Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:017/12
Data do Acordão:01/31/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:NOTIFICAÇÃO POR CARTA REGISTADA
DEVOLUÇÃO DE CARTA REGISTADA
MATÉRIA COLECTÁVEL
AVALIAÇÃO
MÉTODOS INDIRECTOS
FALTA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO
Sumário:I - A consequência lógica que o nº 2 do artigo 39º do CPPT deduz do registo da carta, ou seja, que se presume que demora três dias a ser posta alcance do destinatário, deixa de poder ser feita, pelo menos com o mesmo grau de probabilidade, se a carta for devolvida.
II - Não contendo o nºs 1 e 2 artigo 39º uma resposta directa à questão dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, deve-se aplicar o regime que esse artigo prevê para a forma de notificação com aviso de recepção, de que resulta a imposição de uma segunda carta registada e a faculdade do destinatário poder invocar o justo impedimento na recepção da carta. III - O tribunal tributário tem o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão tributária não podia ser outra, por concluir que em execução do efeito repristinatório da sentença anulatória não existe alternativa juridicamente válida que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinaria a anulação.
IV - A falta de audição prévia à decisão de avaliação indirecta da matéria colectável não determina a anulação se o sujeito passivo apenas invoca a ilegitimidade substancial desse acto pelo facto da administração tributária não aceitar a justificação parcial dos rendimentos que permitiram a manifestação de fortuna.
Nº Convencional:JSTA00067387
Nº do Documento:SA220120131017
Data de Entrada:01/09/2012
Recorrente:DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:LGT98 ART45 ART60 D ART46 N2 A ART75 N2 D ART82 N3 ART89-A
CPPTRIB99 ART39 N1 N2 ART43 ART38 ART124
CONST76 ART268 N3
RCPIT98 ART43 ART60 N1 ART62
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC734/09 DE 2010/05/19; AC STA PROC877/09 DE 2011/03/30; AC STA PROC546/10 DE 2011/04/13; AC STA PROC967/10 DE 2011/03/02
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE - O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO EXPRESSA DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS PAG307.
JOÃO LOUREIRO - O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ENTRE A EFICIÊNCIA E A GARANTIA DOS PARTICULARES PAG137 PAG219.

Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. O Director de Finanças do Porto interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial intentada por A………, melhor identificada nos autos, contra a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, relativa ao IRS de 2008.
Para tal, nas respectivas alegações concluiu o seguinte:
1. O exercício do direito de audição prévia foi conferido e, até, suscitado pela Administração Fiscal.
2. O seu não exercício deveu-se a causas imputáveis ao sujeito passivo.
3. A notificação foi feita por carta registada sem aviso de recepção, pelo que não havia lugar ao envio de nova carta, ante a devolução da primeira.
4. Tendo-se operado a presunção de notificação prevista no nº 1 do art. 39° do CPPT, presunção que não foi ilidida nos termos admitidos por lei.
5. Tratando-se de um procedimento efectuado no âmbito de uma acção inspectiva, as notificações devem obedecer ao preceituado no artigo 43° do RCPIT.
6. Onde se prevê que o sujeito passivo se presume notificado, mesmo em caso de devolução da carta registada sem aviso de recepção.
7. Acresce que, a contribuinte não conseguiu provar em sede de recurso judicial, como é admitido na douta sentença recorrida, a totalidade da proveniência do seu rendimento.
8. Não logrando, assim, evitar os pressupostos da avaliação indirecta.
9. Pelo que não podia, também, ser outra a decisão da administração fiscal.
10. Assim, não pode ser considerado violado o direito de audição prévia da contribuinte.
11. Resultando ter a douta sentença recorrida feita uma errónea interpretação das disposições contidas nos artigos 60° da LGT e 39° do CPPT.
1.2. Houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por entender que se verificou a presunção da notificação da recorrida para o exercício da audiência prévia.
