Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02/00.7BTLSB
Data do Acordão:03/21/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
ABANDONO
Sumário:I – Resulta do art.º 281.º, n.º 1, do CPC, que a deserção da instância constitui uma sanção imposta à parte que tem o ónus de promover ou impulsionar os termos do processo e que, por negligência, o não faz, determinando a sua paragem por mais de 6 meses.
II – Logo que decorrido o prazo de suspensão da instância que fora concedido depois de terminar a fase dos articulados para as partes ultimarem um acordo, ocorre, nos termos do art.º 276.º, n.º 1, al. c), do CPC, a cessação dessa suspensão, devendo o processo retomar o seu curso normal.
III – Assim, porque após o decurso do prazo de suspensão da instância o processo não se encontrava a aguardar o impulso processual das partes, não se verifica um dos requisitos para que se possa declarar a deserção da instância.
Nº Convencional:JSTA000P24352
Nº do Documento:SA12019032102/00
Data de Entrada:10/23/2018
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE SESIMBRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


1. “A………………, Lda.”, com sede em …………., Sesimbra, intentou, contra o Município de Sesimbra, acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação deste a pagar-lhe o montante de ESC. 78.993.906$00 – “a actualizar desde a data da realização das despesas e encargos indicados até à data do seu efectivo pagamento, de acordo com os índices de preços do consumidor publicados pelo INE” – e das quantias a liquidar em execução de sentença, actualizadas, até ao seu efectivo pagamento, relativas aos lucros cessantes e a prejuízos e encargos, acrescidas dos juros de mora, contados à taxa legal, desde o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida.
Por despacho de 25/6/2018, o Sr. Juiz do TAC de Lisboa, ao abrigo do n.º 1 do art.º 281.º do CPC, julgou extinta a instância e determinou o arquivamento dos autos.
Deste despacho, a A. interpôs recurso para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
“1.ª Vem o presente recurso interposto da sentença datada de 25 de Junho de 2018, proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou extinta a instância por deserção, nos termos do art.º 281.º, n.º 1 do CPC, determinando o arquivamento dos presentes autos.
2.ª A presente instância foi suspensa por despacho de 23 de Abril de 2007, suspensão essa que foi sucessivamente renovada pelos despachos de 30 de Setembro de 2014, de 2 de Fevereiro de 2015, de 26 de Abril de 2016 e de 6 de Fevereiro de 2017.
3.ª Tal suspensão deveu-se ao facto de, a 17 de Março de 2003, ter sido celebrado um Acordo para a resolução do diferendo entre o Estado Português, o Município de Sesimbra, Réu nos presentes autos, a ora recorrente e a B……………….., S.A., nos termos do qual foi acordada a suspensão da instância de todos os processos judiciais em curso relativamente ao litígio que opunha as partes a propósito do caso …………., pelo prazo necessário à execução de tal Acordo (cfr. documento junto aos autos como documento n.º 1 anexo ao requerimento de suspensão da instância apresentado pela ora recorrente em 4 de Abril de 2007), não tendo ainda o mesmo sido plenamente executado, mantendo-se, assim, as razões que determinaram a suspensão da instância.
4.ª A sentença ora recorrida entendeu julgar extinta a instância por deserção, uma vez que “após o último período de suspensão concedido (seis meses), decorreram mais de dez meses sem que nada tenha sido informado ou requerido pelas partes”, olvidando que não pode ser determinada a aplicação da estatuição do n.º 1 do art.º 281.º do CPC, porquanto o ónus de impulso processual, decorrido o prazo de suspensão da instância, cabia ao tribunal e não às partes.
5.ª O que devia ter sucedido no termo do prazo de suspensão do processo era o tribunal ordenar o prosseguimento dos autos, agendando os actos processuais subsequentes, o que o tribunal não logrou fazer, uma vez que não havia nenhum acto processual que devesse ser exclusivamente praticado por alguma das partes, cuja ausência de prática determinasse a verificação do pressuposto material do art.º 281.º, n.º 1 do CPC.
6.ª Com efeito, no presente caso, não estamos sequer perante uma situação de falta de impulso processual devido pelas partes, mas cuja falta não lhes é imputável, mas antes perante uma situação em que nem era sequer devido qualquer impulso processual pelas partes, não podendo ser decretada a deserção da instância (cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 20/10/2014, proc. n.º 189/13.9TJPRT.P1 e Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte de 4/10/2017, proc. n.º 00132/13.5BEBRG, disponíveis em www.dgsi.pt).
