Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:047978
Data do Acordão:03/11/2003
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA.
REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÃO DE ESTRANGEIRO RESIDENTE EM PORTUGAL.
ESPAÇO SCHENGEN.
Sumário:I. Está suficientemente fundamentado o indeferimento de um pedido de regularização extraordinária de residência, ao abrigo da Lei 17/96, de 24 de Maio, se a Administração tiver invocado, como fundamento de facto, a circunstância do requerente estar "indicado" pelo estado Alemão para efeitos de não entrada no espaço Schengen, e, como fundamento de direito, o art.3º, al. c) da referida Lei, que prevê tal circunstância como causa de exclusão da regularização da residência em Portugal.
II. O referido art. 3º, al. c) da Lei 17/96, de 24 de Maio, prevê uma causa de exclusão estritamente vinculativa, sem qualquer margem de discricionariedade, quanto à sua aplicação e quanto à definição do seu conteúdo. Não é, assim, possível afastar o cumprimento de tal norma com o fundamento do requerente ter em Portugal uma vida organizada.
III. O art. 8º, n.º 2 da Lei 4/2001, de 10/1, permitindo que os processos pendentes sejam enquadrados nas disposições dos artigos 55º, 56º e 87º do Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto (com a redacção resultante do próprio Dec. Lei 4/2001) não se aplica aos pedidos de regularização extraordinária de residência previstos na Lei 17/96.
Nº Convencional:JSTA00058944
Nº do Documento:SA120030311047978
Data de Entrada:07/27/2001
Recorrente:A...
Recorrido 1:SEA DO MINAI
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SEA DO MINAI.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA.
Legislação Nacional:L 17/96 DE 1996/05/24 ART3 C.
L 4/2001 DE 2001/01/10 ART8 N2.
Legislação Estrangeira:CEDH ART8 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC473-03 DE 2002/11/07.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
A..., natural da República da Índia, residente na rua dos ..., ..., ..., Odivelas, interpõe o presente RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do despacho do Ex.mo Sr. SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, de 10 de Maio de 2001, que indeferiu o pedido de autorização de residência, invocando para tanto o seguinte:
- o recorrente entrou em Portugal em data anterior a 25 de Março de 1995;
- desde a data da entrada em Portugal e até à presente, o recorrente tem trabalhado;
- é um cidadão exemplar, tendo tido sempre quer em Portugal, quer na Índia, um comportamento idóneo e respeitador;
- no ano de 1996, porque pretendia regularizar a sua situação de permanência em Portugal, formulou o competente pedido de concessão de Autorização de Residência, processo que viria a ser posteriormente admitido;
- por deliberação da Comissão Nacional para a Regularização Extraordinária de 31 de Maio de 200, foi recusada a admissão do processo de legalização do recorrente;
- razão pela qual apresentou recurso hierárquico junto do Ministro da Administração Interna, sobre o qual recaiu a decisão ora recorrida;
- O recorrente não se conforma com esta decisão, em virtude de considerar que reúne todos os requisitos legais para beneficiar da legalização da sua situação em Portugal, ao abrigo da Lei 17/96, de 24 de Maio;
- Com efeito, o recorrente, há largos anos, foi à Alemanha, onde permaneceu um curto período de tempo, tendo sido abordado por entidades policiais, tendo-lhe na altura sido indicada uma morada, para regularizar a sua situação em território alemão;
- No entanto, e uma vez que não pretendia ficar a residir em território alemão, abandonou voluntariamente esse País, não mais aí tendo regressado;
- Com efeito, a informação indicada pelo Estado Alemão prende-se com a permanência ilegal em território alemão e não com qualquer ilícito criminal, o que terá de ser devidamente ponderado no âmbito do presente pedido de concessão de autorização de residência formulado pelo recorrente;
- Mais acresce que sobre os factos que originaram essa indicação já decorreram largos anos;
- Com efeito, a ordem jurídica, mais precisamente o direito dos estrangeiros, não adopta soluções estanques perpetuadas no tempo, sob pena de determinadas situações se tornarem ad eternum.
