Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02046/18.3BELSB-A
Data do Acordão:03/13/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:PROCEDIMENTO CAUTELAR
EXTINÇÃO
Sumário:É de declarar a extinção do processo cautelar, nos termos do art.º 123.º, n.º 1, al. a), do CPTA, se está provado que a acção de impugnação de acto administrativo de que ele depende foi intempestivamente intentada.
Nº Convencional:JSTA000P24331
Nº do Documento:SA12019031302046/18
Data de Entrada:02/27/2019
Recorrente:A................... E OUTROS
Recorrido 1:ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


1. B…………. – residente na Av. ……….., n.º …….… …………, em Queluz – e A.…………… – residente na Rua ……………….., Lote ………., ………..., em Lisboa – intentaram, no TAC, processo cautelar, contra a Assembleia da República, pedindo que, com decretamento provisório nos termos do art.º 131.º, do CPTA, fosse determinada a sua admissão provisória no “procedimento concursal comum com vista ao preenchimento de 21 postos de trabalho para a categoria de técnico de apoio parlamentar do mapa de pessoal da Assembleia da República”, cuja abertura fora publicitada no DR, 2.ª série, n.º 205, de 24/10/2017.
Para tanto, alegaram, em síntese, o seguinte:
Após terem sido admitidos ao referido procedimento concursal e terem realizado a prova escrita de conhecimentos (primeiro método de selecção), foram, por deliberação do júri, excluídos, com o fundamento que, ao assinarem o exercício da 2.ª parte dessa prova, violaram a garantia do anonimato estabelecida pelo n.º 7 da Portaria n.º 83-A/2009, de 22/1.
Essa exclusão infringiu os princípios da legalidade – por a violação do anonimato não ter sido previamente fixada como causa de exclusão da prova escrita de conhecimentos –, da proporcionalidade – dado se ter decidido anular toda a prova quando a aludida violação não se verificava na 1.ª parte da mesma, a qual fora separadamente corrigida e tinha uma ponderação global de 16 valores –, da imparcialidade – em virtude de a exclusão resultar da fixação “à posteriori” de critérios de avaliação – e da igualdade – por, no caso, o júri ter decidido com uma “total discricionariedade” –, verificando-se, por isso, o requisito do “fumus boni iuris”.
Ocorrendo também o fundado receio da verificação de uma situação de facto consumando, por a eventual sentença favorável em sede de acção principal ser completamente inútil e uma vez que a procedência do processo cautelar não afecta o interesse público no preenchimento imediato das vagas postas a concurso, entendem que é de decretar a providência cautelar requerida.
No TAC, foi proferido despacho a admitir o requerimento inicial, nos termos do art.º 116.º, n.º 1, do CPTA e a determinar a citação da entidade requerida, bem como a indeferir o pedido de decretamento provisório da providência cautelar.
Na sua oposição, a Assembleia da República suscitou as excepções da incompetência do tribunal em razão da hierarquia, da “caducidade do direito de acção cautelar”, por a acção principal só ter sido instaurada em 7/11/2018, após o decurso do prazo de 3 meses previsto pela al. b) do n.º 2 do art.º 58.º do CPTA e da ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, atento à existência de contra-interessados (os candidatos que constavam da lista de admitidos após a conclusão do primeiro método de selecção) cuja indicação não fora efectuada pelos requerentes. Considerando ainda ser improvável a procedência do processo principal e não estar demonstrada a existência de urgência na regulação provisória da situação jurídica dos requerentes, concluiu que não se verificavam os requisitos do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”, necessários à procedência da providência, pelo que, a não ser decretada a absolvição da instância, deveria ser absolvida do pedido cautelar.
Os requerentes pronunciaram-se sobre as arguidas excepções, concluindo que se deveria julgar improcedente a “caducidade do direito de acção cautelar” – por, na contagem do prazo para intentar a acção, se dever descontar o período correspondente às férias judiciais e porque se estava perante actos nulos que, por isso, poderiam ser impugnados a todo o tempo – e determinar a notificação da entidade requerida para vir aos autos indicar a residência de todos os candidatos admitidos ao concurso após a realização da prova de conhecimentos, a fim de que se possa suprir a falta de identificação dos contra-interessados.
