Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01249/12.9BELSB
Data do Acordão:10/31/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:ERRO NOS PRESSUPOSTOS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25106
Nº do Documento:SA12019103101249/12
Data de Entrada:12/20/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:CM DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

1. RELATÓRIO

A…………, devidamente identificado nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC), a presente acção administrativa especial contra a Câmara Municipal de Lisboa, com sede nos Paços do Concelho, Praça do Município, em Lisboa, pedindo a declaração de nulidade ou inexistência do acto administrativo praticado pelo R., como seja: “o despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial, de 7/2/2012, que lhe foi notificado, na qualidade de herdeiro de B……….., proprietário do imóvel sito na Travessa ……….., …., em Lisboa, à data da notificação da posse administrativa, para pagar a factura nº 40000111397, no montante de €90.637,72 correspondente ao custo da obra coerciva sito no local referido, realizada pelo Município de Lisboa”.
*
Por sentença do TAC de Lisboa, proferida em 28 de Junho de 2018 foi julgada a acção administrativa especial improcedente, e, em consequência, absolvida a Ré da instância.
*
O Autor apelou para o TCA Sul e este, por decisão datada de 08 de Novembro de 2018, negou provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a decisão recorrida.
*
O Autor, inconformado, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
“A - O recorrente vem pedir, na presente acção, a nulidade ou inexistência do acto administrativo praticado pela recorrida, por vício de violação da lei, invocando que não é herdeiro de B………….
B - O recorrente invocou, e provou, que não é herdeiro de B……….. – vide a alínea E) da matéria dada como provada.
C - O acto administrativo, de que se pede a nulidade ou inexistência, notifica o recorrente na qualidade de herdeiro de B…………, e unicamente na qualidade de herdeiro de B………….
D - Ambas as instâncias fizeram tábua rasa destes factos, violando grosseiramente tanto a lei substantiva como processual.
E - Mostra-se pois absolutamente necessária a admissão desta revista para melhor aplicação do direito uma vez que as instâncias trataram a matéria que lhes foi submetida pelo recorrente de forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável, sendo objetivamente útil a intervenção deste Supremo Tribunal Administrativo na qualidade de órgão de regulação do sistema, nos termos do artigo 150.º do CPTA.
F - Ao contrário do que a sentença expõe, e o acórdão confirma, o recorrente vem pedir a nulidade ou inexistência do acto administrativo praticado pela R., não só invocando a prescrição do crédito cobrado pela R., mas, antes disso, invocando que não é herdeiro de B………….
G - O seu pedido compreende a declaração de nulidade ou inexistência do acto administrativo praticado pela recorrida, como seja o despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial, de 7 de Fevereiro de 2012, que lhe foi notificado, na qualidade de herdeiro de B…………, proprietário do imóvel sito na Travessa ………….., ….. em Lisboa à data da notificação da posse administrativa, para pagar a factura nº 40000111397, no montante de 90.637,72€ correspondente ao custo da obra coerciva sito no local referido, realizada pelo Município de Lisboa, ao abrigo do artigo 42º, nº 1, alínea b) III) do Decreto-Lei nº 794/76 de 5 de Novembro e por força da declaração da área crítica de recuperação e reconversão urbanística, publicada no Decreto Regulamentar nº 32/91 de 6 de Junho.
H - A sentença, ao contrário do defendido no acórdão em crise, nem sequer aborda este essencial facto, referindo expressamente que o recorrido, relativamente ao pedido de nulidade do despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial de 7/2/2012, não alega qualquer vício imputável a este despacho.
I - O recorrente invocou, e provou, que não é herdeiro de B………...
K - A nulidade da sentença por omissão de pronúncia acontece quando esta deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes.
L - Ao não conhecer da questão invocada pelo recorrente de que não era herdeiro de B…………, que constituía uma questão prévia à outra questão tratada na sentença recorrida, e determinante para a correcta e justa composição do litígio, o tribunal a quo violou irremediavelmente o artigo 615º, nº 1, alínea d) do C.P.C.