7.ª A isto acresce que, em todo o caso, ainda que estivesse verificada a previsão do art.º 281.º, n.º 1 do CPC, o que não se concede e apenas a benefício de raciocínio se admite, não poderia o tribunal julgar extinta a instância por deserção sem prévia audição das partes à semelhança, aliás, do que ocorreu no termo do prazo das anteriores suspensões, em que as partes foram notificadas para informarem ou requererem o que tivessem por conveniente, por força do disposto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC, por forma a apreciar se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efectivamente, da negligência destas.
8.ª Tendo a instância sido suspensa e tendo-se esgotado o período de suspensão e entretanto decorridos mais de seis meses sobre essa data, sem que nada tivesse sido entretanto requerido pelas partes, o tribunal não pode, de imediato e sem prévia audição das partes, julgar extinta a instância por deserção, quando é certo que competia ao próprio tribunal ordenar o prosseguimento dos autos imediatamente após o decurso do prazo de suspensão ou, no limite, se impunha que previamente ouvisse as partes de forma a poder avaliar se a falta de impulso processual era imputável a alguma delas (cfr. Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte de 18/12/2015, proc. n.º 00158/12.6BEVIS, de 26/5/2017, proc. n.º 00645/15.4BEPRT, de 4/10/2017, proc. n.º 00132/13.5BEBRG, do Tribunal da Relação de Coimbra de 7/1/2015, proc. 368/12.6TBVIS e de 23/1/2018, proc. 1703/14.8T8LRA.C1, do Tribunal da Relação do Porto de 2/2/2015, proc. 4178/12.2TBGDM.P1, do Tribunal da Relação de Guimarães de 7/5/2015, proc. 243/14.0TBFAF.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt)”.
O recorrido, Município de Sesimbra, apresentou contra-alegações, onde enunciou as seguintes conclusões:
“1. O despacho que concedeu a suspensão da instância, advertiu que finda a mesma, o decurso do tempo conduziria à deserção nos termos do art.º 281.º, n.º 1 do CPC.
2. De tal despacho que resultava claramente para a Autora o ónus de praticar os atos necessários a evitar a deserção da instância.
3. Decorreu mais de dez meses, findo o termo do prazo de suspensão da instância sem que a Autora viesse ao processo informar ou requerer o que tivesse por conveniente, ou sequer alegar justo impedimento para o não ter feito.
4. Verificam-se os pressupostos do decurso do prazo e da negligência da omissão para no caso subjudice ser declarada a deserção da instância”.
A Exmª. Srª. Procuradora-Geral-Adjunta junto deste STA, emitiu parecer, onde concluiu que o recurso não merecia provimento.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Resulta dos autos que, por despacho judicial de 23/4/2007, após requerimento do R. nesse sentido e concordância da A., foi determinado, ao abrigo do art.º 279.º, do CPC, a suspensão da instância, pelo prazo necessário à execução do acordo a que se refere a cláusula constante do documento de fls. 128 a 139 dos autos.
Após as partes irem informando o tribunal que o acordo ainda não havia sido concluído, a suspensão da instância foi sendo sucessivamente prorrogada por prazos de 6 meses.
Em 6/2/2017, o sr. juiz do TAC proferiu o seguinte despacho:
“Mantendo-se o circunstancialismo que fundamentou a decisão de suspensão da instância e sucessivas prorrogações, em conformidade com o teor do requerimento de 09.01.2017 (fls. 429) da sociedade autora, sem oposição, da entidade ré, prorroga-se a suspensão da instância pelo período de seis meses.
Decorrido esse prazo, os autos aguardarão sem prejuízo do disposto no art.º 281.º, n.º 1, do C.P.Civil.
Notifique”.
Este despacho foi notificado aos mandatários das partes por cartas enviadas em 13/2/2017.
Em 25/6/2018, o sr. juiz do TAC, considerando que, após o decurso do período de suspensão concedido pelo despacho anterior, já haviam decorrido mais de 10 meses sem que nada tivesse sido informado ou requerido pelas partes, verificava-se a deserção da instância, nos termos do art.º 281.º n.º 1, do C.P.Civil, pelo que, “por falta de impulso processual”, julgou extinta a instância, determinando o arquivamento dos autos, com custas pela A.

