Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01205/12
Data do Acordão:02/20/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:AQUISIÇÃO DE PREDIO PARA REVENDA
REVENDA
ISENÇÃO
ACESSÃO
Sumário:I – Para efeitos da isenção prevista no artº 11º, nº 3 do CIMSSD não assume qualquer relevo a acessão de bens a que se referem os artºs 1325º e segs. do CC, sendo apenas de considerar a revenda no seu sentido técnico-jurídico.
II- No conceito de “revenda” a que se referia o artº 11º, nº 3 do CIMSISSD enquadra-se apenas a transmissão do direito de propriedade efetuada por contrato de compra e venda tal como este é definido no artº 874º do Código Civil, realizada pelo adquirente que exercesse a atividade de aquisição de imóveis para revenda. Assim, fica excluída da referida isenção a transmissão (aquisição) de propriedade por qualquer das outras formas previstas no artº 1316º do Código Civil.
Nº Convencional:JSTA000P15340
Nº do Documento:SA22013022001205
Data de Entrada:11/06/2012
Recorrente:A.... SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. “A………….., SA”, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do TAF de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de sisa no montante de 1.534.500$00, juros compensatórios no montante de 1.305.124$00 e coima no montante de 76.725$00, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

1ª) - O imposto de Sisa incide sobre as transmissões da propriedade dos bens imóveis a título oneroso, qualquer que seja o título por que se operem (art°s. 1º e 2º do CIMSISD);

2ª) - Em virtude do disposto no artigo 2º do CIMSISD, são sujeitas a sisa as aquisições de bens imobiliários por acessão (artigo 8º, 4º, do CIMSISD);

3ª) - Dá-se a acessão quando a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que não lhe pertencia (artº 1325° do C. Civil);

4ª) - Embora se constitua por sentença, a aquisição por acessão reporta-se à data do início da construção do edifício (artº 1340° do Código Civil);

5ª)- A acessão mais não foi que uma venda forçada, vendo-se a recorrente, objetivamente, subtraída do seu direito de propriedade sobre os terrenos, pelo que, mesmo que os quisesse revender por compra e venda, ficou impossibilitada de o fazer;

6ª)- Ficou provado que a recorrente exerce normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda, que as parcelas de terreno se destinam a revenda, que a construção se iniciou em junho de 1991, que foi pago à recorrente o valor de 12.000.000$00, que a B………., C……….., D…………., procederam ao pagamento da Sisa;

7ª)- Pelo que dentro dos três anos após a aquisição das parcelas de terreno pela recorrente houve transmissão do direito de propriedade da recorrente para terceiros, por força da acessão, a qual é relevada pela lei fiscal para efeitos do imposto de sisa;

8ª)- A recorrente deu ao imóvel o destino para que o adquiriu - de transmissão para terceiros - e o Estado obteve o direito ao pagamento do imposto por parte das adquirentes, não ocorrendo qualquer situação de fuga ao imposto (artº 8º, 4º, do CIMSISD);

9ª)- Os pressupostos da isenção do artº 13°, n° 1, do CIMSSD foram inteiramente alcançados tendo que se concluir que a acessão preenche o conceito de revenda constante do artº 16° do CIMSISSD, uma vez houve transmissão do bem para efeitos fiscais;

10ª)- O artº 16° do CIMSISD não restringe a revenda à compra e venda, e um dos princípios fundamentais em matéria tributária é o princípio da legalidade;

11ª)- Se a lei fiscal considera a acessão como transmissão da propriedade para efeitos de incidência de imposto de sisa, também tem de entender a acessão como ato de transmissão da propriedade para efeitos da manutenção da isenção da sisa que foi concedida, sob pena de violação do princípio da unidade do sistema jurídico (artº 9º do C. Civil);

12ª) - Se o CIMSISD considera que há transmissão dos bens imóveis na acessão não há fundamento legal para, no mesmo sistema fiscal, não ser considerado o mesmo conceito de transmissão para efeitos de isenção;

