Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0594/16
Data do Acordão:09/14/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:ARGUIÇÃO DE NULIDADE
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P20883
Nº do Documento:SA2201609140594
Data de Entrada:05/12/2016
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: (Arguição de nulidade)

O recorrente A………… vem a folhas 150 dos autos arguir a nulidade do acórdão concluindo deste modo a sua alegação:
I Nos termos do artigo 666 do CPC é aplicável à 2ª instância o que se acha disposto nos artigos 613 a 617 do CPC.
II Nos termos do artigo 615 nº 1 do CPC “é nula a sentença quando...b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, dispondo o do nº 4 do mesmo artigo que as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do nº 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário…).
III Estão neste caso preenchidos os fundamentos legais que legitimam a arguição de nulidades.
IV Resulta do disposto no artigo 125 do CPPT art 607/3 e 615b) do CPC que a decisão que não contenha a fundamentação é nula.
V O acórdão em crise não contém fundamentação que permita perceber quais as razões de direito que justificam a decisão, impondo a indagação, exigindo do destinatário a descoberta de quais as razões da decisão, violando o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança.
VI Tratando-se de questão relevante relativa à existência de divergência entre o valor que consta do registo da penhora e o valor que consta do título deveria o Tribunal adoptar fundamentação adequada à importância e circunstância da decisão.
VII O que não fez limitando-se a usar termos imprecisos, pouco claros, de carácter conclusivo fazendo referência a meros entendimentos do Mº Pº, indicação de um ou dois acórdãos. Sem indicação da norma legal concretamente aplicável ou a explicitação de princípios de direito em confronto.
VIII O acórdão em crise afigura-se contraditório, na medida em que por um lado refere que a questão a decidir nada tem a ver com a rectificação do registo imposta pela comprovada inexactidão, por outro afirma que o registo é inexacto sendo-lhe aplicável as regras de registo predial relativas ao processo de rectificação do registo (artigo 120 do CRPredial).
IX Ao longo do acórdão verifica-se serem indicadas conclusões sem que as mesmas sejam precedidas de norma ou princípio de direito às mesmas conforme.
X O Tribunal também não se pronunciou quanto às questões que devia apreciar violando o disposto no artigo 615 nº 1 al. d) do CPC
XI Deixando de se pronunciar quanto à relevância do valor indicado como encargo sobre o veículo inscrito no registo da penhora, se se trata de valor meramente indicativo ou não questão indicada sobre as conclusões VIII a XII do recurso do TAF de Leiria
XII E bem assim quanto à aplicabilidade do disposto no artigo 122 do CRPredial, o sentido a atribuir-lhe na medida em que resulta do mesmo que a rectificação do registo não afecta direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé - questão indicada sob as conclusões XVII a XVIII do recurso interposto da decisão do TAF de Leiria
XIII O acórdão em crise porque não se mostra fundamentado nos termos legais e não se pronunciou sobre as questões que deveria ter apreciado mostra-se em desconformidade com o disposto no artigo 125 do CPPT e no artigo 615 al b) do CPC estando por isso ferido de nulidade
XIV Colidindo e violando a protecção constitucional inerente ao princípio de segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, de consagração constitucional no artigo 2º da CRP
XV O entendimento de que o recorrente não adquiriu o direito de expurgar o ónus mediante o pagamento da quantia publicitada no registo por se considerar que o valor da garantia é o do título e não o publicitado no registo não se mostra fundamentado, a ser admitido há claro erro de interpretação do direito, interpretação essa que porque viola o princípio da segurança do comércio jurídico é inconstitucional.

Notificada desta arguição a Fazenda Pública nada disse.

Cumpre decidir.
A) Da invocada omissão de pronúncia.
Considera o requerente que o Tribunal deixou de se pronunciar sobre a questão de decidir sobre a relevância do valor inscrito no registo da penhora e sobre os efeitos de a rectificação do registo não afectar direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé.
O Tribunal nos termos do disposto no artigo 660/2 do CPC tem de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
No caso dos autos resulta claramente que a decisão do acórdão na esteira da sentença recorrida é de per si prejudicial do conhecimento das restantes questões.
Efectivamente não considerando o acórdão o registo da penhora como acto constitutivo de direitos, antes o considerando como mero acto publicitário da penhora decidir da relevância do valor constante do registo e dos efeitos decorrentes não determina outra solução que não seja a de considerar legal a decisão de indeferimento do levantamento da penhora por parte do OEF.
Pelo que não se verifica a arguida nulidade de omissão de pronúncia.