M - Embora a sentença não tenha conhecido do facto invocado pelo recorrido, de que não é herdeiro de B…………, incluiu-o na matéria que considerou provada.
N - A sentença, na sua fundamentação fáctico-jurídica, dá como provado que B…………. foi notificado em 25/9/1991 da posse administrativa e do valor máximo para a realização das obras coercivas, que o recorrente não é herdeiro de B……… mas sim de C…………. que, por sua vez, o herdou de sua mulher D…………. e que, por último, foi este notificado do despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial, de 7/2/2012, na qualidade de herdeiro de B…………, para pagar a factura nº 40000111397, no montante de € 90.637,72.
O - Mas mesmo com esta matéria dada como provada, decidiu julgar improcedente a acção e, em consequência, absolver a recorrente do pedido, o que implica uma contradição entre os fundamentos e a decisão, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., que o acórdão não reconhece, uma vez que os fundamentos referidos pelo tribunal conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto, ou seja na procedência da acção, declarando-se nulo o despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial, de 7/2/2012.
P - Se o recorrente não é herdeiro de B…………, não pode ser obrigado a pagar a factura nº 40000111397, no montante de € 90.637,72, violando deste modo o tribunal irremediavelmente o artigo 615, nº 1, alínea c) do C.P.C.
Q – B………… foi notificado, em 25/9/1991 da posse administrativa do prédio sito na Travessa …………, nº ….. em Lisboa, e do valor máximo para a realização das obras coercivas.
R - O recorrente foi notificado, na qualidade de herdeiro de B……….., do despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial, de 7/2/2012, para pagar a factura nº 40000111397, no montante de € 90.637,72.
S - O recorrente não é herdeiro de B………….
T - Nos termos do artigo 2068º do C.C., a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido. Sendo que é responsabilidade do herdeiro os encargos, conforme estipula o artigo 2071º do C.C.
U – Não sendo o recorrente herdeiro de B…………, não tem qualquer responsabilidade no pagamento das dívidas deste.
V - O despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial, de 7 de Fevereiro de 2012, que foi notificado ao recorrente, na qualidade de herdeiro de B…………, proprietário do imóvel sito na Travessa …………., …. em Lisboa à data da notificação da posse administrativa, para pagar a factura n.º 40000111397, no montante de 90.637,72€ correspondente ao custo da obra coerciva sito no local referido, realizada pelo Município de Lisboa, ao abrigo do artigo 42º, nº 1, alínea b) III) do Decreto-Lei nº 794/76 de 5 de Novembro e por força da declaração da área crítica de recuperação e reconversão urbanística, publicada no Decreto Regulamentar nº 32/91 de 6 de Junho, está ferido de nulidade nos termos do artigo 161º do C.P.A., por vício de violação da lei.
W - Pediu o recorrente, nos presentes autos, que fosse declarada a nulidade ou inexistência do acto administrativo praticado pela recorrida, como seja o despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial, de 7 de Fevereiro de 2012, que foi notificado ao recorrente, na qualidade de herdeiro de B…………, proprietário do imóvel sito na Travessa ………, ….. em Lisboa à data da notificação da posse administrativa, para pagar a factura nº 40000111397, no montante de 90.637,72€ correspondente ao custo da obra coerciva sito no local referido, realizada pelo Município de Lisboa, ao abrigo do artigo 42º nº 1, alínea b) III) do Decreto-Lei nº 794/76 de 5 de Novembro e por força da declaração da área crítica de recuperação e reconversão urbanística, publicada no Decreto Regulamentar nº 32/91 de 6 de Junho.
X - Encontrando-se provado nos autos que o recorrente não é herdeiro de B…………, deveria a presente acção ter sido julgada procedente por provada, com a declaração de nulidade do despacho objecto dos presentes autos.
Y - Dispõe o artigo 108º do Decreto-lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, no qual o aludido despacho ferido de nulidade assenta, que as despesas que a Administração tenha de suportar são da conta do infractor. Só que o recorrido não é o infractor nem herdeiro do infractor.