3. Conforme resulta das conclusões da sua alegação, a A. impugna o entendimento perfilhado no despacho recorrido com o fundamento que o n.º 1 do art.º 281.º do CPC não era aplicável ao caso por o impulso processual não caber às partes, mas ao tribunal, motivo por que não lhe era imputável a falta desse impulso e que, ainda que se verificasse a previsão desse preceito, não se poderia decretar a extinção da instância sem a prévia audição das partes, nos termos do art.º 3.º, n.º 3, daquele diploma, a fim de se apreciar se a omissão em causa era culposa.
Vejamos se lhe assiste razão.
Resulta do citado art.º 281.º, n.º 1, que a deserção da instância constitui uma sanção imposta à parte que tem o ónus de promover ou impulsionar os termos do processo e que, por negligência, não o faz, determinando a sua paragem por mais de 6 meses.
Com esta disposição, o legislador procurou evitar que, por largos períodos de tempo, se mantivessem no tribunal processos parados por quem deles se desinteressara.
Sendo exigida uma omissão culposa do ónus do impulso processual, tem esse comportamento omissivo de ser apreciado e valorado pelo juiz que só deve declarar a deserção da instância se concluir pela existência de negligência processual da parte onerada com esse impulso.
No caso em apreço, terminada a fase dos articulados, foi proferido, ao abrigo do art.º 279.º, n.º 1, do CPC/1961 despacho a deferir a suspensão da instância requerida pelas partes, com o fim de ultimarem a execução de um acordo que haviam celebrado.
Já tendo decorrido o prazo de suspensão da instância que havia sido sucessivamente prorrogado por períodos de 6 meses, ocorria, nos termos do art.º 276.º, n.º 1, al. c), do CPC/2013, a cessação dessa suspensão, devendo, em consequência, o processo retomar o seu curso normal.
Porém, tendo o Sr. juiz do TAC determinado que, decorrido o prazo de prorrogação da suspensão da instância, os autos aguardariam sem prejuízo do disposto no art.º 281.º, n.º 1, do CPC, coloca-se a questão de saber se, em consequência deste despacho, ocorre a necessidade de impulso processual das partes, apesar de a mesma não decorrer da tramitação processual prevista na lei.
Decidindo esta questão, o STJ, no Ac. de 5/7/2018, proferido no processo n.º 105415/12.2YIPRT.P1.S1 – onde estava em causa uma situação idêntica à dos presentes autos – entendeu o seguinte:
“(…).
3. O impulso básico do A. satisfez-se com a propositura da ação, do mesmo modo que, relativamente à reconvenção, o impulso necessário ocorreu com a sua dedução na contestação.
A partir de então, não dependendo o prosseguimento da instância de qualquer impulso processual, a mesma deveria percorrer cada uma das fases legalmente previstas até à audiência final.
É claro que a natureza pública do processo civil não afasta outras vicissitudes que podem ocorrer e que encontram previsão legal. Assim ocorre com as situações de suspensão da instância ou por acordo das partes (desde que não perturbe a audiência final já designada, nos termos do art.º 272.º do CPC) ou por via de decisão judicial quando seja encontrado motivo justificado, como aquele que esteve na base da suspensão.
No caso, mesmo com prejuízo da audiência final que estava agendada, o Mº Juiz da 1.ª instância deu crédito a um propósito revelado pelas partes e que se afigurava sério, o que redundou, primeiro, na determinação da suspensão da instância por esse motivo, depois, na prorrogação do prazo de suspensão pelo mesmo motivo e ainda, a final, noutra prorrogação do prazo com efeitos na desmarcação da audiência final, decisões que encontram cobertura legal no art.º 272.º, n.º 1, “in fine”.
Não podendo a suspensão, com os efeitos que se produziram, ser mera consequência da iniciativa das partes, nada obstava a que a mesma fosse declarada, ante a virtualidade de assim se conseguir uma resolução do litígio de forma consensual, em lugar de ser deixado para apreciação pelo tribunal.
