Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0507/13
Data do Acordão:04/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RENOVAÇÃO
PEDIDO
ISENÇÃO
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - Impondo o n.º 5 do artigo 52.º da LGT (na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) a notificação da caducidade da isenção de garantia até 30 dias antes desta ter lugar, se o executado vier requerer a “renovação” da isenção em tempo de o pedido poder ser apreciado, ouvido o requerente, e decidido antes daquele prazo de caducidade se perfazer – o que não sucede no caso dos autos - não se vê razão de urgência para afastar o dever de audiência prévia do executado requerente antes do indeferimento da renovação da isenção.
II - Cabe ao requerente de nova isenção o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito, podendo cumpri-lo, caso não tenha havido alteração da sua situação patrimonial (que lhe incumbe alegar e demonstrar) e os pressupostos da isenção se mantenham, remetendo para elementos de prova já em poder da Administração tributária.
Nº Convencional:JSTA000P15608
Nº do Documento:SA2201304230507
Data de Entrada:04/04/2013
Recorrente:A...., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A…………, Lda., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, de 28 de Fevereiro de 2013, que julgou improcedente a reclamação por si deduzida contra o despacho do Director de Finanças da Guarda, datado de 20 de Dezembro de 2012, que lhe indeferiu o pedido de isenção parcial de dispensa de garantia para suspender a execução fiscal, apresentando para tal as seguintes conclusões:
B1. Estando em causa a renovação do período de isenção de prestação de garantia, fundado em factos já previamente demonstrados perante a AT, e por interposição do princípio do inquisitório, a decisão de indeferimento, escudada na aplicação das regras do ónus da prova, é ilegal e violadora daquele princípio.
B2. Assim, tendo sido invocados, na renovação do pedido de isenção de prestação (parcial) de garantia os mesmos factos que integraram o mesmo pedido – deferido -, os quais foram aí demonstrados com um juízo de concordância da AT que deu por assente a realidade deles inferível, não se verifica uma situação de ausência de prova, no procedimento, desses mesmos factos, que careça de ser resolvida contra a requerente por aplicação das regras de repartição do ónus da prova.
B3. Inexistindo, no período abrangido pela dispensa de prestação de garantia, qualquer acréscimo patrimonial, traduzido na aquisição da propriedade dos bens referidos nas alíneas N) e O) dos factos provados, os quais já existiam à data em que fora concedida a dispensa de garantia, não se está perante uma alteração do “statu quo ante” que determinou o deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia, sendo de considerar preenchidos, como assim se entendeu no passado, os pressupostos para a aplicação do regime previsto no artigo 52.º, n.º 4, da LGT.
B4. O regime previsto no artigo 170.º do CPPT não se aplica nos casos em que se está perante a “solicitação de um novo período de isenção”, cujo procedimento se encontra regulado nos n.ºs 5 e 6 do artigo 52.º, da LGT, e que prevalece sobre as normas do CPPT.
B5. Devendo a decisão do pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no artigo 52.º n.º 4, da Lei Geral Tributária, qualificar-se como acto materialmente administrativo em matéria tributária e considerando-se que não lhe é aplicável o regime previsto no artigo 170.º, n.º 4, do CPPT, não ocorre qualquer circunstância que obste ao exercício do direito de audição (artigo 60.º da LGT) nos casos em que a AT intente indeferir a concessão de um novo período de isenção de prestação de garantia.
B6. Estando em causa não apenas uma decisão administrativa contrária à pretensão do particular, mas que vai também em sentido contrário a um acto anterior praticado pela AT, o exercício do direito de audição tem uma importância acrescida, permitindo que o interessado possa participar na tomada de decisão contraditória com a anterior (ao menos no seu resultado).
B7. A AT e o Tribunal recorrido, violaram, pois, por errada interpretação, o disposto nos artigos 52.º, n.ºs 4, 5 e 6, 74.º n.º 1, da LGT e o artigo 170.º do CPPT.
Termos em que e nos mais de direito se requer a revogação da sentença recorrida e, consequentemente, a prolação de douto acórdão que julgue a reclamação procedente, com as legais consequências.

