Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:048065
Data do Acordão:03/19/2002
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JOÃO BELCHIOR
Descritores:VENCIMENTO.
NOTIFICAÇÃO.
ACTO CONFIRMATIVO.
TAREFEIRO.
DIRECÇÃO GERAL DAS CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS.
PROCESSAMENTO DE ABONOS
Sumário:I - Cada acto de processamento de vencimentos, gratificações e abonos constitui, em princípio, um verdadeiro acto administrativo, e não simples operação material, já que, como acto jurídico individual e concreto, define a situação do funcionário abonado perante a Administração, e que, por isso, se consolida na ordem jurídica como "caso decidido" ou "caso resolvido", se não for objecto de atempada impugnação graciosa ou contenciosa.
II - Tal doutrina, no entanto, tem implícita dois limites essenciais, consubstanciados: (i) por um lado, na necessidade de uma definição inovatória e voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, da situação jurídica do administrado relativamente ao processamento "em determinado sentido e com determinado conteúdo"; (ii) por outro lado, na necessidade de o conteúdo desse acto ser levado ao conhecimento do interessado através da notificação, que é sempre obrigatória, mesmo quando o acto tenha de ser oficialmente publicado, conforme resulta da injunção inscrita no nº3 do artº 268º da Lei Fundamental e, actualmente, com concretização na lei ordinária através dos artºs 66º e segs. do Código de Procedimento Administrativo, devendo o acto de notificação, para ser eficaz, obedecer aos parâmetros impostos pelo artº 68º deste mesmo Código.
III - Tendo em vista o exposto, há que concluir que os aludidos actos de processamento só podiam constituir actos administrativos se traduzissem uma definição jurídico-administrativa relativamente aos abonos em causa.
IV - Por outro lado e para além do exposto, sem a comprovação de que algum dos actos de processamento, tenha sido validamente notificado ao interessado, atento o enunciado no art.º artº 55º da L.P.T.A. não pode falar-se em relação de confirmatividade entre algum daqueles actos relativamente ao acto impugnado contenciosamente.
V - Não se tendo comprovado o referido em 3 e 4, carece de fundamento a rejeição do recurso contencioso interposto de acto tácito de indeferimento de pedido de pagamento de abonos com a invocação de que tal situação remuneratório/funcional havia sido objecto de definição através dos aludidos actos de processamento.
Nº Convencional:JSTA00057356
Nº do Documento:SA120020319048065
Data de Entrada:10/03/2001
Recorrente:A..
Recorrido 1:MINFIN
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL / ESTATUTÁRIO.
Legislação Nacional:CPA91 ART9 ART66 ART68 ART109.
CONST97 ART268 N3.
LPTA85 ART55.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC35280 DE 1994/11/30.; AC STA PROC47683 DE 2001/10/30.; AC STA PROC46898 DE 2001/06/21.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
I- Relatório
A..., com os demais sinais dos autos, interpôs no Tribunal Central Administrativo (TCA) recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento tácito (A.C.I.) que se formou na sequência de interposição de recurso hierárquico que dirigiu ao Ministro das Finanças em 04.12.97, imputando-lhe vicios de violação de lei.
No TCA foi proferido o acórdão de fls. 50-54 que rejeitou o recurso por carência de objecto.
De tal acórdão recorre para este Supremo Tribunal a referida recorrente contenciosa.
Na sua alegação a recorrente alga e conclui afirmando em essência que:
1.O acórdão recorrido errou ao dar por verificada a questão prévia da inexistência do indeferimento tácito por falta do dever legal de decidir;
2.Efectivamente, o alegado caso resolvido ou decidido, estribado na teoria dos actos processadores de vencimentos ou abonos, não tem razão de ser, in casu, pois a recorrente nunca foi notificada de qualquer “decisão” inequivocamente tomada pela Administração a respeito das diferenças de vencimentos, e que devesse impugnar (sob pena de caso decidido ou resolvido), que lhe não pode, assim, ser oponível (cf. artºs 66º e 68º do CPA).
