Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01661/22.5BEPRT |
Data do Acordão: | 03/21/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | ANA CELESTE CARVALHO |
Descritores: | ACÇÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA CASO JULGADO |
Sumário: | I - Não pode valer o n.º 3, do artigo 635.º do CPC, quanto à delimitação objetiva do recurso, ao prescrever que “Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente.”, se a Contrainteressada, Recorrente, restringiu expressamente o recurso de apelação interposto, não recorrendo de toda a sentença. II - Conhecendo o acórdão recorrido de tudo quanto foi decidido na sentença na 1.ª instância, sem atender aos concretos fundamentos do recurso, incorre em nulidade decisória, por excesso de pronúncia, além de violação da força ou autoridade de caso julgado e de violação do artigo 149.º do CPTA. III - Encontrando-se transitada em julgado a decisão proferida na sentença sobre a ilegalidade da proposta apresentada, por não serem admissíveis os esclarecimentos prestados pela concorrente, no respeitante ao “número de antenas”, determinante da sua exclusão, à luz da al. a), do n.º 2, do artigo 70.º do CCP, por violação da al. c), do n.º 1, do artigo 2.º do Programa do Concurso, em conjugação com o Anexo II do Caderno de Encargos, fica prejudicado o conhecimento do erro de julgamento da segunda causa de ilegalidade da proposta. |
Nº Convencional: | JSTA000P32026 |
Nº do Documento: | SA12024032101661/22 |
Recorrente: | A..., S.A. |
Recorrido 1: | B..., LDA. (E OUTROS) |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Espécie: Recursos de revista de acórdãos do TCA
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. A..., S.A. (A...), devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do artigo 150.º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), que indeferiu a reclamação para a conferência apresentada e confirmou a decisão sumária do Desembargador Relator de 13/09/2023, que concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida, julgou improcedente a ação e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada do pedido contra si formulado. 2. A Autora, ora Recorrente, intentou ação administrativa de contencioso pré-contratual, com efeito suspensivo automático, contra o MUNICÍPIO DO PORTO peticionando: i) a anulação do ato de 29/07/2022, do Vereador dos Pelouros do Urbanismo e Espaço Público e da Habitação, que adjudicou à contrainteressada B..., LDA. (B...) a aquisição de equipamentos Road-Side Units (RSU) e o desenvolvimento de uma plataforma C-ITS, integrantes do projeto europeu cofinanciado Cooperative Streets (C-Streets), no âmbito do concurso público internacional n.º CPI/4/2022/DMC e, consequentemente, a anulação do contrato celebrado em sua execução caso o já tivesse sido ou viesse a ser; ii) a condenação da Entidade Demandada a adjudicar, no prazo máximo de 10 dias úteis, a proposta apresentada pela Autora e, após os quais, se incumpridos, a aplicação da sanção pecuniária compulsória no valor diário de 10% do salário mínimo nacional em vigor. 3. Por sentença de 31/05/2023, o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto julgou a ação procedente, anulou o ato de adjudicação à Contrainteressada B... e condenou a Entidade Demandada, MUNICÍPIO DO PORTO, a excluir a proposta desta Contrainteressada e a adjudicar à Autora, A..., o contrato relativo à aquisição de equipamentos no âmbito do concurso púbico dos autos. 4. Inconformada, a Contrainteressada B... recorreu para o TCAN, o qual, por acórdão de 20/10/2023, indeferiu a reclamação para a conferência apresentada pela então Recorrida, A... e confirmou a decisão sumária proferida em 13/09/2023 pelo Desembargador Relator, que concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e, em substituição, julgou improcedente o pedido formulado pela Autora e absolveu a Entidade Demandada do pedido contra si formulado. 5. A A..., não se conformando com o julgamento do TCAN, interpôs o presente recurso de revista para este STA, formulando, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões: “1. Crê a ora Recorrente que as questões que traz a este Venerando Tribunal revestem a dignidade necessária para que o presente recurso de revista seja admitido e julgado, por cumprir desde logo os pressupostos exigidos pelo art.º 150.º do CPTA, pelo que, em primeiro lugar, se requer respeitosamente a sua admissão em sede de apreciação preliminar. 2. Em primeiro lugar, está em causa apreciar se o Acórdão recorrido: i) é nulo por excesso de pronúncia, como determina o disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC., dado que conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, seja porque as mesmas estavam já a coberto do caso julgado, seja porque tais questões não lhe foram levadas para resolver pela Recorrente ou por qualquer outra das Partes; ii) se é, ainda, ilegal por alterar uma sentença já transitada em julgado, violando o disposto no art.º 619.º, n.º 1, do CPC; iii) por fim, se o Tribunal a quo incorre em ilegalidade porque analisa matérias que não constavam do recurso que lhe foi apresentado para decidir, em contravenção do disposto nos art.ºs 149.º do CPTA e 608.º, n.º 2 e 635.º ambos do CPC. 3. Ao assim decidir, impõe-se claramente a apreciação por parte deste Venerando Tribunal para uma melhor aplicação do Direito, nomeadamente do Direito Processual aplicável. 