Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02739/17.2BEBRG-A
Data do Acordão:05/26/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:COMBUSTÍVEIS
INCORPORAÇÃO
INCUMPRIMENTO
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário:I - Suscitadas em processo que corre na jurisdição nacional dúvidas de interpretação de normas de direito da União Europeia, e sobre a conformidade do direito nacional com o direito da União Europeia, justifica-se a intervenção do Tribunal de Justiça União Europeia, no quadro de pedido de reenvio prejudicial, com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito comunitário pelos tribunais nacionais.
II – No caso dos órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões sejam irrecorríveis, esse reenvio prejudicial é obrigatório.
Nº Convencional:JSTA00071468
Nº do Documento:SA12022052602739/17
Data de Entrada:02/16/2022
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:ENTIDADE NACIONAL PARA O SETOR ENERGÉTICO E.P.E. (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. “A............, S.A.”., interpôs o presente recurso de revista do Acórdão de 8/10/2021 do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), a fls. 840 e segs. SITAF, que concedeu provimento ao recurso interposto pela então “ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, EPE”, atual “ENTIDADE NACIONAL PARA O SETOR ENERGÉTICO, EPE”, revogou a sentença proferida, em 27/3/2021 (cfr. fls. 572 e segs. SITAF) pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF/Braga) – que, em processo cautelar, e antecipando o juízo da causa principal, nos termos do art. 121º do CPTA, julgara a ação totalmente procedente e anulara a decisão administrativa para pagamento da quantia de 5.702.000,00€, respeitante a compensações por alegado não cumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis relativas ao ano de 2016 – mantendo, assim, na ordem jurídica o acto impugnado e indeferindo requerido reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

