Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0314/11
Data do Acordão:05/02/2012
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
FALTA DE ALEGAÇÕES
CPPT
Sumário:I - No recurso com fundamento em oposição de acórdãos, previsto no artº. 284.º do C.P.P.T., prevê-se a produção de alegações pelo Recorrente em dois momentos distintos:
- na sequência do despacho que admite o recurso, deverá ser apresentada «uma alegação tendente a demonstrar que entre os acórdãos existe a oposição exigida» (n.º 3 daquele art. 284.º);
- depois do despacho do relator que entenda haver oposição deverá ser apresentada pelo recorrente uma outra alegação, nos termos do n.º 3 do artº. 282.º (n.º 5 do mesmo artº. 284.º).
II - Não indicando o C.P.P.T. qual o regime desta segunda alegação, é-lhe aplicável o regime do processo civil, por força do disposto no seu artº. 281.º, o que significa que, de acordo com o disposto no artº 685º-A (equivalente ao anterior artº 690º), o recorrente tem de apresentar alegação exprimindo as razões da sua discordância para com o julgado, isto é, os fundamentos por que entende que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie.
III - Se o recorrente, omite tal alegação, o que significa que não indicou as razões por que discorda da decisão recorrida, o recurso tem de improceder, aplicando-se este regime ainda que o recorrente seja o MºPº, não só porque não estamos perante qualquer recurso de natureza obrigatória, como não existe nenhuma norma a conceder ao MºPº a dispensa de tal alegação.
Nº Convencional:JSTA000P14085
Nº do Documento:SAP201205020314
Data de Entrada:01/11/2012
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A..., E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1.O MºPº veio recorrer do Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, em 13.07.2011 (v. fls. 99/104), com fundamento em oposição com o acórdão desta mesma Secção de 10.02.2010, proferido no Processo nº 993/09.

2. Nas suas alegações tendentes a demonstrar a oposição entre os citados arestos, veio o recorrente concluir:

1ª). Existe oposição de acórdãos quanto à melhor interpretação do prazo para recorrer, o qual se encontra previsto no artº. 80º, nº 1 do R.G.I.T., no caso de na notificação efectuada pela administração tributária constar que o mesmo só se inicia após o termo do prazo de 15 dias para se proceder ao pagamento voluntário da coima, o que não foi admitido;

2ª). Com efeito, o proferido nos autos encontra-se em contradição com o decidido no acórdão do S.T.A., proferido a 10/2/2010, proferido no recurso nº 993/09, da 2ª secção, o qual transitou em julgado, decidindo-se semelhantemente que tal prazo é de 20 dias, mas só se inicia após o termo do referido prazo de 15 dias;

3ª). Com efeito, os factos em apreciação são idênticos em ambos os acórdãos, consubstanciando os mesmos decisões de direito contraditórias, sendo certo ainda que não se mostra definida qual seja a jurisprudência consolidada sobre essa matéria de direito, a qual se relaciona com o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, conforme previsto ainda no artº. 32º, nº 10 da C.R.P..

Nestes termos, deve o presente recurso ser admitido, mandando-se notificar, após, para que se produzam alegações, e remeter o processo ao Pleno da Secção Tributária para que sobre o mesmo seja proferida acórdão, nos termos dos artºs. 284.° e 286.° do C.P.P.T. e 27.°, n.° 1 al. b) do E.T.A.F..

3. Por despacho do Relator foi proferido despacho julgando verificada a oposição (v. fls. 122).

4. Em alegações proferidas ao abrigo do disposto no artº 284º, nº 5 do CPPT, a recorrida veio defender a procedência do recurso, concluindo:

1ª) A iniciativa do presente recurso jurisdicional fundamenta-se na contradição entre o acórdão recorrido, proferido nos autos que correram termos sob o nº 313/11, e o acórdão proferido pela 2ª Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em 10 de Fevereiro de 2010, no âmbito do processo nº 993/09.