- Em suma, não se contesta o facto de não beneficiarem de regularização extraordinária, as pessoas que tenham sido indicados por qualquer das partes da Convenção do Acordo de Schengen para efeitos de não admissão, mas apenas o facto de essa situação permanecer sem qualquer limitação temporal;
- Aliás, razão pela qual foi eliminada a indicação do Sistema de Informações Schengen;
- Contudo, não entende o recorrente como pode existir qualquer outra indicação, uma vez que depois dessa sua deslocação à Alemanha, apenas se ausentou de território nacional com destino ao seu país de origem, facto, do qual deu conhecimento ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, pelo que só pode concluir que se trata de indicação criada na data daquela deslocação e permanência em território alemão;
- É destituído de qualquer fundamento a presente decisão de indeferimento que viola o art. 4º do CPA, pois não pode a Administração negar ao recorrente, que está radicado em Portugal, desde 1995, a trabalhar, tendo toda a sua vida aqui organizada e estabilizada, o direito de permanecer em território nacional;
- Com efeito, o nosso sistema jurídico, nomeadamente, o direito dos estrangeiros não se coaduna com soluções ad eternum;
- Mais acresce que a decisão de indeferimento bule com os princípios previstos na Convenção europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente com o art. 8º que apela ao respeito por “um justo equilíbrio entre os interesses em confronto, a saber o direito do recorrente ao respeito pelo sua vida familiar e privada e a protecção da ordem pública e a prevenção de infracções penais”;
- Com efeito, a presente decisão recorrida é claramente violadora dos direitos reais e profissionais que cabem ao recorrente;
- Na realidade, a proposta de indeferimento apenas tem razão de ser se for necessária para acautelar a segurança nacional ou pública, o bem estar económico do País, a defesa da ordem e prevenção de infracções penais, a protecção da saúde e da moral ou a defesa dos direitos e liberdades de terceiros – cfr. n.º 2 do art. 8º da CEDH;
- Mais se diga que a Administração, no exercício do poder discricionário, não se encontra à margem dos princípios gerais de Direito Administrativo, nomeadamente, do princípio da legalidade, o que proíbe a motivação de facto fundada em critérios subjectivos e casuísticos expressamente invocados em sede de fundamentação;
- Por outro lado, a fundamentação do indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência constante do despacho recorrido não pode deixar de se equiparar a falta de fundamentação, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 125º do CPA, uma vez que os fundamentos adoptados são obscuros, pois não esclarecem concretamente a motivação do acto, violando o preceituado no n.º 1 do art. 125º do CPA e no n.º 1 do art. 1º do Dec. Lei 256/A/77 e n.º 3 do art. 267º da CRP;
- Acresce que o facto de na sequência do pedido de enquadramento do seu processo na alínea j) do n.º 1 do art. 87º do Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 4/2001, de 10 de Janeiro, a entidade recorrida ter decidido não ser esta a sede própria para se proceder à análise de tal pedido;
- Acontece que o art. 8º do Dec. Lei 4/2001, de 10 de Janeiro estabelece, no seu n.º 2, que os pedidos de residência pendentes, como é o caso do processo do recorrente, serão enquadrados, desde que preenchem as condições estabelecidas para o efeito, nos artigos 55º, 56º e 87º do Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações operadas por aquele Decreto – Lei.
- Não entende o recorrente o entendimento da entidade recorrida relativamente a esta questão, uma vez que decorre do próprio art. 8º do Dec. Lei 4/2001, de 10 de Janeiro, a oficiosidade do enquadramento dos processos pendentes nos artigos 55º, 56º e 87º do Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto, não se compreendendo porque motivo a entidade recorrida entende tratar-se de um pedido autónomo a apresentar junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
- Com efeito, um processo se encontra pendente até á decisão final e esgotados que estiverem todos os recursos possíveis.
Termina pedindo a “REVOGAÇÃO do presente decisão com fundamento na sua inconveniência e ilegalidade, sendo admitido ao recorrente o seu pedido de legalização formulado ao abrigo da Lei 17/96, de 24 de Maio.