2. A Recorrente terminou as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 925 e segs. SITAF):

«A. O presente recurso é interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que concedeu provimento ao recurso de Apelação interposto pela ré ENSE, revogou a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, mantendo na ordem jurídica o ato administrativo impugnado, e indeferiu o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, requerido pela ora recorrente.
B. A recorrente intentou, perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, uma ação administrativa com vista à impugnação de um ato administrativo praticado pela Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE), anteriormente denominada “ENMC”, no âmbito do procedimento administrativo nº UB/09/2017, o qual havia determinado a imposição, à recorrente, ao pagamento de compensações no montante de € 5.702.000,00 (cinco milhões setecentos e dois mil euros) pelo alegado incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis relativamente ano de 2016.
C. Em 29 de março de 2021, o TAF de Braga proferiu sentença, nos termos da qual a ação administrativa foi julgada totalmente procedente, anulando, consequentemente, o ato administrativo que aplicou as compensações à recorrente, com os fundamentos seguintes:
. O ato violou a Diretiva nº 2009/28/CE;
. O ato violou os princípios da Liberdade de Circulação de Mercadorias e da Igualdade de Tratamento ente Estados- Membros;
. Os critérios de sustentabilidade que determinaram o ato que não foram precedidos por um procedimento de verificação, mediante seleção de entidades verificadoras através de concurso, nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 117/2010, de 25 de outubro, e da Portaria nº 8/2012, de 4 de janeiro.
. Atento o seu estatuto fiscal de “Destinatário Registado”, a recorrente não se enquadra na noção de “incorporador” prevista no Decreto-Lei 117/2010, pelo que não se lhe aplica o sistema de compensações e regime contraordenacional previsto em tal normativo.
. O ato violou os princípios da Boa-Fé, da Proteção da Confiança, das Legítimas Expectativas e da Segurança Jurídica;
. O ato violou os princípios da Proporcionalidade, da Razoabilidade e da Justiça.
D. A ENSE interpôs recurso de Apelação da sentença proferida nos autos, perante o Tribunal Central Administrativo Norte. A ora recorrente, então recorrida, apresentou contra-alegações e ainda um Requerimento de Reenvio Prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 267.º TFUE, atenta a existência de dúvidas, nos autos, quanto à interpretação de normas de direito da União, especialmente no que respeita aos Artigos 17.º e 18.º da Diretiva 2009/28, que se referem aos requisitos de sustentabilidade dos biocombustíveis e à forma de os comprovar, e ainda ao Artigo 34.º do TFUE, relativo à Livre Circulação de Mercadorias.
E. Em 8 de Outubro de 2021, o Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) proferiu Acórdão, nos termos do qual concedeu provimento ao recurso da ENSE e revogou a sentença do TAF de Braga, mantendo, assim, na ordem jurídica, o ato impugnado, indeferindo ainda o requerido Reenvio Prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, com os seguintes fundamentos:
. Erro de julgamento da sentença recorrida quanto à violação da Diretiva 2009/28CE, bem como dos princípios da Livre Circulação dos Produtos Provindos de Estados Membros da União Europeia e da Igualdade de Tratamento Entre Estados Membros;
. Erro de julgamento da sentença recorrida quanto impossibilidade de aquisição de TdB por parte dos pequenos operadores;
. Erro de julgamento da sentença recorrida por violação dos artigos 11º, n.º 1, e 13.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro.
. Erro de julgamento da sentença recorrida, na interpretação dos mecanismos de cumprimento estabelecidos na portaria 8/2012, de 4 de janeiro.
. Erro de julgamento da sentença recorrida quanto à violação dos princípios da Boa-Fé, da Proteção da Confiança, das Legítimas Expectativas e da ´Segurança Jurídicas;
. Erro de julgamento da sentença recorrida quanto à violação dos princípios da Proporcionalidade, da Razoabilidade e da Justiça;
F. O Acórdão recorrido rejeitou ainda o Reenvio Prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, com os seguintes fundamentos:
. Falta de pertinência das questões suscitadas pela recorrente em termos de justificarem o reenvio, porque a apreciação da legalidade do ato visado nos autos não convoca a aplicação das normas comunitárias apontadas por esta, mas apenas a interpretação do direito interno, espelhada no regime consagrado no Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, e na Portaria 8/2012, de 4 de Janeiro;
. A resposta às questões 4) e 5) do pedido de reenvio estão no n.º 4 do artigo 18º da Diretiva 2009/28;
. A questão 3) do pedido de reenvio parte de um pressuposto não demonstrado nos autos, mais concretamente a impossibilidade de um pequeno operador adquirir TdB, sendo que, no que concerne a esta questão, nunca nos autos foi invocada a questão da interpretação do artigo 34º TFUE;
G. Verificam-se nos autos as condições de admissibilidade do presente recurso perante o Supremo Tribunal Administrativo, previstas no artigo 150.º, n.º 1, do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos, porquanto está em causa nos autos a apreciação de questões que, pela sua relevância jurídica ou social, se revestem de importância fundamental, sendo igualmente claro que a admissão do presente recurso é necessária para uma melhor aplicação do direito. Por outro lado, emergem dos autos questões que deverão ser submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, enquadrando-se no mecanismo de reenvio previsto no artigo 267.º, n.º 3, do TFUE, o que por si só, determina a admissão do presente recurso.
H. A questão em causa nos autos consubstancia uma questão com relevância jurídica de importância fundamental, desde logo porquanto convoca a conciliação de duas ordens jurídicas – a nacional e a da União Europeia, acrescendo ainda a circunstância do próprio sistema jurídico que prevê e regula as metas de incorporação de biocombustíveis apresentar elevada complexidade, o que é ainda evidenciado pela interligação das duas referidas ordens jurídicas, e tomando ainda em consideração que, apesar dos critérios de sustentabilidade dos biocombustíveis se encontrarem definidos na Diretiva 2009/28, a definição da forma de verificação do seu cumprimento cabe aos Estados-membros, ainda que vinculados a determinados requisitos mínimos e ao respeito pelos princípios gerais de direito da UE.
I. As metas de incorporação de biocombustíveis visam o prosseguimento de objetivos de natureza ambiental, diretamente relacionados com o problema global das alterações climáticas, pelo que a relevância social deste tema é de importância fundamental.
J. Verifica-se, também, uma clara necessidade do recurso para uma “melhor aplicação do direito”, decorrente da existência de vários processos intentados, não só pela ora recorrente, como também por vários outros operadores do setor dos combustíveis, os quais possuem o mesmo objeto, ou seja, a impugnação de atos administrativos praticados pela recorrida ENSE, consubstanciados na aplicação de compensações decorrentes do alegado não cumprimento das metas de incorporação de biocombustíveis. Tomando em consideração este contexto, a aceitação do presente recurso pelo Supremo Tribunal Administrativo reveste-se da maior importância, para garantia da melhor aplicação do direito, além da harmonização dos critérios de decisão a serem considerados pelos tribunais de instâncias inferiores.
K. A necessidade de admissão do presente recurso decorre também das questões, existentes nos autos, que deverão ser submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, através do mecanismo de reenvio previsto no artigo 267.º, n.º 3, do TFUE, atento o princípio da Cooperação Leal, espelhado no artigo 19.º, n.º 1, 2ª parágrafo, TUE, e do princípio do Efeito Útil, nos termos do qual a recusa da obrigação do reenvio prejudicial fundamentada na inadmissibilidade do recurso retiraria qualquer efeito útil a essa obrigação, constituindo, assim, um obstáculo ao objetivo de assegurar a interpretação uniforme do direito da União Europeia.
L. Existem dúvidas nos autos quanto à interpretação de normas de direito da União Europeia, especialmente no que respeita aos Artigos 17.º e 18.º da Diretiva 2009/28, que se referem aos requisitos de sustentabilidade dos biocombustíveis e à forma de os comprovar, estando ainda em causa o Artigo 34.º do TFUE, relativo à livre circulação de mercadorias.
M. O TCA Norte rejeitou o pedido de reenvio prejudicial, porquanto concluiu que se encontrava verificada, antes de mais, a exceção a essa necessidade, em virtude da falta de relevância das questões propostas pela recorrente, adotando o entendimento de que as mesmas não poderiam ter influência na solução do litígio em causa, entendendo, pelo contrário, que a apreciação da legalidade do ato visado nos autos não convoca a aplicação das normas comunitárias apontadas pela Recorrente, apenas pressupondo a interpretação e aplicação de normas de direito interno, nomeadamente o regime consagrado no D.L. nº 117/2010, de 25 de Outubro e a Portaria 8/2012, de 4 de Janeiro.
N. Todavia, o próprio TCA admite, no mesmo acórdão, que as disposições relevantes da Portaria 8/2012 resultam da transposição do artigo 18.º da Diretiva 2009/28 CE, pelo que o argumento da falta de pertinência invocado para a rejeição do pedido de reenvio não poderá proceder, sendo manifesto que a existência de dúvidas sobre a interpretação de uma disposição nacional que transponha uma diretiva reclama a intervenção do TJUE, sob pena de se colocar em causa a interpretação uniforme do direito da UE nos diversos Estados-membros, tomando ainda em consideração que as diretivas constituem atos vinculativos de direito da União.
O. O TCA fundamentou, também, a rejeição do reenvio, na circunstância da recorrente não ter suscitado explicitamente nos autos a interpretação do artigo 34º, TFUE, contudo a recorrente suscitou nos autos:
. A questão da incompatibilidade do sistema de metas de incorporação com o princípio da Livre Circulação de Mercadorias – artigo 49º da petição inicial;
. A impossibilidade de aquisição de TdB no mercado, atenta a sua escassez – artigos 9º a 12º da petição inicial;
. A violação do princípio da proporcionalidade, decorrente do elevado valor atribuído às compensações aplicadas – artigos 123º e ss. da petição inicial;
. Quanto à possibilidade de mistura e de venda em estado puro de biocombustíveis, por parte de um operador como a recorrente, também o parecer do Senhor Professor Sérgio Vasques, junto à petição inicial, concluiu pela violação do princípio da livre circulação de mercadorias - artigo 56.º da petição inicial.
P. O próprio Acórdão do TCA também evidencia, na página 42, que “a sentença recorrida anulou o referido ato por violação da Diretiva nº 2009/28/CE, por violação do princípio da livre circulação de produtos provindos de Estados Membros da União Europeia, bem como por violação do princípio da igualdade de tratamento entre Estados Membros”.
Q. A interpretação defendida no Acórdão recorrido conduz no sentido de que a recorrente estaria obrigada a invocar, expressamente, nos autos, a existência de dúvidas na interpretação do artigo 34º, TFUE, sendo que tal interpretação constitui uma violação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
R. Na própria perspetiva do TJUE, não é exigível que a parte suscite a questão da interpretação da norma de direito da UE em causa, pelo que, tendo a recorrente invocado nos autos a invalidade do ato da ENSE por violação do princípio da livre circulação de mercadorias, está automaticamente em causa a interpretação dessa norma, nos termos do artigo 267.º, primeiro parágrafo, alínea a), TFUE.
S. Existe uma obrigação, por parte dos tribunais nacionais, em suscitar questões de direito da União Europeia, independentemente das partes terem, ou não, suscitado as mesmas, e tal obrigação decorre do princípio da Cooperação Leal, muito embora se circunscreva a disposições de direito da União Europeia que tenham efeito direto, que é, precisamente, o caso do artigo 34º, TFUE.
T. Compete aos tribunais nacionais a garantia da proteção jurídica dos particulares, decorrente do efeito direto das disposições do direito da União Europeia, sendo que tal circunstância se evidencia ainda mais no caso do direto processual administrativo português, no âmbito do qual o tribunal pode conhecer oficiosamente de fundamentos, conforme resulta do disposto no artigo 95.º, n.º 3, do CPTA, inclusive fundamentos baseados no direito da União Europeia, atendendo ao princípio da Equivalência.
U. A recorrente impugnou o ato administrativo da ENSE, porquanto o mesmo enferma de invalidade, invalidade esta que também decorre do facto de se fundamentar em normativos nacionais contrários ao direito da União Europeia, designadamente os artigos 11.º (obrigação de incorporação) 13.º, n.º 4 (transação de TdB), 19.º-A (leilões de TdB) e 24.º (compensações) do Decreto-Lei n.º 117/2010, na interpretação e aplicação prática que lhes é dada pela ENSE, são contrários ao princípio da livre circulação de mercadorias (artigo 34.º) e não são passíveis de ser justificados, à luz do artigo 36.º TFUE.
V. Tomando em consideração o supra exposto, o reenvio da questão prejudicial não poderá ser recusado, com o recurso ao fundamento de que a recorrente não invocou uma causa de invalidade de ato administrativo baseada no direito da UE, uma vez que a possibilidade de conhecer oficiosamente de causas de invalidade de direito interno se encontrar prevista na legislação processual portuguesa.
W. O douto Acórdão recorrido interpretou incorretamente a diretiva 2009/28/CE, ao considerar que esta não é violada pelo decreto-lei 117/2010, de 25 de outubro, nem pela Portaria 8/2012, de 4 de abril.
X. A Portaria 8/2012 dispõe no n.º 5 do artigo 8.º, que, no caso de ausência de declaração emitida pela entidade nacional ou no âmbito de um regime voluntário, os operadores económicos ainda têm a possibilidade de fornecer à entidade competente dados completos verificados, nos termos do n.º 5 do artigo 8.º da Portaria 8/2012, devendo, neste caso, devem lançar mão do procedimento do artigo 10.º da mesma Portaria, que determina que o operador económico deve remeter à ECS, anualmente, um relatório de verificação dos critérios de sustentabilidade, o qual deve ter por base as verificações independentes efetuadas por entidade verificadora.
Y. Para cumprimento destas regras, os operadores são obrigados a contratar uma entidade verificadora independente que cumpra os requisitos constantes da mesma Portaria, nomeadamente, a acreditação no Instituto Português de Acreditação (“IPAC”).
Z. Até hoje, nunca não foi acreditada qualquer entidade verificadora, contudo, o n.º 3 do artigo 18.º da Diretiva 2009/28 é claro no sentido de que os Estados-membros devem exigir que os operadores económicos prevejam padrões adequados de auditoria independente das informações fornecidas e apresentem prova da realização das auditorias, a fim de comprovar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade do biocombustível.
AA. Quanto à forma de dar cumprimento ao disposto no artigo 18.º da Diretiva, nos termos do qual os Estados-membros devem assegurar que os operadores económicos fornecem informações fiáveis e preveem auditorias independentes das referidas informações, resulta da Comunicação da Comissão sobre os regimes voluntários e os valores por defeito que, “quando os operadores económicos recorrem a um regime voluntário ou a um acordo bilateral/multilateral reconhecido pela Comissão para demonstrar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade, tal recurso já se encontra previsto no reconhecimento”. Já “quando os operadores económicos adotam um procedimento previsto na legislação nacional, os Estados-Membros são convidados a basear-se nos requisitos relativos ao padrão adequado de auditoria independente e ao sistema do balanço de massas a que se refere o ponto 2.2 da Comunicação sobre os regimes voluntários e aos valores por defeito”.
BB. Em suma, compete aos Estados-membros assegurar que os sistemas nacionais a estabelecer cumprem os requisitos de auditoria independente previstos para o reconhecimento de regimes voluntários, o que, manifestamente, não é o caso do sistema nacional português.
CC. O Acórdão recorrido concluiu que, pelo facto dos combustíveis importados pela recorrente não virem acompanhados da certificação prevista no n.º 4 do artigo 18º da Diretiva 2009/28/CE, não se verifica a violação desta diretiva, nem do princípio da Livre Circulação, no entanto, tal conclusão deriva de um erro de julgamento do TCA Norte, decorrente da incorreta interpretação dos normativos em causa.
DD. Com efeito, tal interpretação parece ignorar que se encontra prevista, no n.º 3 do artigo 18.º da Diretiva 2009/28, uma obrigação dos Estados Membros – no caso, o Estado Português – a assegurar que os sistemas nacionais a estabelecer cumprem os requisitos de auditoria independente previstos para o reconhecimento de regimes voluntários, sendo que a mesma não consiste uma mera opção do Estado Membro, que poderia ser desconsiderada face à existência de regimes voluntários reconhecidos pela Comissão Europeia.
EE. Na medida em que a auditoria é um requisito essencial à verificação, um operador económico não pode realizar esta prova na ausência de entidade verificadora acreditada pelo IPAC, e tal consideração releva para a verificação da compatibilidade do regime português com o princípio da Livre Circulação de Mercadorias.
FF. Existe uma incompatibilidade manifesta do sistema português de verificação com as exigências decorrentes da Diretiva 2009/28, ainda que considerando a margem de apreciação de que os Estados Membros dispõem nesta matéria. Ou seja, para efeitos da legislação portuguesa, a ausência de prova dos critérios de sustentabilidade implica, não apenas que o biocombustível em causa não pode ser contabilizado para efeitos dos objetivos estabelecidos pela Diretiva 2009/28 (tal como decorre do artigo 17.º, n.º 1, da referida Diretiva), mas também o incumprimento das metas de incorporação por parte do operador económico, gerando a consequente obrigação de pagamento de compensações.
GG. Se as formas de dar cumprimento aos objetivos fixados pela Diretiva 2009/28 não foram alvo de harmonização exaustiva, também as consequências da inobservância dessas mesmas formas de cumprimento escaparam à harmonização levada a cabo pela Diretiva 2009/28. Em suma, nem as metas de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis fósseis dirigidas aos operadores económicos nem o regime de compensações em caso de incumprimento dessas metas resultam de uma imposição do legislador da União.
HH. Resulta de jurisprudência constante do TJUE que a compatibilidade de uma medida nacional em matéria que é objeto de harmonização exaustiva deve ser analisada à luz da diretiva que harmonizou a matéria e não de acordo com as normas do Tratado em matéria de livre circulação. Pelo contrário, tratando-se de matéria que não foi alvo de harmonização exaustiva, a medida em causa deve ser analisada à luz das regras do Tratado em matéria de liberdades fundamentais, in casu, a livre circulação de mercadorias.
II. Neste contexto, a legislação portuguesa e a prática administrativa não se conformam com as exigências decorrentes do princípio da livre circulação de mercadorias, porquanto:
. Impossibilitam operadores não detentores do estatuto fiscal de Entreposto Fiscal de proceder à mistura de biocombustíveis nos combustíveis fósseis e à venda de biocombustíveis em estado puro;
. Tornam inexequível a compra de TdB; e
. Exigem valores exorbitantes para as compensações.
JJ. Verifica-se, no caso dos autos, os pressupostos que determinam uma desconformidade das disposições nacionais ou da prática administrativa nacional à luz do princípio da livre circulação de mercadorias, designadamente:
a) Verificação de uma situação transfronteiriça, porquanto a recorrente importa combustível de Espanha, pelo que tal pressuposto encontra-se verificado;
b) Verificação de um entrave à livre circulação, porquanto, ao limitar a venda de biocombustíveis em estado puro “a entidades que produzam biocombustíveis em território nacional em entreposto fiscal de transformação” o n.º 6 do artigo 96.º do CIEC constitui uma medida diretamente discriminatória, o que decorre da simples análise da disposição em causa, sendo certo que tal entrave se encontra, até, demonstrado na prática, porquanto a importação de biocombustíveis para serem introduzidos no consumo em Portugal tem efetivamente uma expressão muito reduzida.
c) Inexistência de Justificação do entrave por razões de interesse geral enunciadas no artigo 36.º TFUE ou por outras exigências imperativas, porquanto o sistema aplicado é claramente desproporcional relativamente às metas de incorporação e valor das compensações, resultando também da jurisprudência do TJUE que um sistema nacional que, além de não dispor de mecanismos de mercado que permitam aos operadores cumprir a sua obrigação [de obtenção de certificados verdes] em condições efetivas e equitativas, preveja penalizações elevadas poderá ser considerado excessivo e, por isso, desproporcionado. No que concerne à proibição de mistura e à proibição de comercialização de biocombustíveis em estado puro, trata-se de uma medida manifestamente discriminatória, porquanto se aplica de maneira diferenciada à produção nacional e aos produtos importados, e deve ser sujeito a um teste de proporcionalidade “reforçado”.
KK. Nem sequer se verificam razões de interesse geral que pudessem justificar uma tal discriminação, designadamente Motivos relacionados com a segurança das instalações, já devidamente regulados pelo artigo 99.º do CIEC, Interesses relacionados com a rastreabilidade e a luta contra a fraude, já devidamente regulados pelos artigos 28.º, n.º 3, e 29.º do CIEC.
LL. Demonstra-se, claramente, a existência de uma restrição desproporcionada ao princípio da livre circulação de mercadorias, pelo que, ao contrário do entendimento perfilhado erroneamente no Acórdão recorrido, não ocorreu erro de julgamento do TAF de Braga, ao determinar, na sentença proferida, que o ato administrativo praticado pela ENMC violou a Diretiva 2009/28/CE, por violação do princípio da Livre Circulação de Produtos Provindos de Estados Membros da União Europeia.
MM. A sentença proferida em primeira instância invocou, como fundamento de anulação do ato impugnado, que se verifica, no caso em apreciação nos autos, uma impossibilidade objetiva, por parte dos pequenos operadores, em adquirirem TdB, em virtude da inviabilidade do recurso a leilões, a qual foi admitida pela própria ENSE, sendo que, para a fundamentação desta decisão, concorreu a matéria considerada provada em 2), nos termos da qual a própria ENMC admitiu, não só a “existência de diversas dificuldades na aquisição de Títulos de Biocombustível”, como também que o recurso ao leilão era “inviável.”
NN. No Acórdão recorrido, o TCA Norte procedeu, ao abrigo do artigo 662º do CPC, ao aditamento dos factos melhor identificados nos respetivos itens 27) e 28) do probatório (página 40), dos quais concluiu que, embora resultassem notórias as dificuldades dos pequenos operadores na aquisição de TdB, os autos não permitem concluir pela impossibilidade objetiva para tal, acolhendo a perspetiva da ENSE em detrimento daquela defendida pela recorrente, sem o confronto probatório entre a matéria considerada provada no item 2), e as matérias consideradas provadas nos itens 27) e 28).
OO. Caso o Acórdão recorrido sufragasse o entendimento segundo o qual a impossibilidade objetiva de aquisição de TdB não se tratava de factualidade provada, mas sim de matéria controvertida, deveria ter ordenado a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância, a fim de, em sede de audiência de julgamento, se proceder à produção de prova para uma ponderação correta desta factualidade, sendo que tal seria sempre imprescindível, tomando ainda, para este efeito, em consideração que, na realidade, o mecanismo de compra direta de TdB a Pequenos Produtores Dedicados nunca funcionou na prática até à presente data (2021), devido à escassez de matéria-prima no mercado, e nunca consistiu num mecanismo alternativo viável para o cumprimento das metas de sustentabilidade, como é do integral conhecimento da ENSE.
PP. Assim, também nesta matéria andou mal a decisão recorrida, ao desvalorizar totalmente a matéria de facto fixada no item 2) do probatório, em benefício daquela fixada nos itens 27) e 28), sem efetuar um exercício de ponderação.
QQ. Ocorreu também erro de julgamento na decisão recorrida em relação a esta matéria, na interpretação que o Tribunal a quo fez das, provadas, “diversas dificuldades na aquisição de Títulos de Biocombustível”, assim como na inviabilidade do recurso ao leilão, porquanto, ainda que tais dificuldades, ainda que não fossem equivalentes a uma “impossibilidade objetiva”, nunca deixariam de relevar como fundamento para a anulação do ato administrativo em causa nos autos.
RR. Ainda que se entenda que não existe, in casu, uma impossibilidade objetiva, a verdade é que a existência de dificuldades diversas para a aquisição dos TdB concorre diretamente para a desproporcionalidade do regime nacional que rege esta matéria, concorrendo ainda para a conclusão de que estamos perante um entrave à livre circulação de mercadorias proibido pelo artigo 34.º TFUE, que não se encontra justificado pelo artigo 36.º TFUE ou em virtude de outras exigências imperativas reconhecidas pela jurisprudência do TJUE, dado o seu caráter manifestamente desproporcionado, conforme supra exposto.
SS. O Acórdão recorrido concluiu, igualmente, pela ocorrência de erro de julgamento na sentença proferida pelo TAF de Braga, ao considerar que se verificava, in casu, uma violação dos princípios da Boa-Fé, da Proteção da Confiança, das Legítimas Expectativas e da Segurança Jurídicas, pela circunstância da ENSE ter negado, à recorrente, o recurso ao mecanismo de emissão de TdB através do procedimento da mistura de biocombustíveis com combustíveis fósseis, alterando consecutivamente a sua posição nesta matéria, fundamentando que tal erro decorre do facto da operação de mistura levada a cabo pela recorrente ter ocorrido somente em 2017, não podendo, por isso, ser tomada em consideração para aferir do cumprimento das metas impostas para o ano de 2016.
TT. A fundamentação do TCA Norte decorreu de uma errada ponderação da matéria considerada provada nos autos, determinando um consequente erro de julgamento, tomando em consideração que, no item 3) do probatório, foi dado como provado que, já em setembro de 2015, a recorrente tinha solicitado à ENSE (ENMC) autorização para iniciar um procedimento que visasse o cumprimento dos critérios de sustentabilidade através da operação de mistura ao abrigo do artigoº 96º do CIEC, tendo sido também, no item 4), dado como provado que, a recorrida negou à recorrente essa possibilidade, alegando para o efeito que tal operação, ao abrigo do artigo 96º do CIEC, não seria qualificada como produção de PPD.
UU. Por esta via, encontra-se demonstrado nos autos que, desde 2015, a recorrente tentou, junto da ENMC, cumprir os critérios de sustentabilidade, mediante um procedimento legalmente previsto, que lhe foi, desde essa data, negado por esta, pelo que, caso tal possibilidade tivesse sido admitida pela ENMC, logo em 2015, a recorrente poderia ter cumprido, cabalmente, as metas de sustentabilidade relativas ao ano de 2016, que estão em causa nestes autos, o que só não sucedeu perante a atuação daquela.
VV. Assim, o Acórdão recorrido desconsiderou erroneamente o facto desta operação de mistura ter sido solicitada pela recorrente desde 2015, sendo certo que uma apreciação correta dos factos dados como provados impunha uma decisão diversa, designadamente, que o ato da recorrida violou, de facto, os princípios da Boa-Fé, da Proteção da Confiança, das Legítimas Expectativas e da Segurança Jurídicas.
WW. Um outro argumento tomado em linha de conta na decisão recorrida nesta matéria, refere que, quer a informação vinculativa, que a ficha doutrinária da Autoridade Tributária e Aduaneira, tiveram como pano de fundo o regime instituído pelo decreto-lei n.º 152-C/2017, que revogou o decreto-lei n.º 62/2006, de 21 de março, sendo que, até janeiro de 2018, se manteve o regime consagrado neste último diploma.
XX. Contudo, conforme espelhou, e bem, a sentença proferida pelo TAF de Braga, a articulação do artigo 6º, n.º 1, do decreto-lei n.º 62/2006, de 21 de março com o artigo 96º do CIEC obriga a concluir que a mistura de biocombustível com produtos petrolíferos já introduzidos no consumo pode ser realizada por destinatários registados fora de entreposto fiscal, e ainda que a interpretação segundo a qual o artigo 6º, n.º 1, do decreto-lei n.º 62/2006, de 21 de março impõe a derrogação do artigo 96º do CIEC é claramente inconstitucional, verificando-se a inconstitucionalidade orgânica daquela disposição, porquanto o decreto-lei n.º 62/2006, de 21 de março foi aprovado pelo Governo sem prévia lei de autorização parlamentar.
YY. A ENMC foi devidamente informada pela recorrente desta posição em junho de 2017 em comunicação na qual a recorrente disponibilizou, inclusive, cópia do parecer elaborado pelo Senhor Professor Sérgio Vasques, junto os autos, e, não obstante, manteve a sua posição de recusa na aprovação da operação de mistura proposta, conforme consta, aliás, do doc. 92 junto com a petição inicial.
ZZ. Neste contexto, o Acórdão recorrido decidiu erroneamente, ao considerar que a sentença do TAF de Braga incorreu em erro de julgamento nesta matéria, porquanto, considerando a posição adotada pela recorrente perante a ENMC desde 2015, é impossível extrair outra conclusão que não seja aquela segundo a qual a recorrida lhe negou, infundadamente, a possibilidade de cumprimento dos critérios de sustentabilidade.
AAA. A recorrida violou, assim, os princípios da Boa-Fé, da Proteção da Confiança, das Legítimas Expectativas e da Segurança Jurídicas.
BBB. O estatuído no artigo 266º, n.º 2, da CRP, proíbe soluções legislativas que cominem sanções desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas.
CCC. As compensações aplicadas à recorrente por via do ato administrativo em apreço resultam formalmente da aplicação, ao caso concreto, da previsão constante dos artigos 24º do decreto – lei 117/2010, de 25 de Outubro, e da portaria nº 301/2012, de 2 de Dezembro, que definem o valor das compensações resultantes do não cumprimento das metas de incorporação.
DDD. A referida legislação atribui a cada TdB, para efeitos de compensação, o valor de 2.000,00 euros (dois mil euros), quando o respetivo valor de mercado, conforme resulta provado dos autos, ronda valores compreendidos entre 300,00 euros (trezentos euros) e 400,00 euros (quatrocentos euros), sendo que tal valor de mercado resulta ainda de atores especulativos, resultante da escassez de TdBs, o que contribui para o seu aumento exponencial.
EEE. Assim, tais sanções são manifestamente excessivas e inadequadas, constituindo uma violação flagrante do princípio da proporcionalidade, plasmado no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, tomando em consideração que a discrepância entre os reais valores dos TdBs, e os montantes atribuídos às compensações, implica que estas não revistam, na verdade, o carácter de “compensações”, mas sim de sanções pecuniárias flagrantemente excessivas e despojadas de qualquer justificação de facto e de Direito.
FFF. A aplicação de compensações à recorrente não visam compensações por um dano ambiental, ao contrário do que decorre do Acórdão recorrido, porquanto não está em causa nos autos a inexistência de biocombustíveis nos combustíveis importados pela recorrente, mas sim a não aceitação, pela ENMC, da certificação que é feita por Espanha em relação aos mesmos.
GGG. Concluiu bem a sentença proferida pelo TAF de Braga, no que respeita a esta matéria, não merecendo, assim, qualquer censura, uma vez que, face ao exposto, o artigo 24º do decreto-lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, na redação em vigor à data dos factos, e a portaria n.º 301/2012, de 2 de dezembro, violam o princípio da proporcionalidade, plasmado no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, na medida em que impõem compensações de valor manifestamente discrepantes com os valores reais dos TdB, e por tal excessivas e despojadas de qualquer justificação de facto ou de Direito.
HHH. Ao considerar que tal princípio não foi violado, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.