B) Da falta de fundamentação do acórdão.
Entende o requerente que o acórdão enferma de nulidade por não se mostrar fundamentado quer de facto quer de direito.
Não assiste, contudo, razão ao arguente.
O acórdão como se deixou nele exarado ao analisar a invocada falta de fundamentação da sentença recorrida não deixou de referir as razões quer de direito quer de facto porque não acolheu as razões do recorrente.
Efectivamente especificou o objecto do recurso que era “a não concordância com a decisão da sentença recorrida por não considerar ilegal o acto do OEF que indeferiu o levantamento da penhora do veículo automóvel de matrícula ……… apesar do pagamento pelo recorrente da quantia de € 5000,00 que figurava no registo da penhora decorrente do arresto anteriormente decretado”.
E referiu as razões de direito que impediam o efeito expurgatório e liberatório de tal pagamento.
Considera efectivamente o acórdão na esteira da sentença recorrida que a penhora do veículo em causa imposta por sentença visa garantir o pagamento de uma dívida de IVA no montante de € 570434,80 pelo que o pagamento de € 5000,00 pela recorrente não tinha o efeito liberatório pretendido.
Efectivamente só a realização integral da prestação, no caso o pagamento da dívida determinante da penhora teria tal efeito liberatório pois a penhora decorrente do arresto com a finalidade de garantir o pagamento do montante do IVA indicado e do acrescido teria de manter-se enquanto essa dívida permanecer cfr artigos 762 e 763 do CPC e artigos 214 e 217 do CPPT.
Por isso o acórdão não deixou de pronunciar-se sobre o mérito da decisão contra a qual o recorrente se insurgia, acolhendo as razões de direito invocadas pelo mº juiz “a quo” bem com a doutrina do acórdão do STJ de 18 05 no processo 98–B1050 sustentando não poder prevalecer o valor que figurava no título do registo da penhora sobre o valor que a determinara decorrente da sentença de arresto depois convertido em penhora
Por tal razão o acórdão não pode deixar de considerar-se fundamentado quer de direito quer de facto.

C) Da contradição do acórdão quando refere que a questão não tem a ver com a rectificação do registo e ao mesmo tempo afirma que sendo o registo inexacto lhe é aplicável o regime previsto nos artigos 120 e segs do Código do Registo Predial.
Consideramos efectivamente, relativamente às regras registrais que a posição do acórdão é explícita, congruente clara, não enfermando de qualquer contradição. Não desconhecendo que a função do registo é essencialmente a de dar publicidade à situação jurídica do bem registado, tendo em conta a segurança do comércio jurídico como expressamente refere o artigo 1º do C.R. Predial, sendo a penhora um dos factos sujeitos a registo – “ex vi” do disposto no artigo 2º nº 1 alínea o) do mesmo diploma legal, decorrendo daí a sua oponibilidade a terceiros como igualmente dispõe o artigo 5º do CRP, saliente-se que o que o acórdão sustenta e defende é que, no caso em apreço, o registo da penhora não sendo constitutivo de direitos o valor constante do registo não pode prevalecer sobre o valor determinado na sentença que é constitutiva do título e determinante da extensão da penhora, sendo por isso tal desconformidade passível de rectificação nos termos do disposto no artigo 120 e segs do Código de Registo Predial.
E porquê?
Porque no caso dos autos não está em causa o registo da aquisição onerosa e de boa fé do veículo penhorado pelo recorrente, situação em que o registo tinha natureza constitutiva.
No caso dos autos está em o acto constitutivo de direitos é a penhora, penhora imposta para garantir uma dívida de IVA de montante muito superior ao que figura no título pelo que não tendo o registo da penhora natureza constitutiva mas meramente declarativa a desconformidade do valor constante do registo não conferia ao requerente o direito à expurgação da totalidade do ónus, ou seja ao levantamento da penhora mas apenas à redução da garantia ou não o querendo à devolução do montante pago com eventual indemnização decorrente do erro.
E esta situação, pese embora o pagamento efectuado e suas características, implica necessariamente a manutenção do ónus.
E relativamente ao princípio constitucional da confiança que se diz violado há que ter em conta que tal princípio não pode prevalecer sobre os princípios da verdade material, da segurança, da justiça e sobre os efeitos decorrentes da sentença transitada nos termos do artigo 205 da CRP.

Pelas razões expostas acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário em indeferir as arguidas nulidades.
Custas pelo requerente fixando-se a taxa de justiça em 2 UCS.
Lisboa, 14 de Setembro de 2016. – Fonseca Carvalho (relator) - Isabel Marques da Silva - Pedro Delgado.