4. Já do ponto de vista substantivo, estaremos, fundamentalmente, perante a correcta interpretação a dar a três normas fundamentais do ordenamento jurídico que rege a contratação pública e o respectivo contencioso pré-contratual: i) Está em causa saber, desde logo, o verdadeiro alcance do que foi disposto na mais recente redacção do art.º 70.º, n.º 2, alínea a), do CCP, no que toca à omissão numa proposta dos termos ou condições: “2 – São excluídas as propostas cuja análise revele: / a) Que não apresentam alguns dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 57.º”; ii) Conjugado com a primeira questão, até porque naquela primeira norma se remete para a alínea c), do n.º 1, do art.º 57.º, do CCP – o que parece ter sido esquecido no Acórdão sob recurso -, está ainda em causa saber de que modo se deve considerar que, ao abrigo destoutra norma legal, uma proposta deve ser obrigatoriamente constituída pelos “c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule”, quando, como é o caso, a proposta em questão se limite a copiar textualmente o Caderno de Encargos; iii) Por fim, está em causa saber se a omissão, numa proposta, de termos e condições solicitados nas peças do Concurso se pode ou não suprir através de um pedido de esclarecimentos formulado ao abrigo do art.º 72.º, n.º 3, do CCP, tendo em conta o previsto no n.º 2 anterior. 5. Entende a Recorrente que qualquer uma destas questões merece a apreciação deste Venerando Tribunal, revestindo-se da dignidade necessária para que o presente recurso de revista seja admitido e julgado, cumprindo as exigências levantadas no artigo 150.º do CPTA. 6. O presente Recurso de Revista para o Supremo Tribunal Administrativo preenche os seus requisitos de admissibilidade previstos e instituídos no art.º 150.º n.º 1 do CPTA, dado que, pela sua relevância jurídica e social, as matérias que aqui se trazem a recurso são de importância fundamental, extravasando manifestamente os limites da situação concreta em apreço, podendo replicar-se num sem número de casos. 7. A orientação que se venha a indicar no Acórdão a proferir no presente recurso de revista será, certamente, como um farol que guiará os Tribunais inferiores em futuros e inúmeros casos semelhantes, pois as questões aqui colocadas certamente se levantarão, e levantam, em outros processos. 8. Por fim, face ao decidido anteriormente, aos factos dados como provados e ao regime legal aplicável, bem como a completa disparidade de julgamento da questão entre as Instâncias, a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 9. Pelo que respeitosamente se requer a admissão do presente recurso de revista, o qual deve a final ser julgado procedente, revogando-se o Acórdão recorrido, o que determinará a confirmação da sentença tomada em 1.ª Instância, que determinou a anulação da decisão de adjudicação impugnada, a exclusão da proposta apresentada pela Contra-Interessada B... e a condenação do Município do Porto a adjudicar o Concurso à proposta apresentada pela ora Recorrente A.... 10. Ainda que assim não se entenda, deve o Acórdão recorrido ser revogado, confirmando-se o acerto da decisão tomada em 1.º Instância. 11. Desde logo, nas suas alegações e conclusões a ora Recorrida deixou a salvo parte da Sentença que determinou a sua exclusão do Concurso, anulou o acto de adjudicação tomado em seu favor pelo Município do Porto e condena esta Entidade a adjudicar o Contrato à A.... 12. Razão pela qual não podia o Tribunal Central Administrativo Norte, em sede de apelação, julgar dessa matéria. 13. Ao fazê-lo, incorre em nulidade por excesso de pronúncia, como determina o disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CPCiv., dado que conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, seja porque as mesmas estavam já a coberto do caso julgado, seja porque tais questões não lhe foram levadas para resolver pela Recorrente ou por qualquer outra das Partes. 14. O Acórdão recorrido é também ilegal por alterar uma sentença já transitada em julgado, violando o disposto no art.º 619.º, n.º 1, do CPCiv. 15. Toma, ainda, uma decisão ilegal porque analisa matérias que não constavam do recurso que lhe foi apresentado para decidir, em contravenção do disposto nos art.ºs 149.º do CPTA e 608.º, n.º 2 e 635.º ambos do CPCiv. 16. Pelo que respeitosamente se requer a revogação do Acórdão sob recurso na parte em que altera a Sentença de 1.ª Instância em quanto toca aos elementos da proposta que tratavam do equipamento RSU e respectivas antenas, devendo manter-se quanto a respeito ficou definitivamente decidido em 1.ª Instância. 17. Só essa parte da decisão de 1.ª Instância, que constitui já caso julgado, é suficiente para que a proposta da B... deva considerar-se inválida, não podendo ser admitida e portanto sendo correcta e legal a determinação da sua exclusão e da consequente condenação do Município do Porto a adjudicar o Contrato à A.... 18. Nessa medida, devia ter-se julgado o recurso de apelação improcedente, dada a sua inutilidade para alterar na sua totalidade os efeitos da Sentença sob recurso, o que se requer seja agora declarado por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo. 19. Em todo o caso, sempre improcederia o recurso pois é manifesto que a ora Recorrida B... utilizou os pedidos de esclarecimentos formulados pelo Júri para completar a sua proposta com termos e condições, nomeadamente características dos equipamentos e dos braços de suporte, que na proposta deveriam constar desde o início. 