Nestes termos, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá:
A) Ser o presente recurso aceite, atento o preenchimento das condições de admissibilidade do recurso de revista perante o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA;
B) Ser determinado o Reenvio Prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 267.º TFUE, atenta a existência de dúvidas, nos autos, quanto à interpretação de normas de direito da União, especialmente no que respeita aos Artigos 17.º e 18.º da Diretiva 2009/28, que se referem aos requisitos de sustentabilidade dos biocombustíveis e à forma de os comprovar, e ainda ao Artigo 34.º do TFUE, relativo à Livre Circulação de Mercadorias, requerendo-se para esse efeito, o reenvio das questões formuladas no requerimento que se segue;
C) Ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ordenada a anulação do Acórdão recorrido, por se verificarem os respetivos pressupostos de anulação.
Com o que, modestamente se entende, V. Exas. farão inteira e sã JUSTIÇA».

3. A Recorrida “ENSE” apresentou contra-alegações, que terminou com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1151 e segs. SITAF):

«1ª O presente recurso de revista não tem por preenchido o pressuposto da relevância jurídica, porquanto a decisão de direito relevante nos presentes autos está intrinsecamente associada às circunstâncias factuais específicas do caso, como é exemplo disso a apresentação da certificação do biocombustível legalmente exigida e o teor das comunicações mantidas entre a ENSE e a Recorrente, em 2017, e que entende esta última configurar uma violação do princípio da proteção da confiança não se verificando, por conseguinte, o extravasar do caso concreto, entendido como a probabilidade de repetição do cenário no futuro, ao qual é reconduzido o pressuposto em causa.
2ª Para além do mais, outras alterações circunstanciais, associadas ao decurso do tempo, retiram igualmente a possibilidade de repetição do tema no futuro como é o caso da alteração do artigo 24º do DL nº 117/2010, de 25 de outubro, que significa que o valor da compensação, que é de 2.000,00€, já não é o mesmo e que, por conseguinte, a discussão relativa à respetiva proporcionalidade não voltará a ocorrer, ou o facto de, entretanto, terem sido acreditadas diversas entidades verificadoras, em termos que, e apesar da irrelevância jurídica da ausência de entidades, no âmbito nacional, para a legalidade do procedimento, tornam o tema da relevância da omissão insuscetível de repetição no futuro.
3ª De igual forma, o recurso interposto não assume qualquer relevância social, porquanto o tema que importa ter em consideração na apreciação é o correspondente ao interesse motivador do recurso, i.e., o interesse da Recorrente. Ora, o interesse da Recorrente não tem relevância ambiental mas sim económica, porquanto diz respeito às alegadas dificuldades sentidas pelos incorporadores de biocombustível em obter TdB e em, por conseguinte, exercer regularmente a sua atividade, sem ter de assumir o pagamento de quantias que descreve como avultadas, a título de compensação pela não obtenção de TdB. Sendo que, face aos exatos termos da questão, circunscreve-se a mesma ao universo específico dos incorporadores de biocombustível, sem qualquer impacto relevante na sociedade.
4ª A Recorrente não invoca qualquer erro manifesto na apreciação do direito que imponha a intervenção deste Colendo Tribunal, antes argumentando que a essencialidade do recurso de revista reside no facto de ser necessária à colocação de perguntas sobre a interpretação de normas de direito da UE ao TJUE. Acontece que, a necessidade de uma melhor aplicação do direito constitui um pressuposto da relevância do recurso de revista e não do reenvio prejudicial, constituindo a redução deste recurso a um mero veículo para o reenvio prejudicial uma confissão da falta de assimilação da respetiva relevância.
5ª Pelo que, o requerimento de interposição do recurso de revista deverá ser indeferido, porque inadmissível, em razão do não preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 150º do CPTA.
6ª A Recorrente não apresentou certificação do biocombustível introduzido no mercado português ao longo do ano de 2016, por entidade certificadora reconhecida pela Comissão Europeia, correspondendo os documentos juntos aos autos a certificados de entrega e não a certificações do biocombustível e não sendo a CHL Compañia Logistica de Hidrocarburetos uma entidade certificadora reconhecida pela Comissão Europeia. Pelo que, andou bem o Tribunal a quo ao concluir pela legalidade da recusa em emitir os TdB correspondentes ao ano de 2016.
7ª O facto de não existirem entidades acreditadas pelo IPAC para efeito das verificações independentes referidas no artigo 10º, nº 10 da Portaria nº 8/2012, de 4 de janeiro, no ano de 2016, não afeta de forma alguma a legalidade do procedimento e, por conseguinte, do ato impugnado, uma vez que resulta igualmente do referido preceito que as certificações por entidades reconhecidas pela Comissão Europeia constituem uma alternativa admissível sendo que essas entidades existiam e as certificações estavam, por conseguinte, ao alcance da Recorrente. Pelo que, andou bem o TCA Norte na apreciação feita.
8ª A Recorrente vem invocar a incompatibilidade do regime jurídico relativo aos critérios de sustentabilidade com o direito da União Europeia pela primeira vez em sede de recurso. Os recursos jurisdicionais têm como propósito submeter à apreciação do tribunal superior os erros de julgamento, omissões ou excessos de pronúncia de que a decisão recorrida padeça o que, naturalmente, não se compadece com o suscitar de novas questões que, logicamente, nunca foram objeto da apreciação devida pelo Tribunal a quo. Por essa razão, o conhecimento de novas questões, em sede de recurso, resulta processualmente inadmissível.
9ª A imposição da certificação do biocombustível e a não acreditação de entidades verificadoras pelo IPAC não revelam qualquer violação do artigo 18º, nº 3 e 4 da Diretiva 28/2009/CE, uma vez que no preceito em causa é apenas referida a admissibilidade de os Estados membros imporem aos operadores económicos a necessidade de proceder a auditorias independentes e à apresentação de dados precisos que demonstrem o cumprimento dos critérios de sustentabilidade definidos na Diretiva, i.e., dali não resulta qualquer efeito incompatível com o regime jurídico português.
10ª De igual forma, o regime jurídico associado aos critérios de sustentabilidade, desde a definição de metas de incorporação, a previsão da certificação do biocombustível, as alegadas dificuldades na aquisição de TdB no mercado e a pretensa desproporcionalidade da compensação aplicável à data não contende de forma alguma com o princípio comunitário da livre circulação de mercadorias, porquanto dali não resulta qualquer restrição à importação do combustível, sendo certo que as medidas referidas aplicam-se a qualquer incorporador de combustível no mercado português o que inclui tanto os importadores como os produtores.
11ª O TCA Norte aditou os factos 27) e 28) ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2 do CPC, limitando-se a transcrever o teor de documentos já juntos aos autos. Acresce que, não cabe recurso da decisão de facto para este Colendo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 662º, nº 4 do CPC.
12ª A ENSE nunca admitiu qualquer impossibilidade objetiva de aquisição de TdB, referindo apenas as naturais dificuldades que os pequenos operadores sentirão num contexto de leilão, cuja estrutura concorrencial e lógica assente na adjudicação do preço mais alto implica que os operadores com maior poder económico tenham mais capacidade para apresentar propostas mais altas e assim adquirir os TdB. A Recorrente assume inclusivamente, no âmbito do ponto 95 das Alegações de revista que não podemos falar numa impossibilidade objetiva de aquisição mas apenas nas dificuldades sentidas no mercado. Pelo que, afigura-se correta a apreciação feita pelo Tribunal a quo.
13ª As comunicações dirigidas à Recorrente tiveram, inclusivamente, como propósito dar a conhecer a promoção de métodos alternativos ao leilão para a compra e venda de TdB em excesso, não tendo a Recorrente demonstrado que diligenciou por aproveitar essa opção o que apenas reforça a já explicada insusceptibilidade de concluir por uma impossibilidade objetiva.
14ª Todavia, a questão que torna até injustificada a discussão relativa à impossibilidade objetiva de aquisição de TdB reside no facto de a obtenção de TdB exigir apenas a apresentação da certificação do biocombustível, pelo que a alegada impossibilidade objetiva de adquirir TdB nunca se confundiria com a impossibilidade objetiva em obter TdB e, dessa forma, nunca implicaria a ilegalidade do ato impugnado.
15ª Acima de tudo, repare-se que a escassez de TdB no mercado, i.e., para efeito de aquisição, constitui uma decorrência natural e expectável do modo de funcionamento da apresentação de TdB. E isto porque, apenas estarão disponíveis para venda os TdB detidos por produtores que incorporem mais biocombustível do que a percentagem a que estão obrigados e, por conseguinte, não precisem dos TdB para fazer prova do cumprimento das suas obrigações, optando por os vender. A aquisição desses TdB admite-se pelo facto de o biocombustível incorporado em excesso pelo vendedor compensar aquele que o adquirente não tenha incorporado. Todavia, essa disponibilidade de TdB depende em absoluto da circunstância casuística de os produtores incorporarem mais biocombustível do que tinham de incorporar.
16ª A ENSE não tem, naturalmente, de assegurar tal facto, uma vez que não tem como o fazer, face à lógica vinda de explicar e até porque a mera aceitação da possibilidade de aquisição já constitui uma medida suficientemente facilitadora.
17ª O princípio da proporcionalidade obriga a que as medidas que impliquem um sacrifício de uma parte sejam adequadas, necessárias e proporcionais à finalidade que visam alcançar. As compensações previstas no artigo 24º do DL nº 117/200, de 25 de outubro, funcionam como uma solução a aplicar a um cenário em que os incorporadores introduzam combustível no mercado sem cumprimento, ou falta de prova do cumprimento, das metas de incorporação definidas, produzindo danos no ambiente e auferindo uma vantagem económica ilícita sobre os restantes incorporadores que cumpram as obrigações de incorporação e incorram nos custos inerentes à mesma, que se encontram entre os 2 a 4% do preço final do combustível.
18ª Contudo, e porque essa solução nunca será a ideal, uma vez que o incumprimento das metas de incorporação, que constituem as medidas adequadas a proteger o ambiente, permanecem por incumprir, o valor da compensação terá de ser sempre suficientemente alto ao ponto de assegurar que não se torna preferível proceder ao pagamento do que cumprir as normas ambientais.
19ª Desta forma, o pagamento de uma compensação de 2.000,00€ afigura-se adequado ao alcance da finalidade vinda de descrever, i.e., proporcionar uma solução perante um cenário de não incorporação do biocombustível devido que, ainda assim, represente um encargo financeiro que torne apetecível cumprir as metas de incorporação. É igualmente necessária uma vez que o barómetro dos valores adequados não é simples e linear e obriga à consideração de um intervalo de preços considerado razoável. Sendo, dessa forma, também proporcional em sentido estrito porquanto o esforço financeiro que representa não assume uma dimensão relevante ao ponto de impedir o exercício da atividade nem muito menos se considera mais gravosa do que os prejuízos ambientais que visa evitar.
20ª Para além do mais, importa ainda notar que a ENSE se encontrava vinculada à ordem de pagamento da compensação no valor de 2.000,00€, uma vez que é esse o efeito automático da não apresentação de TdB, nos termos do disposto no artigo 24.º do DL n º 117/ 2010, de 25 de outubro, não tendo o legislador conferido qualquer margem de discricionariedade à ENSE. Pelo que, também a este respeito o TCA Norte decidiu corretamente.
21ª A Recorrente invocou a violação do princípio da boa fé, pela ENSE, a propósito das comunicações mantidas com a Recorrente em 2017, a respeito da possibilidade de proceder à mistura física de biocombustível para efeito da emissão de TdB. Tendo a Recorrente assente a sua argumentação no facto de a ENSE ter alterado a sua posição quanto à admissibilidade da mistura, nenhuma lógica se apresenta para que afirme, agora, que incluía o ocorrido desde 2015 na alegação de violação do princípio da boa fé, visto que nesses anos as comunicações mantidas foram traduzidas numa informação clara quanto à inadmissibilidade da emissão de TdB com base na mistura física feita por entidades que não têm o enquadramento fiscal exigido. Pelo que, no limite, poderia a Recorrente discordar da posição assumida pela ENSE, quanto ao respetivo teor, mas daí não resulta qualquer indício de violação do princípio da boa fé.
22ª Tendo em consideração que as comunicações havidas em 2017 diziam respeito à mistura física realizada após julho de 2017, é evidente que os TdB correspondiam aos do ano de 2017 e nunca aos do ano de 2016 que, por sua vez, fazem prova da incorporação de biocombustível introduzido no mercado em 2016. Traduzindo o ato impugnado uma ordem de pagamento de uma compensação pelos TdB não apresentados, correspondentes ao ano de 2016, a conduta da ENSE a respeito da emissão dos TdB de 2017 não assume qualquer relevância ou impacto na legalidade do ato impugnado. Pelo que, decidiu de forma absolutamente correta o TCA Norte.
23ª O princípio da boa fé, na vertente da proteção da confiança, pressupõe uma atuação apta a gerar confiança na contraparte e o investimento efetivo dessa confiança. A ENSE não autorizou a Recorrente a proceder à mistura física do biocombustível, que teve lugar previamente ao pedido de emissão dos TdB. A Recorrente não alega a prática de qualquer ato motivado pelas informações que lhe foram fornecidas pela ENSE. A ENSE, muito simplesmente, assentiu na emissão de TdB, tendo, após nunca mais do que dois meses, constatado que não o poderia fazer face ao enquadramento fiscal da Recorrente e à inadmissibilidade da mistura física do biocombustível. Todavia, a Recorrente não alega qualquer investimento de confiança, que constitui um pressuposto da consideração de uma situação de facto que urge proteger e que justifique o recurso ao princípio da boa fé.
24ª Por fim, a informação vinculativa que a Autoridade Tributária emitiu teve por base legislação não aplicável aos factos que cumpria apreciar, que estavam ainda cobertos pelo artigo 6º do DL n º 62/2006, de 21 de março, que não admitia a mistura física do biocombustível por destinatários registados. Em todo o caso, a informação é apenas vinculativa interpartes, i.e., não vincula de forma alguma a ENSE. A apreciação do TCA Norte, a propósito da informação da AT, afigura-se igualmente correta.
25ª Pelo que, os fundamentos do recurso interposto são manifestamente improcedentes, sendo a apreciação feita pelo TCA Norte inatacável, porque assente num enquadramento dos factos no direito aplicável desmerecedor de qualquer crítica ou censura. Devendo assim o presente recurso de revista ser julgado improcedente.
26ª O STA não está obrigado ao reenvio prejudicial de questões para o TJUE caso não se verifiquem os pressupostos previstos no artigo 267º do TFUE, i.e., caso as normas a interpretar não suscitem dúvidas, na medida em que sejam claras ou caso o TJUE tenha proferido Acórdão a esclarecer questão idêntica ou caso não sejam as normas em causa pertinentes ou relevantes para a decisão do caso concreto. O que se afigura tão mais lógico porquanto, caso contrário, o reenvio prejudicial seria passível de utilização como medida dilatória, não sendo esse, de todo, o propósito da criação do instrumento de uniformização na aplicação do direito da União.
27ª O litígio em apreço obriga à apreciação do direito nacional, nomeadamente no que diz respeito à recusa da alegada certificação apresentada pela Recorrente, à não acreditação das entidades verificadoras mencionadas no artigo 10º, nº 10 da Portaria n º 8/2012, de 4 de janeiro, à relevância das dificuldades sentidas na aquisição de TdB no mercado, à alegada desproporcionalidade da compensação aplicável, à luz do artigo 266º da CRP e à alegada violação do princípio da boa fé ínsito no artigo 10º do CPA. Não existe qualquer norma de direito da União Europeia que surja relevante à apreciação da causa.
28ª As questões suscitadas pela Recorrente, a respeito da interpretação do artigo 18º, nº 3 e 4 da Diretiva 20069/28/CE e do artigo 34º do TFUE, não dão resposta ao que, alegadamente, pretende ver esclarecido, sendo que, em todo o caso, o que pretende ver esclarecido não é relevante para a questão de fundo a conhecer.
29ª O artigo 18º, nº 3 e 4 da Diretiva determina apenas a admissibilidade de os Estados membros imporem aos operadores económicos a realização de auditorias por entidades independentes, apresentando dados precisos a propósito dos critérios de sustentabilidade previstos na Diretiva. O artigo 34º do TFUE, por outro lado, proíbe a limitação quantitativa de importações entre os Estados membros o que nunca esteve em causa, nos presentes autos, nos quais discutimos o cumprimento de normas ambientais por produtores e por importadores, em iguais termos.
30º Pelo que o requerimento de reenvio prejudicial das questões suscitadas deverá ser indeferido, em virtude da impertinência das normas em apreço para a decisão da causa e o conseguinte não preenchimento dos pressupostos da obrigação de reenvio prejudicial.

