aliás, tal como se sublinhou no acórdão complementar de 23.03.2023, o Recorrente ignora, em absoluto - agora na presente revista - (como o fizera em sede de apelação), os fundamentos aduzidos pelas instâncias em relação às questões que suscitou, primeiro na petição inicial e, depois, na apelação.
No entanto, as instâncias decidiram as questões atinentes à aplicação da Lei do Asilo [e à não aplicabilidade no caso da Lei nº 23/2007 -, face ao que fora requerido à Administração pelo Recorrente] de forma e com fundamentação coincidente.
Ora, as questões suscitadas na apelação aparentam terem sido bem decididas pelo TCA (como antes pela 1ª instância), sem que se vislumbre que o acórdão recorrido tenha incorrido em erro de julgamento quanto à aplicação da Lei do Asilo que pudesse justificar a admissão da revista.
Aliás, não se vislumbra que a interpretação que o Recorrente pretende fazer do art. 17º, nº 1 da Lei do Asilo pudesse levar à violação da miríade de preceitos legais e constitucionais e da Convenção Internacional invocados pelo Recorrente na presente sede de revista. Diga-se, ainda, que o próprio acto impugnado refere expressamente que o indeferimento do pedido de asilo e de autorização de residência por protecção subsidiária, “não prejudica o acesso ao regime de autorização de residência previsto na Lei nº 23/2007, de 4 de julho, na sua atual redação” (sublinhado nosso - cfr. ponto 13 dos factos provados).
Não se vislumbra, igualmente, no juízo sumário que a esta Formação de Apreciação Preliminar cabe fazer, que tenha sido violado o direito à tutela jurisdicional efectiva, uma vez que o caso do Recorrente foi apreciado em dois graus de jurisdição (e de forma consonante), no sentido da legalidade do acto impugnado que indeferiu os pedidos formulados à Administração, no que tudo indica que a revista é inviável.
Quanto a eventuais questões de inconstitucionalidade a revista não é o meio próprio para serem conhecidas, por poderem ser directamente colocadas ao Tribunal Constitucional, conforme é entendimento pacífico desta Formação.
Assim, face à aparente exactidão do acórdão recorrido, não se vendo necessidade de uma melhor aplicação do direito, nem revelando o objecto da revista (quanto às questões apreciadas e nos precisos termos em que o foram) especial relevância jurídica ou social ou complexidade superior ao normal para este tipo de problemática, estando aqui em causa apenas um interesse próprio do recorrente, não se justifica admitir o recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Sem custas dada a isenção legal.

Lisboa, 4 de Maio de 2023. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso - Fonseca da Paz.