13ª) - E se dúvidas houvessem quanto ao conceito de revenda, ter-se-ia que atender ao disposto no art° 11º da LGT, n°s. 2 e 3, atendendo-se à substância económica dos factos tributários e aplicando o conceito de transmissão fiscal considerado no CIMSISD;

14ª) - A sentença recorrida incorre em errada interpretação da Lei, encontrando-se os atos impugnados feridos dos vícios de violação de lei e erro nos pressupostos por parte da Administração Fiscal, violando o disposto nos artigos 1º, 2º, 8º n° 4, 11°, n° 3, 13°-A, 16º, nº 1, do CIMSISD, artº 9º, 408°, 1316º, 1340°, do C. Civil, art°s. 8º, 11º, da LGT;

15ª) - Acresce que a interpretação dos artigos 11º, nº 3, 16º, nº 1, do CIMSISD feita pela sentença recorrida, no sentido de que a revenda se restringe à transmissão da propriedade por compra e venda, sempre seria inconstitucional por violadora dos princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, da justiça fiscal, da proporcionalidade, princípios pelos quais deve reger-se a Administração Fiscal (art°s 13°, 103°, 104°, da CRP);

16ª) - Pois tendo em conta que à Administração Fiscal interessa a realidade fáctica e económica, o princípio da prevalência da substância sobre a forma, e que o princípio da igualdade, o princípio da legalidade e o princípio da Justiça Fiscal, exigem que situações fácticas idênticas tenham igual tratamento jurídico, não há qualquer fundamento para considerar que no caso houve incumprimento dos pressupostos da isenção de que beneficiou a recorrente pelo mero facto de a transmissão do direito de propriedade, a título oneroso, da recorrente para terceiros ter ocorrido por meio de acessão;

17ª) - A acessão, a aquisição da propriedade, dá-se no momento do início da incorporação, do início da obra (artº. 1340° do C. Civil);

18ª) - E no momento do início da incorporação o que foi transmitido pela recorrente foi o terreno tal qual foi por ela foi adquirido, pois a obra que se inicia, e que essa é que implica a alteração do estado do prédio, é já ato de terceiro, e não da recorrente;

19ª) - E manifesto que o que foi transmitido aquando da acessão, pela recorrente, foram as parcelas de terreno tal como esta as adquiriu, e nas quais são terceiros que introduziram a construção, carece de fundamento o entendimento contido na sentença recorrida;

20ª) - A sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação judicial, determine a ilegalidade da liquidação do imposto de sisa, juros compensatórios, e coima, efetuadas considerando-se para tal que a acessão configura transmissão e, assim, revenda, para efeitos de manutenção da isenção de liquidação do imposto em causa;

21ª) - A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 1º, 2º, 8º n° 4, 11, n° 3, 13º-A, 16°, n° 1, do CIMSISD, artigo 9º, 408°, 1316°, 1340°, do C. Civil, artigos 80, 11°, da LGT, art°s. 13°, 103°, 104°, da CRP.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. sabiamente saberão suprir deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por decisão que julgue procedente a impugnação judicial e assim se fará JUSTIÇA.

II. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 123/124 dos autos no qual defende a improcedência do recurso.

III. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

1º) Por escritura pública de “compra e venda” de 23.01.1990, a sociedade impugnante, A…………., SA, pelo preço de 12.000.000$00 adquiriu três parcelas de terreno destinadas a construção urbana, que ao tempo estavam omissas à matriz e que deram origem aos artigos urbanos n° 1493, 1494 e 1495 da freguesia de ……. - fls. 29 a 32 do anexo;

2º) Da referida escritura consta que os prédios "são destinados a revenda" e que de certidão fiscal consta que a "sociedade compradora está coletada pela atividade de aquisição de prédios para revenda e que exerceu normal e habitualmente essa atividade durante o ano transato" pelo que "Face àquela referida certidão fiscal, que se arquiva nesta escritura, verifiquei que o presente contrato é isento de sisa nos termos do artigo o número 3 e artigo treze-A do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações" - fls. 29 a 32 do anexo;

