Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02542/15.4BELRS
Data do Acordão:01/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:PAGAMENTO POR CONTA
DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
Sumário:Se o sujeito passivo efectua o pagamento por conta no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, relativamente ao período de tributação imediatamente anterior, não comete a infracção prevista na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, se posteriormente apresenta declaração de substituição, da qual resulta um valor superior de imposto devido, o qual, se apurado aquando da entrega da primeira declaração, teria dado origem a pagamentos por conta de valor superior ao prestado.
Nº Convencional:JSTA000P28773
Nº do Documento:SA22022011202542/15
Data de Entrada:11/23/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..............., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 14-12-2020, que julgou procedente o recurso apresentado por A………………, Lda., da decisão proferida pelo Director da Direcção de Finanças de Lisboa, no âmbito do processo de contra-ordenação nº 32472015060000077501 que lhe aplicou a coima no montante de € 39.910,66, acrescida de custas, por falta de entrega de pagamento por conta, pela prática da infracção prevista e punida pelos artigos 104º, nº 1, alínea a) do CIRC, artigo 114º, nº 2 e 5 alínea f) e 26º, nº 4 do RGIT, interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Na motivação de recurso apresentada, formulou a Recorrente as seguintes conclusões:

«I – Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nos presentes autos em 14-12-2020, a qual concedeu provimento ao pedido formulado pela Arguida, absolvendo-a da responsabilidade contra-ordenacional e anulando a coima de € 39.910,66, aplicada no âmbito do processo de contra-ordenação tributária n.º 32472015060000077501, que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa 2 e foi instaurado pela falta de entrega de pagamento por conta do imposto no valor de € 130.427,02, relativo ao período de 2014/09, o que constitui contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do Código do IRC e do n.º 4 do artigo 26.º e n.º 2 e alínea f) do n.º 5, ambos do artigo 114.º, todos do RGIT.

II – Compulsada a Sentença recorrida, constatamos que a Meritíssima Juiz do Douto Tribunal a quo julgou os presentes autos totalmente procedentes, em virtude de ter considerado que a Arguida procedeu ao pagamento por conta do imposto que originou a infracção tributária ora discutida e que, a apresentação de declaração de substituição modelo 22 de IRC por banda da Arguida em fase posterior a tal pagamento, em que se apura um montante superior de imposto a pagar (relativamente à declaração modelo 22 de IRC submetida no prazo legal), não faz com que tal pagamento se mostre insuficiente ou inadequado.

III – Na sua génese, o presente recurso tem como escopo demonstrar o desacerto a que, na perspectiva da Fazenda Pública e com o devido respeito, chegou a Sentença recorrida, ao ter considerado que o facto de a Arguida ter apresentado declaração de substituição modelo 22 de IRC em nada contende com o valor do pagamento por conta do imposto devido a final apurado em consonância com a declaração modelo 22 de IRC entregue no prazo legal.

IV – Em consonância com o estipulado no artigo 33.º da LGT, e nos termos do disposto na alínea a) do n.º do artigo 104.º do Código do IRC, as entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto (…) em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável.

V – Sendo que a falta ou omissão de tais pagamentos por conta é punível como falta de entrega da prestação tributária, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT.

VI – Na verdade, é embrionária a ligação entre o “pagamento por conta” e o “imposto devido a final”, no sentido em que tal pagamento deve ser aferido por referência à situação contabilística e fiscal da empresa no fim do período a que se reporta o pagamento por conta.

VII – No caso em apreço, o valor do pagamento por conta que originou a infracção tributária foi apurado em sede de declaração de substituição apresentada pela Arguida em 02-03-2015, relativamente ao exercício de 2013, do qual resultou um valor do imposto a pagar superior ao resultante do apurado na declaração modelo 22 de IRC entregue dentro do prazo legal, cfr. alíneas B) a E) do probatório fixado na Sentença recorrida.