NESTES TERMOS,
E nos de mais de Direito que os Colendos Conselheiros, doutamente, suprirão,
deve o presente recurso de revista:
a) Ser rejeitado, pelo não preenchimento dos pressupostos da revista, fixados no artigo 150.º, n.º 1 do CPTA; ou, caso assim não se entenda,
b) Ser julgado improcedente, por não provado, mantendo se a decisão contida no douto Acórdão recorrido, julgou a ação improcedente.
Em todo o caso,
d) Deverá ser indeferido o pedido de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, por não se encontrarem preenchidos os respetivos pressupostos».

4. O presente recurso de revista foi admitido por Acórdão de 27/1/2022 (cfr. fls. 1248 e segs. SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos:

«(…) 6. O TAF/BRG julgou procedente a pretensão impugnatória deduzida, anulando o ato em crise por violação da Diretiva nº 2009/28/CE, dos princípios da livre circulação de produtos provindos de Estados-Membros da UE, da igualdade de tratamento entre Estados-Membros, da boa-fé, da proteção da confiança, das legítimas expetativas e da segurança jurídica, da proporcionalidade, da razoabilidade e da justiça, sendo que o sistema de compensações e regime contraordenacional previsto no art. 24.° do DL n.2 117/2010, não lhe seria aplicável dado a mesma não se enquadrar na noção de «incorporador», para além de que o ato impugnado ter na sua génese a aplicação de critérios de sustentabilidade que não foram acompanhados de qualquer procedimento de verificação - mediante seleção de entidades verificadoras através de concurso – de acordo com o DL nº 117/2010 e a Portaria nº 8/2012 [cfr. fis. 572/612].
7. O TCA/N no acórdão sob impugnação revogou o julgado firmado pelo TAF/BRG, tendo considerado como insubsistentes os fundamentos de ilegalidade acometidos ao impugnado, pelo que julgou totalmente improcedente a pretensão e indeferiu o pedido de reenvio prejudicial.
(…) 13. Presentes os juízos diametralmente opostos que se mostram firmados pelas instâncias quanto às questões objeto de dissídio, constatação essa já de si indiciadora da complexidade jurídica das quaestiones juris elencadas e que são objeto do recurso de revista interposto, tanto mais que as mesmas envolvem a realização de operações lógico-jurídicas de algum melindre e dificuldade, concatenando diversos regimes, institutos e princípios jurídicos, seja do direito da UE seja no plano do direito interno, e que se mostram necessários na e para a subsunção quer à concreta realidade factual em presença quer ao que constitui o objeto pretensivo.
14. Daí que se impõe concluir pelo manifesto interesse para a comunidade jurídica ante o relevo jurídico das quaestiones juris objeto do recurso de revista interposto, e, por repetível, o mesmo mostra-se dotado de capacidade de expansão da controvérsia, justificando-se, desta feita, até pelo valor elevado da obrigação de pagamento exigido [5.702.000,00 €], tudo confluindo, assim, para a necessidade de se receber o recurso de revista interposto e intervenção deste Supremo Tribunal para dilucidação também quanto aos aspetos dubitativos sinalizados no contexto apurado e que carecem igualmente de uma melhor e aprofundada análise/ponderação, avaliando do pedido de reenvio prejudicial do Tribunal de Justiça da UE».

5. A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste STA, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146º nº 1 do CPTA, emitiu parecer (cfr. fls. 1260 e segs. SITAF), no sentido de ser negado provimento à revista, confirmando-se integralmente o Ac.TCAN recorrido.

6. Sem vistos prévios, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 f) e 2 e 147º do CPTA, o processo vem submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.


*

II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

7. Constitui objeto do presente recurso apurar se o TCAN, pelo Acórdão ora recorrido, decidiu corretamente ao revogar a sentença de 1ª instância, do TAF/Braga, julgando, assim, a ação improcedente e mantendo na ordem jurídica o ato impugnado de imposição do pagamento, pela Autora, da quantia de 5.702.000,00€, respeitante a compensações por alegado não cumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis relativas ao ano de 2016. Preliminarmente, cumpre apreciar do reenvio prejudicial para o TJUE, suscitado pela Autora e indeferido pelas instâncias.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

8. Foram dados como relevantemente provados os seguintes factos pelas instâncias (incluindo os factos – 27. e 28. – aditados pelo TCAN nos termos do art. 662º do CPC):