20. Resulta assim violado, pela Entidade Adjudicante, o art.º 72.º, n.º 2, do CCP, e pela Recorrente o art.º 57.º, n.º 1, alínea c), pelo que a sua proposta teria de ser excluída como ordena o art.º 70.º, n.º 2, alínea a), do mesmo diploma legal. 21. O Acórdão recorrido interpreta incorrectamente estes normativos, e aprecia mal também o que se exigia no Programa do Procedimento. 22. Para além de que ao caso não é aplicável o disposto no art.º 72.º, n.º 3, do CCP, dado que não estamos perante mera irregularidade formal e muito menos não essencial. 23. A proposta da B... não responde ao exigido no Programa do Procedimento, limitando-se praticamente a transcrever literalmente as especificações do Caderno de Encargos, nada concretizando. 24. Fica, pois, sem se conhecer as características próprias do equipamento RSU, respectivas antenas e do braço de suporte que a B... tinha em vista fornecer, tal como a proposta foi originalmente apresentada. 25. Sendo tal exigido, como dispõe o art.º 57.º, n.º 1, alínea c), do CCP, a omissão das características concretas leva, inexoravelmente, à imprestabilidade da proposta, como ordena o art.º 70.º, n.º 2, alínea a). 26. O Art.º 72.º, n.º 2 impede que se peçam esclarecimentos quando se verifica este tipo de omissão sobre estes aspectos da proposta. 27. Pelo que a proposta deveria ter sido excluída, como bem decidiu o Tribunal de 1.ª Instância, a coberto do disposto na Lei. 28. Ao reverter esta decisão, viola o Acórdão recorrido os normativos citados, pelo que o mesmo deve ser corrigido, o que respeitosamente se requer. 29. Acresce que o apelo a princípios da concorrência e da proporcionalidade não se podem aplicar ao caso, porque tais princípios não permitem ultrapassar o facto de que a proposta não cumpriu com o exigido. 30. Não é também correcto tentar salvar esta proposta porque a mesma, supostamente, é a economicamente mais vantajosa, dado que tal conclusão só pode ser feito em relação a propostas válidas, nomeadamente sobre propostas de que se sabe exactamente o que oferecem, o que não é o caso da B... em relação ao equipamento RSU, respectivas antenas e braço de suporte, pelo menos na versão original da proposta. 31. Não merece, assim, qualquer censura a sentença de 1.ª Instância, que deve ser mantida na íntegra, o que respeitosamente se requer venha a ser declarado este Venerando Supremo Tribunal, depois de revogar o Acórdão recorrido que incorre em ilegalidade, por erro na interpretação e aplicação da Lei aos factos em presença. 32. Nessa medida, a proposta da B... deve considerar-se inválida, portanto insusceptível de ser admitida, mantendo-se a sua exclusão, como determinado em 1.ª Instância. 33. Consequentemente, deve manter-se também a condenação do Município do Porto a adjudicar a proposta da A....” Pede a admissão da revista e que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e mantida a decisão da 1.ª instância. 6. A Recorrida, B..., apresentou contra-alegações, as quais terminou com as seguintes conclusões: 7. O recurso de revista interposto pela Recorrente foi admitido por acórdão proferido pela Secção de Contencioso Administrativo deste STA, em formação de apreciação preliminar, de 11/01/2024, no qual se conclui “Como se viu as instâncias discordaram sobre a necessidade da especificação de determinados termos ou condições e da possibilidade de o júri do procedimento pedir esclarecimentos sobre tais aspectos, tendo a 1.ª instância entendido que a proposta da adjudicatária devia ser excluída [por não especificar determinados termos ou condições e não poder o júri pedir os esclarecimentos, como fez], e o TCA decidido em sentido contrário. Ora, trata-se de interpretação que envolve dificuldades óbvias, como logo se vê pela resposta contraditória das instâncias, e dita consequências práticas relevantes no âmbito dos concursos públicos, podendo, assim, ser repetível, tanto administrativamente, como em sede judicial, sendo, por isso, uma problemática sobre a qual é de toda a conveniência que seja reapreciada por este Supremo Tribunal, pelo que se justifica a admissão da revista para uma melhor dilucidação de assuntos de natureza similar.”. 8. O Ministério Público junto deste STA, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer. 9. Atenta a natureza urgente dos autos, o processo vai, com dispensa de vistos prévios dos Juízes Conselheiros Adjuntos, à Conferência para julgamento.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
10. Constitui objeto do presente recurso de revista aferir se o acórdão do TCAN, ao conceder provimento ao recurso e revogar a sentença do TAF do Porto, incorreu em: i) nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da al. d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, assim como, em inobservância da autoridade de caso julgado, em violação do n.º 1, do artigo 619.º CPC e ilegalidade por ter conhecido questões que não lhe foram submetidas no recurso, em violação dos artigos 149.º do CPTA e 608.º n.º 2 e 635.º do CPC; ii) erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 70.º, n.º 2, al. a), 57.º, n.º 1, al. c) e 72.º, n.º 2, todos do CCP, ao julgar que era lícito ao júri do concurso público solicitar ao concorrente esclarecimentos destinados a suprir omissões da respetiva proposta relativamente a termos e condições constantes das peças do concurso.