3º) Em 03-01-1991, a impugnante deu permissão às sociedades B…………., Lda., nif ………., C…………….., SA., nif ……….., e D………….. Lda., nif ……….., para, nas referidas três parcelas, construírem em comum um edifício destinado a escritório, de rés do chão e quatro andares - fls. 16 do anexo;

4º) O edifício foi construído em comum pelas empresas referidas em 3 supra - artigo 8º da p.i e sentença de fls. 57 dos autos;

5º) Em 03-05-1994, as sociedades referidas em 3 supra intentaram uma ação com processo ordinário n° 552/94, que correu termos no Tribunal de Circulo de Santa Maria da Feira, no qual foi proferida sentença que decidiu: "a) — Declarar que as AA. são donas e legitimas proprietária, na proporção dos custos de construção suportados por cada uma das AA., ou seja, que cada uma das AA. são comproprietárias do prédio que construíram e identificado nos artigos 4º, 5º e 6° da petição, na proporção dos custos suportados por cada uma das AA na construção do prédio, isto é na proporção de 61,59% (sessenta e um virgula cinquenta e nove por cento) para a A. B……….., 13,30% (treze virgula trinta por cento) para a A. C……….. e 25,11% (vinte e cinco virgula onze por cento) para a A. D…………, do prédio para escritórios que as AA. construíram na parcela de terreno referida no artigo 1º da petição e condenam a RÉ a reconhecer esse direito de propriedade das AA. e nas percentagens das quotas partes indivisas aqui referenciadas, b) Declarar que as três parcelas de terreno referido no artigo 1º da petição e onde as AA. construíram o prédio para escritórios referido no artigo 4º da petição pertence às AA. e naquela percentagem por haverem adquirido tais parcelas por acessão, nos termos do número 1 do artigo 1340º do Código Civil, mediante o pagamento de indemnização de 12.000.000$00 (doze milhões de escudos), e condenar a Ré a reconhecer tal direito das AA." — fls. 57 a 61 dos autos;

6º). A referida sentença transitou em julgado em 10.10.1994 - artigo 15° da p.i e fls. 56 e seguintes dos autos;

7º). Em 04.11.1994, as sociedades referidas em 3 supra procederam ao pagamento da SISA n° 350, relativa à aquisição por acessão das parcelas de terreno referidas em 1 supra, tendo o imposto incidido sobre o valor de 12.000.000100 - fls. 10 do anexo;

8º). Por aviso postal de 19.10.1995 a 2ª Repartição de finanças de Santa Maria da Feira avisou a impugnante para "pagar voluntariamente a Sisa devida pela aquisição de três lotes de terreno para construção atualmente inscritos na matriz urbana da freguesia de ……… sob os artigos 1493, 1494 e 1495, uma que não os revendeu no prazo previsto na lei. Prazo: 8 dias" — fls. 8 dos autos;

9º). Em 21.02.1996, a agora impugnante apresentou na Direção-Geral dos Impostos pedido de esclarecimento "Se, e como é seu entendimento, não terá de pagar qualquer Sisa, tendo em conta que a transmissão se operou dentro dos três anos, ainda que fosse por incorporação. (...)" - fls. 2 a 4 do anexo;