Z - O acórdão recorrido refere mais de uma vez que não alega o recorrente qualquer vício imputável ao despacho que consubstancia o acto administrativo.
AA - Logo no artigo 2º da sua petição inicial, o recorrente invoca que não é herdeiro de B………….
BB - O acto administrativo que o recorrente pede que seja declarado nulo ou inexistente é o despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial, de 7 de Fevereiro de 2012, que lhe foi notificado, na qualidade de herdeiro de B…………, proprietário do imóvel sito na Travessa …………, ….. em Lisboa à data da notificação da posse administrativa, para pagar a factura n.º 40000111397, no montante de 90.637,72€ correspondente ao custo da obra coerciva sito no local referido, realizada pelo Município de Lisboa, ao abrigo do artigo 42º, nº 1, alínea b) III) do Decreto-Lei nº 794/76 de 5 de Novembro e por força da declaração da área crítica de recuperação e reconversão urbanística, publicada no Decreto Regulamentar nº 32/91 de 6 de Junho.
CC - O vício que invalida o acto é a violação da lei, sendo que tendo sido alegado o facto é ao tribunal que cabe a interpretação e aplicação da lei.
DD - Decidindo a 1ª instância, incompreensivelmente porque contra todas as regras básicas do direito, mesmo com toda a matéria dada como provada, julgar improcedente a acção e, em consequência, absolver a recorrida do pedido; e o tribunal de 2.ª instância, incompreensivelmente porque contra todas as regras básicas do direito, confirmar esta decisão, foi indubitavelmente violada a lei, nomeadamente os artigos 2068º e 2071º do C.C., a contrario, e o artigo 1108º do Decreto-lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, igualmente a contrario.
EE - Não é por ser proprietário do prédio objecto de obras coercivas que o recorrente se transformaria em devedor da CML, mas sim se fosse o herdeiro do proprietário à data da execução das obras coercivas, uma vez que esta dívida não se transmite pela propriedade. Logo, ser o actual proprietário (que até nem é, nem o era à data da notificação de 22.02.2012, aliás como o alega na sua P.I.) ou não, não releva para o caso em apreciação.
FF - O recorrente foi notificado pela CML na qualidade de herdeiro de B……….. e nunca como proprietário do prédio, pelo que não corresponde à verdade que a notificação e a factura indiquem a pessoa do A. como actual proprietário, ao contrário do ínsito no acórdão em crise; notificam-no sim como herdeiro de B………., que não é.
GG - Com esta decisão, violou o tribunal a quo o artigo 615º nº 1, alínea d) do C.P.C., os artigos 2068.º e 2071.º do C.C., a contrario, bem como o artigo 161º do C.P.A. e o artigo 1108º do Decreto-lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, igualmente a contrario».
*
A recorrida, Câmara Municipal de Lisboa, contra-alegou, sem formular conclusões, no sentido da não admissão do recurso de revista, porquanto, em seu entender, não se encontrarem preenchidos os requisitos constantes do nº 1, do art.º 150.º, do CPTA, ou, se assim não for entendido, por não haver qualquer oposição entre a decisão e os fundamentos, não existir erro de julgamento, nem tão pouco violação da lei substantiva, terminando pedindo que o recurso seja julgado improcedente e, em consequência, ser mantido o acórdão recorrido.
*
O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artº 150º do CPTA], proferido em 27 de Novembro de 2018.
*
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 146º, nº 1 do CPTA, não se pronunciou.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte:
A) Foi instaurado o processo de intimação n° 401/83, no âmbito do qual a R. tomou posse administrativa do imóvel sito na Travessa …………, n° …., em Lisboa, com vista à execução das obras a que se referem empreitadas n°10/BA/91 e de Instalação Eléctrica - cfr processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
B) B………… foi notificado em 25/9/1991 da posse administrativa e do valor máximo para a realização das obras coercivas - cfr. docs. 4 e 5, juntos com a p.i, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
C) A execução dos trabalhos decorreu no período compreendido entre 31 de Dezembro de 1991 e a data da recepção provisória em 27/9/1994 - cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D) À data da posse administrativa e das obras coercivas o prédio encontrava-se arrendado - cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
E) O A. não é herdeiro de B………… mas sim de C………… que, por sua vez, o herdou de sua mulher D………… - cfr. docs. 2 e 3, juntos com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
F) Em 22/2/2012, o A. foi notificado do despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial, de 7/2/2012, para pagar a factura nº 40000111397, no montante de €90.637,72 - cfr. doc. 1, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