Neste Supremo Tribunal, a Exmª. Procuradora da República tendo vista nos autos, através do seu parecer de fls. 74-75vº, começando por sustentar que o acórdão recorrido fez correcta invocação da teoria de que os actos de processamento de vencimentos ou abonos constituem verdadeiros actos administrativos, concluiu no entanto que a matéria factual apurada é insuficiente para sustentar a conclusão vertida no acórdão, visto desconhecer-se quando foi praticado o acto, em que condições foi notificado à recorrente e se o mesmo constituía uma definição unilateral e autoritária da situação jurídica da mesma ou se não se resumia a mera omissão a tal respeito.
Por isso, segundo aquela Exm.ª Magistrada, torna-se necessário apurar se o aludido acto de processamento preenchia as condições para que pudesse ser oponível ao interessado, impondo-se a remessa dos autos ao TCA para ampliação da concernente factualidade.
Corridos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
No acórdão recorrido foi dada como assente a seguinte Matéria de Facto (M.ª de F.º):
1) - A recorrente, exerceu funções na 3.ª Repartição de Finanças do Porto na situação de “tarefeira", no período de 02.05.85 a 28.02.90, inerentes à categoria de liquidador tributário;
2) – Pelo período em que permaneceu nessa situação foi abonada dos quantitativos referentes aos meses de férias não gozadas, subsídios de férias e Natal;
3) - em 18.07.97 requereu ao DGCI o processamento das quantias devidas, durante aquele período, a título de diferenças de vencimentos (cf. fls. 13 e 14), que não foi objecto de qualquer decisão;
4) A recorrente em 24.11.97 dirigiu ao Ministro das Finanças um recurso hierárquico do acto tácito que se formou na sequência do aludido requerimento que dirigiu ao DGCI;
5) - o Ministro das Finanças não se pronunciou sobre tal recurso hierárquico;
III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
No recurso contencioso o que estava em causa era a impugnação de acto tácito imputado ao Senhor Ministro das Finanças e que se teria formado relativamente a petição de recurso hierárquico interposto de indeferimento tácito de requerimento dirigido ao Director Geral de Contribuições e Impostos (DGCI), através do qual a ora recorrente pediu que lhe fosse processado o abono das quantias que lhe eram devidas a título de diferenças de vencimento, subsídios de férias e de Natal, pelo tempo em que permaneceu na situação de «tarefeiro».
O douto acórdão recorrido rejeitou o recurso por carência de objecto.
Tal julgamento radicou basicamente na circunstância de a enunciada situação funcional que o recorrente pretendia ver reconhecida através do recurso contencioso, haver sido já objecto de sucessivos actos de processamento de vencimentos não impugnados.
Segundo o aresto recorrido, a recorrente “tinha assim conhecimento, conforme notificação oportunamente lhe fora feita, que aquele processamento não englobava e por isso dele haviam sido excluídos as diferenças de vencimento relativas àquele período”, pelo que, “se a recorrente não concordava com os montantes que então lhe foram processados por o processamento não integrar as diferenças de vencimento, em vez de aceitar o acto contra ele deveria ter-se insurgido”. Não o impugnando, “firmou-se o mesmo na ordem jurídica como caso resolvido ou decidido, não podendo posteriormente ser posto em causa”, visto que “a lesividade dos eventuais direitos da recorrente, deu-se com aquele acto de processamento e não com esse indeferimento tácito”. Em tal circunstancialismo, conclui o acórdão, não tinha a E.R o dever legal de decidir e daí a já falada carência de objecto do recurso contencioso.
Como se viu, a recorrente impugna o decidido pois que, e em síntese, o alegado caso resolvido ou decidido, estribado na teoria dos actos processadores de vencimentos ou abonos, não tem razão de ser, in casu, pois a recorrente nunca foi notificada de qualquer “decisão” inequivocamente tomada pela Administração a respeito das diferenças de vencimentos, e que devesse impugnar (sob pena de caso decidido ou resolvido), que lhe não pode, assim, ser oponível (cf. artºs 66º c. e 68º do CPA).