VIII – Ou seja, foi a própria Arguida que procedeu à alteração do imposto relativo a IRC do ano de 2013 apurado em consequência da entrega, dentro do prazo legal, da declaração periódica de rendimentos a que alude o artigo 120.º do Código do IRC, ou seja, em resultado da apresentação de declaração de substituição modelo 22 de IRC para o período de 2013, o imposto anteriormente liquidado e apurado pela Arguida e os respectivos pagamentos por conta são necessariamente alterados.

IX – Em resultado da apresentação de declaração de substituição modelo 22 de IRC para o período de 2013, o imposto anteriormente liquidado e apurado pela Arguida e os respectivos pagamentos por conta são necessariamente alterados, isto é, à data da apresentação daquela declaração de substituição, o valor do pagamento por conta efectuado pelo sujeito passivo apurado em momento anterior deixa de se conformar com o estatuído nos artigos 104.º e 105.º, ambos do Código do IRC.

X – E, com a alteração dos elementos susceptíveis de influenciar o quantum do imposto liquidado com base na declaração apresentada no prazo legal, colocou-se a ora Arguida na posição de infractora, porquanto o valor do pagamento por conta que deveria ter efectuado é o que decorre do novo imposto liquidado e não o que proveio do pagamento que efectuou à data da apresentação da declaração que não reflectia verdadeiramente o imposto liquidado para o exercício de 2013.

XI – Pelo facto de a Arguida ter procedido à apresentação de declaração periódica de rendimentos de substituição, em que foi alterado o montante do imposto a pagar (relativamente à declaração periódica de rendimentos apresentada no prazo legal), o montante do pagamento por conta a efectuar sobre uma variação irreversível.

XII – E, nesta conformidade, o pagamento por conta que a Arguida deveria ter efectuado (mas não efectuou) é o que resulta do novo imposto liquidado, de montante superior ao IRC liquidado inicialmente, o qual não reflectia fidedignamente a sua real situação tributária.

XIII – Na situação sub judice, a ora Arguida não efectuou o pagamento por conta do imposto liquidado com base na declaração vigente para o exercício de 2013 (declaração de substituição apresentada em 02-03-2015); pelo contrário, tal pagamento teve subjacente um valor de imposto que veio a ser posteriormente alterado por sua espontânea iniciativa.

XIV – Nesta senda, admitir-se a tese vertida na Sentença significaria atribuir um livre passe a qualquer sujeito passivo de IRC que pretenda ver reduzido os valores do pagamento por conta do imposto devido a final, conferindo-lhe legitimidade para recorrer a ardiloso mecanismo que tem como intuito a subtracção dos impostos dos cofres do Estado; para o que bastaria ao sujeito passivo de imposto apresentar a declaração modelo 22 de IRC dentro do prazo legal, efectuar os pagamentos por conta do imposto devido a final com base no imposto aí apurado e posteriormente, por lapso ou conveniência, apresentar declaração de substituição com imposto liquidado num montante superior, sem que dessa conduta resultasse qualquer punição a título contra-ordenacional.

XV – O que sempre constituiria um expediente manifestamente abusivo, ilícito e ilegal, colocado à perfeita disponibilidade do sujeito passivo de imposto, e que V.ªs Ex.ªs, muito doutamente, não deixarão de suprir.

XVI – Até porque não se deve olvidar que, em harmonia com a tipificação da infracção tributária prevista na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, que a falta de pagamento de prestação tributária constitui, como sabemos, uma “infracção de resultado” e não simplesmente uma “infracção de perigo”. Assim sendo, o que verdadeiramente importa “na economia da norma de punição em foco, não é o perigo de lesão do interesse protegido. O que verdadeiramente importa, para a norma de punição, é o resultado, ou seja, a efectiva lesão do interesse protegido. Isto é: a presença de imposto devido que não tenha sido entregue”, cfr. Acórdão do STA de 07-03-2007, proc. n.º 0877/06.

