Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0909/17
Data do Acordão:12/20/2017
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:O recurso para uniformização de jurisprudência não deve ser admitido se não se verificar a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito.
Nº Convencional:JSTA00070463
Nº do Documento:SAP201712200909
Data de Entrada:09/06/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:MJ
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:UNIFORM JURISPRUDÊNCIA
Objecto:AC TCAS DE 2017/03/30 - AC STA DE 2017/02/09.
Decisão:NÃO ADMITIR RECURSO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL.
DIR ADM CONT - UNIFORM JURISPRUDÊNCIA.
Legislação Nacional:CPTA ART152.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC01011/15 DE 2015/12/16.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:



I – Relatório

1. A………….., devidamente identificado nos autos, vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno desta Secção do STA, nos termos do artigo 152.º do CPTA. Alega para o efeito que o acórdão ora recorrido, proferido pelo TCAS em 30.03.17 (Proc. n.º 11/17.7BCLSB), já transitado, está em contradição com o acórdão proferido pelo STA, em 09.02.17 (Proc. n.º 1005/16), também ele transitado, consubstanciando este último o acórdão fundamento.

2. O recorrente termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 10-1):

“1. O acórdão impugnado por esta via extraordinária confirmou a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral interpretando o artigo 99.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21/09, no sentido segundo o qual um especialista adjunto integrado no sector da informática e telecomunicações não se encontrar em área funcional que determinasse o direito ao suplemento;

2. No que é contrariado pelo acórdão fundamento, que entende que a colocação na área de telecomunicações e informática implica função a exercer por especialista adjunto que determina o direito a tal suplemento, por aplicação do mesmo artigo 99.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21/09;

3. Ocorre, pois, contradição de acórdãos, sendo este o fundamento da revogação do acórdão impugnado;

4. Porquanto a interpretação que resulta do acórdão fundamento é a que melhor se acomoda à letra e espírito da norma;
Termos em que, deve o presente recurso ser admitido, reconhecida a existência da referida contradição entre os identificados arestos, nos segmentos indicados, deve, em consequência, ser proferido acórdão que revogue o acórdão impugnado”

3. O recorrido Ministério da Justiça (MJ) termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 55 a 56):

“I. Não se verifica a alegada divergência sobre a interpretação dada ao n.º 1 do artigo 99.º do D.L. n.º 295-A/90, de 21 de setembro.

II. Não existe ainda identidade, semelhança ou igualdade substancial da situação de facto da situação de facto entre os arestos em causa.

III. No acórdão fundamento o autor exercia funções no Setor de Telecomunicações e Informática da Diretoria do Norte da Polícia Judiciária, onde apenas foi criado um único serviço de telecomunicações e informática, sem núcleos, sendo que os trabalhadores ali colocados desenvolvem, em regra, competências nas duas áreas funcionais e, por conseguinte, têm direito a auferir o suplemento de risco de montante igual ao pessoal de investigação criminal, tal como os restantes trabalhadores colocados nos restantes STI’s das unidades territoriais ou locais, que apenas dispõem de um único serviço que desenvolve competências nas duas áreas funcionais (informática e telecomunicações).

IV. Questão diversa foi apreciada no acórdão ora recorrido. Aqui o Autor encontra-se a exercer funções no GFPI da Unidade de Telecomunicações e Informática, unidade de apoio à investigação criminal, composta por vários serviços (áreas, sectores e núcleos) com competências definidas e distintas entre si.

V. Em suma, as funções exercidas pelos trabalhadores do GFPI são diversas das exercidas pelos trabalhadores em confronto no acórdão fundamento que justificaram a atribuição de suplemento de risco de montante igual ao pessoal de investigação criminal, pois não se inserem em qualquer das áreas funcionais estabelecidas no n.º 4 do citado artigo 99.º, nomeadamente, de telecomunicações.

VI. Não há, pois, contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, requisito de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, não deverá admitir-se o presente recurso para uniformização de jurisprudência, mantendo-se a decisão proferida pelo acórdão recorrido”.


4. O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer “no sentido do não recebimento do recurso, ou caso assim se não entenda, no sentido da sua improcedência” (cfr. parecer de fls. 80 a 82).

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. De facto:

A matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido foi a seguinte:

“1) O autor é trabalhador em funções públicas do réu Ministério da Justiça.

2) O autor está integrado no quadro de pessoal da Polícia Judiciária.

3) O autor desempenha funções na Unidade de Telecomunicações e Informática deste órgão de polícia criminal.

4) O autor exerce a sua actividade laboral no âmbito do Grupo Forense de Perícias Informáticas que é uma estrutura orgânica da Área de Equipamentos e Sistemas Especiais, a qual, por seu turno, é uma das quatro estruturas de primeiro nível que incorporam o organograma da Unidade de Telecomunicações e Informática.