A entidade recorrida respondeu defendendo a legalidade do despacho impugnado, sintetizando as seguintes conclusões:
a) é manifesto que o acto recorrido não ofende o princípio da legalidade nem os artigos 4º e 125º , 1 do CPA, art. 268º, 3 da CRP, o art. 1º, n.º 1 do Dec.Lei 256-A/77, de 17 de Junho, os princípios previstos no art. 8º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o art. 8º do Dec. Lei 4/2001, de 10 de Janeiro.
b) Verificando-se uma correcta subsunção dos factos (a indicação do recorrente pela República Federal da Alemanha para efeitos de não admissão no espaço Schengen, nos termos do art. 96º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen (CAS)), ao direito aplicável (cfr. al. d) do art. 3º da Lei 17/96, de 24 de Maio), a Administração estava vinculada ao indeferimento do pedido formulado;
c) Não resultaram ofendidos o princípio da legalidade e os princípios consignados no art. 4º do CPA e o art. 8º, n.º 2 da CEDH – a violação destes princípios só pode ocorrer nos casos em que a Administração não está vinculada a um determinado comportamento;
d) O CAS prevê um mecanismo de actualização automática da indicação de pessoas no Sistema de Informação Schengen – cfr. n.ºs 1 e 3 do art. 112º;
e) Ao lançar mão, nos termos em que o fez, dos meios contenciosos para a defesa dos seus direitos e interesses legítimos, o recorrente revelou que se apercebeu de todos os fundamentos de facto e de direito que integraram o despacho recorrido;
f) O pedido formulado pelo recorrente, em sede de recurso hierárquico, para em alternativa, beneficiar do regime previsto no art. 87º, n.º 1 alínea j) do Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto, na redacção dada pelo Dec. Lei 4/2001, de 10 de Janeiro, corresponde a um pedido autónomo de autorização de residência que nada tem a ver com o regime previsto na lei para o processo de regularização extraordinária dos imigrantes clandestinos.
g) Os requisitos a preencher pelos requerentes do processo de regularização extraordinária da situação dos imigrantes clandestinos – cfr. art. 2º e 3º da Lei 17/96, de 24 de Maio) e dos que pretendem beneficiar das condições de entrada, permanência e saída e afastamento de estrangeiros do território nacional consagradas no Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto (alterado pelo Lei 97/99, de 26 de Julho e pelo Dec. Lei 4/2001, de 10/1) são substancialmente diversos.
h) Os pedidos de autorização de residência a que se refere o n.º 2 do art. 8º do Dec. Lei 4/2001, de 10 de Janeiro, reportam-se aos pedidos formulados ao abrigo da Lei 59/93, de 3 de Março, que foi expressamente revogada pelo Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto - cfr. art. 162º, al. a).
Deu-se cumprimento ao disposto no art. 67º do Reg. Do STA., tendo alegado recorrente e recorrido, mantendo as posições antes assumidas.
O M.P. teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência para julgamento.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
Com interesse para a decisão, consideram-se assentes os seguintes factos:
a) em 8-11-1996 o recorrente pretendeu regularizar a sua situação de permanência em Portugal e, formulou o pedido de concessão de autorização de residência – cfr. fls. 18 do apenso;
b) tal pedido foi indeferido pela Comissão Nacional para a Regularização Extraordinária nos seguintes termos: “Nos presentes autos de regularização extraordinária n.º RE 047103/303 em que é requerente A..., delibera esta Comissão Nacional para a Regularização Extraordinária, nos termos do disposto no n.º2 (..) 2. Indeferir o pedido formulado uma vez que se verifica a causa de exclusão prevista no art. 3º, alínea e) da Lei 17/96, de 24/5 (...)”.
c) desta decisão interpôs recurso hierárquico para o Ex.mo Sr. Ministro da Administração Interna.