«1. A empresa “A............, S.A.”, ora Autora, é uma pequena operadora que exerce a sua actividade, no âmbito do sector dos combustíveis derivados do petróleo e dos biocombustíveis - detendo o estatuto de “Destinatário Registado”, nos termos do art. 28.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC) [cf. factualidade não impugnada; cf. factualidade não controvertida].
2. Em 25 de Junho de 2015 - mediante comunicação, via electrónica, dirigida, inter alia, à Autora -, a “ENMC - ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, E.P.E.”, ora Ré, declarou o seguinte:
“Nestes termos, e admitindo desde já a existência de diversas dificuldades na aquisição de Títulos de Biocombustível (TdB) por parte dos pequenos operadores, atentas as metas de incorporação legalmente estabelecidas, e bem sabendo que o recurso a leilão TdB é inviável, dada a pequena dimensão de alguns operadores a operar no mercado nacional, entendemos por bem sugerir que os Pequenos Produtores Dedicados (PPD) passem a disponibilizar, para venda/compra, os TdB emitidos em função da produção, directamente aos pequenos operadores” [cf. documento (doc.) n.º 2 junto com a petição inicial do processo n.º 2739/17.2BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
3. Em Setembro de 2015, a Autora remeteu uma comunicação à Réu, na qual, solicitou autorização para iniciar um procedimento que visasse o cumprimento dos critérios de sustentabilidade - o qual consistia em proceder a operações de (a) Mistura de biocombustíveis importados e introduzidos já no consumo, através da sua incorporação nos combustíveis fósseis para ulterior venda no mercado nacional; e, (b) Venda directa de biocombustíveis em estado puro importado, a operadores nacionais [cf. factualidade não impugnada; cf. factualidade não controvertida].
4. Em 11 de Novembro de 2015, a Ré respondeu ao solicitado pela Autora em 3), tendo negado tal possibilidade, alegando para o efeito que uma operação de mistura por parte da Autora, ao abrigo do disposto no art. 96.º do CIEC, não seria qualificada como produção de produtos petrolíferos e energéticos [cf. documento (doc.) n.º 89 junto com a petição inicial do processo n.º 2739/17.2BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
5. Em 28 de Abril de 2016, a Comissão Europeia emitiu Parecer Fundamentado, nos termos do qual, instou Portugal, na qualidade de Estado Membro, para, em dois meses, cumprir, em pleno, a Directiva n.º 2009/28/CE, relativa às energias renováveis, porquanto concluiu que o Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, contradizia, até à altura, a aludida Directiva em dois pontos, a saber: (a) Favorecimento dos biocombustíveis produzidos em Portugal relativamente aos produzidos noutros países, mesmo que estes apresentassem a mesma sustentabilidade; e, (b) Imposição de requisitos de sustentabilidade mais rigorosos a alguns biocombustíveis, sem que tal estivesse consignado na aludida Directiva - tudo, sob pena de instauração, contra Portugal, de uma acção no Tribunal de Justiça da União Europeia [cf. Ficha Informativa da Comissão Europeia relativa ao pacote de infracções, por parte dos Estados Membros da União Europeia, publicada no seu site em 28-04-2016, e que consta do documento n.º 3 junto com a petição inicial do processo n.º 2739/17.2BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
6. Para cumprimento da determinação comunitária referida em 5), o Governo português procedeu à aprovação e publicação do Decreto-Lei n.º 69/2016, de 3 de Novembro - o qual revogou, entre outros, o art. 15.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro [cf. factualidade não impugnada; cf. factualidade notória; cf. Decreto-Lei n.º 69/2016, de 3 de Novembro, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
7. Ao longo do ano de 2016, a Autora importou centenas de milhar de litros de combustíveis - os quais incluíam biocombustíveis incorporados certificados pela “CLH - Compañia Logística de Hidrocarburos” [cf. documentos (docs.) n.º 4 a n.º 88 juntos com a petição inicial do processo n.º 2739/17.2BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
8. Os biocombustíveis importados pela Autora e referidos em 7) não foram aceites pela Ré, para efeitos do cumprimento, por parte da Autora, dos critérios de sustentabilidade [cf. factualidade não impugnada; cf. factualidade não controvertida].
9. A solicitação da Autora, SÉRGIO VASQUEZ elaborou um estudo, nos termos do qual, concluiu o seguinte, a saber:
(a) Quanto à questão das operações de mistura de biocombustíveis importados e introduzidos já no consumo, através da sua incorporação nos combustíveis fósseis para ulterior venda no mercado nacional: “1. A letra, finalidade e contexto do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 62/2006, bem como a sua articulação com o artigo 96.º do Código dos IEC, obrigam a concluir que a mistura de biocombustível com produtos petrolíferos, já introduzidos no consumo, pode ser realizada por destinatários registados fora de entreposto fiscal. 2. A entender-se que o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 62/2006 impõe a derrogação do artigo 96.º do Código dos IEC, obrigando à utilização de entreposto de armazenagem em operações de mistura de biocombustível com produtos petrolíferos, já introduzidos no consumo, torna-se inevitável concluir no sentido da inconstitucionalidade orgânica daquela disposição, uma vez que o Decreto-Lei n.º 62/2006 foi aprovado pelo Governo sem prévia lei de autorização parlamentar.”
(b) Quanto à questão da venda directa de biocombustíveis em estado puro importado, a operadores nacionais: “3. A letra, finalidade e contexto do nº2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, obrigam a concluir que os destinatários registados que importem biocombustíveis em estado puro estão legalmente habilitados à sua venda directa. 4. A entender-se que o n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 reserva aos produtores nacionais a venda de biocombustíveis em estado puro, proibindo-a aos operadores que os importem de outros estados-membros, torna-se forçoso concluir pelo carácter discriminatório daquela disposição e pela sua invalidade em face do princípio da livre circulação de mercadorias consagrado pelo TFUE.” [cf. Documento (doc.) n.º 91 junto com a petição inicial do processo n.º 2739/17.2BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
10. Em 18 de Janeiro de 2017, o entendimento da Ré referido em 4) foi mantido e confirmado na comunicação que endereçou à Autora - comunicação, essa, cujo teor aqui se tem presente [cf. documento (doc.) n.º 90 junto com a petição inicial do processo n.º 2739/17.2BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
11. Em 2017, a Autora adquiriu 26.644 litros de biocombustíveis à empresa B............ - sedeada em França e certificada pela ISCC com o número EU-ISCC-Cert-DE120-20160120 -, tendo tal carga sido carregada em 27 de Junho de 2017 e transportada para instalações utilizadas pela Autora [cf. factualidade não impugnada; cf. Factualidade não controvertida].
12. A aquisição referida em 11) foi sujeita à liquidação dos impostos correspondentes, tendo a Autora, para tal, solicitado à Autoridade Tributária um pedido de destinatário registado temporário para biodiesel a ser utilizado como combustível - pedido, esse, que foi deferido pela Alfândega de Braga e tendo a descarga dos aludidos biocombustíveis importados pela Autora sido acompanhada por elementos da Alfândega de Leixões [cf. factualidade não impugnada; cf. factualidade não controvertida].
13. Na sequência do circunstancialismo fáctico descrito em 11) e em 12), a Autora procedeu à mistura de parte do biocombustível adquirido (16.644 litros), com produtos petrolíferos nos termos resultantes da articulação entre o art. 76.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 62/2006, e o art. 96.º do CIEC [cf. factualidade não impugnada; cf. factualidade não controvertida].
14. No seguimento da operação referida em 13), a Autora solicitou à Ré - mediante comunicação datada de 30 de Junho de 2017 -, que esta procedesse à emissão dos TdB’s resultantes, para efeitos de cumprimento das metas de incorporação referentes ao 2º Trimestre do ano de 2017 [cf. documento (doc.) n.º 92 junto com a petição inicial do processo n.º 2739/17.2BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
15. Em 28 de Julho de 2017, a Ré - mediante carta postal -, respondeu à Autora, tendo alegado o seguinte: (a) a empresa “B............” não tinha concluído o processo do registo na ENMC, encontrando-se ainda em falta alguma documentação; (b) da lista de documentos enviada pela Autora, não constava o PoS (Proof of Sustainability), comprovativo da sustentabilidade dos combustíveis incorporados, sem o qual não poderiam ser emitidos TdB’s; e, (c) a emissão dos TdB’s teria de ser solicitada pela Autora, implicando o pagamento de uma taxa de emissão de 1m2€ por cada TdB [cf. documento (doc.) n.º 93 junto com a petição inicial do processo n.º 2739/17.2BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
16. Em resposta à comunicação referida em 15), a Autora endereçou uma missiva à Ré, juntando o PoS (Proof of Sustainability) em falta, e declarando que a empresa “B............–………..” encontrava-se devidamente registada, conforme constava da listagem de “Operadores Económicos no sector dos Biocombustíveis registados na ENMC”, publicada pela Ré e actualizada a 09 de Junho de 2017 [cf. factualidade não impugnada; cf. factualidade não controvertida].
17. Em 04 de Agosto de 2017, a Ré procedeu à publicação da alteração da listagem de “Operadores Económicos no sector dos Biocombustíveis registados na ENMC”, passando a mesma a englobar a informação de que o respectivo processo do registo relativo à empresa B............ se encontrava, afinal, ainda pendente [cf. factualidade não impugnada; cf. factualidade não controvertida].
18. Na sequência do circunstancialismo fáctico descrito em 16) a 17), a Autora solicitou à Ré a emissão dos TdBs correspondentes, bem como o envio de documento para pagamento da taxa de emissão, nos termos do disposto no art. 12.º, n.º 5, da Portaria n.º 8/2012, de 4 de Janeiro [cf. documento (doc.) n.º 94 junto com a petição inicial do processo n.º 2739/17.2BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
19. Em resposta ao requerido em 18), a Ré informou, expressamente, a Autora que iria proceder à emissão de TdB’s, em consequência das operações de mistura, e solicitando ainda, para o efeito, a colaboração da Autora para a agilização do processo de registo da empresa “B............” [cf. documentos (docs.) n.º 95 a 98 juntos com a petição inicial do processo n.º 2739/17.2BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
20. Em 12 de Outubro de 2017, a Ré informou a Autora, por email, de que, afinal, não iria proceder à emissão de TdB’s sem uma posição, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, acerca da possibilidade de incorporação de biocombustível através do procedimento encetado pela Autora [cf. documento (doc.) n.º 99 junto com a petição inicial do processo n.º 2739/17.2BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
21. Face à posição adoptada pela Ré descrita em 20), a Autora solicitou, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, um pedido de informação vinculativa, atinente à possibilidade de mistura de combustíveis com biocombustíveis fora do regime suspensivo por entidades não detentoras do estatuto de entreposto fiscal - tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira proferido informação vinculativa, nos termos da qual, do ponto de vista fiscal, nada obstava à realização, por destinatários registados, de operações de mistura / incorporação de biocombustíveis e gasóleo [documentos (docs.) n.º 1 e n.º 2 juntos com a réplica do processo n.º 2739/17.2BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
22. Até ao ano de 2017, não havia sido lançado um único concurso que fosse para selecção das entidades verificadoras - concurso, esse, que era obrigatório nos termos da Portaria n.º 8/2012, de 4 de Janeiro, enquanto procedimento essencial à verificação dos critérios de sustentabilidade [cf. factualidade não impugnada; cf. factualidade não controvertida].
23. Relativamente aos anos de 2016 e 2017, a Ré impôs aos operadores procedimentos de verificação dos critérios de sustentabilidade - critérios, esses, que não foram acompanhados de qualquer procedimento de verificação, de acordo com o Decreto-Lei n.º 117/2010 e a Portaria n.º 8/2012, de 4 de Janeiro [cf. factualidade não impugnada; cf. factualidade não controvertida].
24. Em 15 de Setembro de 2017, no âmbito do processo de verificação do cumprimento das metas de incorporação de biocombustíveis referente ao ano de 2016 (processo n.º UB/09/2017), a Autora foi notificada pela Ré, do Ofício com a referência CE-3173/2017, da decisão final, nos seguintes termos, a saber:
“…



[IMAGEM]




…” [cf. documento (doc.) n.º 1 junto com a petição inicial do processo n.º 2739/17.2BEBRG e Ofício com a referência CE-3173/2017 de 13-09-2017 constante do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido] - acto ora impugnado.
25. Em 2016, o valor de mercado de cada TdB enquadra-se entre 300,00 euros (trezentos euros) e 400,00 euros (quatrocentos euros) [cf. factualidade não impugnada; cf. factualidade não controvertida].
26. Tem-se aqui presente o teor de todos os documentos constantes do presente processo (e do processo ao qual se encontra apenso) e do Processo Administrativo-Instrutor (PA) [cf. documentos (docs. constantes dos autos (e do processo n.º 2739/17.2BEBRG) e do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
27. No dia 21 de Abril de 2016 a ENMC remeteu mensagem de correio electrónico com o seguinte teor:
“Exmos Senhores:
Atento o disposto nos estatutos da Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis, publicados em anexo ao Decreto-Lei nº 165/2013, de 16 de Dezembro, com as sucessivas alterações, é competência desta entidade pública verificar a sustentabilidade e monitorização do cumprimento das obrigações de produção e venda de biocombustíveis, bem como verificar e monitorizar as metas de incorporação de biocombustíveis.
Nestes termos, e admitindo desde já a existência de diversas dificuldades na aquisição de Títulos de Biocombustíveis (TdB) por parte dos pequenos operadores, atentas as metas de incorporação legalmente estabelecidas, e bem sabendo que o recurso a leilão TdB é inviável, dado a pequena dimensão de alguns operadores a operar no mercado nacional, entendemos por bem sugerir que os Pequenos Produtores Dedicados (PPD) passem a disponibilizar, para venda/compra os TdB emitidos em função da produção, directamente aos pequenos operadores.
Caso a nossa proposta apresentada mereça acolhimento, os produtores de biocombustível (PPD) deixariam de beneficiar de isenção de ISP (artigo 19º do DL 117/2010), passando a comercializar directamente os TdB junto dos interessados.
Para o efeito, e admitindo o interesse quanto à forma de comercialização dos TdB nos termos propostos, em anexo, segue lista com a identificação dos operadores interessados na aquisição de TdB, podendo estes serem contactados directamente.” – cfr. doc. 2 junto com a p.i. do Proc. 2739/17.2BEBRG.
28. No dia 26 de Junho de 2015 a Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis, E.P.E., remeteu ofício à A............, Lda, com o seguinte teor:
“Assunto: Possibilidade de compra e venda de TdB
Exmos Senhores:
Atento o disposto nos estatutos da Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis, publicados em anexo ao Decreto-Lei nº 165/2013, de 16 de Dezembro, com as sucessivas alterações, é competência desta entidade pública verificar a sustentabilidade e monitorização do cumprimento das obrigações de produção e venda de biocombustíveis, bem como verificar e monitorizar as metas de incorporação de biocombustíveis.
Uma das principais missões da ENMC passa, assim, por agilizar todos os processos de comercialização de Títulos de Biocombustíveis (TdB), tendo como objectivo final ser uma entidade facilitadora do mesmo, permitindo o cumprimento das metas nacionais de incorporação.
Como é do V/ conhecimento a comercialização dos TdB a nível nacional pode e está a ser feita por compra directa aos produtores ou por leilão anual.
No entanto, existe a possibilidade dos Pequenos Produtores Dedicados (PPD) ficarem na posse dos TdB, correspondentes à sua produção (dupla contagem – 100% residual) pagando o respectivo Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos (ISP). Nesta circunstância, estes TdB poderiam entrar no mercado de Títulos onde existe uma procura grande por parte dos operadores económicos para o cumprimento das suas metas de incorporação (7,5% teor energético conforme previsto no Artigo 11º DL 117/2010).
Para o efeito, e admitindo o interesse quanto à forma de comercialização dos TdB nos termos propostos e a fim de melhor operacionalizar esse procedimento e facilitar o cumprimento da lei, anexa-se lista com a identificação dos PPD, podendo estes ser contactados directamente.” – cfr. doc. 4 junto com a contestação pela ENMC nos autos de Proc. 2739/17.2 BEBRG».


*

III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

9. A Autora/Recorrente sustenta a ilegalidade da decisão impugnada em errada interpretação e aplicação dos arts. 34º e 36º do TFUE, 17º, 18º e 19º da Diretiva 2009/28/CE, 11º, 13º nº 4, 19ºA e 24º do DL nº 62/2006, de 21/3, 28º, 29º, 96º e 99º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), bem como dos princípios da livre circulação de mercadorias (art. 34º TFUE), da boa-fé, da proteção da confiança e da segurança jurídica, da proporcionalidade (art. 266º da CRP).

E entende que, após o recurso de revista ser admitido (como já foi), deverá:
«Ser determinado o Reenvio Prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 267.º TFUE, atenta a existência de dúvidas, nos autos, quanto à interpretação de normas de direito da União, especialmente no que respeita aos artigos 17.º e 18.º da Diretiva 2009/28, que se referem aos requisitos de sustentabilidade dos biocombustíveis e à forma de os comprovar, e ainda ao artigo 34.º do TFUE, relativo à Livre Circulação de Mercadorias, requerendo-se para esse efeito, o reenvio das questões formuladas no requerimento que se segue».

A Recorrente já havia requerido ao TCAN (nas contra-alegações que apresentou, então como Recorrida) o reenvio prejudicial ao TJUE, mas o TCAN indeferiu o reenvio por falta de pertinência para a apreciação da legalidade do ato visado nos autos.

Com o presente recurso de revista, a Recorrente juntou dois pareceres de jurisconsultos defendendo a pertinência da consulta do TJUE, por via do mecanismo do reenvio prejudicial, para a decisão da presente causa (cfr. respetivamente, fls. 1007 e segs. e 1039 e segs. SITAF).

Nesses pareceres (cfr. parecer de 18/11/2021, junto como Doc. 1 com as alegações de recurso, a fls. 1007 e segs. SITAF), rebatem-se – a nosso ver, em termos que são genericamente de secundar - os argumentos utilizados pelo TCAN para indeferir, por entendida impertinência, o solicitado reenvio prejudicial.

Nele se refere, designadamente:
«(…) 92. No seu acórdão de 8.10.2021, em resposta ao requerimento de reenvio apresentado pela A............ juntamente com as suas contra-alegações de recurso, o TCA entendeu que “as questões suscitadas pela recorrida não são pertinentes em termos de justificar o reenvio prejudicial, porque a apreciação da legalidade do ato visado nos autos não convoca a aplicação das normas comunitárias apontadas pela Recorrente, apenas pressupondo a interpretação e aplicação de normas de direito interno, nomeadamente o regime consagrado no D.L. nº 117/2010, de 25 de Outubro e a Portaria 8/2012, de 4 de Janeiro”. Considerou ainda que a pergunta 6 era irrelevante, porquanto “nunca nos autos foi suscitada a questão da interpretação do artigo 34º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”.
(…) 94. Quanto à alegada ausência de normas de direito da UE aplicáveis ao caso, é o próprio TCA que reconhece, no seu acórdão (cfr. pág. 48), que as normas relevantes da Portaria 8/2012 resultam da transposição do artigo 18.º da Diretiva 2009/28. Nesses termos, é manifesto que a existência de dúvidas sobre a interpretação de uma disposição nacional que transponha uma diretiva reclama a intervenção do TJUE, sob pena de se colocar em causa a interpretação uniforme do direito da UE nos diversos Estados-membros (…).
95. Quanto ao fundamento de recusa baseado no facto de não ter sido suscitada a interpretação do artigo 34.º, TFUE, importa precisar que a questão da incompatibilidade do sistema de metas de incorporação com a livre circulação de mercadorias foi invocada pela A............, e constituiu, ademais, fundamento de anulação do ato administrativo por parte do TAF de Braga.
96. Com efeito, na petição inicial (“PI”), a A............ alegou a incompatibilidade da legislação em causa (em vigor à data dos factos) com o princípio da livre circulação de mercadorias (ver artigo 49.º da PI). Invoca-se também a impossibilidade de adquirir TdBs no mercado, dada a sua escassez (ver arts. 9.º-12.º da PI) e, ainda, o valor elevado das compensações, em violação do princípio da proporcionalidade (ver arts. 123.º e ss da PI). Finalmente, quanto à possibilidade de mistura e de venda em estado puro de biocombustíveis, por parte de um operador como a A…………, também o parecer do Professor Sérgio Vasques, requerido pela A............ e anexado à PI, concluiu pela violação do princípio da livre circulação de mercadorias (ver artigo 56.º da PI).
97. Ademais, é o próprio TCA que o reconhece: “a sentença recorrida anulou o referido ato por violação da Diretiva nº 2009/28/CE, por violação do princípio da livre circulação de produtos provindos de Estados Membros da União Europeia, bem como por violação do princípio da igualdade de tratamento entre Estados Membros” (cfr. página 42 do acórdão)».