2 – Contra-alegou a Fazenda Pública, concluindo nos seguintes termos:
a) Na sequência da alteração legislativa introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro ao n.º 5 do artigo 52.º da LGT, a isenção de prestação de garantia concedida no âmbito do processo de execução fiscal passou a estar sujeita a um prazo de caducidade de um ano;
b) Perante a caducidade do direito de isenção parcial de prestação de garantia, impõe-se ao executado (ora recorrente) formular um novo pedido, devendo para tanto respeitar toda a tramitação que o quadro legal lhe impõe, designadamente, o disposto no artigo 52.º, nº 4 da LGT e 170.º do CPPT.
c) O quadro legal em apreciação (nº 4 do artigo 52º da LGT e artigo 170º do CPPT) não permite ao recorrente que apenas se limite a invocar o interesse que tem em renovar o direito de isenção, exigindo-lhe, por efeito do instituto da caducidade prevista no n.º 4 do artigo 52º da LGT, que efectue um novo pedido, em ordem a que aquele direito lhe seja reconhecido e produza os respectivos efeitos jurídicos.
d) Na qualidade de interessado no reconhecimento do direito de isenção e da produção dos respectivos efeitos na ordem jurídica, cabe ao executado (ora recorrente) o impulso de invocar perante a Administração Tributária tal pretensão, devendo satisfazer os requisitos a que alude o nº 4 do artigo 52º da LGT, e instruir o pedido com os elementos de prova enunciados no artigo 170º do CPPT.
e) As normas vertidas no nº 4 do artigo 52º da LGT e do artigo 170º do CPPT, não podem ser interpretadas de forma isolada, porquanto, o verdadeiro sentido e alcance das mesmas só será atingido pela interpretação e aplicação conjunta.
f) Afastar a aplicabilidade do artigo 170º - conforme pretende o recorrente – no âmbito da tramitação do pedido de dispensa de prestação de garantia, traduzir-se-ia numa violação grosseira da lei, actuando contra a realização do interesse público, já que o executado beneficiaria de um direito de isenção de prestação de garantia, sem que para tanto estivesse onerado a provar a existência desses requisitos, com inevitáveis e graves prejuízos para a concretização da finalidade pública que se materializa na cobrança coerciva da dívida exequenda.
g) Se por um lado, o nº 4 e 5 do artigo 52º da LGT visa a tutela do interesse do executado em ver suspenso o processo de execução fiscal, por outro lado, a norma vertida no artigo 170º do CPPT ao regulamentar a forma como aquela isenção é atribuída visa tutelar o interesse público na medida em que exigindo do executado a prova dos requisitos contidos no n.º 4 do artigo 52.º procura salvaguardar a cobrança do crédito a que o Estado legitimamente tem direito.
h) Ao ter apresentado um pedido de renovação de dispensa de prestação parcial de garantia sem que para tanto, juntasse os necessários elementos de prova a que alude o artigo 170º do CPPT, violou este preceito legal e também o ónus da prova previsto no artigo 342º do Código Civil, adoptado no procedimento tributário, por força do disposto no artigo 74º, nº 1 da LGT, em que se estabelece que “o ónus da prova dos factos constitutivos recai sobre quem os invoque”.
i) Atento o entendimento dominante da jurisprudência emanada deste Digno Supremo Tribunal Administrativo, a cujos fundamentos e conclusões aderimos, conclui-se pela não aplicação do artigo 60.º da LGT no âmbito do processo de execução fiscal, mais concretamente e no que ao caso em apreço interessa, no pedido de dispensa de garantia.
j) A Administração Tributária na decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia e bem assim a sentença recorrida, efectuaram uma correcta interpretação e aplicação das normas vertidas nos artigos 52º, nºs 4, 5 e 6, 74º, nº 1 da LGT e do artigo 170º do CPPT, não existindo na decisão proferida pela Administração Tributária nem na decisão proferida pelo Tribunal recorrido, qualquer vício susceptível de invalidar as mesmas.
Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser negado provimento ao presente recurso e em consequência deverá a decisão recorrida manter-se na ordem jurídica.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 432 e 433 dos autos, no qual conclui que não sendo de proceder à audição prévia que se defende, nem ser caso de pedir a colaboração da requerente para apresentar elemento que apenas estivesse na sua posse, parece que o recurso é de improceder.


Com dispensa de vistos, dado o carácter urgente do processo, vêm os autos à conferência.
- Fundamentação -

4 – Questão a decidir
É a de saber se bem julgou a sentença recorrida ao decidir não haver lugar a prévia notificação do projecto de indeferimento do pedido de renovação da dispensa de prestação de garantia e ao decidir não ter o requerente cumprido o ónus que sobre si impendia de prova dos pressupostos de tal dispensa.