d) Por despacho do Ex.mo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna de 10-5-2001, foi negado provimento ao recurso, nos seguintes termos: “ Concordo. Nos termos e com os fundamentos do presente parecer, considero reformulado o acto recorrido em conformidade com o proposto em 5. e nego provimento ao recurso de A..., identificado nos autos. Comunique-se, devolvendo-se o processo ao SEFF que notificará o interessado e o seu advogado. Comunique à CNRE. (...)”.
e) O parecer para onde remete o despacho acima referido encontra-se junto a fls. 19 e seguintes, e donde consta, além do mais:
(...) 4. a decisão impugnada consta de fls.84 e foi notificada ao interessado e à sua advogada (cfr. fls. 86 a 89). Nessa decisão a CNRE indeferiu o pedido de regularização extraordinária “... uma vez que se verifica a causa de exclusão prevista na alínea d) da Lei n.º 17/96, de 24/5. Constata-se, ainda, que: a) o Senhor director do SEF despachou, em 5 de Março de 1999, no sentido do pedido de regularização extraordinária ser admitido, com vista a instrução (cfr. fls. 65); b) no relatório complementar considerou-se provado que “o requerente tem uma indicação criada pelas autoridades do Estado Alemão, nos termos do art. 96º do CAS para efeitos de admissão no Espaço Schengen (vd. Fls. 72 a 74) – cfr. Fls. 75. c) face ao relatório ora assinalado, emitiu-se a proposta de decisão – cfr. fls. 76 – que, nos termos do n.º 3 do art. 12º da Lei 17/96, foi afixada por edital e transmitida à advogada do recorrente. d) o recorrente pronunciou-se em sede de audiência prévia (cfr. fls. 77 a 81).
5. Começaremos por conhecer do vício de forma, por fundamentação deficiente, invocado pelo recorrente. Em bom rigor, aquando da prolação da decisão, inserta a fls. 84, importava, não obstante o recorrente poder consultar o processo, especificar que o pedido formulado era indeferido, por se verificar a causa de exclusão prevista no art. 3º, al. d) da Lei 17/96, de 24/5, nos termos propostos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a fls. 76 dos autos, onde se referenciava que o requerente se encontrava indicado pela República Federal da Alemanha, para efeitos de não admissão no espaço Schengen, conforme prova produzida de fls. 72 a 74 dos autos. Na realidade, a CNRE deveria ter especificado, nos termos do art. 125º do CPA o autor da proposta de decisão e onde constava essa proposta, com a fundamentação em matéria de facto e de direito. Contudo, dado que o presente recurso é de reexame, o que significa que Vossa Excelência pode apreciar todas as questões que interessem à decisão do pedido sobre as quais o interessado tenha podido pronunciar-se, nada impede que se proceda à reforma do acto recorrido, tal como permite o n.º 2 do art. 137º do CPA, considerando que da sua fundamentação em matéria de facto passe a fazer, também, parte integrante a referência a que o pedido formulado é indeferido, nos termos propostos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a fls. 76 dos autos.
6. Contrariamente ao que alega o recorrente a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen não consagra qualquer solução estanque, perpetuada no tempo, relativa à indicação de pessoas. Com efeito, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 112º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen “os dados pessoais inseridos no Sistema de Informação Schengen para efeitos de procura de pessoas serão conservados apenas durante o período necessário para os fins a que se destinam. O mais tardar três anos após a sua inserção a Parte Contratante autora das indicações apreciará a necessidade da sua conservação. Este prazo será de um ano relativamente às indicações a que se refere o art. 99º (o art. 99º, para o qual se remete, refere-se à indicação que pode ser efectuada para a repressão de infracções penais e para a prevenção de ameaças à segurança pública). Acrescenta o n.º 3 do artigo em causa que “A função de apoio técnico do Sistema de Informação Schengen indicará automaticamente às Partes Contratantes a eliminação programada no sistema, mediante um pré aviso de um mês”. O recorrente alega que o Tribunal competente da República Federal da Alemanha já decretou o levantamento do mandado de prisão para fins de expulsão, sem ter apresentado qualquer prova neste sentido – o que inquinaria o acto recorrido de erro nos pressupostos de facto. Todavia, como atrás se referiu, está consagrado o mecanismo de actualização automática da indicação de pessoas no Sistema de Informação Schengen e é sobre o recorrente que impende o ónus da prova dos vícios imputados ao acto recorrido, pelo que não basta a simples arguição. Improcede, pois, a alegação do recorrente, uma vez que não conseguiu demonstrar a inexistência ou a desactualizarão da indicação feita pelas autoridades alemãs no Sistema de Informação Schengen. Por conseguinte, perante a indicação do recorrente pela República Federal da Alemanha, para efeitos de não admissão no espaço Schengen, nos termos do art. 96º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, a Administração está vinculada ao indeferimento do pedido formulado, nos termos do art. 3º, al. d) da Lei 17/96, de 24 de Maio, ficando prejudicada a análise dos demais argumentos aduzidos pelo recorrente.