Por outro lado, no já citado Acórdão deste STA, proferido nos presentes autos, que admitiu o presente recurso de revista, observou-se, entre o mais, a conveniência de, neste STA, se re(avaliar) o pedido de reenvio prejudicial ao TJUE.

10. Verifica-se, por outro lado, que correm em tribunal diversas providências cautelares ou ações impugnatórias semelhantes, intentadas/propostas pela mesma Requerente/Autora “A............, SA” contra a mesma Requerida/Ré “ENSE, EPE”, sendo que apenas variam, em todos estes processos, os períodos temporais (trimestrais, semestrais ou anuais) a que respeitam as compensações cujo pagamento foi imposto e que, contenciosamente, se impugnam.

E sucede que, numa dessas ações, foi já operado o mecanismo de reenvio prejudicial ao TJUE – nomeadamente na ação 860/21.1BEBRG, pelo TAF/Braga, onde a mesma aqui Autora “A............, SA” impugna a ordem de pagamento de 908.084,00€ referente ao 2º trimestre de 2020, tendo o reenvio prejudicial sido efetuado em 14/9/2021 (como informado nos presentes autos pela Recorrente, cfr. DOC. 3 junto com as suas alegações desta revista, a fls. 1108 e segs. SITAF; e constante de fls. 509 do referido proc. 860/21, SITAF) tendo o mesmo sido admitido no TJUE e estando a ser aí tramitado como processo de reenvio prejudicial nº C-604/21 (cfr. ofícios do TJUE a fls. 531 e 534 do referido proc. 860/21, SITAF).

Assim sendo, e só por esta circunstância, sempre seria prudente, e de toda a conveniência, que se aguardasse pelo resultado do questionamento já efetuado ao TJUE nesse processo (860/21) – a requerimento da aqui Autora e sem oposição da aqui Ré - em que, como nalguns outros, se discute a mesma matéria em causa nos presentes autos.

E verifica-se que alguns dos processos supra referidos – providências cautelares e ações pendentes entre as mesmas partes sobre a mesma matéria, ainda que referentes a compensações relativas a períodos temporais diversos – se encontram já suspensos a aguardar o resultado daquele reenvio prejudicial efetuado no aludido processo 860/21.

Efetivamente, de uma rápida consulta efetuada no SITAF, é possível retirar a seguinte lista (sem preocupação de que seja completa), quanto a processos em curso, semelhantes ao presente, entre as mesmas partes - “A............, SA” e ENSE, EPE”:

- 860/21.1BEBRG (TAF/Braga) (cautelar) – compensações no montante de 908.084,00€ referente ao 2º trimestre de 2020 – reenvio prejudicial ao TJUE, em 14/9/2021, aceite e pendente no TJUE onde é tramitado sob reenvio prejudicial nº C-604/21 (fls. 509 SITAF respetivo).
- 861/21.0BEBRG (TAF/Braga) (cautelar) – compensações no montante de 1.108.150,00€ referente ao 3º trimestre de 2020 – determinada a suspensão da instância, por despacho de 3/9/2021, aguardando a pronúncia do TJUE no proc. 860/21 (fls. 499 SITAF respetivo).
- 1857/20.4BEBRG (TAF/Braga) (cautelar) – compensações no montante de 6.070.000,00€ referente aos 4 trimestres de 2019 – determinada a suspensão da instância, por despacho de 18/1/2022, aguardando a pronúncia do TJUE no proc. 860/21 (fls. 584 SITAF respetivo).
- 2231/19.0BEBRG (TAF/Braga) (ação) – compensações no montante de 1.410.000,00€ referente ao 4º trimestre de 2017 – determinada a suspensão da instância, por despacho de 28/10/2021, aguardando a pronúncia do TJUE no proc. 860/21 (fls. 255 SITAF respetivo).
- 191/21.7BEBRG (TAF/Braga) (ação) – compensações no montante de 6.070.000,00€ referente aos 4 trimestres de 2019 – determinada a audição das partes, sobre projeto de suspensão da instância, por despacho de 10/3/2022.

III – Sucede, porém, que o TAF/Braga, no reenvio prejudicial efetuado no aludido proc. 860/21.1BEBRG, questionou o TJUE apenas quanto a parte das questões propostas pela aqui Autora, argumentando que «o TJUE não tem competência para se pronunciar sobre a conformidade da legislação portuguesa ou da prática administrativa às Diretivas. Como é sabido, o TJUE, em sede de reenvio, só se pronuncia sobre a interpretação de disposições europeias ou sobre a validade de atos do Direito da União Europeia».

Mas, sendo isto verdade, nada impede que, tal como sucede com as questões que naquele processo também foram propostas pela Autora – semelhantes às que são também propostas nos presentes autos no parecer junto como DOC. 1 a fls. 1007 e segs. SITAF (visto que a matéria em discussão é idêntica) –, se questione o TJUE, em reenvio prejudicial, sobre a compatibilidade com o Direito da União Europeia de determinadas transposições, para legislação nacional, de Diretivas europeias, ou de determinada legislação nacional, pois que sempre se trata, afinal, de interpretar o direito da União Europeia e estabelecer os limites da sua compatibilização.

Aliás, não raras vezes se tem colocado, em reenvio prejudicial, a questão de saber se determinada legislação nacional (nomeadamente, portuguesa) é compatível com o direito da UE, sendo certo que o TJUE não se tem furtado a responder nesses exatos termos: veja-se, meramente a título de exemplo, o reenvio prejudicial operado por este STA no proc. nº 0939/15.9BEPRT (Acórdão de 13/2/2020), onde se questionou “se o direito da UE se opõe a uma legislação nacional que (…)”, tendo o TJUE respondido, por Despacho de 30/7/2020 (proc. nº C-135/20), que “o direito da UE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado-Membro que (…)”.

Ora, em nosso entendimento, as questões colocadas no reenvio prejudicial determinado no proc. 860/21.1BEBRG, abarcam, apenas, parcialmente, as matérias de interpretação do direito da união europeia, e de compatibilização com este direito, que se levantam quanto à matéria em discussão – pelo menos, no que toca aos presentes autos.

Foram as seguintes as questões colocadas nesse proc. 860/21:
«1. O disposto no art.º 1.º, n.º 3, da Diretiva 98/34/CE deve ser interpretado no sentido de que corresponde ao conceito de “outra exigência”, para efeitos do disposto no art.º 8.º, n.º 1, da mesma Diretiva, a definição da percentagem de biocombustíveis que, de acordo com o disposto no art.º 7.º-A da Diretiva 98/70/CE, aditado pela Diretiva 2009/30/CE, e em consonância com o objetivo enunciado no art.º 3.º, n.º 4, da Diretiva 2009/28/CE, um determinado operador económico está obrigado a incorporar nos combustíveis por si introduzidos no consumo, como sucede no caso da legislação nacional em causa?
2. O art.º 8.º, n.º 1, da Diretiva 98/34/CE, quando refere “excepto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia” deve ser interpretado no sentido de excluir uma norma de direito nacional que define as percentagens de incorporação de biocombustíveis, de acordo com o disposto no art.º 7.º-A, n.º 2, da Diretiva 98/70/CE, aditado pela Diretiva 2009/30/CE, em consonância com o objetivo visado no art.º 3.º, n.º 4, da Diretiva 2009/28/CE?
3. O disposto no art.º 4.º, n.º 1, segundo travessão, da Diretiva 2009/30/CE, bem como o disposto no art.º 4.º, n.º 1, da Diretiva (UE) 2015/1513, devem ser interpretados no sentido de se tratarem de cláusulas de salvaguarda previstas em atos comunitários vinculativos, para os efeitos previstos no art.º 10.º, n.º 1, terceiro travessão, da Diretiva 98/34/CE?
4. Não ficando a resposta prejudicada pelas anteriores, o disposto no art.º 8.º, n.º 1, da Diretiva n.º 98/34/CE deve ser interpretado no sentido de tornar inoponível ao operador económico a disposição nacional, como a que está em causa no processo, que define a percentagem de incorporação de biocombustíveis, em transposição do art.º 7.º-A, n.º 2, da Diretiva 98/70/CE, aditado pela Diretiva 2009/30/CE?».

11. Desta forma, e sem prejuízo do interesse destas 4 questões já colocadas no âmbito do proc. 860/21.1BEBRG, e do consequente conhecimento das respostas do TJUE às mesmas – o que sempre aconselharia, como já acima dissemos, a suspensão dos presentes autos -, entendemos conveniente, e mesmo necessário, proceder a reenvio prejudicial que abarque questões sobre um leque mais alargado de matérias em discussão nos presentes autos e que são, afinal, as questões que nos vêm propostas no requerimento aditado às alegações da Recorrente no presente recurso de revista (fundamentado nos dois pareceres juntos, com essas alegações, respetivamente a fls. 1007 e segs. e 1039 e segs.).

*

IV – PEDIDO DE REENVIO PREJUDICIAL (nos termos do artigo 267º do TFUE)

A) No presente processo - ação de impugnação de ato administrativo - intentado pela “A............, S.A.” no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (“TAF de Braga”), está em causa a decisão (impugnada) da ENMC (atual ENSE – Entidade Nacional para o Setor Energético, doravante denominada “ENSE”) proferida no processo nº UB/09/2017, que determinou que a impugnante procedesse ao pagamento de 5.702.000€, a título de compensações por alegado incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis relativamente ano de 2016.
Em 29 de março de 2021, o TAF de Braga julgou a ação procedente e anulou a decisão impugnada. Considerou, para tanto, que o referido ato era contrário à Diretiva nº 2009/28/CE, bem como ao princípio fundamental da liberdade de circulação de mercadorias. Também considerou que o mesmo decorria da aplicação de critérios de sustentabilidade que não haviam sido acompanhados de qualquer procedimento de verificação, mediante seleção de entidades verificadoras através de concurso (ao abrigo do Decreto-Lei nº 117/2010, de 25 de outubro, e da Portaria nº 8/2012, de 4 de janeiro). Entendeu ainda que o sistema de compensações e regime contraordenacional previsto no artigo 24º do Decreto-Lei 117/2010 não era aplicável à A............, dado que esta não se enquadrava na noção de “incorporador”. Finalmente, declarou que o ato controvertido violava os princípios da boa-fé, da proteção da confiança, das legítimas expectativas e da segurança jurídica, bem como os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da justiça.
A ENSE recorreu desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Norte (“TCAN”), tendo este concedido provimento ao recurso, anulando a sentença do TAF de Braga e mantendo na ordem jurídica o ato administrativo em apreço. Recusou também suspender a instância e colocar várias questões prejudiciais ao TJUE, não obstante a apresentação de um requerimento da A............ nesse sentido.
Confrontada com o acórdão do TCAN, a A............ interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), nos termos do artigo 150º do CPTA, o qual foi admitido por Acórdão de 27/1/2022 da formação de apreciação preliminar.