10º). Por despacho de 24-6-1997 foi homologado o Parecer n° 880/97, Proc° n° SI.91.0206.96, da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, segundo o qual
"PARECER
1. A 2ª Repartição de Finanças do concelho de Santa Maria da Feira refere que a transação ocorreu em 10.10.94, para além do prazo previsto e por acessão, e emitiu parecer segundo o qual, «mesmo que esta transação ocorresse dentro dos três anos não eximia a requerente de pagar a respetiva sisa uma vez que tem sido entendimento da Administração que só a "transação por ato de venda" e dentro do prazo garante a isenção».
2. O Sr. Diretor de Finanças de Aveiro, por sua vez defende que (face à autorização efetiva da construção em causa, ainda no decorrer do prazo de 3 anos, tal facto constitui desvio ao requisito essencial da isenção — a revenda das parcelas — pelo que entende-se que os factos são determinantes da perda da isenção nos termos do n° 1 do artº 16° do .... Código».
3. Vem sendo entendimento uniformemente seguido, quer pela Administração quer pela jurisprudência que para efeitos da isenção de sisa estabelecida no artigo 11°, n° 3, do Código, são apenas de considerar os atos de revenda de propriedade de imóveis formalizados por escritura pública.
4. Assim, tem, efetivamente de entender-se que o início da construção do prédio no decurso do prazo para revenda corresponde a um desvio do requisito em que assenta a isenção — revenda — desvio este determinante da caducidade da isenção prevista naquele n° 3 do artigo 11° do Código.
5. Deste modo e porque também a sentença acima mencionada só veio a ser proferida para além dos 3 anos previstos no artº 16°, n° 3, do Código, nada temos a opor ao procedimento seguido pela 2ª Repartição de Finanças de Santa Maria da Feira que, agora, deverá prosseguir com a liquidação do I.M. Sisa devido (cfr. sua informação de 21/3/97)" — fls. 24 do anexo;

11ª). Em 31.07.1997, a agora impugnante pagou a Sisa n° 282/2311, no valor de 1.534.500$00 acrescida de Juros compensatórios no valor de 1.305.124$00 e, pela verba n° 2312, pagou a coima no valor de 76.725$00 - fls. 33, 34 e 35 do anexo.

IV. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

V. A única questão a conhecer no presente recurso e da qual conheceu a decisão recorrida, é a de saber se é legal a liquidação de Sisa, juros compensatórios e coima no valor global de 2.916.349$00 ou €14.546.69, resultante de incumprimento das condições de isenção previstas no n° 3 do artigo 11° do CIMSISD. Ou, por outras palavras, se houve ou não “revenda” dos terrenos nos termos e com os efeitos do nº 3 do artº 11º do mesmo diploma.

V.1. A decisão recorrida entendeu ter inexistido “revenda” para os efeitos daquela norma, louvando-se na seguinte argumentação:

A isenção prevista no nº 3 do artº 11º do CIMSISSD constitui um benefício fiscal condicionado à verificação cumulativa dos seguintes pressupostos legais:
a) Que o prédio adquirido se destine a revenda nos termos do artigo 13.°-A, ficando expressamente exarada essa intenção no documento aquisitivo;
b) Que antes da aquisição tenha sido apresentada a declaração prevista nos artigos 105.° do Código do IRS ou 94.°, n.° 1, alínea a) do Código do IRC, consoante o caso relativo à atividade de compra do prédio para revenda;
c) Que os prédios sejam revendidos no estado em que foram adquiridos;
d) Que os prédios sejam revendidos no prazo de três anos (artº. 16.°, n.° 1);
e) Que os prédios, embora revendidos no prazo legal, o não sejam novamente para revenda (art. 16.°, n.° 1).
Além disso, é necessário que se reconheça que o adquirente exerceu no ano anterior normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda (artº 13º-A).

Ora, constituindo a acessão uma forma de aquisição de propriedade (forma potestativa de aquisição originária do direito de propriedade), irreleva a mesma para efeitos desta isenção, o mesmo sucedendo com a sucessão por morte, a usucapião, ocupação e demais formas de aquisição de propriedade previstos na lei.