*
2.2. O DIREITO.

O Acórdão recorrido, para julgar improcedente o recurso interposto pelo AUTOR e manter a Sentença do TAF, ponderou, o seguinte, depois de julgar que não se verificavam as nulidades imputadas à decisão de 1ª instância.
“(…)”
«Do erro de julgamento.
Deriva o mesmo, segundo o recorrente (vide conclusões J a S) – do facto de ele não ser herdeiro de B………… e, por isso, não poder ser obrigado a pagar a factura n° 40000111397, no montante de € 90,637,72 já que foi o dito B………… que foi notificado, em 25/9/1991, da posse administrativa do prédio sito na Travessa …………, n° ….. em Lisboa, e do valor máximo para a realização das obras coercivas.
Donde que, aduz o recorrente, como foi notificado, na qualidade de herdeiro de B…………, do despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial, de 7/2/2012, para pagar a factura n°40000111397, no montante de €90,637,72, há que atentar no disposto no artigo 2068° do C.C. por força do qual é a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido, sendo que é responsabilidade do herdeiro os encargos conforme estipula o artigo 2071° do C.C. e, como o A. não é herdeiro de B…………, não tem qualquer responsabilidade no pagamento das dívidas deste.
Daí que conclua que o despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial, de 7 de Fevereiro de 2012, que foi notificado ao A., na qualidade de herdeiro de B…………, proprietário do imóvel sito na Travessa ……….., ….. em Lisboa à data da notificação da posse administrativa, para pagar a factura n°40000111397, no montante de 90.637,72€ correspondente ao custo da obra coerciva sito no local referido, realizada pelo Município de Lisboa, ao abrigo do artigo 42°, n°1, alínea b) IIl) do Decreto-lei n° 794/76 de 5 de Novembro e por força da declaração da área critica de recuperação e reconversão urbanística, publicada no Decreto Regulamentar n° 32/91 de 6 de Junho, está ferido de nulidade sendo que o A., pediu nos presentes autos, que fosse declarada a nulidade ou inexistência do acto administrativo praticado pela R. já que dispõe o artigo 108° do Decreto-lei n°555/99, de 16 de Dezembro, no qual o aludido despacho ferido de nulidade assenta, que as despesas que a Administração tenha de suportar são da conta do infractor. Só que o A. não é o infractor nem herdeiro do infractor.
Com esta decisão, violou o tribunal a quo os artigos 2068° e 2071° do C.C., a contrario, bem como o artigo 161° do C.P.A. e o artigo 108° do Decreto-lei n° 555/99, de 16 de Dezembro, igualmente a contrario.
Quid juris?
Ante omnia, o ora Recorrente não alega nem densifica qualquer vício imputável ao despacho supra referido em nenhum dos 9 (nove) artigos que compõe a PI apresentada por este, limitando-se a pedir a declaração de nulidade e/ou inexistência do acto administrativo por referência ao art° 133º do CPA. E a nulidade/inexistência é a consequência e não o vício de invalidade do acto.
De resto, na PI o A. não suscitara a questão de a nulidade radicar no artigo 108° do Decreto-lei n°555/99, de 16 de Dezembro, no qual o aludido despacho ferido de nulidade assenta, dado serem as despesas que a Administração tenha de suportar da conta do infractor e o A. não é o infractor nem herdeiro do infractor.
Assim sendo, não pode afirmar-se que a decisão do tribunal a quo violou os artigos 2068° e 2071° do CC, a contrario, bem como o artigo 161° do CPA e o artigo 108° do Decreto-lei n° 555/99, de 16 de Dezembro, igualmente a contrario.