2. A sentença deu como assente a seguinte matéria de facto:
1) Por escritura pública, de 25.8.2004, B……… e C………, declararam que, por conta das suas quotas disponíveis, doaram a A………, sua filha, a fracção autónoma designada pela letra D correspondente a uma habitação no segundo andar com entrada pelos nºs …… e ……. da Av. ………, com varanda voltada à rua e aparcamento automóvel na cave, inscrita na respectiva matriz sob o artigo 2058-D, sendo de €70.261,06 o seu valor patrimonial tributário, à qual atribuem o valor de €400.000,00, que a referida fracção faz parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av. ………, na freguesia de ………, concelho do Porto, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número 212, freguesia de ………, afecto ao regime de propriedade horizontal conforme inscrição F-2, encontrando-se a aquisição da fracção registada a favor dos doadores pela inscrição G-3, por sua vez declarou A……… que aceita a doação. - cfr. doc. de fls. 12 a 15 dos autos.
2) Por escritura pública de 14.9.2006, A……… declarou que vende a D………, casado com E………, que por sua vez aceitou a venda, pelo preço de € 409.014,00, que já recebeu, o imóvel correspondente à fracção autónoma referida no ponto anterior. - cfr. doc. de fls. 16 a 18 dos autos.
3) Por escritura pública, de 15.5.2008, F………, na qualidade de gerente e em representação de G………, Lda., declarou vender a A………, que por sua vez declarou aceitar a venda, pelo preço de €460.000,00, já recebido, a fracção autónoma designada pela letra H, habitação número 23 no segundo andar, com entrada pelo número ……, da Rua ………, com lugares de garagem designados por H2, na cave, destinados a estacionamento automóvel, com entrada pelo nº ……, da referida Rua, e que faz parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ……… nºs ……, ……, ……, da freguesia de ………, concelho do Porto, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 4303, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Porto sob o número novecentos e nove - ………" - cfr. doc. de fls. 24 a 27 dos autos.
4) Consta de "Declaração/Recibo", datada de 14.9.2006 e assinada pela Recorrente, que esta declarou ter recebido de E………, a quantia de € 29.928,00 pela venda de um conjunto de bens móveis, ali melhor identificados, depositados na habitação sita à Av. ………, n.º ……, ……, 4100-…… Porto - cfr. doc. de fls. 28 dos autos.
5) A Recorrente foi notificada do ofício n.º 30361/0507 de 27.4.2009, constante do documento de fls. 8 e 9 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
6) Consta de escrito elaborado pela Recorrente, com data de 14.5.2009, entre o mais, o seguinte:
Em resposta ao Ofício identificado em epígrafe, venho pela presente apresentar os seguintes esclarecimentos:
1. Quanto ao imóvel alienado, sito na Avenida ………, nºs …… a ……, na freguesia de ………, concelho do Porto, descrito na Segunda Conservatória Predial do Porto sob o número 212 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2058-0:
O valor de aquisição deste imóvel, inscrito na declaração do IRS relativo ao ano de 2006, no montante de € 400.000,00, corresponde ao valor da escritura de doação celebrada em 25 de Agosto de 2004 (Doc. 1).
O valor atribuído na escritura de doação corresponde ao valor que se considerou ser de mercado, dado que a doação consistiu numa partilha em vida, por conta da quota disponível, realizada pelos pais. Nesse sentido, o valor a declarar na escritura e que constaria para os demais efeitos, teve de consistir no preço justo, de forma a não prejudicar os demais herdeiros.
Facto que veio posteriormente a ser confirmado, dado que o imóvel em apreço foi posteriormente alienado, em 14 de Setembro de 2006, pelo preço de € 409.014,00.
O valor da alienação do imóvel foi recebido pela minha pessoa. Para os presentes efeitos, não possuo qualquer cópia dos meios de pagamento, excepto a cópia da escritura pública de compra e venda que demonstra a venda do imóvel e atesta o valor do mesmo (Doc. 2).