7. De igual modo, o recorrente não conseguiu provar a alegada violação do princípio da igualdade.
8. Em alternativa, solicita, o recorrente que lhe seja concedida autorização de residência nos termos da alínea j) do n.º 1 do art. 87º do Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto, na redacção dada pelo Dec. Lei 4/2001. Todavia, não é esta a sede própria para se proceder à análise do pedido ora formulado. Com efeito, trata-se de um pedido autónomo que deve ser apresentado junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (cfr. art. 81º do Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto, na redacção dada pelo Dec. Lei 4/2001) e não em sede de recurso hierárquico. Face ao exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
I. a decisão recorrida, inserta a fls. 84, deveria especificar que o pedido de regularização extraordinária formulado pelo requerente era indeferido, por se verificar a causa de exclusão prevista no art. 3º, alínea d) da lei 17/96, de 24/05, nos termos propostos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a fls. 76 dos autos; mas, dada a natureza do presente recurso, nada obsta a que possa ser considerado reformado o acto recorrido em conformidade com o sugerido em 5.
II. Perante a indicação do recorrente pelo República Federal da Alemanha, para efeitos de não admissão no espaço Schengen, nos termos do art. 96º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, a Administração está vinculada ao indeferimento do pedido formulado, nos termos do art. 3º al. d) da lei n.º 17/96, de 24 de Maio;
III. Pretendendo o recorrente, em alternativa, beneficiar do regime previsto no art. 87º, n.º 1 al. j) do Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto, na redacção dada pelo Dec. Lei 4/2001, deve formular o pedido de autorização de residência junto do Serviço de Estrangeiros (cfr. art. 81º, 1 do diploma ora assinalado) (...)”.
2.2. Matéria de direito
O recorrente imputa ao acto recorrido a violação (i) do art. 4º do C. P. Adm.; (ii) do art. 8º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; a violação da adequada ponderação dos vários interesses em questão; (iii) falta de fundamentação; (iv) violação do art. 8º do Dec. Lei 4/2001, de 10 de Janeiro. Termina o seu requerimento inicial pedindo a “revogação da presente decisão com fundamento na sua inconveniência e ilegalidade, sendo admitido ao recorrente o seu pedido de legalização formulado ao abrigo da Lei 17/96, de 24 de Maio”.
Impõe-se, antes de mais, precisar a amplitude do julgamento do recurso, uma vez que face ao art. 6º do ETAF, o âmbito de cognição do Tribunal, nos recursos contenciosos de anulação, é limitado ao julgamento da legalidade do acto. Deste modo, deve limitar-se o âmbito do recurso à apreciação dos vícios alegados e conducentes a uma decisão que anule ou declare a nulidade do acto, julgando-se improcedente o pedido de revogação do acto, bem como da apreciação da sua oportunidade e conveniência.
Na apreciação dos vícios arguidos, seguiremos a seguinte ordem (por nos parecer a mais adequada face ao disposto no art. 57º da LPTA): (i) falta de fundamentação; (ii) violação de lei (art. 4º do CPA e 8º, 2 da CEDH); (iii) violação de lei (art. 8º do Dec. Lei 4/2001).
a) falta de fundamentação
Quanto à fundamentação, diz o recorrente, que a mesma “não pode deixar de se equiparar à falta de fundamentação, nos termos do n.º 2 do art. 125º do CPA, uma vez que os fundamentos adoptados são obscuros, pois não esclarecem concretamente a motivação do acto” – cfr. art. 42º da petição de recurso.