Ademais, não se alcança da p.i. que a matéria vertida nas referidas conclusões haja sido alegada, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo tribunal a quo, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada constituindo, inequivocamente, uma questão que não é de conhecimento oficioso.
Vigora o princípio, acolhido dominantemente pela jurisprudência, de que os recursos são meios de obter a reforma das decisões dos tribunais inferiores pelo que o seu objecto tem de cingir-se em regra à parte dispositiva destas (art° 635°, n° 2, do CPC), encontrando-se, portanto, objectivamente delimitado pelas questões postas ao tribunal recorrido.
(…)
No nosso ordenamento jurídico é sobre o recorrente que impende o ónus de alegar e concluir (cfr. art° 635º do CPC), não podendo suscitar questões novas, não enunciadas na petição inicial apresentada no TT 1ª Instância, sendo que, notoriamente, não foram arguidas nulidades de conhecimento oficioso nem das elencadas no art° 615º do CPC e o recurso jurisdicional visa a apreciação da legalidade da sentença com fundamento na imputação de nulidades ou de erros de julgamento sobre a matéria de facto e /ou de direito e não a apreciação em 1º grau de jurisdição de questão nova que não tenha sido submetida ao veredicto do Tribunal de 1ª Instância.
Como se disse, é pacificamente entendido, que os recursos jurisdicionais têm por objecto a apreciação de decisões da mesma natureza proferidas por Tribunais de grau hierárquico inferior, visando a respectiva anulação ou revogação, por vícios de forma ou de fundo.
Significa isto que nos recursos jurisdicionais não é possível fazer a apreciação de quaisquer questões que sejam novas, isto é, que não tenham sido colocadas à apreciação do Tribunal "a quo", salvo quando o seu conhecimento seja imposto por lei.
No caso vertente, o recorrente suscita a referida questão (a tentativa de concretização do "vício" gerador de nulidade/inexistência), posta apenas em sede de recurso; ou seja, tal questão foi suscitada apenas perante o Tribunal «ad quem», já que não foi invocada perante o Tribunal «a quo».
Infere-se das conclusões alegatórias, pois, que - no segmento em análise - o recorrente aduz questão nova que não foi nem poderia ter sido considerada na sentença recorrida.
Assim, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que a questão suscitada nas conclusões alegatórias excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
De todo o modo, afigura-se-nos que apesar de alegar que não é o herdeiro de B…………, proprietário do imóvel sito na Travessa …………, ….. em Lisboa à data da notificação da posse administrativa, o A. faz por ignorar que a notificação e a factura formalizados pelo Doc. nº 1 que juntou com, indicam a pessoa do A. como o actual proprietário, e foi consignado no probatório o era, o que afasta a sua tese da "nulidade"/"inexistência" do acto.
Ademais, consta do doc. nº 2 junto com a PI que foi registada, mediante a Ap. 4 de 18/06/2008, a aquisição do imóvel em causa pelo A. por sucessão hereditária (ver também o Doc. n°3), portanto, em data muito anterior à da notificação e à da emissão da factura (ambas de 16/02/2012), pelo que não se coloca qualquer problema quanto à sua legitimidade que, em tese, seria gerador de nulidade por falta de um requisito essencial (cfr. art. 133° 1 e 2 c) CPA).
A essa luz e tendo em conta que o registo tem natureza meramente declarativa, a transmissão da propriedade fez-se mortis causa e, não sendo o registo Predial transmissivo da titularidade, apenas releva para efeitos de publicitação perante terceiros (cfr. art° 1° do C.Reg.Pred.).
Certo, porém, que da concatenação dos artigos 2068° e 2071° do C.C., resulta que pelos encargos da herança é responsável o herdeiro embora essa responsabilidade se limite às forças da herança, cujo âmbito se encontra descrito nas diversas alíneas do art° 2069° do CC.