B) Consideram-se relevantes para o correto enquadramento das questões de interpretação de direito da União Europeia que possam suscitar-se no presente litígio, as disposições de direito da UE que constam dos artigos seguintes:
a) O artigo 34º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) dispõe que “são proibidas, entre os Estados-membros, as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente”.
b) O artigo 36º TFUE esclarece que “são aplicáveis sem prejuízo das proibições ou restrições à importação, exportação ou trânsito justificadas por razões de moralidade pública, ordem pública e segurança pública; de proteção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas; de proteção do património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico; ou de proteção da propriedade industrial e comercial. Todavia, tais proibições ou restrições não devem constituir nem um meio de discriminação arbitrária nem qualquer restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-membros”.
c) A Diretiva 2009/28, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis, (também referida adiante como “Diretiva”) entrou em vigor em 25 de junho de 2009 e devia ser transposta para o ordenamento jurídico nacional o mais tardar até 5 de dezembro de 2010.
d) Nos termos do seu considerando 9, “[o] Conselho Europeu (…) [a]provou como objetivo obrigatório uma quota de 20 % de energia proveniente de fontes renováveis no consumo energético comunitário global até 2020 e um objetivo obrigatório mínimo de 10 % a alcançar por todos os Estados-Membros para a quota de biocombustíveis no consumo de gasolina e gasóleo pelos transportes até 2020, a introduzir de forma economicamente eficaz”.
e) De acordo com o considerando 13, “…deverão ser estabelecidos objetivos nacionais obrigatórios coerentes com uma quota de 20 % de energia proveniente de fontes renováveis e uma quota de 10 % de energia proveniente de fontes renováveis no sector dos transportes no consumo energético da Comunidade, a atingir até 2020.”
f) Em conformidade com o considerando 14, “a principal finalidade dos objetivos nacionais obrigatórios é proporcionar certeza aos investidores e fomentar o desenvolvimento contínuo das tecnologias que produzem energia a partir de todos os tipos de fontes renováveis. Por conseguinte, não é adequado adiar até à verificação de um evento futuro a decisão sobre o carácter obrigatório de um objetivo”.
g) À luz do considerando 16, “…é adequado que o objetivo de 10 % para as energias provenientes de fontes renováveis no sector dos transportes seja fixado ao mesmo nível para todos os Estados-Membros, a fim de assegurar a coerência nas especificações do combustível para transportes e a sua disponibilidade. Dada a facilidade do comércio de combustíveis para os transportes, os Estados-Membros com recursos escassos poderão facilmente obter biocombustíveis noutros locais” (sublinhado nosso).
h) De acordo com o considerando 36, “para criar os meios de reduzir os custos do cumprimento dos objetivos estabelecidos na presente diretiva, deverá ser promovido nos Estados-Membros o consumo de energia produzida a partir de fontes renováveis noutros Estados-Membros e, paralelamente, estes deverão poder contabilizar, nos seus próprios objetivos nacionais, a energia proveniente de fontes renováveis consumida noutros Estados-Membros”.
i) No que respeita à sustentabilidade dos biocombustíveis, decorre do considerando 65 que “a produção de biocombustíveis deverá ser sustentável. Os biocombustíveis utilizados para efeitos de cumprimento dos objetivos estabelecidos na presente diretiva e os que beneficiam de regimes de apoio nacionais deverão, portanto, cumprir critérios de sustentabilidade” (sublinhado nosso).
j) Como se refere no considerando 82, “para evitar uma carga administrativa excessiva, deverá ser elaborada uma lista de valores por defeito para os modos comuns de produção de biocombustíveis, que deverá ser atualizada e aumentada à medida que estejam disponíveis novos dados fiáveis. Os operadores económicos deverão sempre poder reivindicar o nível de redução das emissões de gases com efeito de estufa estabelecido na referida lista. Caso o valor por defeito atribuído às reduções das emissões de gases com efeito de estufa de um dado modo de produção seja inferior ao nível mínimo exigido, os produtores que queiram demonstrar que cumpriram o nível mínimo deverão ter de provar que as emissões efetivas do seu processo de produção são inferiores às que foram presumidas no cálculo dos valores por defeito” (sublinhado nosso).
k) Nos termos do artigo 3º, nº 4, da Diretiva 2009/28, “cada Estado-Membro deve assegurar que a sua quota de energia proveniente de fontes renováveis consumida por todos os modos de transporte em 2020 represente, pelo menos, 10 % do consumo final de energia nos transportes nesse Estado-Membro”.
l) Nos termos da alínea e) do referido nº 4 do artigo 3º, “cada Estado-Membro procura alcançar o objetivo da existência de um nível mínimo de biocombustíveis consumidos no seu território produzidos a partir de matérias-primas e de outros combustíveis enumerados no anexo IX, parte A. Para o efeito, até 6 de abril de 2017, cada Estado-Membro fixa um objetivo nacional, que deve esforçar-se por alcançar. O valor de referência para este objetivo é de 0,5 pontos percentuais em teor energético da quota de energia proveniente de fontes renováveis em todas as formas de transporte em 2020 a que se refere o primeiro parágrafo, a cumprir com biocombustíveis produzidos a partir de matérias-primas e de outros combustíveis enumerados no anexo IX, parte A. Além disso, os biocombustíveis produzidos a partir de matérias-primas não constantes do anexo IX, determinados como sendo resíduos, detritos, material celulósico não alimentar ou material lignocelulósico pelas autoridades nacionais competentes e usados em instalações existentes antes da adoção da Diretiva (UE) 2015/1513 do Parlamento Europeu e do Conselho, podem ser contados para o objetivo nacional”.
m) O artigo 17º da Diretiva determina que “a energia proveniente dos biocombustíveis e biolíquidos só [seja] considerada para os efeitos do cumprimento dos requisitos da diretiva e das obrigações em matéria de energias renováveis se cumprir os critérios de sustentabilidade identificados nos nºs. 2 a 5” do mesmo artigo.
n) O artigo 18º, nº 1 esclarece que os Estados-membros devem exigir que os operadores económicos façam prova do cumprimento dos critérios de sustentabilidade.
o) Para o efeito, a mesma disposição estabelece que os Estados-membros “devem exigir que os operadores económicos utilizem um método de balanço de massa que:
i) Permita misturar lotes de matérias-primas ou biocombustíveis com diferentes características de sustentabilidade;
ii)Implique que a informação sobre as características de sustentabilidade e as dimensões dos lotes referidos na alínea a) se mantenha associada à mistura; e
iii) Preveja que a soma de todos os lotes retirados da mistura seja descrita como tendo as mesmas características de sustentabilidade, nas mesmas quantidades, que a soma de todos os lotes adicionados à mistura.”
p) Para fazer prova de cumprimento dos critérios de sustentabilidade, os operadores económicos podem recorrer a um sistema nacional de verificação (artigo 18º, nº 3), o qual deve existir em todos os Estados-membros; a um regime voluntário de verificação certificado pela Comissão Europeia (artigo 18º, nº 4, segundo parágrafo) ou a um acordo bilateral ou multilateral concluído pela União com países terceiros (artigo 18º, nº 4, primeiro parágrafo). Note-se, todavia, que, até ao momento, nenhum destes acordos foi celebrado. Portanto, os operadores económicos podem essencialmente optar pelo sistema nacional de verificação ou por um regime voluntário.
q) Nos termos do artigo 18º, nº 3, “os Estados-Membros tomam medidas destinadas a garantir que os operadores económicos forneçam informações fiáveis e ponham à disposição do Estado-Membro, a pedido, os dados utilizados para preparar essas informações. Os Estados-Membros devem exigir que os operadores económicos prevejam padrões adequados de auditoria independente das informações fornecidas e apresentem prova da realização de tal auditoria. A auditoria deve verificar se os sistemas utilizados pelos operadores económicos são exatos, fiáveis e à prova de fraude, e avaliar a frequência e metodologia de amostragem e a solidez dos dados”.
r) Os critérios de sustentabilidade e a forma de comprovar a sua verificação são densificados em duas comunicações da Comissão Europeia:
i) A Comunicação da Comissão sobre os regimes voluntários e os valores por defeito no regime de sustentabilidade da UE para os biocombustíveis e biolíquidos (2010/C 160/01) (doravante referida como “Comunicação sobre os regimes voluntários e os valores por defeito”) descreve detalhadamente os requisitos que o sistema de verificação de um regime voluntário deve cumprir para que possa ser reconhecido pela Comissão Europeia e, como tal, ser utilizado pelos operadores económicos para efeitos de verificação dos critérios de sustentabilidade de biocombustíveis (cfr. ponto 2.2. da Comunicação). Estes requisitos prendem-se essencialmente com a gestão de documentação (2.2.1.), a existência de um nível adequado de auditoria independente (2.2.2.) e o recurso ao sistema do balanço de massa (2.2.3.);
ii) A Comunicação da Comissão sobre a aplicação prática do regime de sustentabilidade da UE para os biocombustíveis e biolíquidos e sobre as regras de contabilização dos biocombustíveis (2010/C 160/02) (doravante referida como “Comunicação sobre a aplicação prática do regime de sustentabilidade”) esclarece o alcance dos artigos 17º e 18º da Diretiva 2009/28.
s) De acordo com o seu ponto 2.1., densificando o artigo 8º da Diretiva 2009/28, tal como acima descrito, “os Estados-Membros devem exigir que os operadores económicos demonstrem que os biocombustíveis e os biolíquidos em causa cumprem os critérios de sustentabilidade relacionados com a redução das emissões de gases com efeito de estufa e os terrenos, [tal como decorre do artigo 18º, nº 1 da Diretiva]. Os operadores económicos dispõem de três métodos para o efeito:
i) Fornecer informações à autoridade nacional competente, de acordo com os requisitos impostos pelo Estado-Membro (todos os Estados-Membros devem prever «um sistema nacional») [artigo 18º, nº 3 da Diretiva];
ii) Recorrer a um «regime voluntário» que a Comissão tenha reconhecido para o efeito [Artigo 18º, nº 4, segundo parágrafo; artigo 18º, nº 7].
iii) De acordo com as condições de um acordo bilateral ou multilateral celebrado pela União e que a Comissão tenha reconhecido para o efeito [Artigo 18º, nº 4, primeiro parágrafo; artigo 18º, nº 7).”
t) Refere-se também, no mesmo ponto, que “os Estados-Membros devem definir quais os operadores económicos que estão obrigados a apresentar as informações em causa. A maioria dos combustíveis para transporte está subordinada a impostos especiais de consumo, que devem ser pagos no momento da introdução no consumo. A opção mais evidente consiste em atribuir a responsabilidade pela apresentação de informações sobre os biocombustíveis ao operador económico que paga o imposto. Nesta fase, devem estar disponíveis informações sobre os critérios de sustentabilidade ao longo de toda a cadeia do combustível.”
u) Quanto à forma de dar cumprimento ao disposto no artigo 18º da Diretiva, nos termos do qual os Estados-membros devem assegurar que os operadores económicos forneçam informações fiáveis, devendo prever auditorias independentes das referidas informações, resulta da Comunicação que, “quando os operadores económicos recorrem a um regime voluntário ou a um acordo bilateral/multilateral reconhecido pela Comissão para demonstrar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade, tal recurso já se encontra previsto no reconhecimento”. Já “quando os operadores económicos adotam um procedimento previsto na legislação nacional, os Estados-Membros são convidados a basear-se nos requisitos relativos ao padrão adequado de auditoria independente e ao sistema do balanço de massas a que se refere o ponto 2.2 da Comunicação sobre os regimes voluntários e aos valores por defeito”. Em suma, compete aos Estados-membros assegurar que os sistemas nacionais a estabelecer cumpram os requisitos de auditoria independente previstos para o reconhecimento de regimes voluntários.

C) No que concerne ao direito nacional, cumpre referir que, a Diretiva 2009/28 CE foi transposta para o ordenamento jurídico nacional pelo Decreto-Lei nº 117/2010, de 25 de outubro (adiante, “Decreto-Lei nº 117/2010”). Este diploma tem sido objeto de várias alterações, sendo que para o presente recurso relevam as alterações operadas pelo Decreto-Lei nº 6/2012, de 17 de janeiro, e pelo Decreto-Lei nº 69/2016, de 3 de novembro. Com efeito, foi nestas normas que a então ENMC se baseou no ato administrativo impugnado (cfr. ponto 1 do Relatório Final do Processo UB/09/2017).
As normas relevantes do Decreto-Lei nº 117/2010 (tal como alterado pelos Decretos-Leis citados no articulado precedente) são as seguintes:
Artigo 10º
2 – É permitida a venda, aos produtores de biocombustíveis, de biocombustível no estado puro, para a sua utilização em frotas de transporte de passageiros ou mercadorias.
3 – São produtores de biocombustíveis quaisquer entidades que produzam biocombustíveis e estejam registadas na ENMC — Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis, E. P. E. (ENMC, E. P. E.), para efeitos do cadastro nacional centralizado do Sistema Petrolífero Nacional, nos termos do artigo 13º -A do Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 244/2015, de 19 de outubro.
Artigo 11º
1 – As entidades que introduzam combustíveis rodoviários no consumo, processando as declarações de introdução no consumo (DIC) nos termos do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 73/2010, de 21 de Junho, alterado pela Lei nº 55 -A/2010, de 31 de Dezembro, abreviadamente designadas por incorporadores, estão obrigadas a contribuir para o cumprimento das metas de incorporação nas seguintes percentagens de biocombustíveis, em teor energético, relativamente às quantidades de combustíveis rodoviários por si colocados no consumo, com exceção do gás de petróleo liquefeito (GPL) e do gás natural:
Artigo 13º
1 – A incorporação de biocombustíveis é comprovada por títulos de biocombustíveis (TdB), válidos por dois anos.
4 – Os TdB são transacionáveis por produtores de biocombustíveis e incorporadores, ....
Artigo 14º
2 – Cada TdB é emitido ao produtor de biocombustíveis ou ao incorporador, tal como definidos nos termos do nº 3 do artigo 10º e do nº 1 do artigo 11º, respetivamente.
Artigo 15º
1 – A emissão de TdB depende da verificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade, fixados nos artigos 4º, 6º, 7º e 8º.
Artigo 24º
1 — O incumprimento das obrigações de apresentação dos TdB como comprovativo da incorporação de biocombustíveis nos termos do nº 2 do artigo 11º e dos artigos 13º e 18º determina o pagamento de compensações no valor de € 2 000, por cada TdB em falta.
2 - Em alternativa ao disposto no número anterior, a ENMC, E. P. E., mediante requerimento do incorporador, pode autorizar o cumprimento da obrigação de incorporação no trimestre seguinte, considerando -se a obrigação cumprida com a apresentação dos TdB na razão de 1,5 vezes por cada TdB em falta.
6 — No caso de aplicação do disposto no nº 2, a ENMC, E. P. E., deve proceder ao cancelamento dos TdB em número equivalente ao número de TdB em falta, devendo os remanescentes reverter para a DGEG, que os pode colocar a leilão juntamente com os TdB correspondentes aos biocombustíveis introduzidos no consumo pelos pequenos produtores dedicados que beneficiem de ISP”.
As normas relevantes do Decreto-Lei nº 62/2006 (revogado, com efeitos a partir de 01.01.2018) são as seguintes:
Artigo 6º
1 - Os produtores e os importadores de biocombustíveis destinados a serem incorporados em produtos petrolíferos ficam obrigados a entregar todos os biocombustíveis, exclusivamente, a titulares de entrepostos fiscais de produtos petrolíferos ou energéticos, que procedem à introdução no mercado do produto obtido.”
As normas relevantes do Código dos Impostos Especiais de Consumo são as seguintes:
“Artigo 96º
6 - A mistura ou incorporação de biocombustíveis noutros produtos petrolíferos e energéticos é obrigatoriamente feita em entreposto fiscal.”
Conforme resulta do preâmbulo da Portaria nº 8/2012, de 4 de janeiro, “ao Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I. P. (LNEG) é atribuída a coordenação do processo de verificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade, prevendo-se a aprovação, por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da energia, do ambiente e da agricultura, de um Regulamento de Funcionamento da Entidade Coordenadora do Cumprimento dos Critérios de Sustentabilidade (ECS), bem como a fixação das taxas devidas pela verificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade”. Assim, nos termos do seu artigo 1º, “é aprovado o regulamento de funcionamento da Entidade Coordenadora do Cumprimento dos Critérios de Sustentabilidade (ECS), constante de anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.
As normas relevantes do anexo da Portaria nº 8/2012, de 4 de janeiro são as seguintes:
Artigo 2º
g) Entidade verificadora: entidade a contratar pelo operador económico para efetuar verificações independentes retrospetivas anuais do cumprimento dos critérios de sustentabilidade.
h) Importadores de biocombustíveis: os incorporadores que, nos termos do nº 2 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 117/2010, de 25 de Outubro, e para fins do cumprimento das suas obrigações de incorporação, adquiram a outros Estados Membros e países terceiros biocombustíveis que não sejam produzidos em território nacional;
i) Importadores: as entidades que introduzam combustíveis rodoviários no consumo, processando as declarações de introdução no consumo nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo e demais legislação aplicável;
q) Título de Biocombustíveis (TdB): o certificado representativo da incorporação de uma tonelada equivalente de petróleo (Tep) de biocombustíveis destinados a ser incorporados no consumo nacional, que cumpram os critérios de sustentabilidade fixados nos artigos 4º, 6º, 7º e 8º do Decreto-Lei nº 117/2010, de 25 de Outubro, sem prejuízo do disposto no artigo 34º desse diploma;
u) Verificações independentes: atividades efetuadas por entidade verificadora que, através de procedimentos técnicos específicos, permitem atestar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade na cadeia de valor de biocombustíveis ou biolíquidos, nos termos do artigo 9º do Decreto-Lei nº 117/2010, de 25 de Outubro.
Artigo 5º
5 – A verificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade é efetuada retrospetivamente, por um período máximo de um ano, após a realização comprovada de verificações independentes pelos operadores económicos, nos termos do artigo 10º.
Artigo 8º
4 - A documentação de suporte das declarações e informações relativas ao cumprimento dos critérios de sustentabilidade, nos termos do número anterior, no que respeita às emissões de gases com efeito de estufa no cultivo das matérias-primas e no uso dos solos, a entregar anualmente à ECS, é, nomeadamente, a seguinte:
b) Para biocombustíveis, biolíquidos ou matérias-primas utilizadas na produção destes, provenientes de países da União Europeia, certificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade emitida pelo sistema nacional competente do Estado Membro ou por um esquema voluntário reconhecido pela Comissão Europeia;
5 – No caso de ausência de declaração emitida pela entidade nacional competente de um Estado Membro, por um esquema voluntário ou por países terceiros com acordos com a Comissão Europeia nos termos das alíneas b) e c) do nº 4, ou no caso da inexistência de valor por defeito na parte A ou D do anexo I do Decreto-Lei nº 117/2010, de 25 de Outubro, os operadores económicos registados ficam obrigados a fornecer à ECS dados completos verificados, nos termos do artigo 10º, sobre o cultivo dessas matérias-primas, tendo em vista o cálculo das emissões de gases com efeito de estufa, de acordo com a metodologia constante da parte C do anexo I do Decreto-Lei nº 117/2010, de 25 de Outubro, bem como comprovativo de que os solos utilizados no cultivo das matérias-primas cumprem o disposto nos artigos 7º e 8º do Decreto-Lei nº 117/2010, de 25 de Outubro.
Artigo 10º
1 - O operador económico deve remeter anualmente à ECS, até ao final do mês de Fevereiro, um relatório de verificação dos critérios de sustentabilidade, nos termos dos artigos 8º e 9º, que deve ter por base verificações independentes, efetuadas por entidade verificadora, que garantam o cumprimento dos critérios de sustentabilidade em toda a cadeia de valor na produção de biocombustíveis e biolíquidos, recorrendo ao método do balanço de massas”.

