Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0746/12
Data do Acordão:03/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:PERMUTA
IMPOSTO DE SELO
Sumário:Constituindo a permuta uma cessão onerosa, ainda que simultânea, e sendo efectuada por escritura pública, datada de 6/11/1997, está sujeita a imposto de selo, no âmbito do Regulamento do Imposto de Selo (aprovado pelo DL nº 12700, de 20/11/1926) e dos arts. 50º e 167º da respectiva Tabela.
Nº Convencional:JSTA000P15420
Nº do Documento:SA2201303060746
Data de Entrada:07/03/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A……… contra as liquidações de Sisa e de Imposto de Selo.
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I) A douta sentença recorrida, no seu essencial, e no que respeita à liquidação do imposto de selo, entendeu que a permuta não é um contrato de compra e venda e não é uma cessão onerosa.
II) E por outro lado, entendeu que a cessão onerosa de bens imóveis é uma tradição de direitos sobre imóveis e não é a transferência de propriedade que caracteriza a permuta.
III) Extraindo-se a conclusão de que, assim sendo, o contrato de permuta não está previsto na norma de incidência que é o artigo 50º da Tabela Geral do Imposto de Selo.
IV) Todavia, se de facto a permuta não é um contrato de compra e venda, constata-se que, no caso dos autos, foram, com a permuta, transmitidos direitos sobre imóveis e, nomeadamente, verificou-se a transferência do direito de propriedade.
V) Essa transferência do direito de propriedade não foi, no caso dos autos, gratuita, devendo, nessa medida, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, considerar-se que a cessão do imóvel transmitido foi onerosa.
VI) Aliás, tendo a douta sentença entendido que o negócio em causa estava sujeito a SISA, constata-se que a SISA, cf. art. 2º do CIMSISSD, é imposto que incide sobre as transmissões a título oneroso do direito de propriedade (ou de figuras parcelares desse direito) sobre imóveis e nos termos art. 8º deste código explicita-se que está sujeita a SISA a troca, em virtude do disposto naquele artigo 2º (na redacção do DL 223/82 de 7 de Junho).
VII) Como referido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/09/2009, processo 2813/08.6TBPRD-A.P1, consultável em www.dpsi.pt, [o]: “contrato de permuta, também denominado de troca ou escambo (ou de barganha, termo este menos usado entre nós), [...] desde o Código Civil de 1966, não tem regulamentação específica, embora, ainda, exista uma alusão ao mesmo no artigo 480º do Código Comercial” e “(...) [É] um contrato atípico, permitido pelo princípio da liberdade contratual, vertido no artigo 405º do CC, ao qual são aplicáveis as disposições do contrato de compra e venda, devidamente adaptadas, por força da previsão constante do artigo 939º do CC. Este contrato atípico acaba por aglutinar os efeitos de dois recíprocos contratos de compra e venda em que o objecto mediato de um deles constitui, total ou parcialmente, a contrapartida económica em relação ao outro.”
VIII) Acrescentando ainda, de forma mais explícita: “a permuta, tal como a compra e venda, tem carácter bilateral, oneroso e determina a alienação ou oneração de bens, ou seja, também tem carácter real” (sublinhados nossos).
IX) Continuando o referido acórdão: “Exactamente nesse sentido, citando Galvão Telles, escreveram Pires de Lima e Antunes Varela, o seguinte: “As disposições sobre compra e venda (...), devem alargar-se, em princípio, aos outros contratos onerosos de alienação ou oneração de bens, como a troca, a dação em pagamento, a hipoteca, etc. (…)”, acrescentando que “...a compra e venda pela sua importância e riqueza de aspectos, foi tomada como modelo dos contratos onerosos alienatórios (…)” [...], razão pela qual, segundo aqueles mesmos autores, contratos como o de escambo ou troca deixaram de ser regulamentados, por ser inútil essa regulamentação, bastando, caso seja necessário, em função da sua específica natureza, adaptar as normas legais consignadas para a compra e venda. Tal como o contrato de compra e venda, o contrato de permuta é um contrato real quoad effectum, isto é, a transferência da propriedade ocorre por mero efeito do contrato, o que decorre expressamente dos artigos 408º, nº 1, 879º, alínea a) e 939º do CC. [...] Assim, dada a bilateralidade do contrato, caso as recíprocas prestações envolvidas no contrato de permuta tenham carácter simultâneo e se reportem a coisa determinada, o efeito translativo da propriedade ocorre no momento da celebração do contrato (nº 1 do artigo 408º do CC.)” (Sublinhados nossos.)
