Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01053/09
Data do Acordão:05/19/2010
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:DIREITO DE AUDIÇÃO
CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL
AVALIAÇÃO
MATÉRIA COLECTÁVEL
DIREITO DE PARTICIPAÇÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA
Sumário: I - O direito de audição no procedimento tributário através das formas previstas no art° 60.ºa LGT apenas tem lugar quando "a lei não prescrever em sentido diverso".
II - Prevendo-se no procedimento tributário regulado no Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Decreto-Lei n° 43/98 de 3/3, a participação do contribuinte na fixação da matéria colectável, através da integração da comissão de avaliação prevista no seu art.º 40 e não se admitindo a possibilidade de a liquidação ser efectuada com base em valor diferente do que resulta da avaliação, é de concluir que é apenas através daquela comissão que é assegurado o direito de participação do contribuinte na formação da decisão.
Nº Convencional:JSTA00066434
Nº do Documento:SAP2010051901053
Data de Entrada:01/13/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC TCA SUL DE 2009/04/21 - AC STA PROC977/02 DE 2002/11/13.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - MATÉRIA COLECTÁVEL.
Legislação Nacional:LGT98 ART57 N1 ART60 NA REDACÇÃO DA L 16-A/2002 DE 2002/05/31.
DL 43/98 DE 1998/03/03 ART2 N2 ART4 ART6 ART10.
CIRC88 ART43.
CONST97 ART267 N5.
CPC96 ART687 N4.
CPTA02 ART152.
CPA91 ART100 ART101 N2 N3 ART102 N2 ART103 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC615/07 DE 2007/11/07.; AC STA PROC1065/05 DE 2006/03/29.; AC STAPLENO PROC16/07 DE 2008/07/14.; AC STAPLENO PROC616/07 DE 2008/07/14.; AC STAPLENO PROC837/07 DE 2008/11/19.; AC STAPLENO PROC1055/09 DE 2010/03/24.; AC STA PROC911/09 DE 2010/02/03.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1- “A…, Lda.” vem recorrer para este Pleno do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21/04/09, que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara improcedente uma impugnação judicial.
Invoca como fundamento do recurso o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 13/11/2002, recurso n.º 977/02.
Por despacho do Exmo Relator do Tribunal Central Administrativo Sul concluiu-se existir a invocada oposição de julgados, tendo sido as partes notificadas para apresentar alegações nos termos do artigo 284.º, n.º 5 do CPPT.
A recorrente apresentou alegações em que conclui do modo seguinte:
1. Encontram-se preenchidos os requisitos dos quais depende a admissão do presente recurso por oposição de acórdãos, já que ambos foram proferidos no âmbito da mesma legislação - artigo 60.° da Lei Geral Tributária e Decreto-Lei 43/98, de 3 de Março - respeitam as mesmas questões fundamentais - existência ou não de preenchimento do direito de audição prévia do contribuinte através da participação de um seu representante numa comissão de avaliação e a possibilidade do contribuinte poder influenciar após a comissão de avaliação a liquidação; respeitam a soluções, expressamente, opostas, bem como foram decididas num quadro factual idêntico.
II. Resulta dos factos provados que a liquidação de contribuição especial foi efectuada pela Administração Fiscal, exclusivamente, com base em elementos, totalmente, exteriores à vontade da Recorrente. De facto, todos os elementos constantes do termo de avaliação a fls. 11 a 14 do apenso da reclamação graciosa foram trazidos pela Administração Tributária, limitando-se o contribuinte a indicar um perito para estar presente nessa avaliação. Resulta, assim, dos autos que em todo o procedimento nunca foi concedido ao contribuinte qualquer oportunidade de ser ouvido previamente à liquidação, sendo certo que a Recorrente só teve conhecimento dos termos da avaliação no dia em que foi notificada para proceder ao pagamento da contribuição especial.
III. Face aos factos provados a principal questão a analisar no presente recurso é pois a de saber se, nas circunstâncias acabadas de descrever, a Administração Fiscal estava ou não obrigada a cumprir o disposto no artigo 60.° da LGT, isto é, estava obrigada a notificar a Recorrente para que esta pudesse exercer o direito de audição prévia.
IV. O artigo 60.° da L.G.T. transpôs para o procedimento tributário o princípio constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes dizem respeito, expresso no artigo 267.° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa. Assim, nos termos da referida norma, mormente do disposto no artigo 600 n.° 1 a), da L.G.T., a Administração Fiscal antes de liquidar a contribuição especial deve ouvir o contribuinte.
