Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0457/14
Data do Acordão:05/21/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:COIMA
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
SOCIEDADE COMERCIAL
INSOLVÊNCIA
Sumário:A declaração de insolvência de uma sociedade é fundamento de extinção do procedimento contra-ordenacional e da execução fiscal em que se proceda à cobrança coerciva da coima aplicada.
Nº Convencional:JSTA00068720
Nº do Documento:SA2201405210457
Data de Entrada:04/14/2014
Recorrente:MASSA INSOLVENTE A..........
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF DE SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART176 N2 A.
RGIT01 ART61 ART62.
CSC86 ART141 ART146 N2 ART160 N2.
CIRE04 ART65 ART156 N2.
L 16/12 DE 2012/04/20.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0617/10 DE 2011/02/09.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO PAG216.
ALFREDO JOSE DE SOUSA E JOSÉ DA SILVA PAIXÃO - CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 4ED PAG425.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

MASSA INSOLVENTE de A……., Ldª, em fase de liquidação, representada pelo Administrador da massa insolvente, identificada nos autos, veio interpor o presente recurso da decisão judicial supra mencionada, ao abrigo do disposto no artº 280º, nº 5 do Código de Procedimento e Processo Tributário, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

a) O presente recurso visa reagir contra a douta decisão do Tribunal a quo que julgou improcedente a Reclamação dos Actos do órgão de execução fiscal, nos autos supra identificados.

b) Na verdade tendo o procedimento-contraordenacional, a decisão aplicativa de coima e, o PEF, sido instaurado após a declaração de insolvência,

c) Sendo aquela equiparada à morte do infractor, cfr., jurisprudência constante e reiterada deste Venerando Tribunal, após aquela, não se justifica a aplicação de quaisquer coimas.

d) Ora, tendo V. Exas., Venerandos Conselheiros, conhecido em 09.02.2011, no âmbito do Proc. n.° 0617/10 de realidade fáctica em tudo idêntica à que cumpria ao tribunal a quo conhecer no âmbito dos presentes autos,

e) Outra não poderia ou deveria ser a decisão do tribunal a quo que não fosse perante a mesma realidade fáctica, sem que entretanto tenha ocorrido qualquer alteração substancial da regulação jurídica, em tudo idêntica à por V. Exas., Venerandos Conselheiros proferida no âmbito dos autos referidos em d).

f) Porém, o tribunal a quo, ao decidir como decidiu, fê-lo de forma oposta à deliberação proferida por V. Exªs, sendo certo que os factos impunham outra decisão na qual determinasse a procedência da Reclamação apresentada.

g) Pelo exposto, entende a R., que o douto tribunal a quo aportou a sua fundamentação na errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão, pelo que a manter-se na ordem jurídica a douta sentença, demonstra uma errada interpretação e inadequada subsunção dos factos ao direito, sendo violadora do disposto nos art.s 61.° e 62.° do RGIT e 176.° n.° 2 alínea a) do CPPT, para além de diametralmente diferente da proferida por V. Exas., no âmbito do Proc. n.° 0617/10.

Requereu a revogação da decisão e a sua substituição por acórdão que declare a Reclamação de Actos de órgão de Execução Fiscal procedente.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público de que a sentença recorrida não padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual deve ser confirmada e o recurso ser julgado improcedente, com o seguinte fundamento:
- Para efeitos do disposto no artigo 176º, nº 2 alínea a) do CPPT (e art. 90º do Regime Geral das Contra-ordenações), ou seja, de extinção de execução fiscal em que está em causa a cobrança de uma coima, só é equiparável à morte das pessoas singulares a extinção da pessoa colectiva, a qual ocorre com o registo do encerramento da liquidação e não com a sua dissolução.

Mostram-se provados, por documento, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:

1- Em 04.01.2007, no processo n.° 1303/06.6TYLSB, que correu termos no 3º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade “A………, Lda.”, [cf. fls. 24 dos autos].

2- Em 18.09.2008 foi registada na Conservatória do Registo Comercial a decisão judicial de encerramento do processo de insolvência da reclamante [fls. 9 do PEF em apenso].

3- Em 21.04.2013, foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3522201301064657, a correr termos no Serviço de Finanças de Oeiras 3, contra a reclamante “A………, Lda. — em liquidação”, por dívida de coima, no montante total de €106,50, por falta de pagamento do IUC relativo ao ano de 2013 [ fls. 1 a 3 do PEF em apenso].

4- Em 17.06.2013, a recorrente apresentou um requerimento junto do Serviço de Finanças de Oeiras 3, onde requereu a extinção do processo de execução fiscal nº 3522201301064657, com fundamento na declaração de insolvência que corresponderia à morte da executada [fls.4 a 13 do PEF em apenso].

