Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01298/12
Data do Acordão:12/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - A “suficiência” da garantia oferecida é aferida em função do valor da dívida exequenda.
II - Estando os bens oferecidos em garantia a garantir igualmente o cumprimento de outras dívidas tributárias da executada, cujo valor ultrapassa o valor dos bens oferecidos em garantia, manifesto é que a garantia oferecida se apresenta como insuficiente para assegurar também a dívida exequenda objecto dos presentes autos.
III - A lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cfr. o n.º 3 do artigo 170.º do CPPT), norma esta que, não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória, obriga, contudo, a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.
Nº Convencional:JSTA00068012
Nº do Documento:SA22012121901298
Data de Entrada:11/23/2012
Recorrente:A......, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA DE 2012/09/27
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXECUÇÃO FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART52
CPPTRIB99 ART199
CPPTRIB99 ART170 N3
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01162/12 DE 2012/11/21
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A………, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 27 de Setembro de 2012, que julgou totalmente improcedente a reclamação por si deduzida contra o despacho do chefe do Serviço de Finanças da Batalha, de 5 de Julho de 2012, de recusa dos bens oferecidos em garantia e de indeferimento do pedido de dispensa de garantia no processo de execução fiscal n.º 1333201201009028.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A) Na douta sentença recorrida foi entendido que os bens indicados em garantia não são aptos para a garantia pretendida, na medida em que já não garantem as dívidas de processos executivos anteriores ao presente processo.
B) Afigura-se, no entanto, à recorrente que a suficiência da garantia não se pode aferir apenas pelas próprias dívidas mas também pelos próprios meios e bens de que o devedor disponha para prestar garantia.
C) Com efeito, ao devedor apenas é exigível que indique em garantia os seus próprios bens e os meios que estejam ao seu alcance sendo que, em caso das dívidas serem superiores aos bens, a garantia será sempre insuficiente.
D) A insuficiência de garantia resultante dos montantes em dívida serem superiores aos bens não justifica nem desobriga que a mesma garantia seja dada em todos os processos, sendo que, a extinção e ou anulação gradual duns processos, nomeadamente resultante do cumprimento dos planos prestacionais, confere maior idoneidade e suficiência às mesmas garantias, prestadas em processos subsequentes e que se mantenham activos e pendentes.
E) Na douta sentença recorrida entendeu-se que a recorrente não provou nem demonstrou os pressupostos necessários à concessão da dispensa de garantia.
F) Afigura-se, no entanto, à recorrente que a douta sentença recorrida não cumpriu com a obrigação da produção da prova apresentada pela recorrente quer em sede de prova testemunhal quer em sede de prova documental.
G) A circunstância da recorrente não ter apresentado a prova documental que protestou juntar deve-se tão só ao facto do pretender fazer em sede de julgamento.
H) A douta sentença recorrida fez errada aplicação e interpretação do n.º 4 do artigo 52.º da LGT e do n.º 4 do artigo 170.º do CPPT.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se a baixa deste processo com vista à produção, no Tribunal recorrido, da prova apresentada na p.i.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da reclamação apresentada contra decisão proferida pelo órgão da execução fiscal
FUNDAMENTAÇÃO
1. A norma constante do art. 170.º n.º 3 CPPT deve ser interpretada no sentido de não conter uma proibição absoluta, em abstracto, de o executado produzir prova testemunhal no âmbito do incidente de dispensa de prestação de garantia, sob pena de violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e aos tribunais e da proporcionalidade;
Tendo o órgão de execução fiscal o poder discricionário de decidir, em cada caso concreto, se tal meio de prova é necessário ou desnecessário à decisão do incidente (arts. 20º nº 1 e 266º nº 2 CRP; cf. em casos semelhantes acórdãos Tribunal Constitucional nºs 681/2006, 12 dezembro 2006 e 646/2006, 28 novembro 2006; acórdãos STA-SCT 21.12.2012 processo nº 1162/12)
Por maioria de razão esta doutrina deve aplicar-se no caso de reclamação para o tribunal tributário da decisão proferida pelo órgão da execução fiscal, como corolário do princípio da admissibilidade no processo judicial tributário dos meios gerais de prova (arts. 97.º n.º 1 al. n) e 115.º n.º 1 CPPT, inscrito na tramitação do processo de impugnação judicial mas aplicável a todas as espécies de processo judicial tributário).
2. No caso concreto o reclamante indicou prova documental (que protestou juntar) e arrolou prova testemunhal:
- em conformidade com o ónus da prova que lhe incumbe (arts. 170.º n.º 3 e 199º nº 3 CPPT);
- visando a demonstração dos pressupostos de dispensa da prestação de garantia: inexistência de responsabilidade do executado na situação de insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da quantia exequenda e acrescido, indiciante de manifesta falta de meios económicos e de prejuízo irreparável a ser causado pela prestação de garantia (art. 52.º n.º 4 LGT)
Não colhem os argumentos invocados na fundamentação da sentença (indicação pela reclamante de prova documental que não produziu; dispensabilidade da prova testemunhal, porque complementar da prova documental não produzida): o princípio do inquisitório impõe ao tribunal que realize ou ordene todas as diligências consideradas úteis ao apuramento dos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer (arts. 99.º nº 1 LGT; art. 13º nº 1 CPPT)
3. Neste contexto a formulação pelo tribunal de um juízo ponderado sobre a verificação/inverificação daqueles pressupostos exige a apreciação da prova testemunhal e documental indicadas pelo reclamante

CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que ordene a devolução do processo ao tribunal recorrido para produção e apreciação da prova documental e testemunhal apresentada na petição de reclamação
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
São as de saber se bem andou a sentença recorrida ao julgar improcedente a reclamação do acto de indeferimento da garantia oferecida para suspender a execução e de dispensa da prestação de garantia no remanescente, sem realização das diligências probatórias requeridas.

5 – Na sentença objecto de recurso foram fixados os seguintes factos:
A) Em 17-05-2012 o Serviço de Finanças da Batalha, instaurou contra o ora reclamante o processo de execução fiscal n.º 1333201201009028 por dívida de IRS do ano de 2009 no montante de €846.617,78. – (cfr. processo de execução fiscal em anexo aos autos).
B) No Serviço de Finanças da Batalha encontram-se instaurados contra a reclamante, os processos de execução fiscal nºs 133301101017640, 133301101016695, 1333201101021486, 133301101021885 e 1333201201007157, no valor de €242.864,78, cuja dívida se encontra englobada em plano prestacional e com garantia constituída no valor de €303.580,98. – (facto alegado na p.i. e confirmado pelo doc. de fls. 77 e 78 destes autos e processo de execução fiscal em anexo).
C) No Serviço de Finanças da Batalha encontram-se também instaurados contra a reclamante, os processos de execução fiscal nºs 133201201009168 por dívida de IRC do ano de 2009 na quantia de € 409.329,02 e 1333201201009150, por dívida de IRC do ano de 2008 na quantia de € 719.695,79. –(facto alegado na p.i. e confirmado pelo doc. de fls. 77 e 78 destes autos).
D) Encontra-se em apreciação no mesmo Serviço de Finanças pedido de pagamento em prestações no processo de execução n.º 1333201201008307, cuja dívida é de €459.925,97, e a garantia a constituir no valor de € 574.907,46. (cfr. doc. de fls. 77 e 78 destes autos).
E) A garantia a prestar no processo de execução fiscal, referido em A), é de €1.075.399,01. (cfr. doc. de fls. 77 e 78 destes autos e processo de execução fiscal em anexo).
F) Em 27/06/2012, a reclamante apresentou no Serviço de Finanças da Batalha e quanto ao processo mencionado em A), requerimento em que oferece como garantia o penhor de máquinas e equipamentos com o valor de €448.309 e penhora de prédios com o valor patrimonial global de €180.744,44, totalizando o valor das garantias prestadas € 629.054,19. (cfr. doc. de fls. 77 e 78 destes autos e processo de execução fiscal em anexo).
G) A garantia prestada nos processos referidos em B) e oferecida no processo referido em D) é a mesma que a reclamante oferece nos presentes autos. (cfr. doc. de fls. 77 e 78 destes autos).
H) Em 5/7/2012, o Chefe do Serviço de Finanças da Batalha proferiu despacho de indeferimento o requerimento, referido em C), nos termos constantes de fls. 14 e 15 destes autos.
I) A reclamante não tem cumprido os planos prestacionais a que se vinculou, mencionados em B). – (cfr. fls. 95 destes autos e processo de execução fiscal em anexo).