Logo, não há qualquer incerteza quanto ao facto de o A. não alegar qualquer vício imputável ao despacho, sendo questão nova o enquadramento que o A. intenta no seu recurso a tal propósito.
E como o recorrente deixou cair a questão da prescrição do direito do R. de cobrar o valor da factura sobre a qual a sentença transitou em julgado (cfr art°s 619° e 580° do CPC), na improcedência do recurso, deve manter-se a sentença recorrida».
*
Vejamos do acerto da decisão do acórdão recorrido, tendo em consideração as conclusões de recurso apresentadas pelo autor/recorrente:
E nestas começa-se por apontar 2 omissões de pronuncia ao acórdão recorrido (i) omissão de pronúncia e (ii) nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.
Quanto à 1ª nulidade, prevista no artº 615º, nº 1, al. d) do CPC, alega o recorrente que desde a petição inicial vem peticionando a nulidade ou inexistência do acto impugnado invocando, para além da prescrição do crédito, que sempre alegou que não era herdeiro de B………… e que tal questão não foi conhecida pelo Acórdão recorrido.
Porém, não foi isso que sucedeu, uma vez que o tribunal recorrido identificou a questão, desconsiderando-a, por a considerar uma pretensa questão e, ao mesmo tempo por considerar que o autor/recorrente não assacou ao acto impugnado qualquer invalidade que conduzisse à nulidade ou inexistência requeridas; e todo o mais que foi acrescentando ao longo das peças processuais que foi trazendo aos autos, configurava questão nova que o tribunal recorrido entendeu não poder conhecer.
Assim, é possível afirmar desde logo, que independentemente da decisão de mérito que vier a ser tomada quanto ao apontado erro de julgamento, a verdade é que não existe omissão de pronúncia, pois bem ou mal o tribunal recorrido pronunciou-se sobre esta questão.
*
E o mesmo se dirá acerca da nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão; com efeito, o facto de se ter dado como provado que B………… foi notificado em 25.09.1991, da posse administrativa e do valor máximo para a realização das obras coercivas, que o recorrente não é herdeiro de B…………, mas sim de C…………, e que, por último, foi o ora recorrente que foi notificado do Despacho do Director Municipal da Unidade de Coordenação Territorial, na qualidade de herdeiro de B…………, para pagar o montante de 90.637,72€ e mesmo perante esta factualidade, o acórdão recorrido decidiu julgar a acção improcedente, consignado mais uma vez que nenhum vício foi assacado ao acto impugnado, quando a deveria ter julgado procedente [na óptica do recorrente], ainda assim, não se verifica a nulidade imputada, mas eventual erro de julgamento, o que veremos de seguida.
*
DO ERRO DE JULGAMENTO:
Nesta sede recursiva, continua o recorrente a alegar que tendo sido notificado através do acto impugnado para proceder ao pagamento de obras coercivas levadas a efeito pela Câmara Municipal de Lisboa, na qualidade de herdeiro de B…………, quando nunca foi herdeiro do mesmo, não tem por isso de proceder a qualquer pagamento, pois não se lhe aplicam o disposto nos artºs 2068º e 2071º do Código Civil.
E continua afirmando que o acto está ferido de nulidade.
O acórdão recorrido começa por referir que o recorrente na sua petição inicial, se limita a pedir a nulidade ou inexistência do acto, sem que densifique qualquer vício ao acto; por outro lado, também se afirma no acórdão recorrido que para o tribunal de apelação não podem suscitar-se questões novas e se tal foi feito, não podem as mesmas ser conhecidas.
Ora, antes de mais, importa referir que a questão da prescrição se mostra decidida, com caso julgado formal, uma vez que o recorrente deixou cair tal questão em sede de recurso.
Logo, o que apenas importa decidir consiste no facto de o recorrente sempre ter alegado que foi notificado na qualidade de herdeiro de um anterior proprietário do prédio, e se ter dado como provado que essa qualidade nunca existiu, pois nunca foi herdeiro desse pretérito «dominus».
Assim é neste enquadramento que a questão tem de ser tratada e decidida.