D) Nos termos do 2º parágrafo do Artigo 267º TFUE, “sempre que uma questão [relativa à interpretação ou validade dos Tratados ou de atos adotados elas instituições, órgãos ou organismos da União] seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie”.
O 3º parágrafo do artigo 267º TFUE determina que sempre que uma questão sobre a interpretação de uma norma de direito da União seja suscitada perante um tribunal nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, este encontra-se obrigado a submeter uma questão prejudicial ao TJUE.
O recurso de revista é considerado um recurso ordinário nos termos do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e existe obrigatoriedade de reenvio, por existirem dúvidas, nos presentes autos, quanto à interpretação de normas de direito da União, especialmente no que respeita aos artigos 17º e 18º da Diretiva 2009/28, que se referem aos requisitos de sustentabilidade dos biocombustíveis e à forma de os comprovar. Está também em causa o artigo 34º do TFUE, relativo à livre circulação de mercadorias.
Quanto aos critérios de sustentabilidade, até ao momento, o TJUE declarou que (i) por meio dos artigos 17º, nºs 2 a 5 da Diretiva 2009/28, o legislador da União procedeu à harmonização exaustiva dos critérios de sustentabilidade; (ii) e que, por esse motivo, tal como se encontra expresso no artigo 17º, nº 8, da Diretiva, os Estados-membros não podem exigir aos operadores económicos critérios adicionais de sustentabilidade (acórdãos C-549/15, E.ON Biofor Sverige, ECLI:EU:C:2017:490, n.º 32; e C-242/17, L.E.G.O., ECLI:EU:C:2018:804, nº 29).
Quanto ao método de verificação dos referidos critérios de sustentabilidade, nos termos do artigo 18º, nº 1 da Diretiva, o TJUE precisou que a referida disposição “não harmonizou exaustivamente o método de verificação do sistema de balanço de massas, pelo que, sem prejuízo de terem de respeitar as exigências gerais que a referida disposição enuncia nas suas alíneas a) a c), os Estados‑Membros conservam uma importante margem de manobra quando chamados a determinar, mais especificamente, as condições concretas em que os operadores económicos em causa são obrigados a utilizar esse sistema” (acórdão C-549/15, E.ON Biofor Sverige, nº 77).
Estas clarificações do TJUE, embora relevantes para compreender o sistema empreendido pela Diretiva 2009/28, não permitem dissipar as dúvidas que se suscitam no processo em apreço.
Com efeito, decorre das peças processuais relevantes, bem como da própria fundamentação da decisão final da ENMC no processo UB/09/2017, que a aplicação do pagamento de compensações no valor de 5.702 000,00€ pelo incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis se deveu ao facto de, alegadamente, a recorrente não ter feito prova do cumprimento dos critérios de sustentabilidade dos biocombustíveis incorporados nos combustíveis importados de Espanha.
A ENMC também refere nas suas alegações de recurso (§122) que a CLH – Compañia Logística de Hidrocarburos (CLH), entidade que certifica o biocombustível incorporado no combustível importado pela recorrente, detém um certificado ao abrigo de um regime voluntário reconhecido pela Comissão Europeia (ISCC – Certificação Internacional de Sustentabilidade e Carbono), tal como previsto no artigo 18º, nº 4, 2º parágrafo e nº 7 da Diretiva 2009/28 (cfr. igualmente Decisão de Execução (UE) 2016/1361 da Comissão, de 9 de agosto de 2016). Este certificado aplica o método de balanço de massas, tal como exigido pelo artigo 18º, nº 1, da Diretiva. No entanto, alega a ENMC que este certificado não é suficiente para atestar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade, porquanto apenas se aplica às atividades de centro logístico e trader, mas já não de produção.
Nestes termos, é preciso esclarecer se a não aceitação do biocombustível incorporado, para efeitos do cumprimento das metas de incorporação, pelos motivos indicados pela ENSE, é compatível com as exigências decorrentes da Diretiva 2009/28.
Se o TJUE entender que sim, então coloca-se a questão de saber se essa não aceitação é compatível com o princípio da livre circulação de mercadorias (artigo 34º TFUE).
Nesse contexto, o Tratado admite limitações ao princípio da livre circulação de mercadorias, desde que justificadas por razões imperativas de interesse geral (artigo 36º TFUE), entre as quais figura a “proteção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas”. Além dos interesses previstos no artigo 36º TFUE, a jurisprudência do TJUE tem reconhecido outras razões imperativas, entra as quais a proteção do ambiente.
No entanto, qualquer entrave à livre circulação de mercadorias só poderá ser justificado na medida em que respeite as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade (adequação e necessidade).
Ora, numa situação como a do caso em apreço, em que ao incorporador está vedada a possibilidade de incorporar fisicamente, por não dispor do estatuto de entreposto fiscal, e não há TdB disponíveis para adquirir aos produtores que os tenham em excesso, a medida nacional não parece ser proporcional.
Com efeito, O TJUE já declarou “que o bom funcionamento [dos regimes de produção de eletricidade verde] implica, por essência, a existência de mecanismos de mercado capazes de permitir que os operadores sujeitos à obrigação de quota e que não disponham ainda dos certificados verdes necessários ao cumprimento dessa obrigação se forneçam de certificados de forma efetiva e em condições equitativas” (v., neste sentido, acórdãos C-204/12, Essent Belgium, EU:C:2014:2192, nº 111 e C-573/12, Ålands Vindkraft , nºs 113 a 115).
Ora, suscita-se a dúvida se o regime nacional português, assente na emissão de títulos de biocombustíveis (TdB) como meio de comprovar a incorporação no mercado de biocombustíveis, dispõe dos mecanismos de mercado exigíveis à luz da jurisprudência do TJUE para que o entrave à livre circulação de mercadorias que implica possa ser considerado proporcionado. E se um sistema nacional que, além da característica referida nos dois pontos precedentes, preveja coimas elevadas, poderá ser considerado excessivo e, por isso, desproporcionado.
Efetivamente, “embora seja certo que a aplicação dessa coima pode ser considerada necessária para incentivar, por um lado, os produtores a aumentarem a sua produção de eletricidade verde e, por outro lado, os operadores sujeitos a uma obrigação de quota a procederem à aquisição efetiva dos certificados verdes necessários, também é necessário, porém, que a forma de determinação do montante da coima não vá além do necessário a esse fim incentivador, evitando se nomeadamente, a esse respeito, penalizar os operadores em causa de uma forma que se revele excessiva” (v., neste sentido, acórdãos C-204/12, Essent Belgium, nº 114 e C-573/12, Ålands Vindkraft , nº 116).
Ora, no caso em apreço, o valor das compensações (€ 2.000 por cada TdB em falta) excede em muito o valor de mercado dos TdB (variável) entre € 300 e € 400, o que milita no sentido da falta de proporcionalidade da medida.
Finalmente, acresce que a recorrente é um importador de biocombustíveis registado na ECS – Entidade Coordenadora do Cumprimento dos Critérios de Sustentabilidade. Nesta medida está sujeita à obrigação de apresentar determinada documentação, nos termos do artigo 8º da Portaria 8/2012.
Quando se trata de biocombustíveis provenientes de países da UE, essa documentação corresponde à certificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade emitida pelo sistema nacional competente, no quadro de um regime voluntário reconhecido pela Comissão Europeia ou ao abrigo de um acordo bilateral ou multilateral (alínea b) do nº 4 do artigo 8º da Portaria 8/2012).
Contudo, no caso de ausência de declaração emitida pela entidade nacional, no âmbito de um regime voluntário ou ao abrigo de um acordo bilateral ou multilateral, os operadores económicos ainda têm a possibilidade de fornecer à entidade competente (no caso português, a ECS) dados completos verificados, nos termos do nº 5 do artigo 8º da Portaria 8/2012.
Neste caso, devem lançar mão do procedimento do artigo 10º da mesma Portaria, que determina que o operador económico deve remeter à ECS, anualmente, um relatório de verificação dos critérios de sustentabilidade, que deve ter por base as verificações independentes efetuadas por entidade verificadora.
Para cumprimento destas regras, os operadores são obrigados a contratar uma entidade verificadora independente que cumpra os requisitos constantes da mesma Portaria, nomeadamente, a acreditação no Instituto Português de Acreditação (IPAC).
Contudo, até hoje, ainda não foi acreditada qualquer entidade verificadora.
Ora, o nº 3 do artigo 18º da Diretiva 2009/28 é claro no sentido de que os Estados-membros devem exigir que os operadores económicos prevejam padrões adequados de auditoria independente das informações fornecidas e apresentem prova da realização das auditorias, a fim de comprovar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade do biocombustível.
Na medida em que a auditoria é um requisito essencial à verificação, um operador económico não pode realizar esta prova na ausência de entidade verificadora acreditada pelo IPAC.
Subsiste, portanto, outra dúvida quanto à interpretação do nº 3 do artigo 18º da Diretiva 2009/28.
Conforme exposto, as dúvidas que se suscitam não podem ser esclarecidas simplesmente recorrendo à jurisprudência do TJUE sobre os artigos 17º e 18º da Diretiva 2009/28, quer por as questões que se levantavam nesses processos serem distintas, quer por não haver uma coincidência total entre as circunstâncias de facto.

E) Em face do exposto, existem dúvidas sobre a interpretação de normas de direito da União Europeia, justificando a colocação das seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

Questões prejudiciais:

1) Devem os artigos 3º, nº 4 e 18º da Diretiva 2009/2008 ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, para efeitos do cumprimento das metas de incorporação de biocombustíveis, determina que os operadores económicos possam, em alternativa, comprovar o cumprimento dos mesmos critérios através (i) da incorporação física de biocombustíveis no combustível fóssil ou (ii) da aquisição de títulos de biocombustíveis (TdB) a outros agentes que os tivessem em excesso?

2) Devem os artigos 3º, nº 4 e 18º da Diretiva 2009/2008 ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual se limita a possibilidade de incorporação física de biocombustíveis a produtores de biocombustíveis que tenham o estatuto de entreposto fiscal de transformação, vedando essa possibilidade aos incorporadores que importem combustível ao abrigo do estatuto de destinatário registado, podendo estes recorrer à possibilidade de adquirir TdB, sob pena de pagamento de uma compensação (materialmente equivalente a uma coima)?

3) Será a resposta à questão anterior alterada se, na altura a que se reportam os factos, não existirem TdB disponíveis para venda no mercado, não sendo, de facto, possível – ou apenas com notórias dificuldades - a um pequeno operador adquirir TdB, e se a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) não promovia os necessários leilões, restando-lhe o pagamento da compensação (materialmente equivalente a uma coima)?

4) Deve o nº 3 do artigo 18º da Diretiva n.º 2009/28 ser interpretado no sentido de impor que as auditorias independentes (no caso da legislação nacional, verificações independentes) sejam condição prévia para aplicação do regime de sustentabilidade?

5) O nº 3 do artigo 18º da Diretiva 2009/28 opõe-se a um sistema nacional de verificação de critérios de sustentabilidade que, apesar de prever a acreditação de entidades verificadoras para realizar verificações independentes do cumprimento dos critérios de sustentabilidade (nos termos do nº 3 do artigo 18º da referida diretiva), não permitiu, na prática, a seleção das referidas entidades, por ausência de lançamento de concursos, ao mesmo tempo que exige aos operadores económicos prova do cumprimento desses mesmos critérios, sem serem acompanhados de qualquer auditoria independente?

6) Em caso de resposta negativa às questões anteriores, deve o artigo 34º do TFUE ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, tal como a que está em causa no processo principal, interpretada da forma descrita nas questões anteriores?


*

IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

A) Submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia as questões prejudiciais supra enunciadas;

B) Suspender, nos termos do art. 267º do TFUE, 269º e 272º do CPC, “ex vi” dos arts. 1º e 140º do CPTA, a presente instância.

A Secretaria deste STA procederá às diligências necessárias ao presente reenvio prejudicial, instruindo-o com observância das Recomendações do TJUE [2019/C 380/01], relativas à sua apresentação/reenvio, publicadas no JOUE de 8/11/2019, considerando os termos do pedido constantes da Parte IV do presente Acórdão.

Para além das peças processuais relevantes, devem também ser remetidos os pareceres de jurisconsultos juntos como docs. 1 e 2, respetivamente a fls. 1007 e segs. e 1039 e segs. (SITAF).

Informe que o processo tem, nos termos do direito nacional, natureza urgente.

Não são devidas custas.
Notifique-se. D.N.

Lisboa, 26 de maio de 2022. – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) - José Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.