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO 11. Por reporte à sentença do tribunal da 1.ª instância, o TCAN deu como assente a seguinte factualidade, que verteu nos seguintes termos: «A). Em 27.04.2022, foi proferido despacho de aprovação de abertura do procedimento quanto à proposta constante da “Informação de abertura”, com a referência “CPI/4/2022/DMC”, relativa à “Aquisição de equipamentos Road-Side Units (RSU) e o desenvolvimento de uma plataforma C-ITS, no âmbito do projeto europeu cofinanciado Cooperative Streets (C-Streets). (...)”. – cfr. processo administrativo – documento n.º 9 – «SITAF»; B). Em 04.05.2022, foi publicado no Diário da República n.º 86, II Série, o «anúncio de procedimento n.º 5538/2022», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...) C). O teor do «caderno de encargos» que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...) D). O teor do «programa do procedimento» que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...) E). Em 02.06.2022, a Contrainteressada apresentou proposta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...) F). Em 03.06.2022, a A. apresentou proposta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...) “(...) ANEXO I – Proposta de Preço (...) tendo tomado conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar na sequência do procedimento “Aquisição de equipamentos Road-side Units (RSU) e o desenvolvimento de uma plataforma C-ITS, no âmbito do projeto europeu cofinanciado Cooperative Streets (C-Streets)”, se for o caso, do caderno de encargos do acordo-quadro aplicável ao procedimento, declara, sob compromisso de honra, que a sua representada se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas, de acordo com os seguintes preços unitários: [IMAGEM] (...).”. – cfr. processo administrativo – documento n.º 37 – «SITAF»; G). Em 23.06.2022, o júri do procedimento endereçou à Contrainteressada um pedido de esclarecimentos cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...) Exmos. Srs., Prevê o n.º 1 do artigo 72.º do CCP, que o júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da análise e da avaliação das mesmas. Nesses termos somos a solicitar os seguintes esclarecimentos: 1. De acordo com o Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP), entregue pelo concorrente, é referenciado que não depende das capacidades de outras entidades para preencher os critérios de seleção exigidos no procedimento concursal, e também que não pretende subcontratar nenhuma parte do contrato a terceiros. Também indicam, de acordo com o ANEXO VI – FORMULÁRIO DA PROPOSTA – Manutenção dos Equipamentos RSU Existentes, elemento da proposta, a intenção de assegurar a manutenção do equipamento RSU de marca Siemens existente. Dada a eventual especificidade técnica e de licenciamento deste modelo e fabricante de equipamento, solicita-se que esclareçam do modo através do qual irão assegurar estas atividades de manutenção, mantendo os critérios de independência afirmados no DEUCP. 2. O documento 4_ANEXO_II_B_signed.pdf, constituinte da vossa proposta, é transcrito os intervalos de referência das especificações mínimas, descritos no caderno de encargos do presente procedimento. Por exemplo, foi definido no CE que o braço de suporte tenha até dois metros de comprimento. No documento entregue na proposta refere que o braço terá até dois metros, não especificando concretamente qual a medida do braço de suporte que é capaz de fornecer. A mesma situação acontece com outros equipamentos a fornecer, como a RSU que é indicado pela entidade B..., indicando que terá 4 antenas (duas antenas omnidirecionais para comunicação rádio IEEE 802.11p, 5.9 GHz, uma antena direcional de azimute 45º para comunicação rádio IEEE 802.11p, 5.9 GHz e uma antena GNSS), mas não se encontra especificado se as antenas estão incorporadas no equipamento ou se são externas. Inclusive, a imagem da RSU que a entidade colocou apenas mostra 3 antenas (quando são 4 antenas exigidas). Somos a solicitar esclarecimento sobre estes aspetos. Prazo: até às 15h00., do 2º dia útil a contar da data de envio do presente pedido. (...).”. – cfr. processo administrativo – documento n.º 38 – «SITAF»; H). Em 24.06.2022, a contrainteressada respondeu ao pedido de esclarecimentos mencionado no ponto antecedente do seguinte modo: “(...) 2. O documento 4_ANEXO_II_B_signed.pdf, constituinte da vossa proposta, é transcrito os intervalos de referência das especificações mínimas, descritos no caderno de encargos do presente procedimento. Por exemplo, foi definido no CE que o braço de suporte tenha até dois metros de comprimento. No documento entregue na proposta refere que o braço terá até dois metros, não especificando concretamente qual a medida do braço de suporte que é capaz de fornecer. A B... LDA vem esclarecer que consegue providenciar braços com os seguintes comprimentos: 500mm, 1000mm, 2000mm, sendo ainda possível ter mais dimensões customizáveis a pedido. A mesma situação acontece com outros equipamentos a fornecer, como a RSU que é indicado pela entidade B..., indicando que terá 4 antenas (duas antenas omnidirecionais para comunicação rádio IEEE 802.11p, 5.9 GHz, uma antena direcional de azimute 45º para comunicação rádio IEEE 802.11p, 5.9 GHz e uma antena GNSS), mas não se encontra especificado se as antenas estão incorporadas no equipamento ou se são externas. Inclusive, a imagem da RSU que a entidade colocou apenas mostra 3 antenas (quando são 4 antenas exigidas). Somos a solicitar esclarecimento sobre estes aspetos. A B... vem esclarecer que vai fornecer as 4 antenas exigidas por cada RSU: duas antenas omnidirecionais para comunicação rádio IEEE 802.11p, 5.9 GHz, uma antena direcional de azimute 45º para comunicação rádio IEEE 802.11p, 5.9 GHz e uma antena GNSS. As duas antenas omnidirecionais para comunicação rádio IEEE 802.11p, 5.9 GHz e a antena GNSS vêm de origem incorporadas com oequipamento. A antena direcional de azimute 45º para comunicação rádio IEEE 802.11p, 5.9 GHz é exterior. [IMAGEM] I). O júri do procedimento que elaborou “relatório preliminar”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...) [IMAGEM] J). Com data de 13.07.2022, a Contrainteressada exerceu o seu direito de audição prévia, apresentando requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. processo administrativo – documento n.º 43 e 44 – «SITAF»; K). O júri do procedimento que elaborou “relatório final”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[IMAGEM] L). Com data de 04.08.2022, o R. e a Contrainteressada assinaram o “contrato de aquisição de bens e de serviços n.º CPI/4/2022/DMC”. – cfr. processo administrativo – documentos n.º 68 – «SITAF»; M). Com data de 05.08.2022, a A. apresentou impugnação administrativa relativamente à deliberação identificada no ponto antecedente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. processo administrativo – documentos n.º 57 e 58 – «SITAF»; N). Em 07.09.2022, o R. decidiu anular o «contrato n.º ...22...» e manter a decisão de adjudicação aprovada em 29.07.2022. – cfr. processo administrativo – documentos n.º 57 e 58 – «SITAF»; O). A petição inicial destes autos foi apresentada em juízo no dia 12.08.2022, através do «SITAF». – cfr. fls. 1 dos autos (suporte físico); * Os factos que supra se consideram provados encontram arrimo na prova documental junta aos autos, em especial, no processo administrativo, atendendo ainda à circunstância de que nenhum documento foi alvo de impugnação.”».