Por despacho de 16/1/2019, o sr. juiz do TAC julgou-se incompetente para apreciar o processo e determinou a sua remessa a este STA.
Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Consideramos provados os seguintes factos:
a) No DR, 2.ª série, n.º 205, de 24/10/2017, foi publicado o Aviso n.º 12685/2017, onde se publicitou a “abertura de procedimento concursal com vista ao preenchimento de 21 postos de trabalho para a categoria de técnico de apoio parlamentar do mapa de pessoal da Assembleia da República”, o qual consta dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
b) Da “Ata n.º 6” da reunião do júri desse procedimento concursal, consta o seguinte:
“(…).
7. Para garantir o anonimato da prova e assegurar o princípio da igualdade e da imparcialidade, princípios estruturantes e transversais neste tipo de procedimentos concursais, a folha do rosto contém a referência a uma “NOTA IMPORTANTE” que diz o seguinte: “Deve escrever o seu nome, apenas nesta folha de rosto e nenhuma das restantes folhas da prova podem ser assinadas ou rubricadas, de forma a garantir o anonimato, para efeitos de correção desta prova, no cumprimento do disposto no n.º 7 do artigo 9.º da Portaria n.º 89-A/2009, de 22 de janeiro na sua atual redação. Com esta preocupação, o júri deliberou ainda escrever no ponto 6 das referidas “Instruções Para a Prova Escrita de Conhecimentos” a ler em todas as salas, antes da realização desta prova o seguinte: “Quando for distribuído o enunciado da prova e dada indicação de que a pode iniciar, deve (…) Ter em atenção que não pode assinar nem rubricar nenhuma folha da prova além da primeira”.
8. O júri deliberou que fosse atribuído um número de código no canto superior direito de todos os exemplares da prova, com a finalidade de permitir a identificação dos candidatos apenas depois da correção das provas, garantindo, desta forma, o anonimato dos candidatos para efeitos de correção das mesmas. Assim, no dia da elaboração das provas e após terminado o tempo estabelecido, quando os candidatos viessem entregar as provas, a folha de rosto seria separada das restantes folhas, à frente dos candidatos, e colocada num envelope em separado que seria fechado, depois de todas as folhas de rosto lá estarem colocadas e que o mesmo procedimento seria efetuado em todas as salas”.
c) Da “Ata n.º 7” da reunião do júri do referido procedimento concursal, consta o seguinte:
“1. (…).
2. (…).
3. Tendo o júri verificado, aquando da correção do exercício prático, que alguns candidatos assinaram o mesmo, foi deliberado, por unanimidade, anular a prova a todos os candidatos que tivessem assinado. Esta decisão fundamenta-se no facto de o júri se encontrar vinculado ao disposto no n.º 7 da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de janeiro, na sua atual redação “7 – Na realização das provas de conhecimentos coletivas, na forma escrita, deve ser garantido o anonimato para efeitos de correção”.
3.1. (…).
3.2. (…).
3.3. (…).
3.4. (…).
3.5. (…).
3.6. (…).
3.7. (…).
4. O júri procedeu de forma clara e inequívoca, avisando os candidatos, quer através de nota inserida na folha de rosto da Prova Escrita de Conhecimentos, que através das “Instruções” lidas em todas as salas, onde a prova se realizou, de que não podiam assinar nem rubricar nenhuma folha da prova para além da primeira, “para garantir o anonimato, para efeitos de correção”. Por esta razão, a aposição do nome do candidato na folha do exercício, involuntária ou não, compromete “ipso facto” a imparcialidade do júri e a igualdade de tratamento dos candidatos, sendo os candidatos inteiramente responsáveis pelo erro que se verificou no caso em apreço e, por consequência, a anulação da sua prova escrita é uma medida justificada face aos interesses gerais que a regra do anonimato visa proteger.