E como resulta da factualidade provada, o recorrente tem razão quando invoca que nunca foi herdeiro de B…………, pelo que o disposto no capítulo VI – Encargos da herança – cfr. artºs 2068º a 2074º do Código Civil - nunca lhe poderão ser aplicados.
E assim sendo, temos desde logo, um vício imputado ao acto impugnado, que é [ao contrário do decidido nas instâncias, maxime no acórdão recorrido] um vício gerador de anulabilidade do acto em questão.
Vejamos, no entanto, se este vício releva ou não nos presentes autos.
O dever de conservação que impende sobre os proprietários dos imóveis consta do artº 89º do DL 555/99 de 16.12 mesmo na sua redacção actual [RJUE], podendo a câmara municipal a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança, podendo também ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruir ou ofereçam perigo para a segurança das pessoas. Para que tais determinações municipais possam ser cumpridas, importa determinar e fazer cumprir os trâmites previstos na lei.
Daí que, quando o proprietário não inicie as obras que lhe sejam determinadas ou não as conclua nos prazos que para o efeito lhe for fixado, pode a câmara municipal tomar posse administrativa do imóvel para lhes dar execução imediata, ou seja, para realizar as obras em falta (não iniciadas ou não concluídas), conforme o previsto nos artºs 107º e 108 do referido diploma, ou seja, podendo ser determinada a posse administrativa do imóvel a fim de o Município executar as obras necessárias e sendo as quantias despendidas pelo Município com tais obras suportadas pelo infractor através de cobrança judicial em processo de execução fiscal, caso este não as pague voluntariamente.
De acordo com o disposto no artº 108º [despesas realizadas em execução coerciva] do DL nº 555/99 de 16/12, as despesas realizadas nos termos no artº 107º [posse administrativa e execução coerciva] incluindo quaisquer indemnizações ou sanções pecuniárias que a administração tenha de suportar para o efeito, são de conta do infractor; por sua vez, o artº 107º refere expressamente que «o acto administrativo que tiver determinado a posse administrativa é notificado ao dono da obra e aos demais titulares de direitos reais sobre o imóvel por carta registada com aviso de recepção».
Esta redacção manteve-se no DL nº 136/2014 de 09.09 e DL nº 66/2019 de 21.05 não havendo alterações significativas digno de registo, no que a este aspecto concerne.
Seguindo a letra da lei, é nosso entendimento que só o proprietário, enquanto infractor deverá suportar o custo das obras, pois foi ele o notificado dos procedimentos anteriores até se chegar à posse administrativa; porém, também o poderá ser quem legitima e hereditariamente lhe sucedeu, aplicando neste caso o disposto nos artº supra citados do C.C. relativos aos encargos da herança, desde que tenha havido aceitação da mesma.
Por outro lado, mesmo considerando que estamos perante uma obrigação «ob rem» ou «propter rem» que impende sobre o proprietário actual, ainda assim, no caso concreto, o acto impugnado pelo autor/recorrente padece de erro nos pressupostos, uma vez que, ele não foi notificado para proceder ao pagamento na qualidade de proprietário do prédio, mas sim na qualidade de herdeiro de B…………, quando se mostra dado como assente que nunca foi herdeiro deste último.
Com isto, não significa que o autor/recorrente não tenha de pagar a dívida em falta; só que nunca o poderá fazer à luz do acto impugnado, pois o mesmo sofre de um erro nos seus pressupostos de facto, que não se mostra sanado e que por isso conduz à sua anulabilidade.
E assim sendo, importa fazer proceder o recurso, com a consequente revogação do acórdão recorrido e julgar a acção procedente, por verificação de erro nos pressupostos de facto do acto impugnado.
*
DECISÃO
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em:
a) Conceder provimento ao recurso.
b) Revogar a decisão recorrida.
c) Julgar procedente a acção administrativa especial intentada pelo autor/recorrente.
Custas a cargo da recorrida.

Lisboa, 31 de Outubro de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Ana Paula da Fonseca Lobo – José Augusto Araújo Veloso.