DE DIREITO
12. Importa entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional, nos termos invocados pela Recorrente, designadamente, das conclusões da alegação do recurso, as quais delimitam o objeto do recurso, nos termos dos artigos 144.º, n.º 2 do CPTA e 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA, o que se fará, atendendo à delimitação supra das questões a decidir.
i) nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da al. d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, inobservância da autoridade de caso julgado, em violação do n.º 1, do artigo 619.º CPC e ilegalidade por ter conhecido questões que não lhe foram submetidas no recurso, em violação dos artigos 149.º do CPTA e 608.º n.º 2 e 635.º do CPC 13. Nos termos invocados pela Recorrente o acórdão recorrido enferma de nulidade decisória, por excesso de pronúncia, por conhecer de questões de que não podia conhecer, seja porque já estavam a coberto do caso julgado, seja porque não lhe foram levadas para resolver, por no recurso de apelação interposto pela Contrainteressada esta se limitar a pedir que a decisão seja revertida no que toca à questão atinente aos “braços de suporte”, nada se referindo quanto à matéria e aos motivos que levaram à exclusão da sua proposta pelo Tribunal de 1.ª instância no que toca ao “equipamento RSU e respetivas antenas”. 14. Sustenta a Recorrente que a Contrainteressada no recurso que apresentou impugnou apenas uma parte da sentença de 1.ª instância, deixando intacta a outra parte que levou também à anulação do ato de adjudicação, deixando transitar em julgado a sentença na parte em que determina a anulação da decisão de adjudicação e a exclusão da proposta da Contrainteressada por ter omitido na sua proposta as características que exigia nela constarem quanto ao equipamento RSU e respetivas antenas, sendo, por isso, inadmissíveis os esclarecimentos prestados, por se ter formado caso julgado nesta parte. 15. Donde, entender a Recorrente que, não obstante a amplitude dos poderes previstos no artigo 149.º do CPTA, o Tribunal está balizado pelos fundamentos do recurso, nos termos das suas conclusões, pelo que, não só incorreu em excesso de pronúncia, como violou a autoridade de caso julgado, em desrespeito do n.º 1, do artigo 619.º CPC, além de conhecer de questões de que não podia conhecer, por não lhe terem sido submetidas no recurso, incorrendo na violação dos artigos 149.º do CPTA e 608.º, n.º 2 e 635.º do CPC. 16. O que exige dilucidar, por um lado, qual o objeto da pronúncia e decisão constante da sentença proferida em 1.ª instância e, por outro, qual o objeto do recurso de apelação que foi interposto pela Contrainteressada contra essa decisão, de forma a aferir se o decidido no acórdão recorrido incorre na nulidade decisória, por excesso de pronúncias e nas demais ilegalidades invocadas. 17. Do teor da sentença proferida em 1.ª instância, com relevo para a questão colocada como objeto do presente recurso de revista, extrai-se o seguinte: “(…) tendo em consideração os esclarecimentos pedidos pelo júri do procedimento à Contrainteressada, o Tribunal entende que estes versam sobre dois pontos distintos, por isso, merecem ponderações diversas. No que concerne ao pedido de esclarecimento sobre o número de antenas que o equipamento “RSU” apresentado dispõe – uma vez que da imagem apresentada resulta uma coisa e do descritivo resulta outra – o Tribunal julga que o mesmo é admissível pois visa esclarecer uma ambiguidade da proposta. Já relativamente ao pedido de esclarecimentos referente ao “braço de suporte”, o Tribunal julga que este não é admissível porquanto não visa um esclarecimento, mas antes suprir uma omissão material da proposta da Contrainteressada que ao fazer a mera transcrição do descritivo do equipamento constante do «Anexo II» e não apresentando a imagem/ fotografia de qualquer tipo de equipamento é omissa na identificação e características do equipamento a fornecer. Adicionalmente, o Tribunal verifica que, por um lado, nos esclarecimentos prestados, quanto ao número de antenas, a Contrainteressada não se limita a esclarecer o seu número, mas antes procede, agora, à descrição das características do equipamento “antena” que não consta da fotografia – completando assim a proposta quanto às características daquele equipamento que não estavam da proposta ab initio apresentada; e, quanto ao “braço de suporte”, a verdade é que pese embora a Contrainteressada declare que pode fornecer “braços” com diferentes comprimentos, estando disponível para customizar dimensões, não enuncia as características desse equipamento permanecendo omissa a esse respeito. E, assim sendo, porque os esclarecimentos pedidos são, por um lado, inadmissíveis porque visam a regularização de uma omissão material da proposta; e por outro, na parte em que são admissíveis, o modo como são prestados extravasa o seu limite – o Tribunal julga que a proposta da Contrainteressada deveria ter sido excluída, à luz do disposto no artigo 70º n. 2 alínea a) do CCP, por violação do artigo 12º n.1 alínea c) do programa de concurso em conjugação com o «Anexo II» do caderno de encargos. Procede, assim, a alegação da A. a este respeito.”. 18. No que traduz que a sentença distinguiu a questão dos esclarecimentos pedidos, dos esclarecimentos prestados, como expressamente assinala. 19. Quanto à questão do “braço de suporte”, decidiu que esses esclarecimentos não podiam ser pedidos e, consequentemente, não podiam ser prestados, fundamentando a exclusão da proposta apresentada. 