XVII – Desta forma, havendo imposto calculado pela Arguida em montante superior àquele que resulta da declaração modelo 22 de IRC apresentada dentro do prazo legal, e não tendo havido pagamentos por conta que reflictam tal apuramento de imposto, verifica-se o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição, porque sucede a lesão do interesse protegido pela alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT.

XVIII – E tal motivo é suficiente para que a Arguida se tenha constituído agente do facto ilícito integrante do tipo de infracção constante da alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, tendo a sua conduta preenchido todos os elementos constitutivos de tal infracção.

XIX – A Sentença recorrida, ao decidir não atribuir qualquer relevância à alteração do apuramento do imposto efectuado pela Arguida e às consequências que tal alteração acarretam para os respectivos pagamentos por conta por si efectuados, bem como ao julgar a inexistência de qualquer infracção tributária se os pagamentos por conta forem efectuados com base num imposto manifestamente inferior ao devido, decidiu com errada interpretação das normas legais citadas, não podendo manter-se na ordem jurídica.

XX – Pelo que, atenta a factualidade dada como provada, a Sentença recorrida, ao decidir nos termos em que o fez, estribou-se numa errónea apreciação da matéria de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

1.3. A arguida, «A………………», notificada da interposição do recurso, contra-alegou, formulado as seguintes conclusões:

«A) No presente Recurso a Fazenda Pública insurge-se contra a douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que anulou a coima aplicada à ora Recorrida pela AT por alegado não pagamento do 2.º pagamento por conta de IRC relativo ao exercício de 2014.

B) No entender – errado e ilegal, como ficou provado em 1.ª instância – da AT, a ora Recorrida havia praticado a contraordenação prevista e punida pelos artigos 114.º, n.º 5, alínea f); 114.º, n.º 2; e 26.º, n.º 4 do RGIT.

C) Como ficou provado, no ano de 2014, a Recorrida efetuou o segundo pagamento por conta de IRC de 2014 nos termos da lei – cf. Ponto C) da “Fundamentação de facto”, p. 2, da sentença recorrida.

D) A posição da Fazenda pode resumir-se ao seguinte: em 2014 aceita os pagamentos por conta de IRC desse ano, devidos em julho, setembro e dezembro com base na declaração Modelo 22 de 2013 (submetida em maio de 2014), que vem a ser substituída em 2015. Em 2015 acusa o contribuinte de não ter efetuado os pagamentos de 2014 com base numa substituição da declaração Modelo 22 que só ocorreu em 2015.

E) Este entendimento da AT é contrário à jurisprudência unânime sobre este tema (v.g. acórdão do TCA Sul, de 9 de março de 2017 no processo nº 3110/15.6BESNT e acórdãos do TCA Norte de 21 de dezembro de 2017 no processo nº 00622/16.8BEAVR e de 8 de março de 2018 no processo n.º 00415/11.9BECBR).

F) E esta não é a única situação em que as interpretações da AT relativamente aos efeitos das declarações de substituição de IRC nos pagamentos por conta são declaradas ilegais pelos tribunais. Em situações semelhantes, a AT – ao invés de aplicar uma coima por não pagamento (como fez no caso sub judice) – veio liquidar ao contribuinte juros compensatórios relativamente à diferença entre o montante dos pagamentos por conta efetuados e os montantes que seriam efetuados se o contribuinte tivesse considerado os valores resultantes das declarações de substituição: veja-se o processo n.º 314/2018-T no qual o coletivo de árbitros do tribunal arbitral a funcionar sob a égide do CAAD, em 22 de novembro de 2018, decidiu pela ilegalidade desses juros.

G) Prosseguindo para a questão jurídica em causa, a argumentação da Fazenda e a motivação do presente recurso divide-se em torno de três pontos centrais:

• A natureza provisória dos pagamentos por conta, que só se tornariam definitivos depois da entrega da declaração modelo 22 de substituição;

• A apresentação da declaração modelo 22 de substituição efetuada ter sido alegadamente dolosa;

• A infração alegadamente incorrida trata-se de uma “infração de resultado” e não simplesmente “infração de perigo”.