5) O autor exerce funções que materialmente configuram uma actividade de especialista em matéria de informática, como o próprio reconhece nos termos do artigo 17º da petição inicial.

6) O autor aufere mensalmente, desde Maio de 2009, primeiro mês de trabalho completo após o início de funções na Unidade de Telecomunicações e Informática, o subsídio de risco complementar da sua remuneração base previsto nos termos do artigo 99º, nº 5, do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro, que corresponde a 20% do índice 100 da respectiva tabela indiciária”.


A matéria de facto dada como provada no acórdão fundamento foi a seguinte:

“As instâncias deram como provados os seguintes factos:

«A) O Autor é especialista auxiliar da Polícia Judiciária, tendo sido colocado em 22 de junho de 2006, a exercer funções no Setor de Telecomunicações, posteriormente integrado na estrutura mais ampla do Setor de Telecomunicações da Diretoria Norte, para exercer as funções de especialista adjunto, devido a aposentação dos funcionários que então aí exerciam funções.

B) O Autor solicitou que lhe fosse abonado o suplemento de risco próprio da função, idêntico ao pessoal de investigação criminal, havendo uma primeira informação favorável, mas por haver intenção de não atribuição de suplementos até à aprovação do novo estatuto do pessoal, foi indeferido pelo Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, nos seguintes termos: «indefiro, aguarde-se pelo estatuto da carreira»”.

2. De direito:

2.1. Nos presentes autos, o recorrente alega que sobre a mesma questão fundamental de direito – saber se o suplemento de risco atribuível aos funcionários integrados nas unidades funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança também é devido a funcionários que trabalhem nestas específicas unidades ainda que sejam especialistas de informática – existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.

2.2. Antes de mais, e em termos de enquadramento teórico, diga-se que, de acordo com o disposto no artigo 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, cuja apreciação é vinculada, são os seguintes: a) que exista contradição entre acórdão do TCA e outro acórdão anterior, do TCA ou do STA, ou entre acórdãos do STA; b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito; c) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão recorrido e do acórdão fundamento; d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão recorrido, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.
Estes requisitos são de verificação cumulativa, pelo que o não preenchimento de um deles constitui condição suficiente para não admitir o recurso de uniformização de jurisprudência.
Além destes requisitos legais, a jurisprudência, baseando-se na lógica deste tipo de recurso, formulou, logo no âmbito da LPTA, alguns princípios com ele relacionados cuja observância também se justifica no âmbito do CPTA, quais sejam: a) para cada questão em oposição deve o Recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; b) só é de admitir-se a existência de oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; c) só releva a oposição entre decisões e não entre meros argumentos (ver Acórdão do Pleno do STA de 04.06.13, Proc. n.º 0753/13).

2.3. Apreciemos, agora, a admissibilidade do recurso interposto começando por analisar os pressupostos legais enunciados em a) e c). Assim, e desde já, a alegada contradição de julgados envolve dois acórdãos, um do TCA e o outro deste STA, sendo o acórdão fundamento anterior ao acórdão recorrido (está, deste modo, preenchido o disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 152.º); ambos transitaram já em julgado (al. c). Cumpre, então, analisar se, no caso sub judice, ocorre a identidade da questão fundamental de direito resolvida, em sentidos opostos, nos dois acórdãos em confronto (al. b)).

2.4. Um recente aresto deste STA – o Acórdão do Pleno de 16.12.2015, Proc. n.º 1011/15 – debruçou-se sobre esta questão do que seja a “identidade da questão fundamental de direito”, delimitando-a do seguinte modo:

“XI. Este requisito implica que o conflito jurisprudencial expresso na contradição das soluções firmadas nos arestos terá de (i) corresponder a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo; (ii) ter na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo, sejam análogas ou equiparáveis; (iii) a alegada divergência assumir um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, haja integrado a verdadeira ratio essendi.

(…)

XIII. Para além disso, o requisito em análise exige que subjacente a ambas as decisões estejamos perante realidades factuais relativamente às quais possamos considerar ocorrer uma identidade fundamental da matéria de facto ou das situações de facto, já que o conflito pressupõe uma verdadeira identidade substancial quanto àquilo que é o núcleo essencial da situação litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto e sem o qual não poderemos afirmar que a contradição derivou tão-só duma divergente interpretação jurídica daquele mesmo quadro normativo [cfr. Acs. do STA/Pleno de 15.10.1999 - Proc. n.º 042436, de 22.10.2009 - Proc. n.º 0557/08, de 16.11.2011 - Proc. n.º 0415/11, de 15.10.2014 – Proc. n.º 01150/12 (…)].

XIV. Do acabado de afirmar não deriva, assim, que para o preenchimento do segmento deste requisito se exija que as situações de facto sejam absolutamente iguais dado ser bastante a constatação de que o núcleo essencial dos comportamentos ou condutas concretas apresente a mesma identidade, que o mesmo, à luz da norma aplicável, se revele ou se apresente como substancialmente idêntico”.