20. No que concerne à questão do “número de antenas”, a sentença decidiu que os esclarecimentos podiam ser pedidos, por “ainda que a Contrainteressada identifique o equipamento “RSU-MK5 da Cohda Wireless” – juntando a respetiva fotografia – a verdade é que não descreve, como se exige na alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º do programa de concurso, as específicas características do mesmo; tão-só reproduz as características exigidas no Anexo II (…) E, mesmo considerando aquela fotografia como elemento descritivo e identificativo suficiente, a verdade é que a mesma suscita dúvidas quanto ao fornecimento de antenas conforme exigido no citado «Anexo II».”, mas, em face do concreto teor dos esclarecimentos prestados, veio a decidir que os mesmos eram inadmissíveis, por aterem ao próprio teor ou conteúdo da proposta, acabando por entender, também por este motivo, pela verificação de fundamento determinante da exclusão da proposta. 21. Por conseguinte, a sentença proferida em 1.ª instância veio julgar inadmissíveis os esclarecimentos em relação ao “braço de suporte”, por estes não poderem ser prestados, assim como, quanto aos esclarecimentos em relação ao “número de antenas”, os quais, tendo sido prestados, extravasam o seu âmbito, não se destinando a esclarecer algo que já constasse do teor da proposta, mas a dizer o que ela omitia, sendo, por isso, inadmissíveis, justificando a exclusão da proposta. 22. Por sua vez, a Contrainteressada no recurso que interpôs para o TCAN indica expressamente no ponto 4 da sua alegação, que: “4 – A primeira instância julga admissíveis os esclarecimentos prestados em relação ao número de antenas, pelo que resta-nos a análise relativa ao tema braço de suporte.”, procedendo ao longo da alegação de recurso e das suas respetivas conclusões a impugnar a sentença com base unicamente no julgamento que efetuou sobre o “braço de suporte”, por todas as conclusões do recurso se limitarem a incidir sobre tal questão, nada dizendo sobre a questão do “número de antenas”. 23. Ou seja, o Recorrente não recorreu de toda a parte da sentença, mas apenas da parte em que a sentença considerou não ser admissível solicitar esclarecimentos em relação à questão do “braço de suporte”. 24. Não obstante, procedeu o TCAN no acórdão recorrido a conhecer da legalidade da sentença proferida em 1.ª instância nos termos em que essa decisão conheceu, isto é, tendo por base as duas questões sobre os quais recaíram os esclarecimentos da proposta, seja a questão do “número de antenas”, seja a do “braço de suporte” e decidindo em sentido diferente ao que a sentença de 1.ª instância decidiu, sem atender ao concreto objeto do recurso de apelação interposto, isto é, sem considerar a interpretação que nele foi feita e à respetiva limitação do objeto do recurso quanto à impugnação que ocorreu em relação à pronúncia e decisão da sentença, nos termos dos artigos 144.º, n.º 2 do CPTA e 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA, por o recurso interposto não incidir sobre toda a sentença, mas apenas sobre uma parte dela, como vem alegado no presente recurso de revista pela Autora, ora Recorrente. 25. No confronto entre a decisão proferida na sentença da 1.ª instância e o âmbito do recurso de apelação, denota-se, sem margem para dúvidas, que a Contrainteressada restringiu o objeto do recurso, quer na sua alegação, quer nas respetivas conclusões formuladas, não tendo impugnado a sentença na parte referente ao “número de antenas”, com a inerente consequência de, nessa parte, a sentença ter transitado em julgado. 26. Com efeito, não obstante a sentença começar por admitir a formulação de esclarecimentos pelo júri do concurso à proposta apresentada pela Contrainteressada, na parte referente ao “número de antenas”, por entender que tais esclarecimentos visavam eliminar a ambiguidade da proposta, por “uma vez que da imagem apresentada resulta uma coisa e do descritivo resulta outra”, veio depois entender, o que consta em “Adicionalmente”, ou seja, que tais esclarecimentos eram inadmissíveis porque “a Contrainteressada não se limita a esclarecer o seu número, mas antes procede, agora, à descrição das características do equipamento “antena” que não consta da fotografia – completando assim a proposta quanto às características daquele equipamento que não estavam da proposta ab initio apresentada”. 27. No entanto, no acórdão recorrido, o TCAN, passou a conhecer do objeto do recurso com base no que havia sido decidido na sentença recorrida e não com base no que foi a alegação do recurso e as suas respetivas conclusões, que delimitam e balizam o seu âmbito e os poderes de pronúncia do Tribunal, de forma que não atendeu à limitação do objeto do recurso operada pela Contrainteressada, Recorrente. 28. Por isso, não pode valer o disposto no n.º 3, do artigo 635.º do CPC, quanto à delimitação objetiva do recurso, ao prescrever que “Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente.”, por, no presente caso, a Contrainteressada, Recorrente ter restringido expressamente o recurso de apelação interposto, não recorrendo de toda a sentença. 29. O que significa que assiste razão à Recorrente na censura que dirige contra o acórdão recorrido, pois neste o mesmo conheceu para além do que constituem os fundamentos de recurso e o que foi impugnado pela Recorrente. 