Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0288/21.3BEBRG
Data do Acordão:10/07/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão do TCA que julgou improcedente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias se no entendimento nele firmado, mormente quanto à exceção de impropriedade do meio processual utilizado, não se vislumbra que, no plano dos raciocínios lógicos ou jurídicos, enferme de erros manifestos, seja em termos da estrita interpretação das regras, seja no plano da confrontação com os princípios pertinentes, e quando no que toca às questões colocadas as mesmas não são de elevada complexidade e o seu grau de dificuldade não ultrapassa o comum, e em que a alegação produzida não infirma o juízo emitido no acórdão recorrido.
Nº Convencional:JSTA000P28290
Nº do Documento:SA1202110070288/21
Data de Entrada:09/07/2021
Recorrente:A..............
Recorrido 1:AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………………….., invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 07.07.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 262/285, paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário] que, na presente ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias intentada contra AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, IP, negou provimento ao recurso de apelação e que manteve a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [doravante TAF/SNT] apenas no segmento em que este havia julgado procedente a exceção inominada de inidoneidade/impropriedade do meio processual e, em consequência, absolveu o R. da instância [cfr. fls. 193/199].

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 293/314], na relevância jurídica ou social e para efeitos de uma «melhor aplicação do direito», fundada esta na alegada incorreta interpretação e aplicação feita pelo aresto recorrido dos arts. 17.º, 18.º, 47.º e 58.º da Constituição da República Portuguesa [CRP] e 109.º do CPTA.

3. O Recorrido veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 318/343], pugnando pela não admissão da revista.

Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/SNT absolveu o recorrido da instância considerando para tal ocorrerem as exceções de ilegitimidade passiva e de inidoneidade/impropriedade do meio processual.

8. O TCA/S manteve o juízo do TAF de absolvição do recorrido da instância apenas com base na procedência da exceção de inidoneidade/impropriedade do meio processual, emergindo no que releva do seu discurso fundamentador, mormente que a recorrente «não identifica qualquer pedido que tenha formulado através do aludido formulário ou que tenha apresentado um pedido de licenciamento para o exercício de uma das indicadas práticas e que a Recorrida tivesse recusado qualquer intervenção /consultadoria da Recorrente. … De igual modo não alega concretizando quaisquer atividades/consultadorias que, como refere vinha fazendo, e que foi impedida de continuar ou lhe foram negadas outras. … Do que se depreende que inexiste qualquer circunstância de urgência qualificada derivada de ter sido vedado à Recorrente o exercício da sua atividade profissional, sendo conforme consta do probatório esta detém várias áreas de formação, como seja ensino, física. … Não se alcançando, pois, em que situação/condições está impedida de exercer a sua atividade profissional, sendo que além de estar a exercer funções como resulta do seu currículo, a especialidade na área de física foi concluída em 2.11.2020, já sendo antes, licenciada em “ensino de Física e química desde 30.06.2004», que a mesma «não justifica qual a profissão que exercia ou deixou de exercer. Pois que o reconhecimento da qualificação especialista em física médica não habilita ao exercício de qualquer profissão, certifica, sim, que o seu titular detém conhecimentos, “formação e experiência para atuar ou prestar consultoria sobre questões relacionadas com a física das radiações aplicada às exposições médicas, e cuja qualificação nesta matéria é reconhecida pela autoridade competente”» e que «não só não invocou … uma situação de urgência que careça efetivamente de tutela imediata e definitiva, como o regime legal em vigor assegura que os titulares de licenças emitidas ao abrigo da legislação anterior mantenham as respetivas licenças – aliás a Recorrente nem juntou ou alegou que possuía licença - mas tão só que exercia as “funções de especialista” sem qualquer concretização e especificação (art. 3º da p.i.)», razão pela qual «não se encontra em causa um direito, liberdade e garantia que decorra diretamente da CRP, ou que esteja suficientemente densificado na mesma, e que possa simplesmente ser concretizado jurisdicionalmente, pois a Lei Fundamental não consagra o acesso, sem mais, ao exercício de qualquer atividade, especialidade como resulta do art. 47.º».

