Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0247/12
Data do Acordão:04/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
AUDIÇÃO PRÉVIA
PENHORA DE CRÉDITO
ACTO ADMINISTRATIVO
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I – O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional – art. 103º, 1, da LGT.
II – O art. 60º da LGT está inserido no título III da LGT, que trata “do procedimento tributário” e o art. 54º da LGT define o âmbito do procedimento tributário, onde não está incluído o processo de execução fiscal.
III – O acto sindicado de penhor de créditos do executado sobre terceiros, que está em causa nos autos, ainda que possa ser apelidado de materialmente administrativo, não deixa de ser um acto de trâmite porque previsto e praticado no âmbito da execução fiscal, o que afasta a obrigação de cumprimento do disposto no artº 60º da LGT.
Nº Convencional:JSTA00067519
Nº do Documento:SA2201204120247
Data de Entrada:03/06/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF DE 2012/01/23 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART60 ART103 ART23 N4 ART54 N1 H
CPA91 ART100 ART103 N1 ART120 ART1 N1
CPPTRIB99 ART170
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC130/09 DE 2009/04/15; AC STA PROC983/11 DE 2011/11/30; AC STA PROC1054/11 DE 2011/12/07; AC STA PROC1072/11 DE 2011/12/14; AC STA PROC59/12 DE 2012/02/23; AC STA PROC185/12 DE 2012/03/07
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 - RELATÓRIO
A…… SA (A…), pessoa colectiva n.º …., com sede na Zona Industrial do …, Rua …, …, Apartado …, Santo Tirso, veio ao abrigo do disposto nos artigos (arts.) 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamar do despacho do Senhor Chefe de Finanças que ordenou a constituição de penhor dos seus direitos de crédito sobre clientes.
Pediu a anulação de tal despacho, no que veio a obter provimento por decisão judicial de 23/01/2012.
Notificada a Fazenda Pública de tal decisão judicial vem da mesma interpor recurso para este STA o qual termina com as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que concedeu provimento à reclamação apresentada e anulou a decisão que ordenou a constituição do penhor de direitos/créditos proferida no processo de execução fiscal n.º 1880201101053493 que corre os seus termos no Serviço de Finanças de Santo Tirso, por considerar tal decisão ferida de vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, consubstanciada na falta de notificação para exercício do direito de audição.
B. Centra-se a questão a decidir na aplicação ou não do princípio da participação dos executados na formação da decisão que ordena a constituição de penhor sobre os créditos que a executada detém sobre terceiros para garantia da divida exequenda, no âmbito de um processo de execução fiscal.
C. Entende a Fazenda Pública que não.
D. O art. 60º da LGT regula o direito de audição que assiste aos contribuintes interessados de serem ouvidos num determinado procedimento antes de ser proferida a decisão, com vista a garantir a real observância dos princípios do contraditório, da participação e da transparência procedimental.
E. A leitura deste preceito revela-nos que o direito de audição aí previsto depende de um procedimento dirigido à declaração de direitos tributários, não se aplicando quando o pedido dirigido à Administração Tributária (doravante, AT) não tiver aptidão para iniciar esse tipo de procedimento.
F. Cumpre ter presente que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, não sendo um procedimento tributário, pelo que, apesar de no mesmo puderem ser praticados actos que não tenham natureza jurisdicional, designadamente actos administrativos, uma vez que ao chefe do órgão de execução fiscal cabe-lhe uma função administrativa,
G. o certo é que estamos no seio de um processo judicial e aos seus actos aplicam-se as normas de processo previstas na lei, seja do CPPT, LGT, seja em casos omissos o CPC (ex vi art. 2°, a (. e) do CPPT).
H. Analisadas as regras processuais relativas ao processo de execução fiscal, dada a sua natureza judicial, as mesmas não prevêem o exercício ds direito de audição antes de tomada uma decisão no âmbito do processo de execução fiscal, excepção feita ao acto de reversão, que antes da decisão fundamentada, tal como previsto na lei - art. 23°, n.° 4 da LGT - deverá ser precedido de audição do revertido.
I. Por aqui se vê que as normas do procedimento tributário não são aplicáveis ao processo de execução fiscal, ou seja, no exemplo em concreto, face è ião aplicação do princípio da participação previsto no art. 60º da LGT aos actos praticados no âmbito do processo de execução fiscal, teve o legislador necessidade de prever expressamente na lei o cumprimento desse principio aquando do acto de reversão da divida exequenda.
J. O art. 60° da LGT respeita a um direito que os contribuintes têm durante o procedimento tributário, procedimento tributário esse que, tal como refere o art. 54° da LGT, onde descreve o âmbito e a forma do procedimento tributário, exclui do mesmo no seu n.°1, alínea h) "A cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial".
K. O processo de execução fiscal, reitera-se, tem natureza judicial, expressamente reconhecida pelo art. 103.°, n.º 1, da LGT, "sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não têm natureza jurisdicional". Ora,
L. O facto de a AT poder praticar no processo de execução fiscal (actos de natureza não jurisdicional não implica que todos os actos por ela praticados naquele processo constituam actos administrativos em sentido estrito,
M. Como se tem doutrinado nos nossos Tribunais superiores, designadamente, entre outros, e a título de exemplo, no acórdão do STA de 07.12.2011, proferido no recurso n.°01054/11, que aqui nos permitimos citar: «no processo de execução fiscal, sendo certo que está vedada à AT a prática de actos jurisdicionais, é-lhe permitida a prática quer de actos administrativos de natureza tributária, que respeitam à dívida tributária e integram procedimentos tributários (v.g., a reversão) (...) quer de actos de natureza processual, constituindo alguns meras operações materiais (remessa do titulo executivo ao órgão da execução, instauração da execução) e outros actos judiciais de tramitação processual sem natureza jurisdicional (citação, penhora, venda), cuja prática o legislador pôs a cargo da AT enquanto órgão da execução fiscal, a qual age aí como um mero "auxiliar"».
N. Estes actos judiciais de tramitação processual sem natureza jurisdicional não dão origem a qualquer procedimento de natureza tributária, tratando-se antes de actos praticados pela AT no processo de execução fiscal, enquanto órgão de execução fiscal e em que age como "auxiliar do juiz" no processo de execução fiscal, enquanto responsável pela prática de actos respeitantes à instauração e prossecução da execução com vista à cobrança dos créditos em cobrança coerciva,
O. subordinado então às regras processuais aplicáveis aos actos de natureza não jurisdicional praticados nos demais processos judiciais tributários e não às regras dos actos administrativos tributários ou do procedimento tributário e, como tal, deve ficar sujeita às regras do Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 2°, alínea e) do CPPT.
Assim,
P. Apenas podemos concluir que a decisão de constituição de um penhor para garantir o pagamento de uma divida em cobrança num processo de execução fiscal, sendo um acto judicial de tramitação processual (de natureza não jurisdicional) sujeito a estritas regras processuais, e não como entendeu o Tribunal a quo, um acto administrativo em matéria tributária,
Q. não dá origem a qualquer procedimento de natureza tributária, não tendo assim aplicação o art. 60° da LGT respeitante ao princípio da participação dos contribuintes nas decisões da AT no âmbito de um procedimento tributário.
R. Entender-se de forma diversa, retirar-se-ia qualquer efeito útil aos actos consignados no art. 195.° do CPPT, uma vez que a comunicação prévia poderia originar a subtracção à esfera garantística da administração dos créditos objecto de penhor.
S. Este entendimento tem logo acolhimento na redacção dada ao n.° 5 do art. 195.° do CPPT, nos termos do qual o penhor é constituído com o auto lavrado pelo órgão de execução fiscal, que na ausência do executado, o notifica nos termos previstos para a citação,
T. Daí se depreendendo que é manifestamente vontade do legislador apenas notificar o devedor no próprio acto de penhor, ou em caso de impossibilidade, em momento posterior.
U. Transparece assim da redacção daquela norma, de forma clara e inequívoca, o afastamento da regra geral da participação dos interessados antes do acto de constituição de penhor no processo de execução fiscal.
V. Aliás, tal se compreende dadas as características da execução fiscal. Pois,
W. "A execução fiscal, dado o seu fim de arrecadação coerciva de dívida ao Estado ou entidades equiparadas, caracteriza-se, em primeira linha, pela sua celeridade (...) [, tendo] este principio geral (...) uma notável premência nesta forma de processo" - cfr. Laurentino da Silva Araújo, Processo de Execução Fiscal, Almedina, p. 27.
X. Como refere, Soares Martinez, in Direito Fiscal, 7.a edição, p. 444, "no processo de execução fiscal está em causa a cobrança de receitas tributárias que visam "a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas" e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento - artigo 5.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária."
Y. E foi em consonância com o interesse público e a maior celeridade processual, de molde a obter-se a mais rápida arrecadação de receitas públicas a cobrar coercivamente, que o legislador fiscal no processo de execução fiscal regulou integral e imperativamente o regime de cobrança coerciva, não tendo expressamente previsto o exercício de audição prévia aquando da decisão de constituição de um penhor para garantia da divida exequenda, face desde logo à natureza judicial que lhe quis imputar.
Z. Vale isto por dizer que não foi violado qualquer preceito legal que preveja a participação dos contribuintes nas decisões a proferir num procedimento tributário, pela simples razão de que o mesmo não se aplica no caso concreto.
AA. De resto, o processo de execução fiscal como processo judicial que é, permite todos os meios de impugnação próprios dos actos judiciais, garantindo um esclarecido e conveniente exercício e defesa dos direitos do executado, como o presente meio processual - reclamação prevista no art. 276° do CPPT, ou seja, a uma decisão proferida pelo órgão de execução fiscal segue-se o respectivo recurso no caso, reclamação) para o tribunal competente, BB acrescendo ainda a possibilidade do órgão de execução fiscal antes da subida da reclamação apresentada ao Tribunal competente, poder revogar o acto reclamado, nos termos do art. 277.°, n.° 1 e 2 do CPPPT, caso entenda que os argumentos apresentados pelo reclamante são coerentes com uma decisão em sentido diferente.
Destarte,
CC. No âmbito de um processo de execução fiscal, impõe-se ao órgão de execução fiscal a decisão de tramitação processual em ordem à cobrança da divida exequenda, sem necessidade de previamente facultar ao executado um projecto da decisão ou de ouvi-lo sobre a matéria, uma vez que as normas processuais aplicáveis ao processo de execução judicial não contemplam a necessidade de obter a colaboração do interessado na formação da decisão.
DD. Como vem sendo referido pela nossa jurisprudência, a que aderimos, os actos praticados pela AT no processo de execução fiscal, como auxiliar ou colaborador no processo de execução, estão subordinados às regras processuais aplicáveis aos actos de natureza não jurisdicional praticados nos demais processos judiciais tributários e não às regras dos actos administrativos tributários ou do procedimento tributário (onde se insere o artigo 60° da LGT),
EE. razão pela qual, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

Foram apresentadas contra-alegações com as seguintes conclusões:

A. O despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Santo Tirso que determinou a constituição de penhor nos presentes autos não pode senão qualificar-se como um verdadeiro acto administrativo em matéria tributária e não como mero acto de trâmite.
B. Tal acto não se confinou nos estreitos limites da ordenação intra processual como pretenderá a Fazenda Pública -, antes projectou externamente efeitos jurídicos na situação individual e concreta da ora Recorrida (cf. artigo 120.° do CPA).
C. A decisão da Administração Tributária de constituir ou não penhor sobre os créditos vencidos e vincendos da A…… implica e determina manifestos reflexos na sua esfera jurídica.
D. Aliás, «[o]s actos da administração tributária através dos quais se decida a constituição de penhor ou hipoteca legal são actos de natureza administrativa, uma vez que se inserem na definição da pelo art.° 120.° do CPA [...]. Por isso, a decisão de constituir penhor ou hipoteca legal está sujeita aos requisitos gerais dos actos administrativos em matéria tributária, inclusivamente no que concerne ao direito de audição e sua dispensa (arts. 100.° a 103.° do CPA e 45.° do CPPT).» - cf. Jorge Lopes de Sousa, op cit.
E. Nem se diga - como o procura fazer a Fazenda Pública nos presentes autos - que o processo de execução fiscal tem natureza judicial e que, por isso, os actos praticados pela Administração Tributária no processo de execução fiscal não estão subordinados ao disposto no artigo 60.° da LGT.
F. A este propósito, veja-se que este Venerando Tribunal se tem pronunciado no sentido de que o disposto no n.° 1 do art.° 60.° da LGT se aplica em sede de processo executivo - cf., p. ex., Ac. STA de 14.12.2011, proferido no proc. 01072/11, disponível em www.dgsi.pt e respectiva fundamentação que aqui, com a devida vénia, damos por reproduzida («É que, só-um/acto, os artigos 54.° da LGT e 44º do CPPT contemplam uma definição do âmbito do procedimento tributário em termos latos, que compreende "toda a sucessão de actos dirigiria à declaração de direitos tributários", em ambos se incluindo, aliás, o procedimento de cobrança das obrigações tributárias, na parte em que não tiver natureza judicial (cf. alínea li) do nº 1 do art.° 54.° da LGT e 3 alínea g) do n.° 1 do artigo 4º do CPPT). E, por outro lado [os actos em questão nesses autos, tal como o acto em causa nos presentes autos] são de qualificar como verdadeiros actos administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite; e, assim, como actos administrativos definidores de uma situação jurídica que no esse é desfavorável ao contribuinte, impunha-se a sua prévia audição, de acordo com o estatuído nos artigos 109.° do CPA e 60º da LGT.»)
G. O contribuinte tem a possibilidade legal (e constitucional) de, conhecendo a posição da Administração Fiscal, aduzir os respectivos argumentos e posição perante o projecto de decisão - cf. artigos 267.°, n.° 5, CRP, 60.° LGT, 45.° do CPPT, 8.0, 59.° e 100.° do CPA
H. A A…… não teve oportunidade de se pronunciar em sede de audição prévia no caso dos autos, apesar de dispor de elementos para o efeito, conforme fez notar na petição inicial de reclamação, tendo sido inclusivamente considerado pelo Tribunal a quo que a falta de notificação para o exercício do direito de audição não poderia, atentos os contornos do caso concreto, degradar-se em formalidade não essencial, entendimento com o qual a Fazenda Pública, aliás, se conformou nos presentes autos, não o contestando nas suas alegações de recurso e respectivas conclusões e que, por isso, se encontra até excluído do âmbito de apreciação do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 684.°. n.° 3 do CPC, ex vi art. 2», alínea e), do CPPT.
I. Na decisão do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Santo Tirso de que se reclama nos autos verificou-se a inobservância do dever de previamente ouvir o contribuinte, não tendo sido dada a possibilidade de exercício do direito de audição à A……, o que, nos termos legais, determina a respectiva anulação, por ilegalidade e vício formal decorrente da preterição da audição prévia, como doutamente decidido em 1.3 instância, razão pela qual o entendimento propalado em sede do presente recurso pela Fazenda Pública não pode ser acolhido por este Venerando Tribunal, o que se requer.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se, consequentemente, inalterada a decisão posta em crise, assim se fazendo a necessária e acostumada Justiça.

O Ministério Público junto deste STA emitiu parecer do seguinte teor:

Recorrente: Fazenda Pública
Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência de reclamação apresentada contra decisão de constituição de penhor de créditos do exacutado, proferida pelo órgão da execução fiscal
FUNDAMENTAÇÃO
1. O direito de audição de que gozam os contribuintes, consagrado no art.45° CPPT e, sob diversas modalidades no art.60º n°1 LGT, constitui direito constitucional aplicado, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses (art.267 n°5 CRP)
A preterição do direito de audição por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final.
Não estando o direito de audição contemplado em formas especiais do procedimento tributário deve ser garantido mediante aplicação subsidiária das normas pertinentes do CPA (arts. 100° a 103° CPA.)
2.Aplicando estas considerações ao caso concreto:
A decisão de constituição de penhor em processo de execução fiscal consubstancia um acto materialmente administrativo e não um mero acto de tramitação processual, na medida em que não se dirige à ordenação dos actos processuais, antes produzindo efeitos jurídicos em termos individuais e concretos, na esfera, jurídica do proprietário dos bens objecto do penhor (art.120º CPA)
Nesta conformidade está sujeita às regras que regulam a prática de actos administrativos tributários, designadamente o direito de audição do interessado (na doutrina Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 2007 p.285)
A relevância da audição do interessado é manifesta de forma alguma se podendo considerar inócua para o sentido e conteúdo do acto a praticar, se considerarmos que tem a possibilidade de demonstrar a inexistência do risco financeiro que coloque em perigo a cobrança da dívida Determinante da constituição do penhor (art.195° n°1 CPPT) O entendimento propugnado é compatível com a doutrina expressa no recente acórdão STA-SCT no qual, embora se reconheça que a decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia em processo de execução fiscal é um acto administrativo em matéria tributária, é dispensada a audiência prévia do interessado na consideração da urgência da decisão a proferir, inculcada no respectivo regime legal (art.170º n°4 CPPT/art.103º nº1 al.a) CPA; acórdão STA-SCT 23.02.2012 processo n° 59/12)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada”.

2- FUNDAMENTAÇÃO:

A decisão de 1ª Instância deu como assente a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
A) A reclamante foi notificada para pagar a liquidação adicional de IRC de 2007, no valor de 444.905,03 €, até 20/7/2011 (fls.23 a 25).
B) Em 11/8/2011, o Serviço de Finanças de Santo Tirso, em virtude da reclamante não ter procedido ao pagamento de tal liquidação no prazo referido na alínea A), instaurou contra a reclamante o PEF n.° 1880-2011/01053493 pela divida de IRC do ano de 2007, no valor de 444.905,03 € (fls.42 e 43).
C) Em 3/11/2011, os Serviços de Finanças de Santo Tirso exararam a seguinte informação: "a empresa A……, SA é devedora de IRC referente ao ano de 2007, no valor de € 444.905,03.
Tendo findo o prazo de pagamento voluntário da dívida em. 2011-07-20, encontra-se a mesma vencida desde 2011-07-21, pelo que são devidos juros de mora, no valor actual de €7.973,59. As custas processuais perfazem o valor de € 1.171,10, constituídas por taxa de justiça, na quantia de € 1.376,69 e por encargos, no montante de € 4,55. O valor total em divida cifra-se, portanto, na quantia de €454.049,72. Tendo em conta os elementos ao dispor neste Serviço de Finanças, é previsível que a devedora supra identificada detenha créditos junto das empresas [...]" (fls 48|.
D) Em 3/11/2011, na sequência da informação contida na alínea C), o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Santo Tirso proferiu o seguinte despacho, a saber: "atendendo à informação que antecede, aos demais elementos a que foi possível ler acesso, fica inequívoco que existe um real risco financeiro para a Fazenda Pública, cujos créditos de tributos em fase de cobrança coerciva contra a executada nos autos totalizam já o montante de € 724.610,50 [...]. Assim, sendo recomendável para o interesse e eficácia da cobrança de tais dívidas, determino que se proceda, nos termos do artigo 195º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), à elaboração dos Autos de Penhor sobre os créditos da titularidade da executada. Após a elaboração dos referidos autos, dever-se-á proceder à notificação da executada, nos termos previstos no n.° 5 do artigo 195º do CPPT. (.. ]" (fls. 48),
E) Em 3/11/2011, foram lavrados os autos de penhor, constantes de fls. 49 a 55 e cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidos, e os quais passamos a transcrever, na parte que importa, referentes "à constituição, nos termos do artigo 195° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de PENHOR sobre o crédito [...] detido pela executada A……. 3.A. {...], a qual é responsável pela divida de IRC referente ao ano de 2007, na quantia exequenda no valor de €444.905,03 e os acrescidos de €9 144,69 f...}, perfazendo a divida um total de €454.049.72 [..,]. 1 - O presente penhor é constituído em cumprimento do despacho de 2011-11-03 e fundamenta-se no risco financeiro que a dívida consubstancia para a Fazenda Pública, face à débil situação financeira em que a devedora se encontra, situação comprovada pelos elementos consultados e acessíveis ao Órgão da Execução Fiscal- 2 - A devedora é legítima detentora do crédito [...] [respeitante ao] SALDO CREDOR VENCIDO E/OU VINCENDO" para com as firmas "B…… SA", "C…… SA", "D…… SA", "E...... S.A.", "F…… LDA.", "G…… SÁ", e "H……, LDA.", até ao montante total de 454.049,72 €, "4 - O presente penhor destina-se a constituir garantis para assegurar a realização dos créditos da Fazenda Pública, quer no tocante à divida exequenda, quer em relação ao respectivo acrescido e a sua modificação, reforço, ou redução processar-se-á nos termos previstos no artigo 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 5 - O penhor constituído através do presente auto manter-se-á até ao integral pagamento ou outra forma de extinção da dívida, podendo, a requerimento da devedora, ser substituído por outra garantia real ou, então, por garantia bancária, cuja extensão permita garantir a divida em termos idênticos aos assegurados por este penhor [(fls 49 a 55|.
F) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 7/11/2011, os autos de penhor, identificados na alínea E), foram notificados às empresas "B……, SA", "C……, SA", "D……, SA", "E……., SA", "F……., Lda", "G……, SA", e "H……, Lda" (fls. 56 a 62 e respectivos versos).
G) Em 9/11/2011, a firma "C……, SA" remeteu uma carta ao Serviço de Finanças de Santo Tirso, dizendo, entre o mais, que "actualmente, é a mesma requerente credora, e não devedora, daquela executada (tendo dela a haver, de créditos já vencidos, a importância de €6.557,65, saído a favor da ora requerente). Temos em que, por inexistência do respectivo objecto, não se reconhece nem a qualidade de devedora da ora requerente perante a executada, nem, consequentemente, a constituição de qualquer penhor de crédito, em que a ora requerente seja a devedora, como pretendido no ofício acima identificado" (fls. 63 e respectivo verso).
H) Por carta datada de 9/11/2011 e endereçada à Direcção de Finanças do Porto - Serviço de Finanças de Santo Tirso, a firma "G……, SA" informou que não tem "quaisquer créditos susceptíveis de penhor à entidade A……, S. A.” (fls. 64 a 65).
I) Em 10/11/2011, a firma "F……, Lda" endereçou uma carta ao Serviço de Finanças de Santo Tirso, comunicando, entre o mais, que "cabe-nos informar que não existem já quaisquer relações comerciais ou outras entre a F……, Lda. e a A……, Lda. desde a data de 31 de Dezembro de 2010. Anexamos extracto de conta corrente da nossa contabilidade, para vossa análise" (fls. 67 a 71 e verso de fls. 71).
J) Em 14/11/2011, a reclamante foi notificada do teor do Despacho proferido pelo Chefe de Finanças de Santo Tirso mencionado na alínea D), assim como dos autos de penhor elaborados no cumprimento do mesmo despacho e identificados na alínea E) (fls 72 e respectivo verso).
K) Por carta datada de 15/11/2011, afirma "D……, SA" comunicou ao Serviço de Finanças de Santo Tirso, entre o mais, que "não existe é data qualquer crédito a favor da executada" (fls. 103 e respectivo verso).
L) Em 15/11/2011, a firma "H……, Lda" endereçou uma carta ao Serviço de Finanças de Santo Tirso, comunicando, entre O mais, que "a H……, Lda. não é devedora de quaisquer créditos à A……, S.A.; [ .J não existe qualquer crédito da A……, S.A. sobre a H……, Lda. que possa ser objecto de penhor" (fls. 104 e respectivo verso).
M) Por ofício de 23/11/2011, a Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças de Santo Tirso, em resposta à carta enviada pela firma "B……, SA", informou tal firma, entre O mais, do seguinte: "consideram-se cativos desde já a título de Penhor nos autos, o montante de 159.712,18 €" (fls. 105 a 105 e 108).
3.1.1 -Motivação.
A matéria de facto provada resulta do teor dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados, identificados à frente de cada um dos factos provados.
A restante matéria alegada não foi julgada provada eu não provada por constituírem conceitos ou fundamentos conclusivos ou de direito ou por não relevarem para a decisão da causa.

3- DO DIREITO:

Para se decidir pela procedência da reclamação considerou a decisão recorrida o seguinte, destacando-se apenas os passos mais relevantes para a melhor compreensão da presente decisão:

“A ilegalidade da decisão reclamada por violação do principio da proporcionalidade.
(…)
Porém, não tem razão(…).
A falta de fundamentação.
A reclamante invoca ainda a falta de fundamentação do despacho reclamado, por não estarem explicados os reais riscos financeiros e os demais elementos a que a administração tributária teve acesso.
Nesta parte, também não tem razão(…)
Quanto à alegada ausência de apreciação crítica dos motivos dos reais riscos financeiros e dos demais elementos a que a administração tributária teve acesso, a reclamante também não tem razão(…).
A alegada preterição do direito de audição.
A reclamante alegou, nos artigos 14.° a 27.° e nos artigos 33.º a 37.° da sua petição inicial, que a decisão que determinou a constituição do penhor sobre os créditos de que é titular seria ilegal por enfermar do vício formal decorrente da preterição da audição prévia, pelo que tal decisão teria violado o disposto nos arte. 60.° e 77.° da LGT, art. 45.° do CPPT, arte. 8.°, 59.º e 100.° do CPA e art. 267.°, n.° 5, da CRP.
Cumpre apreciar e decidir.
Determina o art. 195.° do CPPT, referente à "constituição de hipoteca legal ou penhor", nos termos dos seus n.° 1 e 5 que "1 - Quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, o órgão da execução fiscal pode constituir hipoteca legal ou penhor. [..) 5-O penhor será constituído por auto lavrado pelo funcionário competente na presença do executado ou, na ausência deste, perante funcionário com poderes de autoridade pública, notificando-se, nesse caso, o devedor nos termos previstos para a citação".
Os "(...) actos da administração tributária através dos quais se decida a constituição de penhor ou hipoteca legal, são actos de natureza administrativa uma vez que se inserem na definição dada pelo art. 120º do CPA em que se estabelece que «consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta». Por isso, a decisão de constituir penhor ou hipoteca legal este sujeita aos requisitos gerais dos actos administrativos em matéria tributária, inclusivamente no que concerne ao direito de audição. (Jorge Lopes de Sousa. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume III, 6ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, págs. 390-311).

Como tal, da matéria de facto provada nas alíneas D), E) e J), constatamos que a decisão que ordenou o penhor foi proferida em 3/11/2011 (matéria de tacto provada na alínea D)), tendo sido lavrados os respectivos autos de penhor na mesma data (matéria de facto provada na alínea E)), tendo a reclamante apenas sido notificada de tal decisão e dos autos de penhor elaborados no cumprimento do mesmo despacho em 14/11/2011 (matéria de facto provada na alínea j)). Logo, não foi concedido à reclamante o exercício da sua audição prévia.
Ora, como dispõe o art. 45.° do CPPT, referente ao contraditório, "1 - o procedimento tributário segue o principio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão. 2 - O contribuinte é ouvido oralmente ou por escrito, conforme o objectivo do procedimento. 3 - No caso de audiência oral, as declarações do contribuinte serão reduzidas a termo", o que, como vimos, não ocorreu no caso em apreço.
É a própria Constituição da República Portuguesa, -que no n.° 5, do art. 267.°, dispõe que "o processamento da actividade administrativa [...] assegurará [...] a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito". E, nesta senda, o art. 8.° do CPA, corolário do preceito constitucional citado, determina que "os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na armação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência nos termos deste Código". Ora, é, precisamente, à audiência dos interessados que se refere tal dispositivo, a qual se encontra plasmada no art. 59.° do mesmo diploma, preceituando que "em qualquer fase do procedimento podem os órgãos administrativos ordenar a notificação dos interessados para, no prazo que lhes for fixado, se pronunciarem acerca de qualquer decisão". Também O art. 100.°, no seu n.° 1, informa que "concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103°, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta".
A participação dos interessados e o exercício do contraditório estão ainda salvaguardados pelos arts. 45.° do CPPT e 60.°, nº 1 , da LGT.
A falta de audição dos interessados constitui um vício formal que se repercute na decisão final do procedimento, podendo conduzir à sua anulação.
O acto final só não será inválido se conseguir degradar-se tal irregularidade em formalidade não essencial (Neste sentido, vide, o Acórdão do Tribuna] Central Administrativo Sul. do 29/4/2003, processo n° 7369.;02 disponível em www (dgsi.pt) Porém, esta forma de exteriorização do princípio do aproveitamento dos actos não pode valer a todo o custo e sem limites.
Assim, é inequívoco que, na situação em apreço, a reclamante tinha o direito de ser ouvida antes da decisão que ordenou o penhor, devendo-lhe ter sido comunicado previamente o projecto de tal decisão. Por isso, não tendo sido dada à reclamante a possibilidade de se pronunciar, tem de concluir-se que foi preterido o seu direito.
De notar que o principio do aproveitamento do acto administrativo é uma concretização do princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina "ujle per inutile non vitiatur", e que com essa ou com outras formulações e designações, tem sido aplicado frequentemente pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 23/9/1999, recurso nº 40842, de 23/1/2001, recurso n° 45967 de 7/11/2001, recurso n° 38983 e de 13/2/2002,recurso nº48403).

Como já foi dito, o direito de audiência enquanto concretização do direito constitucional de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, garantido pelo art 267.°, n.º 5, da CRP, visa assegurar-lhes uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses. Por isso, mesmo que não se entenda o direito de audiência como um direito com natureza análoga a um direito fundamental (MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, 1, p. 449), em sintonia com o princípio da máxima efectividade das normas constitucionais, que impõe que lhes seja atribuído o sentido que lhes der mais eficácia (J J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional Teoria da Constituição, 3ª edição p.1149), aquele direito não poderá deixar de ser assegurado sempre que não seja te afastar a possibilidade de a decisão do procedimento tributário ser influenciada pela intervenção do interessado e não haja outros valores constitucionalmente relevantes que se lhe contraponham, designadamente, os que estão subjacentes às situações previstas no n.° 1, do art. 103.°, do CPA.
Como está em causa uma decisão administrativa «em matéria tributária, a decisão quanto à constituição do penhor pressupõe o prévio exercício do direito de audição, não podendo sequer aventar-se a hipótese da dispensa do mesmo, pelos motivos já expostos.
A falta do exercício do direito de audição determina a anulação por vício de forma da decisão, ou seja, determina a anulação da constituição do penhor.
Tal acto só não seria inválido se tal irregularidade se conseguisse degradar em formalidade não essencial - o que não ocorre no caso em apreço.
Assim sendo, a falta de tal notificação constitui uma preterição de uma formalidade essencial e não pode degradar-se em formalidade não essencial.
Nesta parte, assiste razão à reclamante.
4- Decisão.
Pelo exposto, julgo procedente por provada a reclamação apresentada por A……, SA, e, em consequência, anula-se a decisão que ordenou o penhor de direitos/créditos.”

DECIDINDO NESTE STA:
A questão essencial a decidir é apenas a de saber se, no âmbito do processo de execução fiscal, era essencial a audição prévia do contribuinte pela Administração Fiscal antes de determinar o penhor em causa nos autos, o mesmo é dizer se ao concreto acto praticado na execução fiscal são aplicáveis as normas do procedimento tributário, nomeadamente a do artigo 60º da LGT que estabelece o direito de participação dos contribuintes, na modalidade de audição prévia, na formação das decisões que lhes digam respeito.

Trata-se de uma questão que em relação ao penhor ainda não foi suficientemente abordada e que em relação a outros actos como sejam a dispensa de prestação de garantia, o pagamento em prestações ou dação em pagamento ainda não obteve resposta suficientemente consolidada na Jurisprudência deste Tribunal, muito embora, seja pela consideração da natureza judicial do processo de execução, seja pela urgência do procedimento requerido se tenha vindo, ultimamente, a afirmar a não necessidade de fazer cumprir o disposto no artº 60º da LGT, no caso da decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia.
Também se afirma em alguma jurisprudência a necessidade de audiência prévia nos designados procedimentos administrativos enxertados no processo executivo fiscal, como sejam a dação em pagamento cuja apreciação pode ser efectuada por um dirigente da Administração Fiscal, exterior ao processo executivo que ali não desempenhe qualquer função de auxiliar do Juiz.
São referência na apreciação das questões acabadas de referir (as quais têm alguma conexão entre si) os seguintes acórdãos, alguns deles bem recentes, todos disponíveis no site da DGSI:
Ac. STA de 15/04/2009 tirado no recurso 0130/09 que decidiu que a decisão sobre um pedido de dação em pagamento é um procedimento tributário enxertado no processo de execução fiscal impondo-se a audição prévia do requerente nos termos do artº 60º nº 1 da LGT (este acórdão tem um voto de vencido).
Ac. STA de 30/11/2011 tirado no recurso 983/11 que decidiu que o artº 60º da LGT não se aplica à cobrança das obrigações tributárias, na parte que tiver natureza judicial, caso da execução fiscal pelo que ao pedido de pagamento em prestações não obstante constituir um procedimento tributário enxertado na execução fiscal não se aplica aquele artigo.
Ac. STA de 07/12/2011 tirado no recurso nº 01054/11 onde se decidiu que aos actos praticados pela AT no âmbito da execução fiscal (necessariamente sem carácter jurisdicional) são aplicáveis, não as regras que regulam os actos administrativos tributários mas antes as regras do CPC que constitui a lei subsidiária em sede de execução fiscal.
Ac STA de 14/12/2011 tirado no recurso 01072/11 onde se afirmou que o despacho que indefere pedido de dispensa de garantia qualifica-se como verdadeiro acto administrativo em matéria tributária e não como mero acto de trâmite, por projectar efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, pelo que em face de tal qualificação se impunha a prévia audição do interessado de acordo com os artºs 100º do CPA e 60ºda LGT.

Ac de 23/02/2012 tirado no recurso nº 059/2012 onde se decidiu que o processo de execução fiscal constitui um processo judicial e que todos os actos inscritos no procedimento processual pelos vários sujeitos processuais estão submetidos às regras processuais que regulam o processo tributário e subsidiariamente nas normas do CPC só assim não sendo nos casos em que no procedimento processual surge “enxertado” um procedimento administrativo/tributário em que a Administração actua produzindo actos materialmente administrativos em matéria tributária caso em que há que aplicar os princípios gerais que regulam a actividade administrativa e designadamente a norma do artº 60º da LGT.
Embora o pedido de dispensa de garantia deva qualificar-se como verdadeiro acto administrativo em matéria tributária face à urgência objectiva de decisão revelada pelo artº 170º do CPPT não há lugar a audiência prévia por atenção ao disposto no artº 103º nº 1 do CPA ou por não se justificar pois o requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão tem de indicar todas as razões da sua pretensão e elementos de prova (o que desempenha já a função de audiência prévia) não havendo que chamá-lo novamente a participar na decisão.
Finalmente, o Ac. de 07/03/2012 tirado no recurso 0185/12 onde se expressa que o sentido da norma do artigo 103º da LGT é o de que a execução fiscal actua através da forma de processo judicial e não através da forma de procedimento administrativo muito embora os actos executivos possam ser praticados por um órgão administrativo sem que se altere a natureza do processo executivo ou o transforme em procedimento administrativo. Daí que os actos materialmente administrativos praticados na execução fiscal pelos órgãos da administração tributária sejam os que definem posições subjectivas processuais e que por isso se caracterizam por uma natureza formal ou instrumental. No caso do acto de indeferimento do pedido de isenção da prestação de garantia estamos perante um acto predominantemente processual a cuja formação não se aplicam as regras do procedimento tributário designadamente o artº 60º da LGT.

Desta jurisprudência retiram-se diversas divergências de que se destacam desde logo:
Divergência na qualificação do acto que indefere o pedido de dispensa de garantia. Acto de trâmite e predominantemente processual ou verdadeiro acto administrativo em matéria tributária.
Autonomização ou não dos chamados procedimentos administrativos enxertados no processo executivo fiscal.
Divergência quanto à consideração de que existem ou não, actos praticados no âmbito do processo executivo fiscal pela Administração Fiscal que são materialmente administrativos a que há que aplicar os princípios gerais que regulam a actividade administrativa e designadamente a norma do artº 60º da LGT.

Cremos que importa para além da consideração da assinalada jurisprudência ter presentes alguns conceitos e legislação que nos ajudarão a decidir o presente caso.

Em primeiro lugar cumpre destacar a natureza judicial do processo de execução fiscal como decorre do artº 103º nº 1 da LGT que prescreve "O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional". Coerentemente, o número 2 do mesmo preceito estabelece que «é garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior».
Por outro lado o n.° 4 do art.° 23.° da Lei LGT impõe o direito de audição antes do despacho de reversão da execução contra os responsáveis subsidiários. Esta imposição carece de explicação e integração sistemática, o que se fará infra, pois que constitui uma excepção à regra de que nos processos de natureza judicial não cumpre observar o disposto no artº 60º da LGT.
Sobre o acto administrativo: Uma definição possível é a que se refere ao acto administrativo como: o acto jurídico unilateral praticado por um órgão de Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto.
O Código do Procedimento Administrativo usa o termo acto tanto no sentido amplo, mais corrente na doutrina (art. 1º/1, em que se considera o procedimento administrativo uma sucessão ordenada de factos), como num sentido mais restrito, em que o acto se confunde com a decisão, surgindo como a conclusão do procedimento, sentido em que aponta precisamente o art. 120º

Por actos materialmente administrativos devem entender-se aqueles que são emanados de um órgão próprio da administração (por exemplo a administração fiscal) no exercício do poder administrativo que lhe é cometido, capazes de produzirem efeitos jurídicos.

O procedimento administrativo é entendido como uma cadeia de acções, sucessão encadeada e organizada de actos e formalidades, diferentes entre si mas relacionados, tendentes à obtenção de um resultado, concretizada numa decisão final. A definição legal de procedimento administrativo está contida no n.º 1 do art. 1º do CPA, “sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução”

“O procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente (...) a cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial", como resulta do disposto na al. h) do n.º 1 do art. 54º da LGT.

Com excepção da situação prevista no art. 23º, n.º 4 da LGT - inexiste norma que determine, de forma geral, a aplicação do princípio vertido no artº 60º da LGT no âmbito da execução fiscal..

Relembramos que nos autos está em causa penhor de créditos da executada sobre terceiros (alínea e) do probatório).

Ainda sendo, seguramente, diremos que no nosso caso, em que está em causa um penhor de direitos (acto de trâmite porque previsto e praticado no âmbito da execução fiscal) não estamos seguramente perante um procedimento administrativo enxertado no processo executivo mas perante uma acto praticado no âmbito das competências próprias conferidas ao chefe do Serviço de Finanças competente, pelo que no nosso caso não se impunha a audiência prévia do sujeito passivo.
Concordamos pois com todas as asserções constantes das conclusões de recurso supra expressas em “L” a “Z” que aqui se relembram para melhor e mais escorreita leitura e compreensão:
O facto de a AT poder praticar no processo de execução fiscal (actos de natureza não jurisdicional não implica que todos os actos por ela praticados naquele processo constituam actos administrativos em sentido estrito,
Como se tem doutrinado nos nossos Tribunais superiores, designadamente, entre outros, e a título de exemplo, no acórdão do STA de 07.12.2011, proferido no recurso n.°01054/11, que aqui nos permitimos citar: «no processo de execução fiscal, sendo certo que está vedada à AT a prática de actos jurisdicionais, é-lhe permitida a prática quer de actos administrativos de natureza tributária, que respeitam à dívida tributária e integram procedimentos tributários (v.g., a reversão) (...) quer de actos de natureza processual, constituindo alguns meras operações materiais (remessa do titulo executivo ao órgão da execução, instauração da execução) e outros actos judiciais de tramitação processual sem natureza jurisdicional (citação, penhora, venda), cuja prática o legislador pôs a cargo da AT enquanto órgão da execução fiscal, a qual age aí como um mero "auxiliar"».
Estes actos judiciais de tramitação processual sem natureza jurisdicional não dão origem a qualquer procedimento de natureza tributária, tratando-se antes de actos praticados pela AT no processo de execução fiscal, enquanto órgão de execução fiscal e em que age como "auxiliar do juiz" no processo de execução fiscal, enquanto responsável pela prática de actos respeitantes à instauração e prossecução da execução com vista à cobrança dos créditos em cobrança coerciva, subordinado então às regras processuais aplicáveis aos actos de natureza não jurisdicional praticados nos demais processos judiciais tributários e não às regras dos actos administrativos tributários ou do procedimento tributário e, como tal, deve ficar sujeita às regras do Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 2°, alínea e) do CPPT.
Assim,
Apenas podemos concluir que a decisão de constituição de um penhor para garantir o pagamento de uma divida em cobrança num processo de execução fiscal, sendo um acto judicial de tramitação processual (de natureza não jurisdicional) sujeito a estritas regras processuais, e não como entendeu o Tribunal a quo, um acto administrativo em matéria tributária, não dá origem a qualquer procedimento de natureza tributária, não tendo assim aplicação o art. 60° da LGT respeitante ao princípio da participação dos contribuintes nas decisões da AT no âmbito de um procedimento tributário.
Entender-se de forma diversa, retirar-se-ia qualquer efeito útil aos actos consignados no art. 195.° do CPPT, uma vez que a comunicação prévia poderia originar a subtracção à esfera garantística da administração dos créditos objecto de penhor.
Este entendimento tem logo acolhimento na redacção dada ao n.° 5 do art. 195.° do CPPT, nos termos do qual o penhor é constituído com o auto lavrado pelo órgão de execução fiscal, que na ausência do executado, o notifica nos termos previstos para a citação,
Daí se depreendendo que é manifestamente vontade do legislador apenas notificar o devedor no próprio acto de penhor, ou em caso de impossibilidade, em momento posterior.
Transparece assim da redacção daquela norma, de forma clara e inequívoca, o afastamento da regra geral da participação dos interessados antes do acto de constituição de penhor no processo de execução fiscal.
Aliás, tal se compreende dadas as características da execução fiscal. Pois, "A execução fiscal, dado o seu fim de arrecadação coerciva de dívida ao Estado ou entidades equiparadas, caracteriza-se, em primeira linha, pela sua celeridade (...) [, tendo] este principio geral (...) uma notável premência nesta forma de processo" - cfr. Laurentino da Silva Araújo, Processo de Execução Fiscal, Almedina, p. 27.
Como refere, Soares Martinez, in Direito Fiscal, 7.a edição, p. 444, "no processo de execução fiscal está em causa a cobrança de receitas tributárias que visam "a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas" e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento - artigo 5.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária."
E foi em consonância com o interesse público e a maior celeridade processual, de molde a obter-se a mais rápida arrecadação de receitas públicas a cobrar coercivamente, que o legislador fiscal no processo de execução fiscal regulou integral e imperativamente o regime de cobrança coerciva, não tendo expressamente previsto o exercício de audição prévia aquando da decisão de constituição de um penhor para garantia da divida exequenda, face desde logo à natureza judicial que lhe quis imputar.
Vale isto por dizer que não foi violado qualquer preceito legal que preveja a participação dos contribuintes nas decisões a proferir num procedimento tributário, pela simples razão de que o mesmo não se aplica no caso concreto”.

Numa linha de entendimento ainda mais redutora da necessidade de audiência prévia do contribuinte em sede de execução fiscal e referindo-se a uma situação em que estava em causa um “procedimento administrativo enxertado ”, de dação em pagamento no processo executivo, surpreendemos o voto de vencido do Sr. Conselheiro Lúcio Barbosa aposto no ac.do STA de 15/04/2009 tirado no recurso 0130/09, supra referenciado, que atenta a sua clarividência aqui citamos para melhor ponderação de matéria cujo exaustão de estudo ainda não foi atingida: “Voto de vencido: Não acompanho a decisão que fez vencimento.
Alinharei de seguida as razões da minha discordância.
O art. 60º da LGT está inserido no título III da LGT, que trata “do procedimento tributário”.
E o art. 54º da LGT define o âmbito do procedimento tributário, onde não está incluído o processo de execução fiscal.
Ao invés, “o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional” – art. 103º, 1, da LGT.
Como é bom de ver, e como acima dissemos, no processo de execução fiscal não está em causa o procedimento tributário.
Vale isto por dizer que não foi violado o citado preceito legal, pela simples razão de que o mesmo se não aplica no processo executivo.
Em processos de natureza judicial as decisões não têm que ser projectadas. A um requerimento segue-se uma decisão, passível, como decorre da lei do respectivo recurso (no caso, reclamação) para o tribunal competente.
Nem impressiona o facto do responsável subsidiário ser ouvido necessariamente antes da reversão (art. 23º, 4, da LGT). É que, neste caso, trata-se da chamada de alguém, até então exterior ao processo executivo, compreendendo-se que seja ouvida antes de nele “entrar”.
Improcederia pois, na minha óptica, este segmento do recurso. (…).

Aqui chegados somos levados a considerar que a decisão recorrida não se pode manter.

Alinhamos as seguintes conclusões:
1) O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional – art. 103º, 1, da LGT.
2) O art. 60º da LGT está inserido no título III da LGT, que trata “do procedimento tributário” e o art. 54º da LGT define o âmbito do procedimento tributário, onde não está incluído o processo de execução fiscal.
4) O acto sindicado de penhor de créditos do executado sobre terceiros, que está em causa nos autos, ainda que possa ser apelidado de materialmente administrativo, não deixa de ser um acto de trâmite porque previsto e praticado no âmbito da execução fiscal, o que afasta a obrigação de cumprimento do disposto no artº 60º da LGT.
Assim sendo, e face ao que ficou dito, a decisão recorrida não se pode manter procedendo o recurso.
4- DECISÃO:
Face ao exposto acordam os juízes deste STA em conceder provimento ao recurso revogando a decisão recorrida e mantendo na ordem jurídica o acto questionado.

Custas a cargo da sociedade recorrida por ter contra-alegado e decaído.
Lisboa, 12 de Abril de 2012. – Ascensão Lopes (relator) – Pedro Delgado – Valente Torrão.