H) Quanto ao primeiro ponto, como é consabido, os pagamentos por conta são sempre uma antecipação de imposto e não correspondem ao imposto devido a final, pelo que sempre ficarão aquém ou além deste. Uma declaração modelo 22 de substituição, apresentada dois anos depois do fecho do exercício é passível de alterar (e aumentar) o IRC devido pelo contribuinte em causa – tal como o fez in casu – mas não poderá corrigir os pagamentos por conta devidos no passado feitos em função da declaração Modelo 22 primeiramente apresentada…

I) Quanto ao segundo ponto, a responsabilidade contraordenacional depende da verificação de um comportamento doloso ou negligente a ser provado, pelo que, não se coaduna com meras alegações en passant, devendo, ao invés, resultar de factos concretamente alegados na acusação e posteriormente provados, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 2.º do RGIT, interpretado à luz do disposto no RGCO e no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do CPP.

J) Quanto ao terceiro ponto, o bem jurídico que a norma do RGIT protege é a receita de IRC, não é a “receita” de pagamentos por conta baseada na declaração de rendimentos do ano anterior, como a AT parece defender, e a receita de IRC está sempre assegurada pela liquidação de IRC, a menos que se prove que o contribuinte deliberadamente ocultou lucro para diminuir a receita, o que manifestamente não foi o caso.

Razões pelas quais a douta sentença recorrida não padece de nenhum dos vícios que lhe são apontados pela Recorrente devendo, consequentemente, manter-se integralmente na ordem jurídica.».

1.4. A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo, emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

1.5. Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à Conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. Neste contexto, a única questão que importa apreciar e decidir é a de saber se o sujeito passivo que efectua tempestivamente o pagamento por conta por referência ao imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, relativamente ao período de tributação imediatamente anterior, comete a infracção prevista na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, se posteriormente apresenta declaração de substituição, da qual resulta um valor superior de imposto devido, o qual, se apurado aquando da entrega da primeira declaração, teria dado origem a pagamentos por conta de valor superior ao prestado.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Da instrução dos autos resultaram provados os seguintes factos:

A) A Recorrente é uma sociedade comercial que no exercício de 2013 estava sujeita ao regime geral de IRC (cfr. Declaração Modelo 22 de IRC - Documento n.º 8 junto com a petição inicial).

B) Em 10.05.2014, a Recorrente submeteu, por referência ao exercício de 2013, Declaração Modelo 22, apurando uma colecta de € 103.078,17 e imposto a pagar de € 49.618,77 (cfr. Declaração Modelo 22 de IRC - Documento n.º 8 junto com a petição inicial).

C) Com base na referida declaração foram calculados os Pagamentos por conta a efectuar em 2014, tendo sido entregues, nos respectivos prazos:
Nº Guia
Tipo
Data de Pagamento
Montante
164435359318015
2014 – 1º Pag. Por Conta
30.07.2014
€ 30.470,00
164135360790571
2014 – 2º Pag. Por Conta
29.09.2014
€ 30.470,00
164035364351033
2014 – 3º Pag. Por Conta
12.12.2014
€ 30.470,00
(cfr. documentos n.º 8. 5, 6 e 7 juntos com a petição inicial).

D) Em 2015, a Recorrente foi sujeita a uma acção inspectiva (facto não controvertido);

E) Em 02.03.2015, na sequência da inspecção tributária, foi submetida declaração Modelo 22 de substituição referente a 2013, com colecta de € 514.954,9 e IRC a pagar de € 503.002,73 (cfr. documento n.º 11 junto com a petição inicial).

F) Em 22.04.2015, a Recorrente submeteu declaração Modelo 22 do IRC, referente ao exercício de 2014, onde declara sujeição ao regime de transparência fiscal (cfr. documento n.º 15 junto com a petição inicial).

G) Em 23.03.2015, foi levantado auto de notícia contra a Recorrente, relativamente à seguinte infracção:

[IMAGEM]

(cfr. fls. 2 dos autos).