V. O Tribunal a quo, na seu douto acórdão, considerou que a audição prévia no processo de liquidação de contribuição especial é realizada através da intervenção do contribuinte ou do seu representante na comissão de avaliação a que alude o art. 2.°, 40 e 6.° do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 43/98, sendo que tal intervenção estaria a coberto da expressão do artigo 60.° da L.G.T. que refere “sempre que a lei não prescrever em sentido diverso”.
Ora, tal interpretação é totalmente contrária, quer à ratio do artigo 267.° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) quer à ratio do próprio princípio da participação do administrado nas decisões ou deliberações que lhe disserem respeito, já que a “alegada” audição prévia nunca poder ser realizada numa fase de instrução do procedimento, mas apenas numa fase de pré-decisão.
É, assim, inconstitucional, por violação do artigo 267.° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa, a disposição inserta no n.° 1 e 2 do artigo 4.° do Regulamento Anexo ao Decreto-Lei n.° 43/98, de 3 de Março, conjugado com os artigos 57 n.° 1 e 60.° do Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro (Lei Geral Tributária), quando interpretados no sentido de que a intervenção de um perito do contribuinte na comissão referida nesse artigo é suficiente para se considerar preenchido o princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.
Assim sendo, o douto acórdão fez uma incorrecta e inconstitucional interpretação e aplicação da lei aos factos, mormente, do disposto no artigos 267.° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa, do artigo 60.° n.° 1 e n.° 4 e 16.° n.° 1 da L.G.T., do artigo 100.º e 103.° do Código do Procedimento Administrativo e dos artigos 2.°, 4.° e 6.° do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 43/98.
VI. In casu a liquidação impugnada, quer abstracta quer objectivamente, podia ser contestada através do exercício do direito de audição pela Recorrente, já que só esta poderia aferir correctamente, a título de exemplo, sobre o valor m2 de construção - em 1994 e à data do pedido de licenciamento -, sobre a área de construção efectivamente edificada, o n.° de fogos efectivamente edificados, a volumetria de construção efectivamente edificada, elementos estes que; apenas, constam do alvará de construção sob a forma de previsão, sendo estes, habitualmente, alterados em função da obra efectivamente edificada.
VII. Da mesma forma, em caso algum, poder-se-á considerar que a presença de um perito do contribuinte na avaliação efectuada sana o vício de preterição de audição prévia, já que para além de não se encontrarem preenchidos os requisitos do artigo 60.° n.° 1 a) e n.° 3 da L.G.T. , o perito indicado pela Recorrente não estava mandatado para exercer o direito de audição prévia em seu nome e o mesmo interveio, unicamente, num acto prévio de instrução, pelo que, também por isso, em caso algum se poderá considerar que se deu cumprimento ao direito de audição prévia da Recorrente.
VIII. In casu não ocorreram os requisitos que, excepcionalmente, permitem a dispensa do cumprimento do disposto no artigo 60.° da LGT, pelo que o acto impugnado padece de vício de forma, pelo que terá de ser anulado.
IX. Igualmente, não é de aplicar ao caso sub judice o disposto no artigo 103.º do CPA por tal norma não ter aplicação em matéria tributária, na medida em que esta só será de aplicar quando não existam normas procedimentais especiais sobre as matérias nele reguladas. E no caso em apreço existem - o artigo 60.° da LGT.
X. O princípio do aproveitamento do acto - tão doutamente desenvolvido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo - não é, também, de aplicar in casu já que, como se demonstrou, em sede de audiência prévia, poderia a Recorrente, com toda a certeza, influenciar a posição da Administração Fiscal em inúmeros aspectos: a área do prédio; a área bruta de construção (prevista e edificada); o n.° de fogos (previstos e edificados); o n.° de estacionamentos (previstos e edificados); a volumetria da construção (prevista e edificada); o valor m2, estimado, da construção a 1 de Janeiro de 1994; o valor m2, estimado, de construção à data do pedido de licenciamento; as infra-estruturas envolventes, etc. Sendo, assim, decisiva a influência da Recorrente quer na fixação da matéria colectável objecto da taxa quer mesmo no controlo da operação aritmética que determina a contribuição especial a pagar.
XI. O acto tributário de liquidação da contribuição especial à Recorrente padece, assim, de vício de forma e substância que acarreta a sua nulidade.