2ª) Em ambas as decisões judiciais, a situação de facto é idêntica, estando em causa a apreciação da tempestividade de recurso de decisão de aplicação de coima em processo de contra-ordenação tributária quando o contribuinte apresenta o recurso no prazo indicado na notificação da Administração Tributária de 20 dias subsequentes ao prazo de 15 dias para pagamento voluntário com redução de coima.

3ª) Os actos administrativos de notificação efectuados pela Administração Fiscal em ambos os processos de contra-ordenação prevêem a correlação entre dois prazos, o de 15 dias para pagamento voluntário com redução (78.°/2 R.G.I.T.), a que se segue o prazo de 20 dias para interposição de recurso da decisão (80.71 R.G.I.T) - à semelhança da correlação estabelecida entre os prazos previstos nos artºs. 78.°, n.° 2 e 79°, n.° 2, ambos do R.G.I.T..

4ª) Ora, em ambas as notificações resulta inequívoco que assiste ao Arguido o direito de interpor recurso da decisão de aplicação de coima no prazo de 35 dias, que compreende o prazo de 15 dias para pagamento voluntário da coima com redução seguido do prazo de 20 dias previsto no artº. 80º do R.G.I.T..

5ª) Também nas duas situações, o Arguido apresentou recurso da decisão de aplicação de coima dentro do prazo de 35 dias a contar da aludida notificação efectuada pela Administração Tributária.

6ª) Sem prejuízo da identidade das situações de facto em apreço, apenas no Acórdão proferido no processo nº 993/09, foi decidido que, no caso da notificação feita ao Arguido conter um prazo mais dilatado do que aquele que se encontre previsto no artigo 80º, nº 1 do RGIT, o prazo aplicável ao Arguido para lançar mão dos meios de defesa será o que consta da aludida notificação, sob pena da violação da garantia jurídico-constitucional do princípio da tutela jurisdicional efectiva.

7ª) A aqui Recorrente subscreve o entendimento supra perfilhado no Acórdão proferido no processo nº 993/09.

8ª) Em tal senda, é de notar que a Constituição da República Portuguesa consagra, no nº 4 do artº. 268º, a garantia aos administrados de uma tutela judicial efectiva dos seus direitos, sendo tal garantia por si mesma um direito fundamental instrumental.

9ª) Por outro lado, o artº. 32º, nº 10, da C.R.P. dispõe, especificamente, que, nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.

10ª) Ora, o Acórdão proferido nos autos do processo nº 314/11 parece, por um lado, fazer tábua rasa do teor da notificação da Administração Tributária, a qual constitui per si um acto administrativo e, por outro, parece desconsiderar a confiança do contribuinte na qualidade de destinatário de tal acto de notificação, praticado pela Administração tributária.

11ª) Neste sentido, jamais pode ser desconsiderado o princípio da segurança jurídica relativamente a actos da administração que lesem interesses e/ou direitos dos administrados.

12ª) O contribuinte que é notificado de um decisão de aplicação de coima, cuja comunicação das Finanças prescreve um determinado prazo para pagamento voluntário e apenas findo este prevê um prazo para recurso, não pode ver os seus direitos constitucionais coarctados por constituir mandatário para apresentação de recurso.

13ª) O contribuinte, à data em que é notificado e constituído arguido, não está representado por advogado e, como tal, não tem nenhuma obrigação especial de conhecimento técnico-jurídico que o obrigue a presumir que o teor das comunicações do Serviço de Finanças pode conter eventuais erros na indicação do prazo para defesa.

14ª) Na situação factual analisada em ambos os processos judiciais - nº 314/11 e nº 993/09 - as notificações das decisões de aplicação de coima incluem os requisitos previstos no artº. 37º do C.P.P.T., pelo que jamais pode ser imputado ao contribuinte qualquer ónus de pedido de esclarecimentos.

15ª) Sem prejuízo, ainda que o teor da notificação de decisão de aplicação de coima indiciasse qualquer dúvida, jamais haveria o ónus de pedido de esclarecimentos sobre a aplicação de normas jurídicas, uma vez que se trata de uma notificação dirigida ao contribuinte e não ao advogado do contribuinte.