X) Não restando dúvidas quanto à natureza onerosa da cessão da propriedade a que os autos respeitam, e quanto ao facto de a permuta se caracterizar pela transmissão da propriedade, terá de se concluir que o entendimento vertido na douta sentença deverá ser afastado, por se encontrar o contrato de permuta também previsto no art. 50º da Tabela Geral do Imposto de Selo.
XI) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.
Termina pedindo a procedência do recurso e que seja revogada a sentença recorrida.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer no sentido da procedência do recurso, nos termos seguintes:
«A recorrente acima identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, exarada a fls. 125/136, em 30 de Janeiro de 2012, no segmento em que anulou a liquidação do imposto de selo (IS).
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação deduzida da liquidação de IS no âmbito de um contrato de permuta de imóveis, no entendimento de que o referido contrato não é uma cessão onerosa, pelo que não está previsto na norma de incidência do artigo 50º da TGIS, vigente à data do facto tributário.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 157/162, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684º/3 e 690º/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
A recorrida não contra-alegou.
Pelas razões constantes das alegações da Fazenda Pública, que, no essencial, de subscrevem, entendemos que o recurso merece provimento.
O contrato de permuta é um contrato atípico, permitido pelo princípio da liberdade contratual, vertido no artigo 480º do Código Civil, sendo-lhe aplicáveis as disposições do contrato de compra e venda, com as necessárias adaptações, por força do estatuído no artigo 939º do Código Civil.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de Setembro de 2009, citado pela recorrente Fazenda Pública ((1) Proferido no recurso nº 2813/08.6TBPRD-A.P1, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.) o contrato de permuta “…acaba por aglutinar os efeitos de dois recíprocos contratos de compra e venda em que o objecto mediato de um deles constitui, total ou parcialmente, a contrapartida económica em relação ao outro”.
Como se diz no mesmo aresto “a permuta, tal como a compra e venda, tem carácter bilateral, oneroso e determina a alienação ou oneração de bens, ou seja, tem também carácter real”.
Continuando a citar a acórdão referido “Exactamente nesse sentido, citando Galvão Telles, escreveram Pires de Lima e Antunes Varela, o seguinte «As disposições sobre compra e venda (...), devem alargara-se, em princípio, aos outros contratos onerosos de alienação ou oneração de bens, como a troca, a dação em pagamento, a hipoteca, etc. (…)” acrescentando que “...a compra e venda pela sua importância e riqueza de aspectos, foi tomada como modelo dos contratos onerosos alienatórios (...) razão pela qual, segundo aqueles mesmos autores, contratos como o de escambo ou troca deixaram de ser regulamentados, por ser inútil essa regulamentação, bastando, caso seja necessário, em função da sua específica natureza, adaptar as normas legais consignadas para a compra e venda. Tal como no contrato de compra e venda, o contrato de permuta é um contrato real quoad effectum, isto é, a transferência da propriedade ocorre por mero efeito do contrato, o que decorre expressamente dos artigos 408º, nº 1, 879º, alínea a) e 939º do CC [...] Assim, dada a bilateral idade do contrato, caso as recíprocas prestações envolvidas no contrato de permuta tenham carácter simultâneo e se reportem a coisa determinada, o efeito translativo da propriedade ocorre no momento da celebração do contrato (nº 1 do artigo 408º do CC).
Sendo o contrato de permuta em análise um contrato oneroso, por via do qual se operou a transmissão da propriedade dos imóveis está o mesmo previsto na norma de incidência do artigo 50º da TGIS, vigente à data do facto tributário.
Efectivamente, estamos perante uma cessão, ainda que simultânea, uma vez que a impugnante/recorrida cede o seu prédio urbano e recebe um outro prédio, cedido pela sociedade B………, LDA; trata-se, como se demonstrou, de uma cessão onerosa e a cessão foi efectuada por meio de escritura.