H) Na mesma data, foi autuado, no Serviço de Finanças de Lisboa 2, contra a Recorrente, o processo de contra-ordenação nº 32472015060000077501, no âmbito do qual foi remetida notificação nos termos do artigo 70º do RGIT (cfr. fls. 1 e 4 dos autos).

I) Em 10.04.2015, a recorrente apresentou defesa, que se dá por integralmente reproduzida (cfr. fls. 4 a 27 dos autos);

J) Em 17.04.2015, foi proferida decisão de fixação de coima, nos seguintes termos:

[IMAGEM]

(Cfr. fls. 28 a 30 do SITAF).

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. A Fazenda Pública interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que anulou a decisão do Director da Direcção de Finanças de Lisboa, que, no âmbito do processo de contra-ordenação nº 32472015060000077501, aplicou à arguida uma coima no montante de € 39.910,66, acrescida de custas, por falta de entrega de pagamento por conta, conforme previsto e punível pelos artigos 104º, nº 1, alínea a) do CIRC e artigo 114º, nº 2 e 5 alínea f) e 26º, nº 4 do RGIT.

3.2.2. Alega a Recorrente, em síntese nossa, suportada nas conclusões de recurso, que o pagamento por conta realizado pela Recorrida não foi feito por referência ao valor de imposto validamente liquidado para o ano de 2013 (declaração de substituição voluntariamente apresentada em 2-3-2015 pelo sujeito passivo), mas, antes, por referencia ao valor que constava da declaração originariamente apresentada ou substituída, o que não pode nem deve ser relevado sob pena de ser desvirtuado o regime legal, permitindo-se que qualquer sujeito passivo de IRC que pretenda ver reduzido os valores do pagamento por conta do imposto devido a final recorra a este modus operandi para subtrair os impostos dos cofres do Estado.

3.2.3. Mais alega a Recorrente, em abono da sua pretensão revogatória, e como já anteriormente se apresentara a defender nos autos, que, que, em harmonia com a tipificação da infracção tributária prevista na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, a falta de pagamento de prestação tributária constitui uma “infracção de resultado” e não simplesmente uma “infracção de perigo”. Pretendendo, com esta alegação sublinhar, que o que deve relevar, na economia da norma de punição em apreço, não é o perigo de lesão do interesse protegido, mas o resultado, a efectiva lesão do interesse protegido. Isto é: a presença de imposto devido que não tenha sido entregue.

3.2.4. Pelo que, conclui, sendo o imposto calculado pela Recorrida de montante superior ao que resulta da declaração modelo 22 de IRC apresentada dentro do prazo legal, e não tendo havido pagamentos por conta que reflictam tal apuramento de imposto, verifica-se o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição, porque sucede a lesão do interesse protegido pela alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT.

3.2.5. Como se vê das contra-alegações, a arguida dissente totalmente da tese da Recorrente, no que foi acompanhada pela sentença recorrida, e que vão, ambas, no sentido de que, estando apurado que o primeiro e segundo pagamentos por conta foram realizados em conformidade com o artigo 105.º, n.º 1 do CIRC, por terem sido calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior, não há que julgar verificada a infracção prevista na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º RGIT. Ou seja, a tese da arguida, que o Tribunal a quo confirmou pelo seu julgamento, é que a infracção imputada não se verifica nas situações em que o sujeito passivo, detectando um erro na sua declaração de rendimentos, apresenta uma declaração de substituição, integralmente aceite pela Administração Tributária, da qual resulta um valor superior de imposto devido, sendo irrelevante que, se entregue originariamente, daria origem a pagamentos por conta de valor superior ao prestado, sendo esta conduta “punível” pelo pagamento da coima prevista pela submissão intempestiva da declaração de rendimentos ou ao pagamento do IRC fora do prazo e não nos termos preconizados e efectuados pela Autoridade Tributária.