Este vício não se verifica, de forma manifesta e óbvia.
Na verdade, conforme se transcreveu na matéria de facto, o acto recorrido indeferiu a pretensão do recorrente pedindo a “autorização extraordinária de residência” ao abrigo da Lei 17/96, de 24 de Maio, “por se verificar a causa de exclusão do art. 3º, al. c) da Lei 17/96” (cfr. fls. 15) “nos termos propostos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a fls. 76” (este aditamento resultou da reforma do acto pela entidade recorrida – cfr. processo apenso, fls. 6). A proposta em causa tem a seguinte redacção: “Da análise do presente processo, verifica-se que requerente tem uma indicação criada pelas autoridades do Estado Alemão, nos termos do art. 96º da C.ªS. para efeitos de Admissão no Espaço Schengen (vd. Fls. 72 a 74) ...” A fls. 72 e 73 mostra-se junto um documento intitulado “descoberta de indicação”.
Com estes elementos, os fundamentos de facto e de direito que serviram de motivação ao acto, são suficientemente claros e bastantes para se compreender o sentido da decisão. Em termos esquemáticos temos o seguinte: o requerente fora indicado pelo Estado Alemão para efeitos de não entrada no espaço Shengen; o art. 3º, al. c) da Lei 17/96, de 24 de Maio impõe o indeferimento do pedido de autorização extraordinária de residência aos cidadãos com esse atributo; logo, impunha-se o indeferimento. Como se vê a fundamentação é não só congruente, como suficiente.
b) violação de lei (art. 4º do CPA e 8º, n.º 2 da Convenção europeia dos Direitos do Homem.
Para a construção deste vício entende o recorrente que pelo facto de ter a sua vida estabilizada em Portugal desde 1995 não lhe pode ser negado a autorização de residência, com o fundamento de ter sido indicado para efeitos de não admissão por qualquer das Partes Contratantes do Acordo de Schengen. Em seu entender esta indicação não vale “ad eternum”. O recorrente, sem por em causa a existência da referida indicação, alega que, apesar disso, o indeferimento do seu pedido viola o art. 8º, n.º 2 da CEDH que impõe o respeito por “um justo equilíbrio entre os interesses em confronto, a saber ao respeito pela sua vida familiar e provada e protecção da ordem pública e a prevenção de infracções penais”. Só se justifica o indeferimento por razões de ordem e prevenção penais, protecção da saúde e da moral, ou defesa de direitos, liberdades de terceiros. Daí que, conclua, a Administração terá violado o art. 4º do CPA e o art. 8º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Também é evidente que não tem razão.
O art. 3º, al. c) da Lei 17/96, de 24 de Maio considera excluídas do benefício de regularização extraordinária de residência em Portugal, as “pessoas que no âmbito do Sistema de Informação Schengen, tenham sido indicadas por qualquer das partes contratantes para efeitos de não admissão”. Esta norma é, como se vê do termos em que está redigida, estritamente vinculativa. Não cabe à Administração adequar a aplicação desta norma aos motivos que levaram à indicação (criminais, morais ou outros), como não cabe à Administração o poder de afastar tal regra por motivos de oportunidade ou conveniência. A estrita vinculação da Administração no que respeita à aplicação da referida causa de exclusão (nem sequer contem conceitos indeterminados), afasta a hipótese de violação do art. 4º do CPA. Este artigo impõe à Administração a prossecução do interesse público, no respeito pelos interesses e direitos dos cidadãos. Se a lei define o interesse público impondo à Administração uma actividade estritamente vinculada, parece evidente que é dessa forma, e apenas dessa forma, que se prossegue o interesse público.