16ª) De acordo com o disposto no artº. 36º, n.° 1, do C.P.P.T. ex vi artº. 70º, nº 2 do R.G.I.T., quaisquer actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes, quando lhes sejam validamente notificados.

17ª) Considerando que a notificação da decisão de aplicação de coima proferida nos presentes autos preenche os requisitos legais do artº. 36º, nº 2 do C.P.P.T., os direitos da ora Recorrente são definitivos, ao abrigo do Princípio da Definitividade dos Actos Tributários, previsto no artº. 60º do C.P.P.T.

18ª) Deste modo, ainda que, por mero raciocínio académico, se pudesse considerar que o termo inicial para contagem do prazo de interposição de 20 dias não corresponde ao expresso na notificação efectuada pelo Serviço de Finanças de Valongo-1, tal acto tributário de notificação seria definitivo no que respeita ao prazo para o exercício dos meios de defesa do contribuinte, aqui Recorrente, pelo que o recurso interposto pela Recorrente, nos termos do artº. 80º do R.G.I.T., deve ser sempre considerado tempestivo.

19ª) Supletivamente, caso os Mmºs. Juízes Conselheiros venham a considerar que o termo inicial do prazo de recurso da aqui Recorrente é a data da notificação da decisão de aplicação de coima, a notificação efectuada deve ser considerada nula, nos termos do disposto na al. d) do nº 1 do artº. 63º do R.G.I.T., por erro na indicação do prazo de defesa e consequente falta dos requisitos legais, com a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam.

20ª) Pelo exposto e salvo o devido respeito, entende a aqui Recorrente que deverá prevalecer a solução perfilhada pelo aresto proferido no processo nº .. , com fundamento no disposto nos artigos 80º, nº 1 do R.G.I.T., nos artigos 20º, 32º, nº 10, e 268º da Constituição da República Portuguesa, nos artigos 36º, nº 1 e nº 2, e 60º do C.P.P.T. e no artigo 12º do C.P.A..

Pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença recorrida, proferida nos autos que correm termos sob o nº 314/11, sendo, consequentemente, admitido, por tempestivo, o recurso judicial interposto pela aqui Recorrente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, sob o nº 403/10.2BEPNF, com o que contribuirão V. Exas., preclaros Conselheiros, para a realização do Direito.

5. O recorrente MºPº, por sua vez, não apresentou alegações tendentes a demonstrar as razões para a procedência do recurso, tal como exige o nº 5 do artº 284º citado, limitando-se a referir, em requerimento que constitui fls. 138, que, apesar da opção de não apresentação daquelas alegações, o recurso deve ser conhecido, atentas as alegações produzidas pela recorrida e o interesse público em ver resolvida a divergência entre os citados acórdãos.

6. Antes de mais, importa saber quais as consequências da falta de apresentação de alegações sobre o mérito do recurso, exigidas pelo artº 284º, nº 5 do CPPT.

Conforme ficou escrito no Acórdão do Pleno desta Secção, de 23.02.2005, proferido no Processo nº 0365/04 “ No recurso com fundamento em oposição de acórdãos, previsto no artº. 284.º do C.P.P.T., prevê-se a produção de alegações pelo Recorrente em dois momentos:
– na sequência do despacho que admite o recurso, deverá ser apresentada «uma alegação tendente a demonstrar que entre os acórdãos existe a oposição exigida» (n.º 3 daquele artº. 284.º);
– depois do despacho do relator que entenda haver oposição deverá ser apresentada pelo recorrente uma outra alegação, nos termos do n.º 3 do artº. 282.º (n.º 5 do mesmo artº. 284.º).

Não referindo o C.P.P.T. qualquer finalidade a que se destina e o conteúdo que deve ter esta segunda alegação, tem de se fazer apelo ao regime dos recursos de agravo em processo civil, por força do disposto no artº. 281.º do daquele Código.