6 – Apreciando
6.1 Do mérito do recurso
A sentença recorrida, a fls. 122 a 131 dos autos, julgou totalmente improcedente a reclamação judicial deduzida pelo ora recorrente contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças da Batalha que lhe indeferiu a prestação de garantia para suspender a execução por si oferecida em razão da sua manifesta insuficiência, pois que os bens oferecidos em penhor e à penhora já garantem o cumprimento de outras dívidas fiscais do executado, bem como a dispensa de prestação de garantia em relação ao remanescente (no caso, correspondente ao total), por incumprimento do ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da respectiva dispensa (cfr. sentença recorrida, a fls. 126 a 131 dos autos).
Insurge-se contra o decidido a recorrente, quer quanto à julgada insuficiência dos bens oferecidos em garantia, pois que entende que a suficiência da garantia não se pode aferir apenas pelas próprias dívidas mas também pelos próprios meios e bens de que o devedor disponha para as prestar, não dispondo o devedor de outros bens “livres” (cfr. conclusões A) a D) das suas alegações de recurso) , quer quanto à ausência de prova dos pressupostos necessários à concessão da dispensa de garantia, pois que entende que o tribunal recorrido não cumpriu com a obrigação de prova apresentada pela recorrente (cfr. conclusões E) a H) das suas alegações de recurso).
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal no seu parecer junto aos autos e supra transcrito pronuncia-se no sentido da procedência do recurso, pois que, relativamente à dispensa de prestação de garantia, o princípio do inquisitório impõe ao tribunal que realize ou ordene todas as diligências consideradas úteis ao apuramento dos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer (arts. 99.º nº 1 LGT; art. 13º nº 1 CPPT) e a formulação pelo tribunal de um juízo ponderado sobre a verificação/inverificação daqueles pressupostos exige a apreciação da prova testemunhal e documental indicadas pelo reclamante.
Vejamos, pois.
Não colhem os argumentos apresentados pela recorrente no que à suficiência dos bens oferecidos em garantia respeita.
Como bem decidido, estando os bens oferecidos em garantia a garantir igualmente o cumprimento de outras dívidas tributárias, cujo valor ultrapassa o valor dos bens oferecidos em garantia, manifesto é que a garantia oferecida se apresenta como insuficiente para assegurar também a dívida exequenda objecto dos presentes autos, havendo a “suficiência da garantia que ser aferida em função do valor da dívida, pois que é este o único critério legal e objectivo que decorre dos artigos 52.º da Lei Geral Tributária e 199.º do CPPT, e não por qualquer outro critério, porventura mais favorável às pretensões dos executados.
Improcedem, pois, as alegações da recorrente sintetizadas nas conclusões A) a D).

No que aos pressupostos da dispensa de prestação de garantia respeita, entendemos que a lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cfr. o n.º 3 do artigo 170.º do CPPT), norma esta que, não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória (cfr., neste sentido, o recente Acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Novembro de 2012, rec. n.º 1162/12), obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.
Não os tendo junto nem no requerimento de dispensa de prestação de garantia, nem com a petição de reclamação, sem qualquer justificação para o facto e alegadamente porque aguardava pela realização das diligências probatórias a realizar no tribunal “a quo”, a recorrente acabou por incumprir o ónus de prova dos pressupostos de dispensa da garantia que sobre si impendia, razão pela qual a decisão recorrida, que assim julgou, nenhuma censura merece.


Face ao exposto, necessário é concluir que o recurso não merece provimento.

- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2012. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.