Não era, assim, possível à Administração recusar o cumprimento ao disposto no art. 3º, al. d) da Lei 17/97, de 24 de Maio, com base no facto do recorrente ter em Portugal a sua vida regularizada, nem limitar a aplicação do artigo aos casos em que resulte perigo para a segurança nacional ou pública, ou para o bem estar económico do País. Não existe deste modo também qualquer violação do art. 8º, n.º 2 da CEDH. Sobre um caso idêntico pronunciou-se este Supremo Tribunal no mesmo sentido, usando a seguinte argumentação, com a qual se concorda inteiramente:
“(...) Já se viu que o acto de indeferimento do pedido de regularização assentou na existência da aludida "Indicação".
Ora, perante tal constatação a Administração não tinha outra alternativa que não fosse o indeferimento de pedido do Recorrente, a isso levando, imperativamente, o disposto na alínea d), do artigo 3º da Lei 17/96, norma que, como já atrás se assinalou (cfr. o ponto "3.4"), consagra um poder vinculado.
No âmbito de aplicação do citado preceito não cumpre à Administração proceder a qualquer ponderação dos valores em presença, estando vinculada ao indeferimento do pedido de regularização extraordinária, desde que, como sucede no caso dos autos, se verifique o pressuposto veiculado no dito preceito.
Do exposto decorre que toda a argumentação produzida pelo Recorrente e concernente à sua alegada data de entrada em Portugal e da também alegada situação pessoal, familiar e profissional se não apresente como susceptível de influir na posição a tomar pela Entidade Recorrida, uma vez que, como já por diversas vezes se referiu, o Legislador não concedeu qualquer margem de manobra à Administração, antes impedindo o deferimento do pedido de regularização extraordinária, designadamente, em relação às pessoas que no âmbito do Sistema de Informações Schengen, tenham sido indicadas por qualquer das partes contratantes, para efeitos de não admissão, situação em que, como já antes se assinalou, se encontra o Recorrente, atendendo ao que resulta dos docs., de fls. 60, 62, 70, 80, 81 e 98/102, do processo instrutor.
Em suma, não existia nenhuma fonte normativa que possibilitasse, no caso em apreciação, a ponderação dos interesses a que o Recorrente se reporta, daí que, para a decisão do pedido de regularização extraordinária formulado pelo Recorrente não seja de chamar à colação o disposto no artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, preceito, assim, não violado pelo acto recorrido.
Verificando-se, como se verifica, a já aludida causa de exclusão (a prevista na alínea d), do artigo 3º da Lei 17/96), é patente que, diversamente do sustentado pelo Recorrente, este não reúne as condições necessárias para ver deferido o seu pedido, razão pela qual o acto impugnado não inobservou a citada alínea d). (...)” – Ac. do STA, de 7-11-2002, rec. 473/03.
c) violação de lei (art. 8º do Dec. Lei 4/2001)
Impõe-se, finalmente, apreciar o vício decorrente da violação do art. 8º do Dec. Lei 4/2001, de 10 de Janeiro. O recorrente entende que este artigo foi violado por não se ter feito o enquadramento do seu processo na alínea j) do n.º 1 do art. 87º do Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 4/2001, de 10 de Janeiro. O art. 8º do Dec. Lei 4/2001, de 10/1 estabelece no seu n.º 2 que os pedidos de residência permanente serão enquadrados, nos artigos 55º, 56º e 87º do referido diploma, desde que preenchem as condições estabelecidas para o efeito. Por isso, defende o recorrente que o seu pedido deveria ser enquadrado neste novo regime e não indeferido.
A entidade recorrida entende que não é assim. Para a sua tese, uma coisa é o processo de regularização extraordinária dos imigrantes clandestinos previsto na Lei 17/96 e outra coisa, bem diversa, é o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto, alterado pela Lei 97/99, de 26 de Julho e pelo Dec. Lei 4/2001, de 10 de Janeiro). São, desde logo, substancialmente diferentes os requisitos e os respectivos procedimentos. Daí que os pedidos de autorização de residência devam ser formulados e instruídos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, enquanto a intervenção da entidade recorrida, nos pedidos de autorização extraordinária de residência, se dá apenas no âmbito do recurso hierárquico. Finalmente, os processos pendentes a que se aplica o art. 8º, n.º 2 do Dec. Lei 4/2001, de 10/1 são apenas os formulados ao abrigo da Lei 59/93, de 3 de Março, não pretendo referir-se aos processos pendentes relativos a pedidos de autorização extraordinária de residência, ao abrigo da Lei 17/97, de 24 de Maio.