30. Bem ou mal, a Contrainteressada procedeu a uma interpretação do teor da sentença que conduziu a uma limitação do objeto do recurso, não tendo impugnado toda a matéria decidida, mas apenas parte do decidido, implicando que o recurso de apelação interposto apenas se tenha insurgido contra o decidido a respeito do “braço de suporte”, não recorrendo contra o decidido acerca do “número das antenas”. 31. Tal implica que o acórdão recorrido, ao conhecer de matéria expressamente restringida na alegação recursiva e que não integra o conjunto de conclusões do recurso de apelação interposto, as quais delimitam o objeto do recurso e o âmbito de conhecimento do Tribunal, enferme da causa de nulidade decisória de excesso de pronúncia, nos termos da al. d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. 32. A sentença, enquanto decisão judicial, pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à sua eficácia ou validade: i) pode ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo a consequência a da sua revogação (erro de julgamento de facto ou de direito); ii) como ato jurisdicional, pode ter violado as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é emanada, tornando-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC. 33. A Recorrente reconduz a nulidade invocada ao disposto na alínea d), do disposto no n.º 1, do artigo 615.º do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, in casu, por excesso de pronúncia, por o TCAN ter conhecido e decidido no acórdão recorrido de questão não suscitada. 34. O excesso de pronúncia ocorre, pois, quando o Tribunal aprecia e/ou decide uma questão que não foi chamado a resolver, por não ter colocada pelas partes, seja na ação, seja no recurso. 35. O Tribunal deve conhecer todas as questões que lhe foram submetidas, de modo a não deixar de tomar conhecimento de questão suscitada e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento anterior de outra questão, mas não pode conhecer mais ou diferente do que lhe foi colocado. 36. Assim, incorre o acórdão recorrido, em nulidade por excesso de pronúncia, na parte em que conheceu de questão que não integra os fundamentos do recurso de apelação, respeitante à legalidade dos esclarecimentos prestados pela Contrainteressada sobre o “número de antenas”, nos termos do disposto na al. d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. 37. Do mesmo modo que o acórdão recorrido, não se atendendo ao objeto do recurso definido pela Recorrente, nos termos das conclusões formuladas, viola o disposto dos poderes de pronúncia do Tribunal, previstos no artigo 149.º do CTA, pois o Tribunal de recurso não pode conhecer de matéria não impugnada no recurso. 38. Além de o acórdão recorrido violar a força ou autoridade de caso julgado da sentença proferida em 1.ª instância, na parte não impugnada, referente à ilegalidade dos esclarecimentos prestados no respeitante ao “número de antenas”, que conduziu ao juízo de ilegalidade da proposta da Contrainteressada, determinante da sua exclusão, à luz da al, a), do n.º 2, do artigo 70.º do CCP, por violação da al. c), do n.º 1, do artigo 2.º do Programa do Concurso, em conjugação com o Anexo II do Caderno de Encargos, por a sentença ter transitado em julgado nessa parte. 39. A força ou autoridade de caso julgado da decisão anulatória proferida na sentença abrange inelutavelmente, a ilegalidade da proposta apresentada pela Contrainteressada e a decisão da sua exclusão do procedimento pré-contratual, obstando que a questão concretamente decidida, respeitante ao “número de antenas”, que conduziu ao juízo de ilegalidade da proposta da Contrainteressada, possa voltar a ser reapreciada. 40. Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 619.º do CPC, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, sobre a relação material controvertida, fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º (recurso de revisão). 41. A citada disposição legal reporta-se e delimita os contornos do caso julgado material que se forma relativamente à decisão que, decidindo do mérito da causa, define a relação ou situação jurídica deduzida em juízo (a relação material controvertida), determinando que tal decisão tem força obrigatória dentro e fora do processo (segundo os limites estabelecidos nos artigos 580º e 581º) e impedindo, dessa forma, que a mesma relação material venha a ser definida em moldes diferentes pelo tribunal ou por qualquer outra autoridade, por todos terem de acatar a decisão, julgando em conformidade, sem nova discussão. 42. Segundo o artigo 621.º do CPC, a sentença constitui caso julgado nos precisos termos e limites em que se julga. 43. Por outro lado, uma coisa é a verificação da exceção do caso julgado e outra a verificação da autoridade do caso julgado, situação que dispensa a verificação integral da tríplice identidade referida no artigo 581.º do CPC. 44. Como decidido no Acórdão do STJ, de 19/05/2010, Processo 3749/05.8TTLSB.L1.S1, «a análise do “caso julgado” pode ser perspectiva através de duas vertentes, que em nada se confundem: uma delas reporta-se à excepção dilatória do caso julgado, cuja verificação pressupõe o confronto de duas acções – contendo uma delas decisão já transitada – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir; a outra vertente reporta-se à força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão». 45. No mesmo sentido, se decidiu no Acórdão deste STA, de 16/11/2023, Processo n.