2.5. Atentemos agora nas questões efectivamente colocadas nos acórdãos recorrido e fundamento.

No acórdão fundamento, o que estava em causa era a situação de um especialista auxiliar da PJ que foi colocado a exercer funções de especialista adjunto numa unidade de Telecomunicações na sequência da aposentação de alguns colegas, e que viu recusado o seu pedido de um suplemento de risco próprio da função idêntico ao dos funcionários de investigação criminal. O motivo da recusa fundou-se na necessidade de esperar pelo novo estatuto do pessoal (“foi indeferido pelo Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, nos seguintes termos: «indefiro, aguarde-se pelo estatuto da carreira»” – ponto 2. da matéria de facto), pois suscitava alguma dúvida a circunstância de, apesar de exercer funções de especialista adjunto, ser, afinal, um especialista auxiliar (questão salientada nas conclusões das alegações do ali recorrente MJ). O que acórdão fundamento considerou foi que “o artigo 161º, depois de prever o que respeita ao pessoal dirigente e de chefia, dispôs no seu nº 3: “O restante pessoal da Polícia Judiciária mantém o direito ao suplemento de risco segundo o critério em vigor à data da entrada em vigor do presente diploma, até à regulamentação prevista no artigo 91º”. Deste modo, esta norma remissiva mantém o direito ao suplemento de risco segundo o critério vigente à data da entrada em vigor do presente diploma, até à regulamentação prevista no artigo 91º, pelo que outro não pode ser o entendimento senão o de que, na ausência de tal regulamentação, vigora o regime constante no nº 4 do artigo 99º do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro, que estatuí que “os funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança, têm direito a suplemento de risco de montante igual ao fixado no número anterior”. Perante esse regime, aplicável, como se disse, por falta da regulamentação própria que o Diploma de 2000 previa (e que ainda não teve concretização, mesmo após a Lei nº 37/2008, de 6.8), é desnecessária, para o caso concreto, qualquer discussão sobre as razões de política legislativa que conduzem à diferente graduação do suplemento de risco. Na circunstância, existe preceito especial conferindo suplemento de risco nos termos indicados aos funcionários integrados na área funcional de telecomunicações. Não há nos autos qualquer controvérsia sobre a colocação do ora recorrido nessa área funcional por despacho de entidade que se arrogou competência para o efeito e cuja legalidade nunca foi posta em causa nos autos”. O recorrente faz, pois, uma interpretação errada do sentido do acórdão fundamento quando afirma que “Daqui resulta que, nos termos do acórdão fundamento, o simples facto da colocação no sector das telecomunicações e informática para o exercício das funções de especialista adjunto (as do aqui Recorrente) constitui na esfera jurídica do funcionário o direito ao suplemento, atento o facto de a categoria ser exercida no âmbito da função ali desempenhada”.
De notar, ainda, que o acórdão fundamento expressamente refere que “Não há nos autos qualquer controvérsia sobre a colocação do ora recorrido nessa área funcional”. Ora, no caso dos presentes autos, não sendo controversa per se a questão da colocação de um especialista de informática numa unidade de telecomunicações, a verdade é que é desse facto que nasce o problema nele tratado. No acórdão recorrido, a decisão aí proferida pressupõe que são as exactas funções exercidas, independentemente da unidade em que se exercem, que devem ser consideradas para efeitos de atribuição do específico suplemento de risco (v.g., um especialista em comunicações que trabalhe numa unidade de telecomunicações deve receber um suplemento de risco distinto daquele auferido por um especialista em informática que trabalhe, de igual modo, numa unidade de telecomunicações), orientação da qual discorda o recorrente. Sublinha o recorrente nas suas alegações de recurso, precisamente, que “No acórdão impugnado deu-se relevância ao facto de as funções do Recorrente serem de informática, como se fosse possível destrinçar funções de informática no âmbito das telecomunicações, sabido que, nos dias de hoje, todos os sistemas de telecomunicações supõem o recurso a suportes e equipamentos informáticos, como, aliás, está pressuposto da descrição das funções da unidade aonde o Recorrente está colocado, efectuadas pelo Exmo. Director Nacional da PJ”.

Em suma, no acórdão recorrido discute-se a questão de saber se um especialista em informática que exerce as suas funções na unidade de Telecomunicações (rectius, na unidade de Telecomunicações e Informática) deve poder beneficiar do suplemento de risco próprio dos “funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança”. No acórdão fundamento a questão controversa é, como se pôde ver, distinta. Não se verifica, deste modo, contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, uma vez que não emitiram pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito com base em distinta interpretação de um determinado quadro legal.

2.6. Em face de todo o exposto, não existindo contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, conclui-se que não estamos, no caso vertente, perante uma situação em que seja de admitir o recurso para uniformização de jurisprudência.


III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo em não admitir o presente recurso para uniformização de jurisprudência.



Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2017. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.