O parecer que antecede o acto recorrido (e para onde remete) refere, com efeito, a existência de um pedido em alternativa, onde o recorrente solicita que lhe seja “concedida autorização de residência nos termos da al. j) do n.º 1 do art. 87º do Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto” .
Pensamos que o recorrente não tem razão.
O procedimento para a autorização extraordinária de residência é um procedimento especial, onde se prevê uma decisão em 1º grau pela Comissão Nacional Para a Regularização Extraordinária, da qual cabe recurso hierárquico necessário para o Ministro da Administração Interna (cfr. art. 6º, e 13º, 3 da Lei 17/96, de 24 de Maio). O pedido do recorrente foi feito ao abrigo deste diploma legal, seguindo o procedimento administrativo aqui previsto, e foi decidido em 1º grau (indeferido) perante os requisitos previstos neste diploma legal, designadamente o facto do ora recorrente ter sido indicado pelo Estado Alemão. Não faria sentido, apreciar no recurso hierárquico da decisão da Comissão Extraordinária um novo pedido de autorização de residência feita ao abrigo de outro regime jurídico, carecendo inclusivamente de prévia instrução.
Havia assim razão para a entidade recorrida considerar que não cabia no âmbito do recurso hierárquico apreciar ou convolar a pretensão do recorrente.
Só assim não seria se da lei resultasse outra coisa, mas também não é o caso. O referido art. 8º tem a seguinte redacção:
“1 - A concessão de autorização de permanência dada nos termos do artigo 55.º não prejudica os pedidos de autorização de residência que se encontrem pendentes à data da entrada em vigor do presente diploma, salvo quando formulados ao abrigo do regime excepcional de concessão de autorização de residência.
2 - Salvo manifestação expressa do interessado em contrário, os pedidos de autorização de residência que se encontrem pendentes serão enquadrados, consoante as situações aduzidas nos respectivos requerimentos, nas disposições dos artigos 55.º, 56.º e 87.º do Decreto Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção dada pelo presente diploma, desde que preencham as condições estabelecidas naqueles artigos.”.
O n.º 2 do citado art. 8º permite ao interessado optar pelo regime jurídico vigente na data em que formulou o pedido de autorização de residência, ou o regime que resulta das alterações dos artigos 55º, 56º e 87º do Dec. Lei 244/98, com a redacção do Dec. Lei 4/2001. Para que este problema surja (conflito de aplicação de leis no tempo) é obviamente necessária que as duas leis em conflito regulem a mesma matéria. Só faz sentido que o legislador dê ao interessado uma opção entre dois regimes jurídicos, quando ambos os regimes se destinam a regular a mesma situação. Ora, a autorização extraordinária de residência a que se refere a Lei 17/96 e a autorização de residência regulada pelo Dec. Lei 244/98 não se destinam a regular a mesma situação de facto. A prova de que assim é resulta do facto do Dec. Lei 4/2001, ter alterado o Dec. Lei 244/98, e não ter revogado a Lei 17/96 (cfr. art. 162º do Dec. Lei 244/98, de 8 de Agosto).
Tem assim razão, a entidade recorrida quando diz que o art. 2º do art. 8º do Dec. Lei 4/2001 ao referir-se a “processos pendentes” não está a englobar os processos ao abrigo da Lei 17/96.
3. Decisão
Face ao exposto, os juizes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente. Taxa de justiça: 300 €. Procuradoria: 50 %.
Lisboa, 11 de Março de 2003.
António São Pedro – Relator – Fernanda Xavier – João Belchior