Por outro lado, a incorporação do edifício, destinado a escritório, de rés do chão e quatro andares, não ocorreu instantaneamente mas ao longo de um período de tempo que a Impugnante fixa entre junho de 1991 e janeiro de 1993 (artigo 8º da p.i.), cerca de um ano e meio.
Só no final desse período se tornou possível comparar o valor do edifício com o valor do terreno em que aquele se foi incorporando.
Ou seja, o valor incorporado no primeiro dia é diferente do valor global incorporado no final de um mês e este diferente do incorporado no final de seis meses e assim sucessivamente.
Quer isto dizer que no início da incorporação houve um determinado momento em que o valor incorporado foi inferior ao valor do terreno. Nesse momento, anterior à verificação dos requisitos que conferem o direito potestativo de aquisição por acessão industrial, verificou-se uma alteração da substância do prédio que justifica a caducidade da isenção.
Se para efeitos da aquisição por acessão industrial apenas releva a incorporação económica para efeitos de isenção de sisa, como nos autos, releva a imediata alteração física resultante do início da construção do edifício.
Só depois dessa alteração poderia ocorrer lógica e cronologicamente a aquisição por acessão.
O terreno deixou de estar "no mesmo estado em que foi adquirido" no instante em que ocorreu o início do primeiro ato material de construção e, simultaneamente, extinguiu-se o circunstancialismo de que dependia a isenção da agora Impugnante. Nesse momento foi dado destino diferente ao prédio, facto que determina a caducidade da isenção.

V.2. A recorrente, por sua vez, sustenta entendimento contrário invocando a seguinte fundamentação:

O imposto de Sisa incide sobre as transmissões da propriedade dos bens imóveis a título oneroso, qualquer que seja o título por que se operem, estando sujeitas a sisa as aquisições de bens imobiliários por acessão.
Dá-se a acessão quando a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que não lhe pertencia e, embora se constitua por sentença, a aquisição por acessão reporta-se à data do início da construção do edifício.
No caso dos autos a acessão mais não foi que uma venda forçada, vendo-se a recorrente, objetivamente, subtraída do seu direito de propriedade sobre os terrenos, pelo que, mesmo que os quisesse revender por compra e venda, ficou impossibilitada de o fazer;
Ficou provado que a recorrente exerce normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda, que as parcelas de terreno se destinam a revenda, que a construção se iniciou em junho de 1991, que foi pago à recorrente o valor de 12.000.000$00 e ainda que a B……….., C…………, D……….., procederam ao pagamento da Sisa;
Deste modo, dentro dos três anos após a aquisição das parcelas de terreno pela recorrente houve transmissão do direito de propriedade da recorrente para terceiros, por força da acessão, a qual é relevada pela lei fiscal para efeitos do imposto de sisa, tendo dado ao imóvel o destino para que o adquiriu - de transmissão para terceiros - e o Estado obteve o direito ao pagamento do imposto por parte das adquirentes, não ocorrendo qualquer situação de fuga ao imposto.
Os pressupostos da isenção do artº 13°, n° 1, do CIMSSD foram inteiramente alcançados tendo que se concluir que a acessão preenche o conceito de revenda constante do artº 16° do CIMSISSD, uma vez houve transmissão do bem para efeitos fiscais e o artº 16° do CIMSISD não restringe a revenda à compra e venda.
Se a lei fiscal considera a acessão como transmissão da propriedade para efeitos de incidência de imposto de sisa, também tem de entender a acessão como ato de transmissão da propriedade para efeitos da manutenção da isenção da sisa que foi concedida, sob pena de violação do princípio da unidade do sistema jurídico.
Se o CIMSISD considera que há transmissão dos bens imóveis na acessão não há fundamento legal para, no mesmo sistema fiscal, não ser considerado o mesmo conceito de transmissão para efeitos de isenção;
Aliás, se dúvidas houvessem quanto ao conceito de revenda, ter-se-ia que atender ao disposto no art° 11º da LGT, n°s. 2 e 3, atendendo-se à substância económica dos factos tributários e aplicando o conceito de transmissão fiscal considerado no CIMSISD;
Acresce que a interpretação dos artigos 11º, nº 3, 16º, nº 1, do CIMSISD feita pela sentença recorrida, no sentido de que a revenda se restringe à transmissão da propriedade por compra e venda, sempre seria inconstitucional por violadora dos princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, da justiça fiscal, da proporcionalidade, princípios pelos quais deve reger-se a Administração Fiscal (art°s 13°, 103°, 104°, da CRP);
Tendo em conta que à Administração Fiscal interessa a realidade fáctica e económica, o princípio da prevalência da substância sobre a forma, e que o princípio da igualdade, o princípio da legalidade e o princípio da Justiça Fiscal, exigem que situações fácticas idênticas tenham igual tratamento jurídico, não há qualquer fundamento para considerar que no caso houve incumprimento dos pressupostos da isenção de que beneficiou a recorrente pelo mero facto de a transmissão do direito de propriedade, a título oneroso, da recorrente para terceiros ter ocorrido por meio de acessão.