9. Analisada a motivação/argumentação expendida pela aqui recorrente, temos que a mesma não se apresenta como convincente, não se descortinando a relevância jurídica e social fundamental na questão colocada, nem o juízo firmado revela a necessidade de melhor aplicação do direito.

10. Com efeito, presente o quadro normativo e principiológico em causa não se vislumbra, por um lado, que a concreta questão suscitada releve e reclame labor interpretativo superior, ou que se mostre de elevada complexidade em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, tanto mais que a mesma apresenta um grau de dificuldade comum dentro das controvérsias judiciárias sobre a temática alvo de discussão neste tipo de processos de intimação e daquilo que são os seus requisitos tal como se mostram definidos no art. 109.º do CPTA na sua conexão/interligação com as concretas e diversas situações objeto de pretensão.

11. E para além do claro interesse que o recurso e a pretensão assumem na e para a esfera jurídica dos sujeitos envolvidos, em especial da recorrente, temos que não se evidencia dos elementos aportados aos autos uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo no sentido de a decisio litis a proferir poder ser orientadora em hipotéticos casos futuros, não revestindo, assim, de interesse comunitário relevante que extravase os limites do caso concreto e da sua singularidade/particularidade.

12. Por outro lado, não se descortina a necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito, porquanto, prima facie não se descortina que o juízo firmado pelo TCA/S no acórdão sob impugnação, em inteira consonância neste segmento com a decisão do TAF/SNT, aparente incorrer ou enfermar de erros lógicos ou jurídicos manifestos, tudo apontando, presentes os contornos do caso sub specie, no sentido de que o mesmo terá decidido com acerto a questão/pretensão formulada, já que estribado numa interpretação perfeitamente coerente e plausível das regras e dos princípios nele invocados.

13. De referir que a questão de inconstitucionalidade não constitui um objeto próprio dos recursos de revista, pois pode ser separadamente colocada junto do Tribunal Constitucional [TC], dado que envolvendo, na sua essência, a recusa de aplicação de quadro normativo em virtude de o mesmo enfermar de inconstitucionalidade, a mesma diz respeito a questão sobre a qual a intervenção deste Supremo Tribunal não pode assegurar as finalidades inerentes à razão de ser do recurso excecional de revista, isto é, de, em termos finais, decidir litígios e/ou orientar e definir interpretações para futuras decisões de casos semelhantes no âmbito daquilo que constituem as matérias da sua competência especializada, tanto mais que em sede do controlo da constitucionalidade das normas e das interpretações normativas feitas a última palavra caberá ou mostra-se acometida ao TC [cfr., entre outros, os Acs. do STA/Formação de Admissão Preliminar de 09.09.2015 - Proc. n.º 0881/15, de 03.12.2015 - 01544/15, de 08.03.2017 - Proc. n.º 0185/17, de 05.04.2017 - Proc. n.º 0352/17, de 11.01.2018 - Proc. n.º 01419/17, de 10.05.2019 - Proc. n.º 0445/15.1BEBRG, e nos mais recentes, os Acs. de 04.02.2021 - Procs. n.ºs 0549/13.5BEAVR, 0822/09.7BECBR e 02605/14.3BESNT, de 18.02.2021 - Procs. n.ºs 01382/20.3BELSB, 0804/17.5BEPRT, de 11.03.2021 - Proc. n.º 1240/19.4BEPNF-S1, de 22.04.2021 - Proc. n.º 1182/08.9BESNT, 13.05.2021 - Proc. n.º 02045/19.8BEPRT e 01703/17.6BELSB-R1, de 24.06.2021 - Proc. n.º 01703/17.6BELSB-S1, de 13.07.2021 - Procs. n.ºs 020024/16.5BCLSB e 0387/14.8BEALM].

14. Impõe-se, assim, concluir no sentido de que não se justifica admitir a presente revista, valendo in casu a regra da excecionalidade supra enunciada.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 07 de outubro de 2021. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.