Em tais circunstâncias tinha o tribunal de fixar um prazo para a suspensão da instância ou para as subsequentes prorrogações, o que foi feito. Porém, decorrido esse prazo sem que tivesse sido comunicada a efetivação da aludida transação, o que se impunha, em face do art.º 276.º, n.º 1, al. c), era que fosse declarada a situação de suspensão da instância, retomando os autos a sua normal tramitação. Em bom rigor, na ocasião em que foi proferido o despacho de 1.ª instância que declarou a extinção da instância o único impulso de que o processo carecia traduzia-se na designação de data para a audiência final.
(…).
Certo é que, malgrado a indisponibilidade que as partes revelaram para clarificarem o estado da situação, no momento em que o tribunal de 1.ª instância notificou as partes para clarificarem se atingiram ou não o consenso, em termos objetivos, nenhum impulso recaía sobre as mesmas no que concerne à prossecução da instância, impondo-se às partes e também ao tribunal o prosseguimento da instância com designação de audiência final.
Esta é, aliás, a jurisprudência que se colhe das Relações, de modo que se as partes dão notícia de que buscam uma solução consensual e pedem que se suspenda a instância por dois meses, não se justifica que a partir do fim desse prazo se inicie a contagem do prazo de 6 meses para a deserção. Em tais circunstâncias impõe-se que o juiz retome oficiosamente a marcha processual, ante o fracasso do acordo no fim do prazo solicitado, como se decidiu no Ac. da Rel. de Lisboa, de 27-4-17, 239/13, que serviu de fundamento à admissibilidade da revista ou no Ac. da Rel. de Coimbra de 6-3-18, 349/14. Assim ocorre também com a falta de indicação de objeto da perícia (Ac. da Rel. do Porto de 21-2-18, 1805/15) ou com a falta de suprimento de exceção dilatória (Ac. da Rel. de Évora de 8-3-18, 867/12), todos em www.dgsi.pt.
4. É verdade que, em despacho de 11-1-16, o Mº Juiz de 1.ª instância determinou que os autos ficassem a aguardar que qualquer uma das partes requeresse o seu andamento, dando conta das negociações encetadas ou requerendo a marcação de julgamento, “sem prejuízo do disposto no art.º 281.º do CPC”.
No entanto, de tal despacho não podem ser retirados os efeitos que as instâncias declararam já que, como se disse, a instância não se encontrava parada a aguardar qualquer impulso que fosse legalmente necessário, antes se encontrava numa situação de stand by à espera que porventura fosse comunicada nos autos eventual transação. A partir do momento em que terminou o prazo de suspensão que fora prorrogado, em termos objetivos a instância aguardava apenas que o Mº Juiz da 1.ª instância convocasse as partes para a realização da audiência final.
A alusão que naquele despacho foi feita ao previsto no art.º 281.º do CPC revelou-se sem conteúdo, uma vez que, repita-se, o prosseguimento da instância não estava dependente de qualquer impulso processual; pelo contrário, era a prorrogação da situação de suspensão da instância que estaria dependente de alguma informação da qual resultasse a séria convicção de que o litígio sempre iria terminar por acordo das partes.
As normas de direito adjetivo devem potenciar uma interpretação uniforme que confira segurança a todos os intervenientes, o que conflitua com a previsão, por via de decisões avulsas, de efeitos que não são projetados por tais normas.
No caso, ante a falta de sustentação e algum preceito de um ónus de impulsionar o prosseguimento da instância, deveria ter sido determinado o prosseguimento da instância, relegando eventualmente para outro plano a apreciação do cumprimento do dever de boa fé ou do dever de cooperação que, no mínimo, determinariam a inviabilidade de outras iniciativas das partes, obedecendo a regras de interesse público”.
Concordando-se com esta jurisprudência, a que se adere, terá de se concluir que, não se encontrando o processo a aguardar o impulso processual das partes, não se verifica um dos requisitos previstos no n.º 1 do art.º 281.º do CPC para que se possa declarar a deserção da instância.
Nestes termos, merece provimento a presente revista, devendo revogar-se o despacho recorrido, com a consequente continuação da instância a partir do momento em que a mesma se encontrava aquando da sua suspensão.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e determinando a continuação da instância nos termos referidos.
Sem custas.

Lisboa, 21 de Março de 2019. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – António Bento São Pedro.