3.2.6. Adiantamos desde já que a sentença sob recurso não merece censura, uma vez que, tendo o sujeito passivo efectuado o pagamento por conta no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, relativamente ao período de tributação imediatamente anterior, não comete a infracção prevista na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT se posteriormente apresenta declaração de substituição, da qual resulta um valor superior de imposto devido, o qual, se apurado aquando da entrega da primeira declaração, teria dado origem a pagamentos por conta de valor superior ao prestado.

3.2.7. Este é, de resto, um entendimento uniforme dos nossos Tribunais Superiores, como o Tribunal a quo e a Recorrida oportunamente salientaram nas peças processuais que elaboraram e subscreveram, razão pela qual se nos afigura, inclusive, algo impertinente a posição que, nesta matéria e de forma permanente, a Autoridade Tributária vem assumindo.

3.2.8. E, por assim ser, limitamo-nos a transcrever parcialmente um aresto desta mesma Secção e Supremo Tribunal de 21-4-2021 (proferido no processo n.º 3127/15.0BESNT e integralmente disponível em www.dgsi.pt ), em que a questão de direito é exactamente a mesma e a matéria de facto é praticamente idêntica (incluindo os anos de imposto em causa), que aqui convocamos em reforço de fundamentação:

«Apreciando.

Os preceitos que prevêem a infração imputada à arguida e a sua penalização dispõem (na redação vigente na data dos factos e na parte relevante para o caso) o seguinte:

Artigo 105.º do Código do IRC

Cálculo dos pagamentos por conta

1 - Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n° 1 do artigo 90° relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquidos da dedução a que se refere a alínea e) do n° 2 desse artigo.

(...)

3 - Os pagamentos por conta dos sujeitos passivos cujo volume de negócios do período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos seja superior a (euro) 500 000 correspondem a 95% do montante do imposto referido no nº1, repartido por três montantes iguais, arredondados, por excesso, para euros. (...).

(…).

Artigo 104.° do Código do IRC

Regras de pagamento

1 - As entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:

a) Em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos nºs 2 e 3 do artigo 8°, no 7° mês, no 9° mês e no dia 15 do 12º mês do respectivo período de tributação;

b) Até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração periódica de rendimentos, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias entregues por conta,

c) Até ao dia do envio da declaração de substituição a que se refere o artigo 122º, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias já pagas,

(...).»

Artigo 114.º do RGIT

Falta de entrega da prestação tributária

1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.

2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.

3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, lendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.

4 - As coimas previstas nos números anteriores são também aplicáveis em qualquer caso de não entrega, dolosa ou negligente, da prestação tributária que, embora não tenha sido deduzida, o devesse ser nos termos da lei.

5 - Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:

(...)

f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido afinal, incluindo as situações de pagamento especial por conta.

(...).».

Das normas transcritas resulta que as entidades que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto (IRC) em três pagamentos por conta, em julho, setembro e 15 de dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável. Se o não fizerem, isto é, se não procederem a esse pagamento, ainda que parcial, no prazo de 90 dias contados a partir de cada uma daquelas datas, incorrem, pelo menos, na prática de uma infração, a qual é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro ou, sendo essa infração imputada a título de negligência, variável entre 15% e metade do imposto em falta.

Ora, no caso em apreço é manifesto que a conduta da ora Recorrida, não preenche os elementos do tipo legal da infração que lhe é imputada.

Na verdade, certo que estava obrigada a efetuar o pagamento por conta (o primeiro) em julho de 2014, não menos certo é que o efetuou. E no seu cálculo teve em conta os ditames da lei, ou seja, foram-no com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, relativamente ao período de tributação imediatamente anterior. Ou seja, a Arguida cumprindo o prazo legal, efetuou o pagamento do imposto e efetuou-o nos montantes determinados na lei. As alterações das circunstâncias posteriores ao cumprimento não podem ser tidas em conta porque ainda não existiam ao tempo em que a obrigação tinha de ser cumprida. Deste modo, a declaração de substituição modelo 22 apresentada em dezembro de 2014, não altera retroativamente, como quer o Recorrente, o conteúdo da obrigação de pagamento do imposto, designadamente no que respeita ao seu montante, que ficou cristalizado atrás no tempo. O Recorrente defende que o pagamento por conta não foi efetuado, porque o valor entregue foi inferior àquele que resulta dos cálculos após a apresentação da declaração de substituição apresentada em dezembro de 2014. Mas não explica o Recorrente como é que aquando do primeiro pagamento por conta, em julho de 2014, podia a Arguida ter efetuado os cálculos com base nos valores que resultariam de uma declaração de substituição que ainda não existia, que só alguns meses decorridos seria apresentada. Depois, ao falar em “intuito a subtração dos impostos dos cofres do Estado” e em “imposto devido” que não é entregue, o Recorrente esquece a natureza cautelar ou caucional do pagamento por conta, como o definiu o Tribunal Constitucional. Embora a pronúncia respeitasse diretamente ao pagamento especial por conta, o Tribunal Constitucional atribui-lhes a mesma natureza (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 494/2009, de 29/09/2009:

“O PEC é um instrumento tributário que configura uma obrigação fiscal do contribuinte, ao qual é exigido que pague antecipadamente um montante legalmente determinado relativo a um imposto antes do seu apuramento definitivo.

A finalidade dos pagamentos por conta (do PEC mas, do mesmo modo, do pagamento normal por conta - PNC) é a de, concretizando a máxima pay as you earn, aproximar a data do pagamento, neste caso, do IRC, da data da produção ou obtenção dos rendimentos, sendo certo que a obrigação tributária apenas estará efectivamente definida e quantificada no final do respectivo período de imposição, por referência aos factos tributários que fundam a emergência da obrigação do imposto. Imposições deste género correspondem juridicamente, numa perspectiva estrutural, a actos tributários provisórios e, funcionalmente, a actos cautelares ou caucionais.”

O pagamento por conta é uma antecipação do pagamento do imposto que irá ser apurado a final. E é, por isso, também provisório. A obrigação tributária apenas estará efetivamente definida e quantificada no final do respetivo período, o último dia do ano. Ora, o Recorrente nada diz sobre o imposto devido a final (ano de 2014), sobre o seu montante e sobre o seu pagamento. Embora, tais elementos não relevem para a sorte já definida do presente recurso, serve a nota para demonstrar que o argumento do Recorrente no sentido de que o comportamento deve ser sancionado, pois o contrário “significaria atribuir um livre passe a qualquer sujeito passivo de IRC que pretenda ver reduzido os valores do pagamento por conta do imposto devido a final, conferindo-lhe legitimidade para recorrer a ardiloso mecanismo que tem como intuito a subtracção dos impostos dos cofres do Estado”, não tem solidez quando está em causa uma entrega provisória do imposto (a qual, reitera-se, no caso, foi efetuada no prazo e calculada nos termos da lei).

Como refere a Recorrida, a infração prevista na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT não se verifica nos casos em que o sujeito passivo deteta um erro na sua declaração de rendimentos e apresenta consequentemente declaração de substituição, da qual resulta um valor superior de imposto devido, o qual, se apurado aquando da entrega da primeira declaração, teria dado origem a pagamentos por conta de valor superior ao prestado. Isto seria um outro tipo legal, que não o que foi imputado à Recorrida, e que também não está previsto na lei. E no ilícito contraordenacional vale, como no direito penal, o princípio da legalidade e da tipicidade (artigo 2.º do RGCO e artigo 2.º, n.º 1 do RGIT).»

3.2.9. São, pois, de julgar totalmente improcedentes as conclusões aduzidas pela Recorrente em abono da sua pretensão revogatória do julgado e, consequentemente, há que negar provimento ao recurso, o que, a final, se determinará.

4. Decisão

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negar provimento ao presente recurso jurisdicional.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2022 - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - José Gomes Correia - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.