Contudo, tendo em conta que tive necessidade de residir noutra habitação, na altura da alienação do imóvel em causa o mesmo não estava destinado à minha habitação própria permanente, pelo que reconheço que não se verificava um dos requisitos para beneficiar da isenção de IRS quanto às mais-valias obtidas com a alienação do mesmo.
Por esta razão procedi à entrega da corresponde declaração de substituição de IRS relativa ao ano de 2006, da qual junto cópia do comprovativo (Doc. 3), estando a aguardar a notificação do montante de imposto a pagar, para proceder à sua regularização.
2. Quanto ao imóvel adquirido, sito na Rua ……, nºs ……, …… e ……, na freguesia de ……, concelho do Porto, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 909 - …… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4303.
O valor de realização resultante da alienação do imóvel sito na Avenida ……… foi reinvestido na aquisição do imóvel sito na Rua ………, conforme cópia do contrato de compra e venda realizado em 15 de Maio de 2008 (Doc. 4), pelo que na aquisição do imóvel sito na Rua ……… não recorri a qualquer financiamento bancário.
Quanto aos meios de pagamento utilizados na aquisição do imóvel aqui em apreço não possuo cópia dos mesmos” - cfr. doc. de fls. 10 e 11 dos autos.
7) Em 4.7.2011, a Direcção de Finanças do Porto, remeteu à Recorrente, sob registo, o ofício nº 39898, para o exercício do direito de audição prévio à decisão de avaliação indirecta da matéria tributável, constante do documento do documento de fls. 7 do p.a. apenso aos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
8. Foi deixado aviso na caixa postal da Recorrente referente ao registo indicado no ponto anterior - cfr. doc. de fls. 7 dos autos.
9. O ofício referido no ponto 7 veio devolvido com a indicação "não atendeu" - cfr. doc. de fls. 9 do p.a. apenso aos autos.
10. Em 29.7.2011 foi proferido despacho de "Concordo" pelo Director de Finanças, sobre a informação de 26.7.2011, constante do de fls. 3 a 5 do p.a. apenso aos autos, em que se propôs a avaliação indirecta do rendimento colectável do ano de 2008, e que aqui se dá por reproduzido.
11. Em 11.8.2011 a Recorrente foi notificada do despacho e informação referidos no ponto anterior, pelo ofício nº 46735, constante do documento de fls. 1 e ss. e a/r a fls. 2 do p.a. apenso aos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
3.1. A administração tributária, invocando que os rendimentos declarados pela recorrida em sede de IRS se afastaram significativamente, para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente permitem a manifestação de fortuna que evidenciou com a aquisição de um imóvel no valor de €460.000,00, decidiu proceder à determinação da matéria colectável por métodos indirectos.
A recorrida, usando o meio processual previsto no nº 6 do artigo 89º-A da LGT, interpôs «recurso» dessa decisão para o tribunal tributário alegando que (i) não foi notificada para exercer o direito de audição, e que (ii) não se verificam os pressupostos da determinação da matéria colectável pelo método de avaliação indirecta, porque apresentou justificação para a fonte dos rendimentos com que adquiriu o referido imóvel.
A sentença recorrida começou por julgar improcedente o erro nos pressupostos de facto da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, com fundamento em que a administração fiscal provou os pressupostos previstos nos artigos 75º, nº 2, alínea d) e 89º-A da LGT que lhe permitem o recurso a esse método, e que «a recorrente não justificou a totalidade do montante (€460.000,00) que lhe permitiu a aquisição do imóvel sito na Rua ……, apenas tendo justificado parcialmente esse valor com o montante recebido da alienação da fracção sita na Av. . ……».