2- A Fazenda Pública contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
1. Dos acórdãos em confronto resulta que as situações concretas que estão na origem dos mesmos são diferentes e que os factos dados como provados também são diferentes, o que motiva o tratamento diverso da mesma questão de direito, não existe real oposição de acórdãos, o presente recurso deve ser rejeitado por falta dos necessários pressupostos para a respectiva aceitação;
2. Sem conceder, ainda se dirá que correcta é a interpretação reflectida no douto acórdão recorrido, que, aliás, se encontra de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidadado Supremo Tribunal Administrativo, dando-se como verificada a participação do contribuinte, nos termos do art. 60.º da LGT, se este teve intervenção nas avaliações de onde resultou a quantificação da matéria colectável da contribuição especial, sendo a liquidação impugnada uma mera operação aritmética de aplicação da taxa devida àquela matéria, não se justificando a anulação da liquidação em causa, por não se vislumbrar qualquer possibilidade de a omitida audição influenciar o conteúdo da liquidação.
3- O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: a questão em análise nos presentes autos e que deu causa à oposição de julgados, é a de saber se se mostra concretizada a participação do contribuinte no procedimento de liquidação da contribuição especial do DL 43/98, de 3 de Março, na medida em que este teve intervenção nas avaliações de onde resultou a quantificação da matéria colectável da contribuição especial, não se justificando a anulação da liquidação em causa por não se vislumbrar qualquer possibilidade de a omitida audição do contribuinte antes do acto de liquidação influenciar o conteúdo desta, (tese do acórdão recorrido) ou se, pelo contrário se preteriu uma formalidade essencial do procedimento de liquidação do imposto (tese do acórdão fundamento).
Alega a recorrente que in casu não ocorreram os requisitos que, excepcionalmente, permitem a dispensa do cumprimento do disposto no artigo 60. da LGT, pelo que o acto impugnado padece de vício de forma.
E que o princípio do aproveitamento do acto não é, também, de aplicar já que em sede de audiência prévia, poderia a recorrente, com toda a certeza, influenciar a posição da Administração Fiscal em inúmeros aspectos: a área do prédio; a área bruta de construção (prevista e edificada); o número de fogos (previstos e edificados); o numero de estacionamentos (previstos e edificados); a volumetria da construção (prevista e edificada); o valor de construção a 1 de Janeiro de 1994; o valor de construção à data do pedido de licenciamento; as infra-estruturas envolventes, etc.
Sendo, assim, decisiva a influência da recorrente quer na fixação da matéria colectável objecto da taxa quer mesmo no controlo da operação aritmética que determina a contribuição especial a pagar.
2. Fundamentação
A nosso ver o recurso não merece provimento.
Sobre a questão sub judice, e no sentido da doutrina sufragada no acórdão recorrido, pronunciou-se a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente nos Acórdãos de 10.10.2007, recurso 616/07, de 07.11.2007, recurso 615/07, e ainda no recente acórdão do Pleno de 11.09.2008, recurso 837/07.
Em sentido contrário regista-se o Acórdão ora indicado como fundamento (de 13.11.2002, recurso 977/02, publicado, tal como os anteriores, em www.dgsi.pt).
A questão objecto do recurso passa pela interpretação do art. 60.º da Lei Geral Tributária, na redacção do art. 13 da Lei n.º 16-A/02, de 31.05 (a que o legislador conferiu expressamente carácter interpretativo) e pela análise do procedimento previsto pelo regulamento da Contribuição especial estipulado pelo Decreto-Lei 43/98 de 3 de Março.
Dispõe o art 60.º da Lei Geral Tributária que
«1-A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária
2- É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3- Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem a alínea b) a alínea e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado. (...)
A doutrina e a jurisprudência têm vindo a sublinhar que a preterição daquela formalidade pode, em certos e específicos casos, degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que daí resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto.
Assim não se justificará a anulação do acto nos casos «em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau» - cf. Diogo Leite Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 3 edição, pag. 290.
Mas a degradação daquela formalidade em formalidade não essencial só ocorrerá quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada1.
Ora o Decreto-lei 43/98 prevê vários momentos procedimentais, a saber, determinação da matéria colectável, com avaliação, e liquidação.
A avaliação a que se refere o n.º 2 do art. 2.º do referido Decreto-Lei destina-se determinar o valor do prédio à data em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de Janeiro de 1994, corrigido por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda constantes da portaria a que se refere o artigo 43.o do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, correspondendo, para o efeito, à data de aquisição a data de 1 de Janeiro de 1994 e à de realização a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra.