Assim, a alegação a que se reportam aqueles n.º 5 do artº. 284.º e n.º 3 do artº. 282.º do C.P.P.T. tem em vista a «indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão», como se conclui do n.º 1 do artº. 690.º do C.P.C.. Na verdade, «se o artigo exige que a alegação conclua pela indicação resumida dos fundamentos, pressupõe necessariamente que antes da conclusão se expuseram mais desenvolvidamente esses fundamentos» (ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 357).

O n.º 1 do artº. 690.º « teve em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie». (Obra e local citados).

«Entendeu-se que, exercendo os recursos a função de impugnação as decisões judiciais (artº. 677.º), não fazia sentido que o recorrente não expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o tribunal aprecie se tais razões procedem ou não».(Obra citada, página 359).

Assim, o Recorrente no presente recurso jurisdicional, para impugnar adequadamente a decisão recorrida tinha de apresentar uma alegação em que a atacasse quanto aos seus fundamentos de facto ou de direito ou arguir alguma nulidade.

No caso em apreço, na alegação que apresentou para efeitos do disposto no referido n.º 5 do artº. 284.º do C.P.P.T., o Recorrente não indica qualquer razão que justifique a alteração ou anulação do acórdão do Tribunal Central Administrativo de que recorre, limitando-se a afirmar que ele está em contradição com outro acórdão do mesmo Tribunal.
Mas, esta razão, só por si, não justifica a alteração ou anulação da decisão recorrida, pois pode suceder que a posição correcta seja a assumida no acórdão recorrido.

Assim, tem de concluir-se que, embora o Recorrente tenha formalmente cumprido o ónus de apresentar uma alegação (o que impede que se considere ser caso de considerar o recurso jurisdicional deserto, nos termos do artº. 282.º, n.º 4, do C.P.P.T.), não apresentou uma alegação que indique os erros que entende terem sido cometidos na decisão recorrida, o que impede este Supremo Tribunal Administrativo de apreciar a sua correcção.
Por isso, o presente recurso jurisdicional tem de improceder”.

Em sentido idêntico se pronunciou também o Acórdão de 13.04.2005 deste mesmo Pleno - Processo nº 363/04, cujo sumário reza assim:

“I. No recurso por oposição de acórdãos, a alegação prevista no artigo 284°, 5, com referência ao artigo 282°, 3, ambos do CPPT tem de corporizar as razões da discordância do recorrente em relação ao julgado.

II. Limitando-se o recorrente, nesta segunda alegação, a reproduzir o teor da primeira (tendente, ela sim, a demonstrar que entre os acórdãos existe a oposição exigida - nº 3 daquele artigo 284°), não indicando as razões por que discorda da decisão recorrida, o recurso improcede necessariamente”.

Ora, se assim é quando o recorrente apresenta alegação, mas não justifica as razões da sua discordância com o decidido no acórdão recorrido, como sucedeu nos acórdãos supra citados, por maioria de razão há-de ser quando o recorrente omite de todo a produção de alegação nos termos acima referidos, situação que ocorre no caso dos autos.

Deste modo, por aplicação do disposto nos artºs 281º, 284º, nº 5 e 282º, nº 3, todos do CPPT e 685º-A do CPC (na redacção dada pelo artº 1º do DL nº 303/2007, de 24 de Agosto), equivalente ao anterior artº 690º, a falta de alegações a que se refere o nº 5 do artº 284º do CPPT conduz à improcedência do recurso por oposição de acórdãos.

E, com o devido respeito, é irrelevante que o recorrente seja o MºPº, já que nem sequer estamos perante recurso de natureza obrigatória, nem a lei dispensa expressamente o MºPº de alegar. O MºPº recorreu porque assim o entendeu, mas, interposto o recurso, estava sujeito às normas processuais acima referidas e que não foram cumpridas.

7. Nestes termos e pelo exposto julga-se o recurso improcedente.

Sem custas.

Lisboa, 2 de Maio de 2012.- João António Valente Torrão (relator) – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José da Ascensão Nunes Lopes – Pedro Manuel Dias Delgado – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro – Maria Fernanda Maçãs.