Mas quanto ao vício procedimental da falta de audiência prévia, julgou que: (i) não se pode presumir a notificação da recorrida para o exercício da audição, porque a carta foi devolvida; (ii) não se trata de uma das situações em que é possível a dispensa de audição prévia; (iii) e que a preterição da audição prévia não se converte em formalidade não essencial, porque não foi dada a oportunidade à recorrida de demonstrar qual a fonte dos rendimentos que lhe permitiu a aquisição do imóvel.
A recorrente não se conforma com essa decisão, argumentando que: (i) notificou o sujeito passivo por carta registada para exercer o direito de audição prévia, mas como a carta foi devolvida, nos termos do nº 1 do art. 39º do CPTT, deve presumir-se que a recebeu no terceiro dia posterior ao registo; (ii) tendo essa notificação sido efectuada no âmbito de um processo de inspecção, deve ser aplicado o artigo 43º do RCPIT, segundo o qual se presume efectuada a notificação se a carta for devolvida; (iii) tendo sido considerado legítimo o recurso à avaliação indirecta, não se pode sustentar que a decisão poderia ser outra com a audição da recorrida, pois, se não apresentou mais elementos no processo judicial como o poderá fazer no procedimento tributário?
3.2. Importa antes de mais averiguar se a notificação para o exercício do direito de audição foi emitida no âmbito do procedimento de inspecção tributária ou do procedimento de avaliação, pois a recorrente convocou a norma do nº 1 do artigo 43º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), que contém uma presunção legal de notificação que aparenta ter um sentido diferente da presunção prevista nos nº 1 e 2 do artigo 39º do CPPT.
Com efeito, enquanto aquela norma refere que «presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta», os preceitos do CPPT dizem que «as notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil» e que «a presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção».
Embora ambas as normas tenham que ser interpretadas como estabelecendo presunções iuris tantum, o significado da devolução da carta registada é diferente num caso e noutro, na medida que a actividade comunicativa é diferente. Basta ver que no procedimento de inspecção, tendo em atenção os seus objectivos e a necessidade de protecção dos sujeitos passivos contra actos inspectivos imprevistos ou ilegítimos, regra geral, «as notificações podem efectuar-se pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal através de carta registada» (art. 38º) e a dificuldade de notificação não «não impede a realização de diligências pela administração tributária com vista ao conhecimento do paradeiro do sujeito passivo ou obrigado tributário» (nº 4 do art. 43º).
Pois bem, no caso dos autos, sabe-se que foi a Divisão de Inspecção Tributária quem remeteu à recorrida carta registada com aviso de recepção para que apresentasse comprovativos do valor da venda de um imóvel, do valor da aquisição de outro, de que o imóvel alienado era sua habitação própria e dos meios de pagamento utilizados na compra do imóvel, ao que ela respondeu através de carta dirigida a essa Divisão (cfr. doc. de fls. 8 a 11 dos autos). Todavia, após essa diligência, não consta dos autos e do processo administrativo apenso, que tenha sido praticados outros actos de inspecção, especialmente o relatório definitivo contendo os elementos referido no nº 2 do artigo 62º do RCPIT, propondo a determinação da matéria colectável pelos métodos indirectos.
Verifica-se sim que as informações, pareceres, notificações e despachos foram emitidos pela Divisão de Liquidação de Impostos sobre Rendimentos e Despesas, e que a notificação para o exercício da audição prévia constante de fls. 7 do procedimento administrativo apenso não visou a audiência prévia sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção prevista no nº 1 do artigo 60º do RCPIT, mas a audiência prévia sobre o projecto de decisão de determinar a matéria colectável através de métodos indirectos, prevista no nº 3 do artigo 82º da LGT.
Portanto, embora tenha havido uma intervenção inicial da inspecção tributária, o que se seguiu foi um procedimento de avaliação tributária. Não estando demonstrado que houve relatório de inspecção, a participação do sujeito passivo na decisão que determina o recurso aos métodos indirectos só podia ser realizado no procedimento de avaliação indirecta, como se prescreve na alínea d) do artigo 60º da LGT, na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30/12.
3.3. O nº 4 a 7 do artigo 60º da LGT regulam o (sub) procedimento de audiência prévia, estabelecendo que «o direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte; que «em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação»; o «prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias»; e que «os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão».
A participação do sujeito passivo no procedimento de avaliação indirecta, através de audição prévia à decisão final, está pois dependente de uma notificação postal, sob a forma de carta registada. O procedimento de notificação, regulado nos artigos 35º a 39º do CPPT, compreende a emissão de uma carta, que incorpora o projecto da decisão, a fundamentação e o prazo de audição, o registo nos serviços postais e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário. Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação para o exercício do direito de audição ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade.
Mas porque a comunicação é efectuada através dos serviços postais, que podem levar algum tempo a colocar a carta em condições do destinatário ter possibilidade de conhecer a sua existência, através de uma regra de experiência (id quod plerumque accidit), a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil (cfr. nº 1 do art. 39º do CPPT e nº 6 do art. 45º da LGT). O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.
A atribuição legal de certa relevância ao registo da carta não permite porém inferir a certeza de que o seu destinatário a recebeu naquele prazo. Como tal forma de notificação não exclui o risco da carta não ser efectivamente recebida pelo destinatário, o nº 2 do artigo 39º permite que o notificado possa ilidir tal presunção «quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida», solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção». Esta norma põe em luz o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec nº 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributário do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente.
Mas se a carta for devolvida, em regra, não se pode inferir que o registo faz presumir que ela foi colocada na esfera de cognoscibilidade do destinatário. Se nenhum aviso foi deixado no domicilio do notificando, nem sequer há a garantia da cognoscibilidade da existência da carta; e se o aviso foi deixado, vicissitudes várias, como a ausência temporária do domicílio (vg. trabalho, férias, doença, etc.), podem impedir o acesso à carta. Daí que a presunção legal só pode funcionar se a carta for recebida no domicílio do notificando. A consequência lógica que a lei deduz do registo da carta, ou seja, que se presume que demora três dias a ser posta alcance do destinatário, deixa de poder ser feita, pelo menos com o mesmo grau de probabilidade, se a carta for devolvida. Certamente por isso, o nº 2 do art. 39º apenas prevê a possibilidade da prova em contrário na situação em que a notificação ocorre em data posterior à presumida, sem aludir à situação em que não há notificação.
Desde há muito, e pelo menos no que se refere aos particulares, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a defender que «a presunção do nº 2 do artigo 39º do CPPT, não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida», quer na situação de carta registada (cfr. acs. de 18/2/87, rec nº 004015, de 2/6/99, rec. 022529, e mais recentemente, acs. de 6/5/2009, rec nº 0270/09 e de 13/4/2011, rec. nº 0546/10), quer na situação de carta registada com aviso de recepção, devolvida sem assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de não ter sido reclamada ou levantada (cfr. acs. de 21/5/2008, rec nº 01031/07 e de 8/7/2009, rec nº 0460/09).
É claro que o artigo 39º não resolve directamente o problema dos efeitos da devolução da carta registada.
Os nºs 5 e 6 desse artigo referem-se exclusivamente à devolução da carta registada com aviso de recepção e não à devolução da carta registada sem aviso de recepção. Naquela forma de notificação, se o aviso de recepção for devolvido pelo facto do destinatário se ter recusado a recebê-lo ou por não o ter levantado nos serviços postais, a norma obriga a que a administração tributária proceda à remessa de nova carta registada com aviso de recepção nos 15 dias seguintes à devolução; e se essa a carta for novamente recusada ou não levantada, preceitua-se que a notificação se presume feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil «sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência».
Este procedimento de notificação harmoniza satisfatoriamente o interesse da administração tributária em cumprir o dever de notificar, colocando a informação ao alcance do interessado e garantindo que a mesma foi efectivamente recebida, e o interesse do contribuinte em conhecer os actos que tocam na sua esfera jurídica, cumprir as determinações que a Administração lhe dirige, ou reagir contra o que lhe for desfavorável. Em caso de devolução da carta, o interesse público em notificar satisfaz-se com a exigência de uma segunda carta registada com aviso de recepção e com a presunção da notificação em caso de recusa de recebimento ou não levantamento; e o interesse do contribuinte protege-se com a possibilidade de invocar o “justo impedimento”, a ocorrência de evento não imputável, que obstaculizou a recepção da carta.
A composição destes interesses, através da imposição de uma segunda carta registada e do ónus do justo impedimento, também deve ser conseguida quando a notificação se efectue por carta registada simples.
Na verdade, a única diferença que existe entre as duas formas de notificação tem a ver com a prova do seu efectivo recebimento. O aviso de recepção funciona apenas como formalidade “ad probationem” de entrega do documento ao destinatário, ficando a Administração em condições de provar que o contribuinte recebeu efectivamente a notificação. Mas essa formalidade, cuja finalidade protege mais o remetente da carta do que o seu destinatário, não garante a certeza que a notificação se fará, uma vez que a carta pode ser devolvida. Não é o facto do registo ser simples ou com aviso de recepção que se garante que a carta chegará ao seu destino, pois essa garantia só pode ser dada pelos serviços postais. Se o aviso for devolvido com a menção de “não reclamado” ou “não levantado”, vale a mesma presunção tantum iuris que o nº 2 do artigo 39º atribui à devolução da carta registada simples. Em ambos as formas de notificação, sendo a carta devolvida, é o registo que serve de base da presunção de que a entrega da carta foi efectuada em três dias.
Não contendo o artigo 39º uma resposta directa à questão dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, numa interpretação da norma em conformidade com a garantia constitucional da notificação (cfr. art. 268º nº 3 da CRP), defende-se que se deve aplicar o regime que está previsto para a forma de notificação com aviso de recepção, de que resulta a imposição de uma segunda carta registada e a faculdade da invocação do justo impedimento. Se em ambas as formas de notificação o conflito de interesses é semelhante, divergindo apenas quanto ao meio de provar a recepção efectiva, então semelhante tratamento devem ter quando a carta registada é devolvida.
No caso dos autos, ficou provado que a carta registada foi devolvida com a indicação de que a destinatária “não atendeu”. Esta menção tem um sentido diferente de “não reclamada” ou “não levantada”, pois tem ínsita a deslocação do distribuidor do serviço postal ao domicilio da destinatária e que a mesma não foi encontrada. Todavia, ainda que tenha sido deixado aviso no domicílio, a devolução da carta registada não garante a certeza jurídica da sua cognoscibilidade por parte da recorrida, pois a alegada situação de ausência do domicilio não é um risco que deva ser suportado exclusivamente pelo destinatário, sob pena de se restringir excessivamente a garantia constitucional da notificação. O risco decorrente da insegurança quanto à recepção da notificação só deve ser suportado pelo contribuinte após uma segunda carta registada, ficando este com o ónus de demonstrar o justo impedimento na recepção da carta.
Deste modo, não tendo sido efectuada validamente a notificação para o exercício do direito de audição, facto que determinou a preterição dessa formalidade, ocorre um vício procedimental com potencialidade para invalidar o acto impugnado.
3.4. A recorrente vem, porém, acrescentar que não faz sentido a declaração judicial de anulação do acto impugnado, na medida em que se julgou que ele é substancialmente legítimo e que, na hipótese do procedimento ser renovado, terá que ser praticado um acto com o mesmo conteúdo.
Trata-se, pois, do problema da relevância em direito fiscal do princípio do aproveitamento do acto administrativo.
E o problema coloca-se porque a sentença recorrida, seguindo a ordem imposta pelo artigo 124º do CPPT, começou por conhecer o alegado erro nos pressupostos de facto, julgando-o improcedente. E como ficou assente, com trânsito em julgado, que ocorreram os pressupostos que vinculavam a administração tributária a proceder à avaliação indirecta da matéria colectável, necessariamente se coloca a questão da relevância que a falta da audição prévia pode ter na anulação acto.
Será que anulado o acto por esse vício de procedimento a Administração irá praticar um outro com o idêntico conteúdo?
Antes de mais, cumpre referir que a sentença recorrida, ao dizer que «não podemos aceitar estarmos perante uma situação em que a preterição da audição prévia se converte em não essencial», colocou a questão no plano da relevância limitada dos vícios de forma e não no plano do aproveitamento do acto administrativo. Enquanto naquele domínio se discute se o vício é ou não essencial e, em conformidade, se o acto deve ou não ser anulado, neste outro, apenas se discute se anulado o acto virá a ser praticado outro com conteúdo idêntico (cfr. Vieira de Andrade, O Dever de fundamentação expressa dos actos administrativos, pág. 307 de ss). É claro que, naquele plano, a omissão da falta de audição prejudicou o objectivo para que a formalidade foi criada, uma vez que a interessada não se pronunciou sobre o projecto da decisão da avaliação indirecta da matéria colectável e por isso, dificilmente se poderia defender que essa formalidade se “degradou em não essencial”.
Mas se, em vez disso, atendermos à conexão entre o vício procedimental e o resultado, pode não fazer sentido anular o acto se, em virtude da vinculação, o resultado não pudesse ter sido senão o obtido. Com efeito, se o tribunal não tiver dúvidas que a decisão tomada pela Administração corresponde à solução imposta pela lei, então, em aplicação dos princípios da eficiência e da “economia de actos públicos”, tem o dever de não o anular.
O princípio do aproveitamento do acto administrativo não tem expressão legal própria no nosso Direito, mas tem sido acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, por razões de economia jurídica, «uma das dimensões da eficiência indispensável à realização do interesse público» (cfr. Vieira de Andrade, ob. cit. e João Loureiro, O Procedimento administrativo entre a eficiência e a garantia dos particulares, Coimbra Editora, pág. 137 e 219 e ss e, entre muitos, Acórdãos do STA, de 27/9/00, rec. nº 41.191, de 7/11/01, rec. nº 38983, de 2/5/02, rec. n.º 48.403, de 12/3/03, rec. nº 349/03, de 2/02/2005, rec. nº 784/04, de 15/2/2007, rec nº 01071/06, de 13/1/2011, rec. nº 01121/09, de 30/3/2011, rec. nº 0877/09).
Trata-se, pois, de reconhecer ao tribunal o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinou a anulação. Pergunta-se, pois, num dos acórdãos acima referidos, para quê anular um acto se o novo acto não iria introduzir nenhuma modificação significativa na situação existente e se, no essencial, tudo iria ficar na mesma?
E não se diga que o poder de anular um acto inválido põe em perigo o Estado de Direito, a separação de poderes, ou que limita as “garantias dos contribuintes”. É que, se o conteúdo do acto é estritamente vinculado, ele sempre teria de ser praticado, e por isso mesmo, o direito à anulação por vícios que não afectam a sua legitimidade substancial, em certos casos, pode e deve ceder perante o princípio da eficiência, que, em certa medida, também é um princípio constitucional.
No caso dos autos, na sequência da anulação do acto impugnado, com fundamento na ilegalidade pela falta de audição prévia da recorrida, a administração tributária fica com o dever de proceder à necessária substituição do acto anulado, o que implica a reinstrução do procedimento, com a audição da recorrida.
Acontece que, tendo em conta os factos e a controvérsia surgida no procedimento e no processo, é possível antecipar que a decisão final que vier a ser praticada vai ter seguramente o mesmo conteúdo que o acto anulado.
Como se deixou bem claro na sentença recorrida, os pressupostos legais vinculativos da avaliação da matéria colectável por métodos indirectos estão verificados: o nº 1 do artigo 89º-A da LGT impõe a avaliação indirecta quando o contribuinte «declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão». Está demonstrado, e ninguém pôs em causa, que a recorrida adquiriu um imóvel de valor superior a €250.000,00, quando declarou rendimentos líquidos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão, que a tabela do nº 4 do art. 89º-A fixa em 20%.
Provados estes pressupostos competia ao sujeito passivo demonstrar que «correspondem à realidade o rendimento declarado e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, nomeadamente herança ou doação rendimentos que não estejam obrigados a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito» (art. 89º-A nº 3).
Na instrução do procedimento, a recorrida, a solicitação da administração fiscal, deu a conhecer que o imóvel de €460.000,00 foi adquirido com o produto da venda de um outro imóvel, pelo valor de €409,014,00, que não recorreu a financiamento bancário e que não possui “cópia dos meios de pagamento”. Na acção judicial afirmou que cumpriu o nº 3 do artigo 89º-A, com a apresentação daquela justificação e continua a não apresentar quaisquer documentos (v.g extractos de contas bancárias, cheques, ou outros títulos) ou testemunhas que pudessem justificar a fonte da totalidade do dinheiro com que pagou o imóvel adquirido. Acrescentou apenas que, com a venda do imóvel, alienou bens no valor de €29.928,00, mas sem ofereceu qualquer meio de prova dessa declaração.
Não está em causa saber se a recorrida dispõe de mais elementos de prova justificativos da totalidade do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, até porque ela não diz que eles existem. Se tais elementos existissem, ao alegar a ilegitimidade do acto por erro nos pressupostos de facto, certamente que os apresentaria. E se não os apresentou em tribunal, o local que mais garantias lhe dá para impedir a avaliação indirecta da matéria colectável, seguramente que não os vai exibir perante a administração tributária, até porque já lhe havia dito que não possui cópias dos meios de pagamento.
Para a recorrida, o problema é de outra índole, pois o que dá a entender é que a justificação parcial que efectuou afasta a desproporção entre os rendimentos declarados e o rendimento padrão. Ela sabe que os elementos que dispõe não justificam a totalidade do montante dispendido com a aquisição do imóvel, mas considera que a justificação parcial é suficiente para impedir o recurso à avaliação pelo método indirecto. Mas, como a jurisprudência deste Tribunal tem considerado, apenas a justificação da totalidade do rendimento que permitiu a manifestação de fortuna é capaz de afastar o recuso ao método indirecto (cfr. Acs. de 28/1/2009, rec. nº 0761/08 e de 19/5/2010, rec. nº 0734/09).
Ora, sendo certo que a recorrida apenas consegue justificar parte da aquisição, não se vê que alternativa poderá existir ao acto impugnado. A única solução legítima, em aplicação do nº 1 do artigo 89º-A, é a avaliação pelo método indirecto. E nem se vê que haja mais vantagens ou qualquer interesse sério em se praticar o acto renovador em data diferente, pois daí nunca poderia resultar a caducidade da liquidação (al a) do nº 2 do art. 46º da LGT) ou menores encargos para a recorrida, uma vez que a impugnação teve efeito suspensivo (nº 6 do art. 89º-A).
Conclui-se assim que a reinstrução do procedimento para efeito de audição da recorrida não vai ditar um acto de conteúdo diferente do impugnado ou que, mesmo com conteúdo idêntico, possa haver qualquer vantagem resultante da anulação do acto. A determinação da matéria colectável por avaliação indirecta é uma medida que se imporá sempre, já que o sujeito passivo não consegue justificar a totalidade da manifestação de fortuna evidenciada na aquisição do imóvel.
4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e julgar improcedente a impugnação judicial.
Custas pela recorrida, nesta e na primeira instância.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) - Dulce Neto – Ascensão Lopes.