A sentença recorrida, a nosso ver, merece censura.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogar-se a sentença recorrida na parte impugnada, mantendo-se na ordem na ordem jurídica a liquidação do Imposto de Selo.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) A Impugnante em 06/11/1997, outorgou escritura pública de permuta e empréstimo com hipoteca e fiança – cfr. fls. 26 a 37;
B) Da escritura referida em A, a Impugnante recebeu uma fracção autónoma, designada pela letra «C», segundo andar esquerdo do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na zona ………, do Norte de Oeiras, na freguesia e Concelho de Oeiras, na Primeira Conservatória do Registo de Oeiras sob o nº 3301 daquela freguesia, na altura omisso na respectiva matriz, mas pedida a sua inscrição, entregue pela Sociedade B………, Limitada a que foi atribuído o valor de 32.000.000$00 – cfr. fls. 26 a 37;
C) Da escritura referida em A, a Impugnante deu em troca uma fracção designada pela letra «R», quinto andar esquerdo, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua do ………, números ……… a ………, freguesia e Concelho de Oeiras, descrito na Primeira Conservatória do Registo de Oeiras sob o nº 2520 daquela freguesia, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2460, com o valor patrimonial correspondente à fracção, de 9.151.537$00, mas tendo sido atribuído um valor de 18.000.000$00 – cfr. fls. 26 a 37;
D) Da escritura referida em A, consta que para além da fracção letra «R», a Impugnante deu em dinheiro: 14.000.000$00 - cfr. escritura de fls. 26 a 37;
E) Na escritura referida em A consta que a Impugnante “confessa-se devedora ao BANCO, da importância de TRINTA E DOIS MILHÕES DE ESCUDOS, que neste acto dele recebem, a título de empréstimo, sendo a quantia de vinte e seis milhões de escudos, para aquisição de habitação própria permanente, e a quantia de seis milhões de escudos, para a realização de obras na mesma habitação...” – cfr. fls. 26 a 37;
F) A Impugnante pediu empréstimo bancário no valor de 32.000.000$00, sendo 26.000.000$00 para aquisição de habitação própria e 6.000.000$00 para realização de obras – cfr. fls. 26 a 37;
G) Em 03/11/1997, a Impugnante declarou pretender pagar SISA pela permuta declarando o valor de 14.000.000$00 – cfr. fls. 71 a 73;
H) Em 03/11/1997, a Impugnante solicitou o abatimento à SISA devida, da SISA paga pela aquisição do terreno aonde foi edificada a fracção «R», a que corresponde a permilagem de 193, paga em 27/09/1995, através do conhecimento de SISA 533, na quantia total de 2.700.000$00 – cfr. fls. 71;
I) A Comissão de Avaliação atribuiu, à fracção autónoma, designada pela letra «C», um valor de 27.828.000$00 – cfr. fls. 75;
J) A Administração Fiscal considera em despacho de 18/10/2000 que: “É do conhecimento deste Serviço de Finanças e é também do conhecimento comum, que no mercado de habitação da zona de Oeiras, designadamente nos locais onde se situam os imóveis permutados, os preços praticados por andares de quatro assoalhadas rondava os vinte e cinco milhões de escudos (para andares usados) e que pelas cinco assoalhadas, com arrecadação e garagem para três carros, eram pedidos pela firma B………, Limitada, mais de cinquenta milhões de escudos.
Assim, parece-nos que a quantia de vinte e seis milhões de escudos referida na escritura como destinada pela permutante para aquisição de habitação própria permanente é a que mais se aproxima da realidade.