E, na verdade, afigura-se-nos que lhe assiste razão, pelo que a seguir se dirá.
Efectivamente, de harmonia com o que este STA vem reiteradamente afirmando e decidindo, sendo embora certo que, cada acto de processamento de vencimentos, gratificações e abonos constitui, em princípio, um verdadeiro acto administrativo, e não simples operação material, já que, como acto jurídico individual e concreto, define a situação do funcionário abonado perante a Administração, e que, por isso, se consolida na ordem jurídica como "caso decidido" ou "caso resolvido", se não for objecto de atempada impugnação graciosa ou contenciosa, no entanto esta orientação jurisprudencial tem implícita dois limites essenciais, consubstanciados: (i) por um lado, na necessidade de uma definição inovatória e voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, da situação jurídica do administrado relativamente ao processamento "em determinado sentido e com determinado conteúdo"; (ii) por outro lado, na necessidade de o conteúdo desse acto ser levado ao conhecimento do o interessado através da notificação, que é sempre obrigatória, mesmo quando o acto tenha de ser oficialmente publicado, conforme resulta da injunção inscrita no nº3 do artº 268º da Lei Fundamental e, actualmente, com concretização na lei ordinária através dos artºs 66º e segs. do Código de Procedimento Administrativo, devendo o acto de notificação, para ser eficaz, obedecer aos parâmetros impostos pelo artº 68º deste mesmo Código. A propósito poderão ver-se, e entre muitos outros, os acórdãos deste STA de: 30-11-94 (rec. 35280), de 30/10/2001 (rec. 47683) e de 21/06/2001 (rec. 46898).
Ora, relativamente a qualquer dos dois enunciados limites que devem ser opostos ao acto de processamento de vencimentos ou abonos para que possa assumir a assinalada natureza, nenhum elemento dos autos existe que lhe confira suporte. Isto é, do acervo factual dos autos, concretamente por ausência da concernente documentação por parte da E.R. (que suscitou a questão), nada resulta nem quanto à aludida definição jurídico-administrativa relativamente aos abonos em causa, nem quanto à notificação eventualmente feita ao interessado.
Mas assim sendo, face à carência de tais elementos jamais pode dizer-se que o invocado acto de processamento de vencimentos ou abonos, se encontre numa relação de confirmatividade com o acto contenciosamente impugnado por se desconhecer de todo o conteúdo daquele, sabendo-se que apenas se pode dizer que um acto administrativo é confirmativo de outro quando entre ambos existe, identidade de sujeitos de objecto e de decisão.
Por outro lado, e por se desconhecer também se ocorreu a falada notificação daqueles actos de processamento, e tendo em vista o disposto no art.º 55.º da LPTA, também não pode falar-se em relação de confirmatividade.
Por idêntico motivo, isto é por falta de oponibilidade do acto ao interessado, não pode falar-se em caso decidido ou resolvido.
Deste modo, face à ausência de prova quanto a tais elementos, o acórdão recorrido não podia ter concluído que a lesividade dos eventuais direitos da recorrente se operou com o invocado acto de processamento e não com o indeferimento tácito eleito como objecto do recurso contencioso.
Assim, perante a petição da recorrente dirigida ao DGCI a solicitar o processamento das quantias devidas, referida no ponto 3 da M.ª de F.º, e tendo em vista o enunciado nos artºs 9.º e 109.º do CPA, o acórdão recorrido não podia ter concluído pela ausência do dever legal de decidir e bem assim que se não formara, no caso, o imputado acto tácito com a consequente conclusão quanto à carência de objecto do recurso contencioso.
IV – DECISÃO:
Nos termos e com os fundamentos expostos, e em provimento do presente recurso, acordam em:
- revogar o acórdão recorrido, e
- ordenar a remessa dos autos ao TCA onde, de harmonia com o exposto, os autos deverão prosseguir seus termos.
Sem custas.
Lx. aos 19 de Março de 2002
João Belchior (Relator ) - António Madureira - Rosendo José