Sendo certo que, determinados esses valores, é a respectiva diferença que é sujeita a contribuição especial por mera aplicação das taxas previstas no art. 10.º do mesmo diploma legal (art. 2.º, n.º 2 do mesmo diploma legal).
No caso subjudice, tal como na hipótese em análise no acórdão fundamento, foi assegurada a participação do contribuinte no procedimento em causa por intermédio de um seu representante que teve intervenção nas avaliações da comissão prevista no art. 4.º do Decreto-Lei 43/98.
Sendo que os valores apurados na referida avaliação foram obtidos por unanimidade.
Ora, como impressivamente se disse no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.11.2007, recurso 615/07: «quantificada, em função da avaliação, a base tributável, a liquidação da contribuição especial resulta da aplicação da taxa devida àquela base. Pelo que, após a avaliação, já não há a possibilidade de o contribuinte influenciar o conteúdo do acto de liquidação».
Não procede pois a argumentação da recorrente no sentido de que a presença de um perito do contribuinte na avaliação efectuada não concretiza a sua participação no procedimento de liquidação da contribuição especial do Decreto-Lei 43/98.
Como igualmente não se verifica a invocada violação do artigo 267.º, n. 5 da Constituição da República que pretende assegurar, no âmbito do procedimento administrativo, “a participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito”.
A intervenção do contribuinte na formação da decisão ocorre através da participação na comissão de avaliação (vide, neste sentido, Acórdão do Pleno de 11.09.2008, recurso 837/07).
Termos em que somos de parecer que deve ser sufragada a doutrina acolhida no acórdão recorrido, pelo que o presente recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em Pleno da Secção.
4- Muito embora o Relator do TCA Sul tenha proferido despacho em que a reconhece, cumpre apreciar se acaso se verifica a oposição de acórdãos que vem alegada, uma vez que tal decisão, como constitui jurisprudência pacífica e reiterada deste STA, não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a conhecer (cfr. artigo 867.º n.º 4 do CPC).
O presente processo iniciou-se no ano de 2006, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos art°s 2°, n° i, e 4°, n° 2, da Lei n° 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n° 107-D/2003 de 31 de Dezembro.
Assim, “… a admissibilidade dos recursos de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto no art. 152.° do CPTA, depende da satisfação dos seguintes requisitos:
- existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
- a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Como já entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 29-3-2006, recurso n.° 1065/05.), relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas”
(Acórdão do Pleno desta Secção do STA de 14/7/08, in rec. n° 616/07).
Vejamos, então, se tais pressupostos se verificam.
Estando em causa a liquidação de contribuição especial, efectuada ao abrigo do Decreto-Lei n° 43/98 de 3/3, no acórdão recorrido decidiu-se que, tendo tido o contribuinte, ainda que através de perito por si indicado, intervenção na comissão prevista no art.º 4.º do Regulamento da Contribuição Especial aprovado pelo predito Decreto-Lei, não era necessário proceder à sua audição antes da liquidação.
Por sua vez, no acórdão tido por fundamento decidiu-se em sentido oposto.
Em ambos os arestos a situação de facto é a mesma.
Sendo assim, verifica-se, na realidade, oposição de julgados.
5- O acórdão recorrido fixou a seguinte matéria de facto:
A) A impugnante exerce a actividade de compra e venda de imóveis - CAE 070120.
B) Em 11/03/1998 a impugnante solicitou à Câmara Municipal de Odivelas o licenciamento da construção relativa ao lote 2 da Urbanização da Ribeirada, freguesia de Odivelas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o n.° 03113/961105.
C) Em 12/10/2001 a Câmara Municipal de Odivelas emitiu, em nome da impugnante, o alvará de licença de construção n.° 258/2001, relativamente ao prédio mencionado na alínea anterior.
D) A impugnante não apresentou a declaração Modelo 1, prevista no art.° 7.°do DL n.° 43/98 de 3 de Março de 1998, respeitante à licença de construção mencionada na alínea anterior.
E) Em 02/09/2003, e no âmbito da instauração do processo n.° 84/02, foi elaborado termo de avaliação referente ao prédio mencionado em 3), nos termos do art.° 4.° DL n.° 43/98 de 3 de Março de 1998, reportada a 11/03/1998.