Nos termos expostos, deve liquidar-se a sisa adicional tendo por base o valor de vinte e seis milhões de escudos indicados pela permutante como destinados à aquisição da habitação própria permanente” – cfr. fls. 23 e 24;
K) Em 19/10/2000, a 1ª Repartição de Finanças do Concelho de Oeiras procedeu à liquidação adicional de SISA nº 943, de 03//11/1997, da seguinte forma:
PERMUTA
Valor declarado: 14.000.000$00
Valor segundo a avaliação: 26.000.000$00
SISA ADICIONAL: 12.000.000$00
26.000.000$00 X 26%=6.760.000$00–4.749.000$00=2.011.000$0 = SISA devida
Art 39A: 2.700 000$00 x 193% ° = 521.100$00 (total)
Se 27.828 000$00 «=» 521.100$00
26.000 000 «=» x
x= 486.869$00
Sisa devida: 2.011.000$00
Art. 39A : 486.869$00
1.524.131$00
IMPOSTO DE SELO
(ARTIGO 50º DA TABELA)
12.000.000$00 x 8 = 96.000$00
Total: 1.620.131$00” - cfr. fls. 25;
L) Em 04/12/2000, a Impugnante foi notificada da avaliação efectuada ao 2º andar Esquerdo, fracção autónoma designada pela letra «R», do prédio urbano sito Norte de Oeiras, Zona ………, lote ………, Oeiras, que adquiriu a «B………, Lda.» e ao qual foi atribuído pela competente Comissão de Avaliação o valor de 27.828.000$00, e que deverá pagar SISA na quantia de 1.524.131$00 e Imposto do Selo (artigo 50º da Tabela anexa ao Código de Imposto de Selo) na quantia de 96.000$00 – cfr. fls. 93 a 95;
M) Em 28/03/2001, foram apresentados os presentes autos de impugnação – cfr. carimbo, a fls. 2.

3.1. Nos presentes autos foram impugnadas a liquidação da sisa nº 943, de 3/11/1997, no montante de 1.524.131$00 e a liquidação do Imposto de Selo de 96.000$00.
A sentença recorrida julgou a impugnação improcedente na parte que respeita à liquidação da sisa e procedente na parte que respeita à liquidação do imposto de selo.
Para tanto, e quanto a esta última liquidação, a sentença considera o seguinte:
- A impugnante invocou a não incidência de Imposto de Selo, por não estar prevista a permuta, nos termos do art. 50º da Tabela do Imposto de Selo, no qual se dispõe que incide imposto de selo sobre a “Compra e venda ou cessão onerosa de bens móveis ou imóveis, por auto ou termo judicial, por escrito particular ou por escritura ou instrumento notarial”.
- A permuta não é um contrato de compra e venda e não é uma cessão onerosa (a permuta ou troca é um contrato no qual os contraentes trocam entre si coisas da sua propriedade, com equivalência de valores; e ocorrem ainda permutas quando para acerto de diferenças de valor, haja necessidade de compensação monetária). E a cessão onerosa de bens imóveis é uma transmissão de direitos sobre imóveis, mas não é a transferência de propriedade que caracteriza a permuta.
- Pelo que, o contrato de permuta não está previsto na norma de incidência que é o art. 50º da Tabela Geral do Imposto de Selo.
- E dado que as normas de incidência não permitem interpretação analógica ou extensiva, é ilegal a liquidação do imposto de selo, na permuta aqui em causa.

3.2. É do assim decidido que a Fazenda Pública discorda, sustentando que com a permuta foram transmitidos direitos sobre imóveis e, nomeadamente, verificou-se a transferência (não gratuita) do direito de propriedade devendo, nessa medida e contrariamente ao decidido na sentença, considerar-se que a cessão do imóvel transmitido foi onerosa. Aliás, a sentença também entendeu que o negócio em causa estava sujeito a sisa, e este é um imposto que incide sobre as transmissões a título oneroso do direito de propriedade (ou de figuras parcelares desse direito) sobre imóveis; e no art. 8º do CSisa explicita-se que a troca está sujeita a sisa, em virtude do disposto no art. 2º (na redacção do DL 223/82, de 7/6).
Não havendo dúvidas quanto à natureza onerosa da cessão da propriedade a que os autos respeitam, e quanto ao facto de a permuta se caracterizar pela transmissão da propriedade, terá de concluir-se que o entendimento vertido na sentença deverá ser afastado, por o contrato de permuta estar também previsto no art. 50º da Tabela Geral do Imposto de Selo.
A questão a decidir é, portanto, a de saber se sobre a invocada permuta incide o imposto de selo liquidado.

4.1. Relembre-se que estamos perante a outorga de uma escritura pública de permuta (e empréstimo com hipoteca e fiança), outorgada em 6/11/1997, ou seja, no âmbito da vigência do Regulamento do Imposto de Selo (aprovado pelo DL nº 12700, de 20/11/1926) e da respectiva Tabela Geral.