A acessão, a aquisição da propriedade, dá-se no momento do início da incorporação, do início da obra (artº. 1340° do C. Civil);
E no momento do início da incorporação o que foi transmitido pela recorrente foi o terreno tal qual foi por ela foi adquirido, pois a obra que se inicia, e que essa é que implica a alteração do estado do prédio, é já ato de terceiro, e não da recorrente;
É manifesto que o que foi transmitido aquando da acessão, pela recorrente, foram as parcelas de terreno tal como esta as adquiriu, e nas quais são terceiros que introduziram a construção, carece de fundamento o entendimento contido na sentença recorrida.

V.3. O MºPº, tal como resulta do seu parecer acima citado, pronuncia-se também pela improcedência do recurso invocando os seguintes argumentos:

As isenções são uma categoria de benefícios fiscais, os quais constituem medidas de caráter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, superiores ao da própria tributação que impedem (artºs. 2°, n°s 1 e 2 EBF); a isenção impede a eficácia constitutiva do facto tributário, obstando à produção dos seus efeitos jurídicos, consubstanciados no nascimento da obrigação tributária.
As normas de isenção não são suscetíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva (artº. 9º EBF);
A excecionalidade da isenção impede a adesão a qualquer interpretação que transponha os precisos termos da formulação da norma, na ausência de indícios evidentes de que o legislador pretendeu igualmente incluir na previsão da norma a aquisição por acessão.
A adesão à interpretação sustentada pela recorrente significaria uma inaceitável subsistência da isenção apesar da prática de operação económica não inscrita no objeto social da impugnante (coletada na atividade de aquisição de prédios para revenda e não na atividade de aquisição de prédios para construção de edifícios por terceiros.
A norma interpretanda deve ser conjugada com a norma de isenção constante do artº 11°, n° 3 CIMSISD e com o artº. 13º-A CIMSISD, onde o legislador utiliza a expressão revenda em sentido técnico-jurídico, com o específico sentido de venda subsequente à aquisição originária, sobre a qual incide a isenção sujeita a condição resolutiva;
O conceito de (re)venda deve ser interpretado em sentido civilístico, na medida em que a compra e venda é um contrato previsto no CCivil (artºs.874° e segs. CCivil; artº.11º, n° 2 LGT).
Com este específico sentido a (re)venda constitui modo de aquisição do direito de propriedade distinto da acessão (artºs. 874°, 879° e 1316° CCivil);
No contexto descrito é irrelevante a determinação do momento da aquisição do direito de propriedade, por acessão industrial, do terreno onde foi construído o edifício (probatório n°s l, 3 e 4)

Vejamos então qual destas teses colhe, em nosso entendimento, o apoio legal.

VI. O artigo 11º, n° 3 do CIMSISD estipulava o seguinte:
" Ficam isentas de Sisa:
3º -As aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13 °-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 105º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.° 1 do artigo 94º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercido da atividade de comprador de prédios para revenda;"

Por sua vez, determinava o artigo 13º-A que: “A isenção prevista no nº 3 do artigo 11° não prejudica a liquidação e pagamento da sisa, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda.
1º) Para efeitos do disposto na parte final do corpo deste artigo, considera-se que o contribuinte exerce normal e habitualmente a atividade quando comprove o seu exercido do ano anterior mediante certidão passada pela repartição de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.
2º)° Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido paga a sisa, esta será anulada pela repartição de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transação."