º 0355/16.5BEPNF-A. 46. A que acresce o que referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, que “a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda acções: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira acção, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por excepção”, Código de Processo Civil anotado, Vol. 2.º, 2.ª ed., pág. 354. 47. E ainda, Rodrigues Bastos, que defende que “a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”, in Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, págs. 60 e 61. 48. Com relevo, na esteira da doutrina de Vaz Serra, a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedentes lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, in R.L.J. 110.º/232). 49. Pelo que, a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, como acabou por ocorrer no presente caso. 50. Como se pode ler no Acórdão do STJ, de 15/12/2022, “a autoridade de caso julgado a que aludem os artigos 619.º e 621.º do CPC visa garantir a coerência e a dignidade das decisões judiciais”, a qual “pode estender-se a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado”. 51. Importado a autoridade de caso julgado a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no artigo 581.º do CPC. 52. Por via da autoridade do caso julgado, o Tribunal e as partes ficam vinculados a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas. 53. De modo que, o caso julgado se impõe no presente processo por via da sua autoridade por a concreta situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincidir com o objeto da segunda, mas constituir pressuposto ou condição da definição da situação jurídica que nesta é necessário regular e definir, sem nova apreciação ou discussão em relação aos termos em que foi definida a relação ou situação que foi objeto da primeira decisão. 54. Para além de a doutrina ser inequívoca ao afirmar que, “Se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do Autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do Réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu. Neste sentido, pelo menos, vale a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível»”, Manuel Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 324. 55. No mesmo sentido se pronunciam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora ao afirmar que “em relação à pretensão formulada pelo autor e eventualmente considerada procedente na sentença, ficam precludidos, quer na acção, quer fora dela, todos os meios de defesa que o réu tenha invocado ou pudesse ter invocado contra ela”, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 713, nota 2. 56. O que conduz à procedência dos fundamentos do recurso, tal como invocado pela Autora, ora Recorrente, determinando que não se possa manter o acórdão recorrido quanto a esta questão, o mesmo incorrendo, não apenas em nulidade decisória, por excesso de pronúncia, nos termos da al. d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPTA, como em violação do objeto do recurso e ainda, da força ou autoridade do caso julgado, conforme foi decidido na sentença proferida em 1.ª instância. 57. O que tem reflexos quanto ao conhecimento do demais alegado pela Recorrente no presente recuso de revista, por a procedência da nulidade decisória do acórdão recorrido e da violação do caso julgado, implicando que se mantenha a sentença proferida em 1.ª instância, determinar o juízo de prejudicialidade do conhecimento do fundamento do recurso respeitante ao erro de julgamento de direito do acórdão recorrido, respeitante à interpretação e aplicação do disposto nos artigos 70.º, n.º 2, al. a), 57.º, n.º 1, al. c) e 72.º, n.º 2, todos do CCP, ao julgar que era lícito ao júri do concurso público solicitar ao concorrente esclarecimentos destinados a suprir omissões da respetiva proposta relativamente a termos e condições constantes das peças do concurso. 58. Com efeito, aferindo-se que a sentença proferida em 1.ª instância transitou em julgado na parte em que decidiu pela ilegalidade dos esclarecimentos da proposta referentes ao “número das antenas” e que tal ilegalidade da proposta da Contrainteressada determina a sua respetiva exclusão do procedimento pré-contratual, por violação da alínea c), do n.º 1, do artigo 12.º do Programa de Concurso, em conjugação do Anexo II do Caderno de Encargos, nos termos da alínea a), do n.º 2, do artigo 70.º do CCP, apresenta-se despiciendo analisar e decidir se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento de direito na restante parte do decidido, pois tal julgamento, qualquer que ele seja, não é passível de alterar o já decidido, com força de caso julgado, sobre a ilegalidade da proposta apresentada pela Contrainteressada e a procedência do pedido de anulação formulado pela Autora na petição inicial. 59. Termos em que, em face do exposto, julga-se procedente o recurso de revista interposto contra o acórdão proferido pelo TCAN, anulando-se o acórdão recorrido por nulidade por excesso de pronúncia, além da sua ilegalidade, por ofensa da força ou autoridade de caso julgado, mantendo-se a sentença proferida pela 1.ª instância. DECISÃO Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de harmonia com os poderes conferidos pelo disposto no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso e em anular o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, mantendo-se a sentença proferida pela 1.ª instância. Custas pela Contrainteressada, ora Recorrida. Lisboa, 21 de março de 2024. – Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho (relatora) – Liliana Maria do Estanque Viegas Calçada – Pedro Manuel Pena Chancerelle de Machete. |