F) Na elaboração do termo de avaliação participou o Sr. Eng. B…, na qualidade de perito da impugnante, e outros dois peritos que acordaram, por unanimidade, atribuir ao terreno o valor de construção por m2 de € 585,00 e o valor total do terreno de € 206.861,41.
G) Na sequência da avaliação mencionada na alínea anterior foi liquidada à impugnante o valor de € 7.437,20 a título de contribuição especial prevista no DL 43/98 de 3 de Março, acrescido de juros compensatórios no montante de € 202, 54,.
H) Em 27/09/2005 a impugnante apresentou, junto do serviço de finanças de Odivelas reclamação graciosa sobre a liquidação mencionada na alínea anterior, que assumiu o n.° 4227-05/400357.8.
1) Em 30/06/2006 a reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão da Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa, no uso de poderes delegados.
6- A respeito da questão que importa apreciar e decidir no presente recurso formou-se neste Pleno da Secção uma jurisprudência firme e consolidada, da qual não se descortinam razões para divergir, sendo ainda certo que a recorrente é sempre a mesma e as conclusões das alegações dos recursos em tudo idênticas-vide acórdãos de 14/07/08, 19/11/08, 17/12/08 e 24/03/10, nos recursos n.ºs 616/07, 837/07, 615/07 e 1055/09; bem como o acórdão da secção de 03/02/10, no recurso n.º 911/09.
Sendo assim, tendo em vista uma interpretação a aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CPC), limitar-nos-emos a acompanhar o que a esse propósito foi dito no primeiro dos acórdãos acima citados.
Escreveu-se nesse aresto:
“A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é, assim, a de saber se, tendo o contribuinte intervenção, por si ou através de representante, na comissão prevista no art. 4.° do DL n.° 43/98, tem de ser-lhe garantido o exercício do direito de audição, nos termos do art. 60.° da LGT.
No art. 2.° do Regulamento aprovado pelo DL n.° 43/98 estabelece-se que «constitui valor sujeito a contribuição a diferença entre o valor do prédio à data em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de Janeiro de 1994, corrigido por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda constantes da portaria a que se refere o artigo 43.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, correspondendo, para o efeito, à data de aquisição a data de 1 de Janeiro de 1994 e à de realização a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra» e que «os valores que servem para determinar a diferença são determinados por avaliação nos termos do presente Regulamento».
No art. 4.° do mesmo Regulamento, no âmbito da «determinação da matéria colectável» da referida Contribuição Especial, estabelece-se que «a avaliação referida no n.° 2 do artigo 2. ° ficará a cargo de uma comissão constituída pelo contribuinte ou seu representante e por dois peritos nomeados pela Direcção-Geral dos Impostos de entre os incluídos nas listas distritais».
A Constituição da República Portuguesa, no n.° 5 do art. 267.° impõe que o processamento da actividade administrativa assegure a «participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito».
Não se concretiza, nesta norma constitucional, a forma como deve ser assegurada tal participação.
Relativamente à actividade da Administração, em geral, o art. 100.° do CPA concretizou a forma de exercer esse direito de participação, estabelecendo que «concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta».
Os n.°s 2 e 3 do art. 101.º e o n.° 2 do art. 102.° do CPA revelam o conteúdo do direito de audição, ao indicarem que a notificação fornece elementos relativos a «todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito», que «os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento» e que «na audiência oral podem ser apreciadas todas as questões com interesse para a decisão, nas matérias de facto e de direito».
No entanto, no n.° 2 deste art. 103.° indicam-se as situações em que pode ser dispensada audiência dos interessados, que são a de estes já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas, e a de os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.
O art. 60.° da LGT veio regular especialmente o exercício do direito de audição no procedimento tributário.
A Lei n.° 16-A/2002, de 31 de Maio, deu a actual redacção ao referido art. 60.°, introduzindo um novo n.° 3, com natureza interpretativa (nos termos do n.° 2 daquele art. 13.° da Lei n.° 16-A/2002), passando dos n.°s 3, 4, 5 e 6 da redacção inicial a serem os n.°s 4, 5, 6, e 7, respectivamente.
É a seguinte a nova redacção:
Artigo 60.°
Princípio da participação
1. A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção; (A redacção da alínea d) resulta da Lei n.° 55-8/2004, de 30 de Dezembro, sendo-lhe atribuída natureza interpretativa pelo n.° 2 do seu art.40.°.)