Tendo a AT procedido à liquidação do imposto de selo, com fundamento no disposto no art. 50º dessa Tabela; de acordo com o qual (redacção do DL nº 136/78, de 12/6) o imposto de selo incidia sobre a compra e venda ou cessão onerosa de bens móveis ou imóveis, por auto ou termo judicial, por escrito particular ou por escritura ou instrumento notarial, à taxa de 7,5º/ºº que, tratando-se de imóveis, incidirá sobre o valor calculado segundo as regras aplicáveis à liquidação da sisa.
E a sentença recorrida anulou tal liquidação, no entendimento de que o contrato de permuta não está previsto nessa norma de incidência que é o art. 50º da Tabela Geral do Imposto de Selo, sendo que as normas de incidência não permitem interpretação analógica ou extensiva.
Não corroboramos, porém, este entendimento da sentença.

4.2. Por um lado, embora as normas que definem os elementos essenciais dos impostos não possam ser objecto de aplicação analógica, por a tal se oporem os princípios constitucionais da tipicidade e legalidade tributária, podem ser objecto de interpretação extensiva, (Cfr. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2ª ed. actualizada, Almedina, 1972, p. 208; bem como o ac. do STA, de 15/12/93, rec. n° 16105, Ap. DR, de 20/5/96, p. 4457.) sendo que, em termos de interpretação da lei, o próprio nº 1 do art. 11º da LGT impõe que «Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.»
Por outro lado, o contrato de permuta, sem regulamentação específica na actual lei civil, é um contrato atípico permitido pelo princípio da liberdade contratual (art. 480º do CCivil), sendo-lhe aplicáveis as disposições do contrato de compra e venda, com as necessárias adaptações, por força do estatuído no art. 939º do mesmo CCivil. Trata-se, portanto, de um contrato que «tal como a compra e venda, tem carácter bilateral, oneroso e determina a alienação ou oneração de bens, ou seja, tem também carácter real», de um contrato que «acaba por aglutinar os efeitos de dois recíprocos contratos de compra e venda em que o objecto mediato de um deles constitui, total ou parcialmente, a contrapartida económica em relação ao outro».
E tratando-se de contrato oneroso (que cai na alçada do referido art. 939º do CCivil), fica sujeito ao regime jurídico de compra e venda se, na troca, alguma parte (preço) for dada em dinheiro (como no caso dos autos sucedeu).
Como, citando Galvão Teles, referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra Editora, 1997, anotações ao art. 939º, pp. 235/236.) «as disposições sobre compra e venda devem alargar-se, em princípio, aos outros contratos onerosos de alienação ou oneração de bens, como a troca, a dação em pagamento, a hipoteca, etc.» sendo que «... a compra e venda pela sua importância e riqueza de aspectos, foi tomada como modelo dos contratos onerosos alienatórios» razão pela qual contratos como o de escambo ou troca deixaram de ser regulamentados, por ser inútil essa regulamentação, bastando, caso seja necessário, em função da sua específica natureza, adaptar as normas legais consignadas para a compra e venda, embora o seu efeito definidor consista na «ausência de qualquer objecto monetário que no contrato desempenhe a função de meio de pagamento, isto é, na ausência de qualquer objecto que se possa qualificar como preço». (Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II, Conteúdo, Contratos de Troca, Almedina, Coimbra, 2007, p. 132.)
E tal como o contrato de compra e venda, o contrato de permuta é um contrato real quoad effectum: a transferência da propriedade ocorre por mero efeito do contrato (arts. 408º, nº 1, 879º, alínea a) e 939º do CCivil; cfr. também o ac. do STJ, de 5/7/2007, rec. nº 07B2009).
Assim, sendo o contrato de permuta em análise um contrato oneroso, por via do qual se operou a transmissão da propriedade dos imóveis, sempre seria de concluir que está previsto na norma de incidência do art. 50º da TGIS, então vigente (na redacção do art. 33º da Lei nº 52-C/96, de 27/12) e anexa ao Regulamento do Imposto do Selo. Efectivamente, como sustentam o MP e a recorrente, estamos perante uma cessão (ainda que simultânea, uma vez que a recorrida cede o seu prédio urbano e recebe um outro prédio - cedido pela sociedade B………, Lda.), onerosa, efectuada por meio de escritura pública e, portanto, sujeita a imposto de selo de acordo com a previsão do art. 50º da Tabela.