Ainda com relevo para a questão, dizia o artigo 16°, n° 1 do mesmo diploma que - "As transmissões de que tratam os n.°s 3°. 8°, 9° e 12.°, alínea a), e 21.°, 26°, 30.° e 31.° do artigo 11° e n.° 7° do artigo 12° deixarão de beneficiar de isenção logo que se verifique, respetivamente:
1º) Que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda;"

Estamos aqui então perante um benefício fiscal condicionado à verificação cumulativa dos seguintes pressupostos legais:
a) Que o prédio adquirido se destine a revenda nos termos do artigo 13.°-A, ficando expressamente exarada essa intenção no documento aquisitivo;
b) Que antes da aquisição tenha sido apresentada a declaração prevista nos artigos 105.° do Código do IRS ou 94.°, n.° 1, alínea a) do Código do IRC, consoante o caso relativo à atividade de compra do prédio para revenda;
c) Que os prédios sejam revendidos no estado em que foram adquiridos;
d) Que os prédios sejam revendidos no prazo de três anos (artº. 16.°, n.° 1);
e) Que os prédios, embora revendidos no prazo legal, o não sejam novamente para revenda (art. 16.°, n.° 1).
f) É necessário que se reconheça que o adquirente exerceu no ano anterior normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda (artº. 13º-A).

Destes requisitos resulta com toda a clareza que se pretende conferir a isenção pela transmissão, mas atendendo à qualidade de revendedor do adquirente. Na verdade, se o prédio é adquirido para futura transmissão (revenda), o legislador entendeu que o adquirente que revendesse o prédio no prazo de três anos não deveria pagar sisa. Isto porque, a ser paga sisa, certamente o vendedor iria fazer refletir o seu valor na venda do imóvel, encarecendo-o.

Neste entendimento, o conceito de “revenda” constante da norma acima transcrita não pode deixar de ser o conceito civilístico constante do artº 874º do Código Civil.

Assim, sendo o contrato de compra e venda aquele pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço, a “revenda” significa uma nova venda. Isto mesmo resulta do acórdão deste STA de 28.01.2009, no qual ficou escrito, para além do mais, o seguinte:

“Ora, “revender é vender de novo, ou vender o que se tinha comprado, ainda que sem aquele propósito, e torna-se por demais evidente que só através da venda se opera a revenda, e não…mediante simples troca ou permuta dos bens originariamente adquiridos” (Acórdãos Doutrinais, nº 257, pág. 644).
Do referido artº 11º, nº 3 há que aproximar o nº 1 do predito artº 16º, quando dispõe que “aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda”, daqui decorrendo que o vocábulo “revenda” utilizado pela lei, se referia, apenas, às operações comerciais a que se reporta o artº 11º, nº 3, compra e venda, por ter sido esta a atividade que, tributada em IRC, se pretendia isentar de sisa.
Sendo assim, só a revenda assume relevância para efeitos de isenção de sisa, não a tendo a troca ou a permuta”.

Estamos inteiramente de acordo com o que ficou escrito nesse acórdão, sendo certo que podemos concluir que a isenção em causa não pode ser aplicada a qualquer outra forma de aquisição de propriedade de entre as referidas no artº 1316º do Código Civil (sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei).

Isto porque, como também se acentuou no acórdão deste mesmo STA de 07.03.2012 – Processo nº 01141/11 na ratio da isenção, está a concessão de um determinado período temporal para que o sujeito passivo que tem uma atividade de revenda de determinados bens imóveis ou existências a opere com lucro sem lhe acrescentar, de regra, qualquer modificação sendo depois tributado em sede de imposto sobre o rendimento pelos ganhos assim obtidos através desta sua atividade específica. O período temporal concedido para que seja efetuada a revenda é aquele que o legislador entendeu razoável para que seja encontrado um comprador sem que se eternize a manutenção na titularidade do sujeito passivo dos bens que destina ao seu comércio/atividade, ou seja a revenda.