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2. E dispensada a audição em caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3. Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.° i, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4. O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5. Em qualquer das circunstâncias referidas no n.° 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6. O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
7. Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
Como resulta do disposto no n.° 1 deste artigo, o exercício do direito de audição nas situações e nos termos previstos neste art. 60.° apenas ocorre «sempre que a lei não prescrever em sentido diverso».
Assim, além das situações de dispensa do exercício do direito de audição que se prevêem nos n.°s 2 e 3 deste artigo, estará afastada a aplicação do regime deste artigo quando a lei estabelecer uma forma especial de participação dos interessados na formação das decisões que lhe dizem respeito.
Nos arts. 2°, 4.° e 6.° do Regulamento da Contribuição Especial aprovado pelo DL n.° 43/98, estabelece-se que
Artigo 2.°
1 - Constitui valor sujeito a contribuição a diferença entre o valor do prédio à data em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de Janeiro de 1994, corrigido por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda constantes da portaria a que se refere o artigo 43.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, correspondendo, para o efeito, à data de aquisição a data de 1 de Janeiro de 1994 e à de realização a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra.
2 - Os valores que servem para determinar a diferença são determinados por avaliação nos termos do presente Regulamento.
Artigo 4.°
1 - A avaliação referida no n.° 2 do artigo 2.º ficará a cargo de uma comissão constituída pelo contribuinte ou seu representante e por dois peritos nomeados pela Direcção-Geral dos Impostos de entre os incluídos nas listas distritais.
2 - Um dos peritos nomeados pela Direcção-Geral dos Impostos terá apenas voto de desempate, devendo conformar-se com qualquer dos laudos apresentados.
3 - A avaliação será efectuada com precedência de vistoria, devendo as decisões ser devidamente fundamentadas.
Artigo 6.°
1 - Na determinação dos valores, a comissão terá em consideração a natureza e o destino económico do prédio.
2 - Para efeitos do número anterior, atender-se-á:
a) A localização, ao ambiente envolvente e ao desenvolvimento urbanístico da zona;
b) As infra-estruturas existentes;
c) A caracterização física e topográfica;
d) Aos índices de ocupação e volumetria;
e) As características agrárias, aos tipos de cultura e à disponibilidade de águas,
f )Ao valor das construções rurais e dependências agrícolas;
g) A quais quer outros elementos susceptíveis de influírem no valor dos prédios.
Como se vê, à face do regime previsto neste artigo, o contribuinte tem intervenção no procedimento de fixação da matéria colectável através da participação, por si ou seu representante, na comissão de avaliação.
Por outro lado, uma vez determinada a matéria colectável, constituída pela diferença de valores referida no art. 2.°, o cálculo da Contribuição Especial é efectuado através da aplicação da taxa adequada prevista no art. 10º, não havendo possibilidade legal de ser utilizado como valor da matéria colectável qualquer outro valor.
Nestas condições, como bem se constata no acórdão recorrido, a intervenção do contribuinte antes da liquidação seria completamente inócua, pois dela nunca poderia resultar a alteração da matéria colectável.
Designadamente a ponderação dos elementos atinentes à avaliação que refere a Recorrente terá de ser efectuada no âmbito da avaliação, em que são ponderáveis, além dos factores especialmente indicados, «quaisquer outros elementos susceptíveis de influírem no valor dos prédios [alínea g) do n.° 2 do art.6.°].
Neste contexto, prevendo-se uma forma de intervenção do contribuinte na formação da decisão através da participação na comissão de avaliação e não havendo qualquer utilidade em admitir uma nova intervenção antes da liquidação, por não poder ser alterado o valor sobre que deve incidir a taxa, é de concluir que a única forma de participação dos interessados na formação da decisão que se prevê é a que é assegurada ao contribuinte na comissão de avaliação, pois vigora no procedimento tributário um princípio geral de proibição de prática de actos inúteis, que aflora no n.° 1 do art. 57.° da LGT.
“Pelo exposto, é de concluir que é correcta a posição assumida no acórdão recorrido”.
Como assim, torna-se manifesto que, ao invés do que defende a recorrente os artigos 2.º, 4.º 6.º do Regulamento da Contribuição Especial não violam o preceituado no artigo 267.º, n.º 5 CRP, uma vez que dessa forma já se encontra assegurada a participação do contribuinte na formação da decisão e deliberação que lhe diz respeito.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 19 de Maio de 2010. – António José Martins Miranda de Pacheco (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale – Domingos Brandão de Pinho – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira – Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa – João António Valente Torrão – António Francisco de Almeida Calhau – Joaquim Casimiro Gonçalves.