E com ou sem dinheiro para igualar os valores ou bens trocados, haverá sempre de liquidar-se imposto de selo, a não ser que sejam iguais os valores declarados e os da matriz, pois que, nesse caso, não haverá matéria colectável nem para o imposto de sisa nem para o imposto de selo. ( Cfr. Mouteira Guerreiro e Assis Ferreira, Imposto do Selo (Regulamento e Tabela), Atlântida Editora, Coimbra, 1973, 5ª ed., notas ao art. 167º da Tabela, p. 464.)
Como (embora relativamente ao Código de Seabra) apontava Vítor Faveiro, ( Manual do Imposto do Selo, Coimbra Editora, 1945, pp. 357 e 358.) apesar de a «característica fundamental da compra e venda consistir no facto de a contraprestação ser constituída por um preço em dinheiro, nada impede que os contraentes estipulem a cessão definitiva de um para o outro, do direito sobre uma coisa, a troco de uma contraprestação constituída não em dinheiro mas sim em serviços, géneros, alfaias, ou outros valores por vezes susceptíveis de maior estima que o próprio dinheiro» e em tais casos, «há amplamente uma cessão de bens, cessão que é onerosa, visto lhe corresponder uma contrapartida em valores jurídicos. Consequentemente, a expressão “cessão onerosa de bens” abrange genericamente toda a espécie de cessão, incluindo a compra e venda e incluindo a cessão onerosa de créditos ou qualquer outra prevista especialmente na lei civil ou comercial.»
Eis porque «o alcance da tributação do artigo 50º da Tabela é maior do que inicialmente parece, pois incide sobre todo e qualquer acto em que haja cessão onerosa de bens mobiliários ou imobiliários (Não há que distinguir, como faz a tabela, entre bens e direitos pois nos termos dos artigos 375º e seguintes e designadamente do artigo 377º os direitos estão incluídos na designação legal de coisas ou de bens. Mas a distinção da tabela também é meramente gramatical) desde que se verifiquem as legais condições de forma
Veja-se, aliás, que, relativamente ao actual Código do Imposto de Selo (aprovado pela Lei nº 150/99, de 11/9) as permutas ou trocas de bens imóveis se configuram como aquisições onerosas, sujeitas, por conseguinte, ao selo da Verba nº 1 da respectiva Tabela Geral e sendo a matéria colectável também determinada nos termos do CSisa (enquanto o mesmo esteve em vigor e por força do direito transitório constante do nº 4 do art. 3º da citada Lei nº 150/99). Ou seja, deixou de estar prevista, de forma especial, a tributação do contrato de permuta, remetendo-se apenas para a mencionada regra geral da Verba 1 da Tabela.
E acresce, ainda, como alega a recorrente, que uma vez a sentença recorrida concluiu que o negócio em questão estava sujeito a sisa (imposto que incide sobre as transmissões a título oneroso do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito – cfr. art. 2º do CSisa), também deveria, consequentemente, chegar à conclusão de que estamos em presença de um contrato de cessão de direitos sobre o imóvel, a título oneroso.
De todo o modo, além da norma geral de incidência (constante do art. 50º da Tabela), sempre a sujeição ao imposto decorrerá da própria norma especial constante do art. 167º da mesma Tabela, que contempla, igualmente, o cálculo do valor sobre que incide a respectiva taxa, aliás, de forma idêntica à que consta do referido art. 50º da Tabela, sendo que, no caso, a liquidação foi efectuada apenas com base na matéria tributável correspondente à diferença entre valores patrimoniais (que serviu de base à liquidação da sisa), como determinam quer o art. 50º, quer o art. 167º da Tabela.
Neste contexto, a sentença recorrida enferma, portanto, do erro de julgamento que lhe é imputado pela recorrente, impondo-se a sua revogação (na parte em que vem impugnada) e a consequente manutenção da questionada liquidação do Imposto de Selo na ordem jurídica.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença, na parte em que vem recorrida e, consequentemente, julgar improcedente a impugnação da sindicada liquidação do imposto de selo.
Custas pela recorrida, apenas em 1ª instância, dado que não contra-alegou no recurso.
Lisboa, 6 de Março de 2013. - Casimiro Gonçalves (relator) - Ascensão Lopes - Fernanda Maçãs.