Sobre esta questão – conceito de revenda – se pronunciou também o recente Acórdão do Pleno desta Secção, de 23.01.2013 – Processo nº 01061/11, no qual ficou escrito, para além do mais o seguinte:
“Ora, se é certo que o CSisa consagra um conceito próprio de transmissão de imóveis sujeita a esse imposto (considerando como transmissões, para esse efeito, negócios jurídicos que, à luz da lei civil, não transmitem, ipso facto, o direito de propriedade – como é o caso do contrato promessa de compra e venda de imóveis com tradição da posse) também é certo que aquele mesmo código não equipara tais actos à própria revenda.
Daí que, utilizando o legislador, no nº 1 do art. 16º do CSisa, o conceito de revenda e não o de transmissão, se conclua que não pode aí apelar-se a outro qualquer conceito de revenda (conceito inexistente na lei fiscal), sendo, antes, indispensável que ocorra a nova venda do prédio (que só pode ser o acto jurídico definido no art. 874º do CCivil), ou seja, a transmissão do título de propriedade e não bastando, por essa razão, a celebração de contrato promessa de compra e venda, ainda que com tradição do prédio. Ou seja, embora a celebração deste tipo de contratos com tradição da posse seja considerada pelo CSisa como um facto sujeito a imposto, o certo é que no caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a lei exige, sem mais, a efectivação da revenda como pressuposto essencial da isenção, sem àquela equiparar qualquer outro tipo de acto ou contrato. (( ) Neste sentido, embora reportando ao actual IMT, cfr. José Maria Fernandes Pires, ob. cit., pp. 422 a 424.
Bem como, Pinto Fernandes e Cardoso dos Santos, Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, edição da Imprensa Nacional, Vol. I, pag. 371; e Silvério Mateus/Corvelo de Freitas, ob. citada p. 386.)
E este tem sido, igualmente, o entendimento maioritário da jurisprudência deste STA (cfr. acórdãos de 4/11/1970, rec. nº 16201; de 16/6/1972, rec. nº 1981; de 11/3/1981, rec. nº 1462; de 10/11/1982, Pleno, rec. nº 1462; de 6/3/1985, rec. nº 2732; de 13/10/1993, rec. nº 15334; de 8/11/2006, rec. nº 642/06; de 13/05/2009, rec. nº 234/09; de 16/11/2011, rec. nº 303/11; e de 21/11/2012, rec. nº 0957/11)”. (Não obstante o Relator dos presentes autos ter votado vencido naquele acórdão, entende-se nada obstar a que defenda aqui solução semelhante, uma vez que o que se pretende é afastar a acessão como forma de transmissão para feitos de isenção da sisa, não estando aqui em causa contrato promessa como sucedia naqueles autos)

Então, ao contrário do defendido pela recorrente, no conceito de “revenda” não está englobada a acessão, pelo que não pode ser aplicada a norma do artº 11º, nº 3 acima transcrita ao caso dos autos pois, como refere o MºPº no seu parecer acima citado as isenções são uma categoria de benefícios fiscais, os quais constituem medidas de caráter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, superiores ao da própria tributação que impedem e não são suscetíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva (artº. 9º EBF);
A excecionalidade da isenção impede a adesão a qualquer interpretação que transponha os precisos termos da formulação da norma, na ausência de indícios evidentes de que o legislador pretendeu igualmente incluir na previsão da norma a aquisição por acessão.
A adesão à interpretação sustentada pela recorrente significaria uma inaceitável subsistência da isenção apesar da prática de operação económica não inscrita no objeto social da impugnante (coletada na atividade de aquisição de prédios para revenda e não na atividade de aquisição de prédios para construção de edifícios por terceiros).

Podemos então concluir dizendo que no conceito de “revenda” a que se referia o artº 11º, nº 3 do CIMSISSD se enquadra apenas a transmissão do direito de propriedade efetuada por contrato de compra e venda tal como este é definido no artº 874º do Código Civil, efetuada pelo adquirente que exercesse a atividade de aquisição de imóveis para revenda. Assim, fica excluída da referida isenção a transmissão (aquisição) de propriedade por qualquer das outras formas previstas no artº 1316º do Código Civil.

VII. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.