5. Dos 1833 candidatos admitidos a este procedimento concursal, não compareceram à Prova Escrita de Conhecimentos 818 candidatos, pelo que estiveram presentes 1015, dos quais 2 desistiram, de acordo com as regras estabelecidas e lidas em sala (“Não é permitido sair da sala antes de terminar o tempo de duração da prova (90 minutos), salvo em caso de desistência e apenas, quando decorridos 30 minutos, após o início da prova”) 777 foram aprovados, 111 estão propostos para a exclusão por terem tido nota inferior a 9,5 valores e 125 têm a prova anulada por terem violado a garantia de anonimato, imposta pelo n.º 7 do artigo 9.º da Portaria n.º 89-A/2009, de 22 de janeiro na sua atual redação, aplicada subsidiariamente à Assembleia da República.
6. Junta-se em anexo à presente ata, dela fazendo parte integrante, a grelha de correção da Prova Escrita de Conhecimentos”.
d) No DR, 2.ª série, n.º 64, de 2/4/2018, foi publicado o Aviso n.º 4323-B/2018, onde se notificavam os candidatos excluídos do aludido procedimento concursal, na sequência da aplicação do primeiro método de selecção, que a lista se encontrava afixada nos locais de estilo nas instalações da Assembleia da República.
e) Os requerentes apresentaram, junto do Presidente da Assembleia da República, recurso hierárquico da deliberação do júri que os excluiu do concurso por terem assinado o exercício (2.ª parte da prova), violando a garantia do anonimato (documento constante do processo instrutor apenso).
f) O Presidente da Assembleia da República indeferiu os referidos recursos hierárquicos, pelos Despachos nºs. 86/XIII e 87/XIII, os quais foram notificados aos requerentes em 26/6/2018 (documento constante do processo instrutor, art.º 12.º da oposição não impugnado e art.º 4.º da petição inicial da acção principal).
g) A acção de que o presente processo cautelar está dependente foi intentada no TAC de Lisboa em 7/11/2018 (documento constante da acção principal).

3. Começando por apreciar a excepção que a entidade requerida designa por “caducidade do direito de acção cautelar”, resultante da intempestividade da dedução da accção principal, cremos que terá de se concluir pela sua procedência.
Vejamos porquê.
A impugnação de actos anuláveis deduzida por particulares está sujeita ao prazo de três meses, cuja contagem se inicia com a sua notificação e obedece ao disposto no art.º 279.º, do C. Civil [cf. artºs. 58.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 e 59.º, n.º 2, ambos do CPTA].
Trata-se, pois, de um prazo de natureza substantiva, ou de caducidade, que corre continuamente e onde não há, por isso, que descontar os períodos correspondentes às férias judiciais nem aos sábados, domingos e feriados (cf. citado art.º 279.º, al. e).
No caso em apreço, estando provado que os requerentes foram notificados em 26/6/2018 dos actos que impugnaram na acção principal, o prazo para intentar esta iniciara-se em 27/6/2018 e consumara-se três meses depois [cf. als. b) e c) do mesmo art.º 279.º].
Assim, porque todos os vícios invocados pelos AA., e que atrás ficaram referidos, correspondem a violações de lei geradoras da mera anulabilidade dos actos impugnados – como eles próprios parecem reconhecer nos artigos 44.º e 72.º da petição inicial da acção principal, apesar de pedirem a declaração de nulidade –, por não se enquadrarem em nenhuma das situações excepcionais em que a lei comina expressamente essa forma de invalidade (cf. artºs. 161.º e 163.º, n.º 1, ambos do CPA) – designadamente na al. d) do n.º 2 desse art.º 161.º, por não estar em causa a violação do núcleo essencial de qualquer direito fundamental que, aliás, nem sequer é alegada –, é manifesta a intempestividade da acção principal que só em 7/11/2018 veio a ser intentada.
Nestes termos, e atento a essa caducidade do direito de acção, deve declarar-se a extinção do presente processo cautelar, nos termos do art.º 123.º, n.º 1, al. a), do CPTA.


4. Pelo exposto, acordam em julgar extinto o processo cautelar.
Custas em partes iguais pelos requerentes.

Lisboa, 13 de Março de 2019. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro.