Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0696/12
Data do Acordão:10/24/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PRESSUPOSTOS
EXECUÇÃO FISCAL
RECURSO JURISDICIONAL
Sumário:I – Como se depreende do artº 52º, nº 4 da Lei Geral Tributária, para ser deferida a dispensa de prestação de garantia é necessário que se satisfaçam três requisitos, sendo que um deles – a irresponsabilidade do executado pela insuficiência ou inexistência de bens para pagamento da dívida exequenda e acrescido – não comporta alternativas.
II – Assim, para impugnar eficazmente, em recurso jurisdicional, a decisão em que se entendeu que não se verificavam os pressupostos de dispensa de garantia por, entre outros fundamentos, se considerar que não resultou provada a irresponsabilidade do reclamante pela insuficiência de bens, o recorrente haveria de atacar a decisão recorrida também quanto a este fundamento o qual, por si só, justifica a decisão que confirmou o indeferimento da reclamação, já que sem a verificação desse pressuposto nunca seria, legalmente, possível a dispensa da prestação da garantia.
III – O recurso jurisdicional tem necessariamente de improceder quando nele não se impugna um dos vários fundamentos em que se alicerça a decisão recorrida.
Nº Convencional:JSTA00067877
Nº do Documento:SA2201210240696
Data de Entrada:06/21/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA DE 2012/04/11 PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:LGT98 ART52 N4 ART60.
CPC96 ART137 ART684 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01164/04 DE 2005/05/11; AC STA PROC0677/09 DE 2010/04/14; AC STJ DE 1984/06/05 IN BMJ N338 PAG377.; AC STJ DE 1986/10/16 IN BMJ N360 PAG354.
Referência a Doutrina:LEBRE DE FREITAS E OUTROS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLIII PAG33.
ABÍLIO NETO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO 16ED PAG968.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A…… melhor identificado nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 11 de Abril de 2012, que julgou improcedente a reclamação por si deduzida contra o despacho do chefe de serviço de finanças de Lisboa 2, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, no âmbito de processo de execução fiscal nº 3247201001216309.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
I. A Meritíssima Juiz a quo julgou improcedente a Reclamação proposta pelo aqui Recorrente, por duas ordens de razões, as quais delimitam o presente Recurso.
Na verdade, e salvo o devido respeito por opinião contrária, o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, aplicou incorrectamente o Direito, ao ter interpretado o estatuído nos artigos 52º, 60º, 74º, 103º, todos da Lei Geral Tributária (doravante LGT), 151º, 169º, 170º, 195º, 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT), 8.º do Código do Procedimento Administrativo, concomitantemente com a análise da jurisprudência dos Tribunais Superiores, os quais têm decidido num sentido mais favorável ao contribuinte.
II. Igualmente considera o Recorrente que a ordem escolhida pela Meritíssima Juiz o quo, para elaboração da sentença ora colocada em crise, foi escolhida de forma invertida, isto porque, quer aquando a Reclamação proposta, quer ao nível da análise da própria questão controvertida, importará, primeiramente, apreciar das questões relacionadas com as invocadas preterição de observância de formalidade legais, e só depois, se aí tiver cabimento, apreciar a questão relacionada com os motivos que sustentaram o pedido de isenção de prestação de garantia.
III. O mesmo equivalerá a dizer que primeiro dever-se-á discutir as questões de forma, e depois, caso não padeçam de nenhuma ilegalidade, aí sim, apreciar do mérito, das questões relacionadas com a substância.
Em face do exposto, e tendo sempre em atenção a delimitação do presente recurso, as conclusões de recurso irão seguir a seguinte ordem:
- Saber se relativamente ao acto de dispensa de prestação de garantia, se impunha ou não, a audiência prévia do interessado, ora Recorrente;
- Saber se se verificam os pressupostos para o preenchimento dos requisitos para a efectivação da dispensa de prestação de garantia.
IV. O Recorrente esclarece que, desde a notificação do despacho alvo da Reclamação, que tem efectuado todos os pagamentos prestacionais, como se a isenção de prestação de garantia tivesse fico aceite. Com isto, o Recorrente quer demonstrar que não utilizou a Reclamação, nem o presente recurso, como expediente dilatório para retardar o pagamento da dívida.
V. O Recorrente pretende apenas ver reconhecido como aplicável, o Direito que alegou. O direito que o Recorrente exerceu — Reclamação — advêm do estatuído no disposto no artigo 276º do CPPT, sendo que, foi o próprio Chefe do Serviço de Finanças Lisboa 2, no seu despacho datado de 25-10-2011, que notificou o Executado dessa mesma possibilidade.
VI. Ora, o aludido artigo (276º do CPPT) estatui a garantia dos interessados no direito de reclamação dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da Administração Tributária.
VII. Pese embora o processo de execução fiscal tenha natureza judicial, não podemos esquecer que os órgãos da Administração Tributária têm participação nos actos que não tenham natureza jurisdicional.
VIII. Ora, é precisamente este o motivo que permitiu ao Recorrente efectuar a Reclamação do acto administrativo, praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças 2, o qual indeferiu a isenção de prestação de garantia.
IX. Estamos verdadeiramente, perante uma defluência da norma consagrada constitucionalmente, a qual, garante a todos os cidadão, o direito de recorrer à impugnação contenciosa de todo e qualquer acto da administração que lese os seus direitos e interesses — artigo 268.º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (adiante apenas designada por CRP).
X. Como referido, o ora Recorrente, deduziu Reclamação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças Lisboa 2, datado de 25-10-2011, por o mesmo ter indeferido o pedido formulado para obter a dispensa de prestação de garantia, pedindo a sua anulação, por ter sido omitida a formalidade essencial de audição prévia, considerando ainda que se verificavam preenchidos os requisitos para a aludida dispensa, porquanto, a Autoridade Tributária dispunha de todos os elementos tendentes à prova do preenchimento daqueles requisitos.
XI. Em face disto, considera o Recorrente que a circunstância da Administração Tributária ter omitido a audiência prévia do interessado no acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia deveria ter sido avaliada, pois, sendo aquela devida, o interessado foi castrado no seu direito de poder, posteriormente, fazer a prova que a Administração Tributária considerou como não feita.
XII. Mais considera o Recorrente que, o despacho reclamado, não é precedido de nenhuma outra notificação para que, querendo, pudesse exercer o seu direito de audição prévia, sobre qualquer projecto de despacho, reclamado com o pedido de dispensa de prestação de garantia que havia apresentado. Pois, não podemos descurar o Princípio que consagra a participação dos administrados na formação das decisões em que são directamente interessados.
XIII. De resto, tal Principio encontra-se consagrado na previsão do artigo 60º., nº 1, da LGT: “A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: (...)”.
E, será através do estatuído na alínea b) do referido normativo legal, que o direito do Recorrente encontra acolhimento: “Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições”.
XIV. Mas mais, este direito de participação tem quer consagração constitucional (artigo 267º. da CRP), quer no código de Procedimento Administrativo (Cfr. Artigo 100º.).
XV. Ora, como a dispensa de audição prévia do aqui Recorrente só seria legalmente admissível se a decisão do pedido efectuado fosse favorável ao mesmo, tal como previsto no nº 2 do artigo 60º da LGT, a Administração Tributária, ao agir como agiu, preteriu formalidades essenciais, querendo o mesmo significar que, ou não existiu projecto de decisão, ou ao existir, não foi concedido ao Executado o direito de se pronunciar sobre a decisão.
XVI. Por tudo quanto vem sido dito, considera o Recorrente que o despacho reclamado é ilegal, quer por violação do disposto no artigo 60º., nº 1, da LGT, quer por violar um Principio constitucional, reconhecido aos interessados na condição de administrados.
XVII. Chegados aqui, e atentas as razões aduzidas pela Autoridade Tributária na sua Resposta, bem como a fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, afigura-se como necessário analisar a natureza jurídica do acto que decide isentar, ou não, a prestação de garantia.
XVIII. O Recorrente concorda em absoluto com a fundamentação de Direito utilizada pela Meritíssima Juiz no âmbito do processo nº 204/12.3BELRS, que corre os seus termos na 1ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa.
XIX. No aludido aresto poder-se-á ler que, a decisão que incida sobre a dispensa de prestação de garantia, produz, por si só, efeitos jurídicos, nomeadamente a da não suspensão do processo de execução, preenchendo, por isso, o conceito de acto administrativo, e serem, por esse motivo, aplicáveis as normas atinentes ao procedimento administrativo, e, especificamente, as respeitantes ao processo tributário porquanto, “qualquer tomada de decisão administrativa tem sempre subjacente um procedimento administrativo, ainda que abreviado, nos termos do disposto no artigo 267., n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, e do artigo 1º do Código de Procedimento Administrativo”.
XX. Esta conclusão deriva da análise efectuada na aludida sentença de que: “O acto administrativo, é nos termos do artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo, para efeitos de aplicação daquele código, «as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. É certo que o processo de execução fiscal é um processo de natureza jurisdicional, como dispõe o artigo 103º da Lei Geral Tributária, onde logo se lê «sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional», donde se retira a conclusão, que não é pelo facto de o processo de execução fiscal ter natureza judicial que não podem ser praticados, na respectiva tramitação, actos de natureza administrativa”.
XXI. No que tange à questão sobre a indispensabilidade de audiência prévia à decisão de dispensa de garantia, já o Supremo Tribunal Administrativo respondeu, no seu Douto Acórdão nº 01072/11 de 14/12/2011: “Como decorre do disposto no art. 103º da LGT, e tem sido repetidamente afirmado pela jurisprudência deste STA, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na totalidade, e embora a AT nele passa praticar actos que não tenham natureza jurisdicional é garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos aí praticados por órgão da AT”.
XXII. “Entre os actos que podem ser praticados pela AT no processo de execução fiscal inclui-se a suspensão da execução após prestação de garantia, nos casos enunciados nos arts. 52º da LGT e 169º do CPPT, bem como a decisão sobre a dispensa de prestação dessa garantia, nos casos previstos na lei (nºs 3 a 6 do citado art. 52º da LGT e art. 170º do CPPT”.
XXIII. “No caso, o acto reclamado substancia-se, precisamente, no indeferimento, por parte do órgão de execução fiscal, de pedido de dispensa de reforço (no montante de 406.950,06 Euros) de garantia, nos termos do art. 170° do CPPT, por esse mesmo órgão ter considerado que o pedido não se encontra instruído com toda a prova documental necessária à apreciação da pretensão do requerente, ou seja, instruído com todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa prevista no nº 3 do citado art. 170° do CPPT, e por não ser apresentada prova da irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens”.
XXIV. “Ora, como em situação semelhante se afirmou no ac. deste STA, de 2/2/2011, rec. nº 08/11, o despacho de indeferimento objecto da presente reclamação qualifica-se como verdadeiro acto administrativo em matéria tributária e não como mero acto de trâmite, uma vez que não se confina nos estreitos limites da ordenação intraprocessual, antes projecta externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta — cfr. art. 120º do CPA — sendo que a decisão da AT de suspender ou não o processo de execução fiscal por virtude da prestação (ou da dispensa) de garantia implica e determina manifestos reflexos na esfera jurídica da ora recorrida"
XXV. “E, assim, em face dessa definição como acto administrativo e tratando-se, como se trata, de um acto administrativo definidor de uma situação jurídica que no caso é desfavorável ao contribuinte, impunha-se a sua prévia audição, de acordo com o estatuído nos arts. l00º do CPA e 60º da LGT. Tanto mais que, no caso, a própria recorrente alega que o indeferimento do pedido de dispensa de reforço da garantia se fundamentou na circunstância de o órgão de execução fiscal ter considerado que o pedido não se encontra instruído com todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dita dispensa de prestação do reforço da garantia e por não ter sido apresentada prova da irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens”
XXVI. “E nem se diga, como pretende a recorrente, que a tal obsta o facto de o art. 60º da LGT estar inserido no título III da LGT, que trata “do procedimento tributário”, bem como o facto de no âmbito do procedimento tributário definido no art. 54° da LGT não estar incluído o processo de execução fiscos, ou seja, que, no caso, não estando em causa o procedimento tributário (mas, antes, o processo judicial) não seria, por isso, aplicável o disposto naquele art. 60º da LGT”
XXVII. “É que, por um lado (e independentemente das alegadas — nas Conclusões I a P — dificuldades de conceptualização da reclamação prevista no art. 276º do CPPT) os arts. 54º da LGT e 44º do CPPT contemplam uma definição do âmbito do procedimento tributário em termos latos, que compreende «toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários», em ambos se incluindo, aliás, o procedimento de cobrança das obrigações tributárias, na parte em que não tiver natureza judicial (cfr. al. h) do nº 1 do art. 54º da LGT e a al. g) do nº1 do art. 44º do CPPT)”.
XXVIII. “E, por outro lado, como se viu, a suspensão da execução após prestação de garantia, nos casos enunciados nos arts. 52º da LGT e 169º do CPPT, bem como a decisão sobre a dispensa de prestação dessa garantia, nos casos previstos na lei (nºs 3 a 6 do citado art. 52º da LGT e art. 170º do CPPT), são de qualificar como verdadeiros actos administrativos em matéria tributária e não como mero actos de trâmite; e, assim, como actos administrativos definidores de uma situação jurídica que no caso é desfavorável ao contribuinte, impunha-se a sua prévia audição, de acordo com o estatuído nos arts. 100º do CPA e 60º da LGT”.
XXIX. À semelhança do Douto Acórdão transcrito, como no caso em apreço nos presentes autos, considera do Recorrente que está provado que a fundamentação apresentada pela Administração Tributária para o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia remete para a falta de prova levada pelo requerente ao procedimento, quando formulou o seu pedido de pagamento em prestações, como isenção de prestação de garantia: “Quanto à dispensa de garantia, a mesma não merece deferimento em virtude de não estar provada a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, conforme determina o artº 52º nº 4 da LGT”.
XXX. Em abono da verdade sempre se dirá que, caso tivesse sido respeitado o direito de audição prévia do interessado, o mesmo poderia ter juntado os elementos que reputasse por necessários à prova da sua insuficiência económica.
XXXI. A agir como agiu, a Administração Tributária não diligenciou pelo cumprimento da Lei e dos Princípios nela consagrados, como sendo o da audiência prévia do interessado em momento prévio à decisão, para que o mesmo pudesse, como se disse, querendo, fazer prova contrária dos factos que a Administração Tributária considerou para a sua decisão reflectida no despacho reclamado.
XXXII. Ainda que se fale em Jurisprudência mais recente relativamente ao caso em apreço nos presentes autos, a verdade é que, tal jurisprudência não é uniforme, e não acautela os interesses dos cidadãos contribuintes, tal como previsto na Constituição da República Portuguesa.
XXXIII. Para além do Douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, e que supra se transcreveu, outros existem que entendem ser de aplicar a circunstância de audição prévia do interessado. A esse propósito veja o Ac. do TCAS, datado de 29-11-2011, com o processo n.2 05168/11: “(…) Dispõe o artº 60º da LGT na redacção introduzida pelo artº 13º da Lei nº 16-A/2002, de 31.05, o seguinte:
“1- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer beneficio ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2- É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3- Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem a alínea b) a alínea e) do N-° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4- O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada o enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5- Em qualquer das circunstâncias referidas no nº 1, para efeitos do exercido do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6- O prazo do exercido oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
7- Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão».
São assim diversas as situações no procedimento tributário, em que o direito à participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam pode ser exercido, havendo que ter em conta a extensão do conceito legal de procedimento tributário que se encontra enunciado no artº 54º nº 1 da LGT.
Dispõe este preceito legal o seguinte: “1- O procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente:
a) As acções preparatórias ou complementares de informação e fiscalização tributária;
b) A liquidação dos tributos quando efectuada pela Administração Tributária;
c) A revisão, oficiosa ou por iniciativa dos interessados, dos actos tributários;
d) O reconhecimento ou revogação dos benefícios fiscais;
e) A emissão ou revogação de outros actos administrativos em matéria tributária (…);”
Sendo o objectivo do procedimento tributário a “declaração de direitos tributário?” isto é, a emissão de um acto produtor de efeitos jurídicos, há que entendê-lo como uma sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à declaração de direitos tributários.
É certo que, de acordo com o disposto no artº 103º, nº1 da LGT. “O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional.”
Também é certo que o art. 60º da LGT está inserido no título III da LGT, que trata “do procedimento tributário”
Porém, o pedido de suspensão da execução fiscal e de dispensa de prestação de garantia e a respectiva decisão a proferir pelo órgão da execução fiscal não deixa de ser um procedimento tributário “enxertado” no processo de execução fiscal.
Aliás à semelhança do que ocorre com o pedido de pagamento em prestações, v.g.. previsto nos arts. 196º e ss. do CPPT o que permite afirmar que na execução fiscal, apesar da sua natureza judicial, se praticam actos materialmente administrativos em matéria tributária.
Assim sendo, pode concluir-se que o caso dos autos tem enquadramento legal nos arts 54º, nº 1 e 60º, 1. b) da LGT, o que determina a necessidade da audição do reclamante, ora recorrido, antes de tomada a decisão sobre os seus pedidos.
Acresce que, embora não expressamente previsto no artº 60º da LGT, a obrigatoriedade da audição do responsável tributário subsidiário, em caso de reversão no processo de execução fiscal, está contemplada no nº4 do artº 23º da LGT, numa concretização do direito constitucional de audição consagrado no artº 267º, nº 5 da CRP, que reconhece aos cidadãos o direito de participação na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito.
Por outro lado, não colhe o argumento da recorrente de que, tendo o reclamante sido ouvido antes de proferido o despacho de reversão que o chamou à execução fiscal, não carecia a AT de o notificar, ao abrigo do disposto no artº 60º da LGT, pois tinha “exercido o direito de audição prévia, aquando da fase preparatória para a sua reversão” e que “é a própria lei que prevê a dispensa de audição.”
Como decorre da letra da lei — cfr. artº 60º, nº 1-b) e e) e nº3 da LGT — o que a lei dispensa é o “e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária”, no caso de ter sido exercido o “b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;”, relativos, obviamente, ao procedimento tributário da inspecção tributária que ocorra no caso concreto.
Não é, manifestamente, o caso dos autos, onde o recorrido, não obstante ter sido ouvido sobre a proposta de despacho de reversão contra si a ordenar, não pode ver precludido o seu direito de participação na formação das decisões que lhe digam respeito no decurso do processo e após ter sido contra si ordenada a reversão, sob pena de violação do referido artº 60º da LGT.
A decisão da AT de suspender ou não um processo de execução fiscal e a de dispensar ou não a prestação de garantia, possuem manifestos reflexos na esfera jurídica do ora recorrido, sendo tais decisões actos administrativos em matéria tributária.
Tratando-se, como se trata, de actos administrativos definidores de uma situação jurídica com efeitos jurídicos no caso concreto, no caso desfavoráveis impunha-se a prévia audição do reclamante, de acordo com o estatuído nos arts 60º da LGT e 100º do CPA.
Em conclusão, pode afirmar-se que foi violado o disposto no referido artº 60º, nº 1 da LGT quando a AT não procedeu à audição do ora recorrido, nos termos do disposto artº 60º da LGT sobre o projecto de decisão desfavorável às suas pretensões.”
XXXIV. Acresce ainda que, se sobre a mesma matéria, foram proferidas decisões contrárias entre si, sempre se dirá que, somos de opinião que a interpretação e aplicação da lei deverá ser no sentido mais favorável ao contribuinte. Este princípio é aplicado em vários ramos do Direito, e o caso em apreço nos presentes autos não deverá ser excepção.
XXXV. Ainda que existam dúvidas quanto à aplicação dos normativos legais enunciados, ou que a sua interpretação quanto à referida aplicação seja ambígua, considera o Recorrente que a mesma deverá ter em consideração aquela que se revelar mais favorável ao contribuinte.
XXXVI. Ora, atenta a delimitação que o Recorrente efectuou para o presente Recurso, e a conclusão que se chegou relativamente à questão de saber se relativamente ao acto de dispensa de prestação de garantia, se impunha ou no, a audiência prévia do interessado (sim, impunha-se a audiência prévia do interessado), deveremos seguir agora para a segunda questão:
- Saber se se verificam os pressupostos para o preenchimento dos requisitos para a efectivação da dispensa de prestação de garantia.
O Recorrente fundamentou o seu pedido de pagamento em prestações com isenção de prestação de garantia da seguinte forma:
Foi o ora Executado citado para o pagamento do montante € 15.307,55 (quinze mil, trezentos e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos).
2.º
No entanto, não tem o Executado forma de proceder ao pagamento da divida exequenda de uma só vez, pelo que vem requerer que lhe seja concedida a possibilidade de efectuar o seu pagamento em prestações mensais, iguais e sucessivas, no maior número legalmente admitido, por considerar que assim poderá assumir e suportar a sua obrigação.
Paralelamente, nos termos do art.º 52º nº 4 da Lei Geral Tributária, vem o Executado requerer a isenção de prestação de garantia, uma vez que, face à sua idade avançada, não consegue obtê-la, junto de nenhuma entidade bancária.
Acresce ainda que, o Executado não tem quaisquer bens da sua propriedade, pelo que se encontra impossibilitado de os oferecer como dação em cumprimento.
Para além do supra exposto, é ainda de salientar o facto de o Executado ter dividas aos Serviços de Finanças como devedor originário, e por reversão fiscal de duas sociedades, tudo num cômputo global de € 198.394,00 (cento e noventa e oito mil, trezentos e noventa e quatro euros).
E como já justificado, mas que agora se reitera, a ausência de património e a impossibilidade de obter crédito junto de qualquer Instituição Bancária, impossibilita o Executado de pagar de uma só vez a quantia objecto do presente processo executivo.
Contudo, como é verdadeira intenção do Executado proceder ao pagamento de todas as suas dívidas, originárias ou decorrentes de reversão fiscal, tal circunstância só será possível caso o pedido de pagamento em prestações seja deferido.

XXXVII. A Administração Tributária, por despacho datado de 25-10-2011, emitido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, sobre o acima transcrito, apenas se pronunciou que: “(…) Quanto à dispensa de garantia, a mesma não merece deferimento em virtude de não estar provada a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, conforme determina o artº 52º nº 4 da LGT (...).
XXXVIII. No entanto, e na esteira do que vem sido defendido pelo Recorrente, caso a Administração Tributária tivesse notificado o interessado para exercer o seu direito de audição prévia, o mesmo teria corroborado o alegado com alguma documentação.
XXXIX. E diz-se alguma documentação pois, está vedada ao Recorrente a possibilidade de obtenção de todos os documentos que pudessem fazer prova, a 100%, de que não tinha condições para prestar garantia. Teria pedido uma certidão de teor ao Serviço de Finanças, para que atestasse se o mesmo era ou não proprietário de algum bem (cujo resultado seria negativo, pois o Recorrente não é proprietário de rigorosamente nada). Igualmente, teria pedido uma declaração ao Banco com que trabalha, para atestar que não lhe seria concedida nenhuma garantia bancária (de resto, o depósito bancário que o Recorrente tem no Banco, o qual se cifra em mais de € 12.000,00, está penhorado à ordem do Serviço de Finanças de Lisboa 2).
XL. O Recorrente não poderia entregar nenhuma certidão negativa emitida pelo IRN, I.P., por esse tipo de buscas não ser efectuado para o cidadão desprovido da qualidade de Agente de Execução ou Administrador de Insolvência. De resto, nem sequer seria credível que o Recorrente fosse proprietário de mais algum bem, e que a Administração Tributária não os tivesse penhorado.
XLI. A este propósito, a sentença recorrida refere que “(...) As formas de prestação de garantia são as que se encontram previstas nos artigos 195º e 199º do CPPT, atenta a remissão operada pelo artigo 169º, nº 1 do mesmo Código, a saber: a garantia bancária, caução, seguro-caução, penhor, hipoteca ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”.
XLII. Considerando ainda que, (…)”a questão que se coloca é a de saber sobre quem impede o ónus da prova do preenchimento dos pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia constantes no artº 52-°, nº 4 da LGT”.
XLIII. Conclui que (...), “atenta a regra geral sobre o ónus da prova constante do artigo 342º do Código Civil e o disposto no artigo 74º da LGT, conclui-se que impende sobre o executado o ónus de provar que a prestação de garantia lhe causa prejuízo irreparável ou que carece manifestamente de meios económicos para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, bem como que a insuficiência ou inexistência de bens não é da sua responsabilidade”.
XLIV. “Refira-se, desde já, que a circunstancia do pressuposto da irresponsabilidade na insuficiência ou inexistência de bens implicar a prova de um facto negativo não infirma a conclusão de que o ónus da prova impende sobre o executado, sendo certo que as regras sobre o ónus da prova supra referidas não comportam qualquer excepção aplicável à prova dos factos negativos”.
XLV. Acabando por decidir que o Reclamante, ora Recorrente, no logrou efectuar a prova que lhe cabia, não provando por isso, a insuficiência ou a inexistência de bens para os efeitos do disposto no artigo 52.º, n.º 4, da LGT.
XLVI. De facto, a única coisa que o Recorrente pretendia — e que pretende — é pagar as suas dívidas, o que vem fazendo de forma faseada, como se o seu pedido tivesse sido aceite. O único documento que o Executado, aqui Recorrente poderia ter junto ao processo, era uma certidão emitida pelo próprio Serviço de Finanças, ou até mesmo, uma declaração do Banco.
XLVII. Administração Tributária, na pessoa do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, decidiu totalmente ao arrepio de toda a prova que já existe nos autos executivos. Não crê o Recorrente que o Serviço de Finanças onde corre os termos do processo executivo subjacente ao presente Recurso, contenham informação sobre a existência de bens ou a capacidade financeira do executado, e não tivessem tomado alguma providência no sentido de obterem o ressarcimento da dívida exequenda.
XLVIII. E o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, apenas avaliou os motivos aduzidos pela Administração Tributária, não dando provimento às motivações do Recorrente.
De facto, o Recorrente é o elo mais fraco na relação estabelecida com a Administração Tributária. A esta última não importa ou não interessa, provavelmente por não ter cabimento nos seus objectivos anuais, deferir o pagamento em prestações.
XLIX. De nada importa se o contribuinte dá mostras de querer pagar; a Administração Tributária avaliou o pedido do contribuinte, ao encontro daquilo que é a sua interpretação da lei, desde logo, considerando que não era devido o direito de audição prévia.
L. Embora o direito de audição prévia tivesse já sido analisado no presente recurso, não pode o Recorrente, mais uma vez deixar de mencionar, que caso o mesmo lhe tivesse sido conferido, ter-se-ia inteirado, de quais os documentos que na opinião daquele Serviço de Finanças, pudessem, eventualmente, ser considerados como passíveis de demonstrar a sua incapacidade para prestar a exigida garantia, e proceder à sua junção.
LI. Por tudo quanto vem sido dito, considera o Recorrente que a sentença recorrida enferma de vício, nomeadamente por ter incorrido em erro de interpretação e aplicação de Direito, devendo, por isso, ser revogada em consequência do presente recurso considerado procedente, tudo com as demais consequências.

2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

3 - O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, concluindo, em síntese, que embora a decisão sobre o pedido de dispensa da prestação de garantia seja um verdadeiro acto administrativo em matéria tributária inserido num procedimento administrativo, tendo em conta a sua urgência, evidenciada pelo normativo do artigo 170° do CPPT, deve aplicar-se o estatuído no artigo 103°/l do CPA., ex vi do artigo 2°/c) da Lei Geral Tributária, pelo que atenta a natureza urgente da decisão não há lugar ao exercício do direito de audição prévia.
E que, por outro lado, o Recorrente não cumpriu o ónus, que lhe incumbe, de demonstrar que se verificam os pressupostos necessários para beneficiar da dispensa da prestação de garantia.

4. Por despacho do Relator, e perspectivando-se a possibilidade de não conhecimento do objecto do recurso por falta de impugnação da globalidade dos fundamentos de improcedência invocados na sentença recorrida, foi ordenada a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, nos termos e para os efeitos do artº 704º, nº 1 do Código de Processo Civil.

O Recorrente pronunciou-se sobre esta questão, argumentando em suma que atacou todos os fundamentos da decisão recorrida, sendo que, o primeiro deles – saber se relativamente ao acto de dispensa de prestação de garantia se impunha ou não a audiência prévia do interessado -- a ser decidido favoravelmente, obstava ao conhecimento do mérito quanto ao segundo o qual deflui da não isenção de prestação de garantia.
E defendeu, também, que os dois elementos da segunda questão do recurso interposto foram colocados em crise em sede de recurso, sendo que os argumentos utilizados são diminutos por ser praticamente impossível o Recorrente fazer prova de facto negativo.

5 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5.1- Fundamentação de facto

Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:

Com relevância para a decisão, mostra-se assente a seguinte matéria de facto:
a) Em 15 de Dezembro de 2010, foi instaurado contra o reclamante o processo de execução fiscal n°3247201001216309, para cobrança coerciva de dívidas de IVA e de IRS, sendo a quantia exequenda no valor de €14.780.46, a que acrescem juros de mora e custas no montante de €52709 [informação de fls.6 dos autos].
b) Em 20 de Setembro de 2011, o reclamante foi citado para o processo de execução fiscal n°3247201001216309 e apensos [documento de fls. 7 a 15 dos autos].
c) Em 25 de Outubro de 2011, o reclamante requereu, ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa — 2, o pagamento da dívida exequenda em prestações e a isenção da prestação de garantia [documento de fls. 19 a 21 dos autos).
d) No requerimento referido em c), consta, além do mais, o seguinte:
“ (…)
Foi o ora Executado citado para o pagamento do montante € 15307,55 (quinze mil, trezentos e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos).
No entanto, não tem o executado forma de proceder ao pagamento da dívida exequenda de uma só vez, pelo que vem requerer que lhe seja concedida a possibilidade de efectuar o seu pagamento em prestações mensais, iguais e sucessivas no maior numero legalmente admitido, por considerar que assim poderá assumir e suportar a sua obrigação.
Paralelamente, nos termos do artº 52º nº4 da Lei Geral Tributária vem o Executado requerer a isenção de prestação de garantia, uma vez que, face à sua idade avançada não consegue obtê-la, junto de nenhuma entidade bancária.,
Acresce ainda que, o Executado não tem quaisquer bens da sua propriedade, pelo que se encontra Impossibilitado de os oferecer como dação em cumprimento.
Para além de supra exposto, é ainda de salientar e facto de o Executado ter dívidas aos Serviços de Finanças como devedor originado, e por reversão fiscal de duas sociedades, tudo num cômputo global de €198.394,00 (cento e noventa e oito mil. trezentos e noventa e quatro euros).
E como já justificado, mas que agora se reitera, a ausência de património e a impossibilidade de obter credito junto de qualquer instituição Bancária, impossibilita o Executado de pagar de uma só vez a quantia objecto do presente processo executivo.
Contudo, como é verdadeira intenção do Executado proceder ao pagamento de todas as suas dívidas, originárias ou decorrentes de reversão fiscal, tal circunstância só será possível caso o pedido de pagamento em prestações seja deferido
(…)”. [documento de fls. 19 e 21 dos autos].

e) Por despacho de 25 de Outubro de 2011, do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa -2, foi deferido o pedido de pagamento em prestações apresentado pelo reclamante e indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia [documento de fls. 41 dos autos].
f) No despacho referido em e), consta, além do mais, o seguinte: “(...) Quanto à dispensa de garantia, a mesma não merece deferimento em virtude de não estar provada a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, conforme determina o artº 52° n°4 da LGT. (…)”. [documento de fls. 41 dos autos].
g) Por ofício de 3 de Novembro de 2011, o reclamante foi notificado do despacho referido em f) e para prestar garantia no valor de €19.564.90 [documento de fls.42 dos autos].
h) O reclamante não foi notificado para se pronunciar, em sede de audiência prévia, quanto ao indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia [facto não controvertido].
5.2. Fundamentação de direito:

Como se constata de fls. 177 e segs., e nomeadamente de fls. 184, a sentença recorrida concluiu pela improcedência da reclamação do despacho do Chefe do serviços de finanças de Lisboa que indeferiu o pedido de dispensa de garantia, com base nos seguintes fundamentos distintos:
- por um lado porque o reclamante se limitou a referir que não tinha quaisquer bens susceptíveis de serem penhorados e que a prestação de garantia lhe causava prejuízo irreparável, sem que, contudo, alegasse factos concretos que se enquadrassem no âmbito da previsão do artigo 52º nº 4 da Lei Geral Tributária;
- por outro, lado porque o reclamante não alegou, nem, por maioria de razão, provou, que a insuficiência ou inexistência de bens não era da sua responsabilidade, pressuposto este de verificação cumulativa, da dispensa de garantia, nos termos do artº 52º, nº 4, 2ª parte, da Lei Geral Tributária;
- finalmente por considerar que no âmbito do pedido de dispensa de garantia, atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal, não há lugar ao direito de audição, previsto no artº 60º da Lei Geral Tributária.

No caso subjudice, torna-se patente, em face das conclusões das alegações de recurso, que delimitam o seu objecto, que o Recorrente, apenas coloca em causa o primeiro e o terceiro dos aludidos fundamentos, deixando incólume o segundo deles relativo à irresponsabilidade do executado pela insuficiência ou inexistência de bens para pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
Sendo certo que ficou bem expresso na sentença recorrida (fls. 184) que «ainda que se concluísse pela existência de prejuízo irreparável ou pela manifesta falta de meios económicos, não poderíamos considerar verificados os pressupostos da referida dispensa, na medida em que não resultou provada a irresponsabilidade do reclamante pela insuficiência de bens».
Pressuposto este de verificação cumulativa, como acertadamente nota também o Tribunal Tributário de Lisboa.
Ora, de acordo com o disposto no artº 684.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre.
E na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente.
Porém, de acordo com o nº 3 do mesmo normativo legal, o recorrente pode restringir, nas conclusões da alegação, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.
As conclusões das alegações são, pois, decisivas para delimitar o âmbito do recurso, já que nelas o recorrente pode restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso que, na falta de indicação expressa, abrangia toda a decisão.
Por outro lado resulta do artº 684º, nº 4 do Código de Processo Civil que, havendo na sentença recorrida apreciação de questões jurídicas distintas e não sendo impugnada a posição assumida sobre alguma delas a parte não recorrida da decisão transita em julgado e os efeitos do julgado não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.(
Ver também neste sentido José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol 3, pág. 33 e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.05.2005, recurso 1166/04, in www.dgsi.pt.)
Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se, objectiva e materialmente, excluídas dessas conclusões, têm de se considerar definitivamente decididas e arrumadas não podendo delas conhecer-se em recurso.(C. Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado, 16ª edição pag. 968 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.3.1966, de 4.2.1976, de 2.12.1982, de 5.6.1984 e de 16.10.1986, em BMJ, respectivamente, 255-p.391, 258-p.180, 322-p.315, 338–p. 377 e 360–p. 354.)

No caso em apreço e quanto à verificação dos pressupostos do pedido de dispensa de garantia, a sentença recorrida considerou que, por um lado, o reclamante se limitou a referir que não tinha quaisquer bens susceptíveis de serem penhorados e que a prestação de garantia lhe causa prejuízo irreparável, sem que, contudo, alegasse factos concretos que se enquadrassem no âmbito da previsão do artigo 52º nº 4 da Lei Geral Tributária; e que, por outro lado, o reclamante não alegou, nem, por maioria de razão, provou, que a insuficiência ou inexistência de bens não era da sua responsabilidade, pressuposto este de verificação cumulativa.
Como se depreende do artº 52º, nº 4 da Lei Geral Tributária, para ser deferida a dispensa de prestação de garantia é necessário que se satisfaçam três requisitos, sendo que um deles – a irresponsabilidade do executado pela insuficiência ou inexistência de bens para pagamento da dívida exequenda e acrescido – não comporta alternativas.
Assim, para impugnar eficazmente, em recurso jurisdicional, a decisão em que se entendeu que não se verificavam os pressupostos de dispensa de garantia por, entre outros fundamentos, se considerar que não resultou provada a irresponsabilidade do reclamante pela insuficiência de bens, o recorrente haveria de atacar a decisão recorrida quanto a este fundamento o qual, por si só, justifica a decisão que confirmou o indeferimento da reclamação, já que sem a verificação desse pressuposto nunca seria, legalmente, possível a dispensa da prestação da garantia.
Se não o faz, como não fez, não pode o tribunal de recurso alterar aquela decisão quanto ao nela decidido sobre tal matéria (Ver neste sentido Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 14.04.2010, recurso 677/09 e de 11.05.2005, recurso 1166/04, ambos in www.dgsi.pt. ).

Neste contexto, independentemente de vir a concluir-se que relativamente ao acto de dispensa de prestação de garantia se impunha a audiência prévia do interessado ou até que se verificava o pressuposto da inexistência ou insuficiência de bens, o certo é que a decisão de improcedência do pedido de dispensa de garantia sempre encontrará suporte suficiente no segmento da decisão recorrida em que se aborda a questão da falta de alegação e de prova de que a insuficiência ou inexistência de bens não era da responsabilidade do executado.
Assim sendo, transitando em julgado, por carência de impugnação, este segmento da decisão recorrida, fica impossibilitada a alteração do decidido nesta via de recurso, não resultando qualquer efeito útil no conhecimento dos fundamentos do recurso invocados pelo recorrente, pois, mesmo que se lhe reconhecesse razão na sua totalidade, sempre teria de permanecer intocada, por inatacada, a decisão do Tribunal Tributário de 1.ª Instância sobre a improcedência da reclamação.
E porque não é permitido ao Tribunal praticar nos processos actos inúteis (artigo 137.º do CPC), o recurso terá necessariamente de improceder.
7. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao presente recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.
Lisboa, 24 de Outubro de 2012. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Valente Torrão.