5- Em 12.12.2013 o técnico do Serviço de Finanças de Oeiras 3, elaborou a seguinte informação [fls. 16 do PEF em apenso]:

“ (...)
• O contribuinte foi declarado insolvente por Sentença de Declaração de Insolvência - AP. 26/20070110.
• O PEF nº 3522201301064657 foi instaurado em 21/04/2013 e teve origem no processo de contra ordenação nº 3522201206143377, por falta de pagamento do imposto devido referente ao IUC de 2008 do veículo com a matrícula …...
• Consultada a certidão permanente TMenu, verifica-se que pela AP. 19/20080918 - ocorreu a Decisão Judicial de Encerramento do Processo de Insolvência.
• Não consta da certidão permanente a dissolução/liquidação da sociedade.
• Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 176.º do CPPT a execução extingue-se por morte do infractor.
• O requerente refere que tem sido jurisprudência pacífica e reiterada pelo Supremo Tribunal Administrativo o entendimento de que a declaração de insolvência corresponde à morte do infractor e extinção dos processos cuja quantia exequenda resulte de decisão aplicativa de coimas.
• Refere ainda alguns acórdãos proferidos pelo STA de que as coimas devem ser equiparadas em sociedades insolvente à morte do infractor.
E quanto me cumpre informar, V. Ex.ª, porém decidirá. (…)”

6- Por despacho de 16.12.2013, da Adjunta do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2, foi decidido que “com os fundamentos constantes na informação, e não se verificando a dissolução/liquidação da sociedade, nos termos do n.º 2 do artigo 160.º do CSC, indefiro o pedido por não se encontrarem reunidos os pressupostos da alínea a) do n.º 2 do artigo 176.º do CPPT. Notifique.” [fls. 15 do PEF em apenso].

7- Em 3 de Janeiro de 2014 apresentou a recorrente reclamação, ao abrigo do disposto no artº 277º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, que veio a ser julgada improcedente.

Questão objecto de recurso:

1- A declaração de insolvência de uma sociedade equivale à morte de uma pessoa singular para efeitos de extinção do procedimento contra-ordenacional e da execução fiscal em que se proceda à cobrança coerciva da coima aplicada e/ou sanções acessórias?


O artº 61º do RGIT estabelece o seguinte:
«O procedimento por contra-ordenação extingue-se nos seguintes casos:
a) Morte do arguido;
b) Prescrição ou amnistia, se a coima ainda não tiver sido paga;
c) Pagamento voluntário da coima no decurso do processo de contra-ordenação tributária;
d) Acusação recebida em procedimento criminal

O artº 62º do RGIT estabelece o seguinte:
«A obrigação de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias extingue-se com a morte do infractor

Analisando a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo relativa ao disposto no artº 61º do RGIT, largamente referenciada quer no parecer do Magistrado do Ministério Público quer nas alegações de recurso, que, por isso nos abstemos de repetir, verifica-se que, efectivamente, se tem vindo a entender que a dissolução de uma sociedade equivale à morte do infractor, daí decorrendo a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada para a sua cobrança coerciva, nos termos do disposto no art. 62.º do RGIT e no art. 176.º, nº 2, alínea a), do CPPT.
Como refere o Magistrado do Ministério Público, esta jurisprudência apoia-se na doutrina de Alfredo José de Sousa e Silva Paixão (in Código de Processo Tributário, 4ª edição, a fls. 425) e de Jorge Lopes de Sousa, que no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, a fls. 216, que considerou “…é essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção e não de obtenção de receitas para a administração tributária”.
Pese embora o diverso enquadramento que os tribunais comuns têm vindo a adoptar, com base no disposto no artigo 141.º, 146º nº 2 e 160º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais, a especificidade das relações jurídico-tributárias, continua a justificar um diverso enquadramento jurídico quanto ao momento em que se deverá ficcionar « a morte da pessoa colectiva».
No mesmo sentido, se pode ler o entendimento legislativo constante da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, que introduziu diversas alterações ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nomeadamente com a redacção introduzida ao artº 65º, - «com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do art. 156.º do CIRE, se extinguem todas as obrigações declarativas e fiscais da sociedade insolvente, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da actividade».
Assim, a decisão recorrida que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o despacho que indeferiu o pedido de extinção da execução, contrariando a jurisprudência firmada neste Supremo Tribunal Administrativo sobre a matéria, não pode manter-se.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a Reclamação e declarar extinta a execução fiscal.

Sem custas, por não serem devidas.

Lisboa, 21 de Maio de 2014. – Ana Paula Lobo (relatora) - Dulce Neto – Ascensão Lopes.