5 – Na sentença do objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos:

A) Em 09.06.2010, o Serviço de Finanças de Seia instaurou contra a ora Reclamante, A……….., Lda., o processo de execução fiscal nº 1279201001005685, para cobrança coerciva de dívida referente a IRC do exercício de 2007 e correspondentes juros compensatórios, no montante de €120.860,20 (cfr. documentos de fls. 31 e 32 dos autos);
B) Ao processo de execução fiscal identificado na alínea que antecede foi apensado, em 28.06.2010, o processo de execução fiscal n.º 1279201001006410, instaurado em 17.06.2010, por dívida de IRC do exercício de 2008 e correspondentes juros compensatórios, no montante de €91.460,39 (cfr. documentos de fls. 33, 34 e 139 dos autos);
C) Tendo a Reclamante apresentado Impugnação judicial das liquidações das dívidas exequendas, por carta registada com aviso de recepção que se mostra assinado em 30.06.2010, foi comunicado à Reclamante para prestar garantia idónea tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal identificado supra, a qual foi fixada em €273.641,80, conforme cálculo constante de fls. 140 (cfr. documento de fls. 141 e 142 dos autos);
D) Em 07.07.2010, foi emitido mandado de penhora, no qual ordenou a penhora dos bens pertencentes ao executado, ora reclamante, suficientes para pagamento da dívida exequenda e acrescido (cfr. documento de fls. 151 dos autos);
E) Por requerimento datado de 15.07.2010, a Reclamante ofereceu à penhora o seu estabelecimento comercial, bem como todos os bens que integram o seu imobilizado, com excepção dos veículos automóveis (cfr. documento de fls. 154 dos autos);
F) Tendo-lhe sido comunicado pelo Serviço de Finanças de Seia que o bem oferecido à penhora identificado na alínea que antecede, avaliado em € 173.039,00, era inferior ao valor da garantia a prestar, a Reclamante solicitou, em 03.08.2010, a isenção parcial de prestação de garantia, pela diferença entre o montante da garantia a prestar e o valor do bem penhorado (cfr. documentos de fls. 162 a 167 dos autos);
G) Em 31.08.2010, o serviço de Finanças de Seia procedeu à penhora da universalidade do estabelecimento comercial da ora Reclamante (cfr. auto de penhora de fls. 176 a 184);
H) Por despacho datado de 31.08.2010, o Chefe do Serviço de Finanças de Seia deferiu o pedido de dispensa parcial de garantia mencionado em F) supra, invocando estarem “reunidas as condições a que se refere o n.º 4 do art. 52.º da LGT e (…) os pressupostos do art. 170.º do CPPT (…)” (cfr. documento de fls. 185v.);
I) Em 28.09.2010, o Chefe do Serviço de Finanças de Seia determinou a suspensão do processo de execução fiscal identificado em A) supra (cfr. documento de fls. 93 v.);
J) Tendo a reclamante sido notificada que a isenção de prestação de garantia iria caducar nos termos do artigo 52.º, n.º 5, da LGT, em 10.12.2012, apresentou no Serviço de Finanças de Seia o requerimento de fls. 267-268, no qual solicita a isenção parcial de garantia, pela diferença entre o montante da garantia devida e o valor do bem penhorado, identificado em E) supra, invocando que:
“é proprietária do património que já se encontra penhorado, não dispondo de mais bens para o efeito, nem tão pouco tendo meios económicos que lhe permitam apresentar uma garantia bancária.
Em suma, a insuficiência do património, para solver os débitos fiscais não deriva de qualquer acção ou omissão do requerente, pois nunca violou quaisquer regras legais ou contratuais que tenham por fim a protecção dos credores e a insuficiência do património não resulta de qualquer violação pela requerente dessas disposições.
Acresce a falta de meios económicos para prestação da garantia solicitada”.
K) Em 18.12.2012, foi elaborada nos autos de execução fiscal identificado em A) a informação constante de fls. 275 a 277, na qual, pronunciando-se sobre o referido pedido de dispensa parcial de prestação de garantia, com relevância para o caso em apreciação, consta o seguinte:
“(…) a manifesta falta de meios económicos é revelada quando a prestação de garantia gera a existência de uma situação de carência económica do executado, de tal modo que ele deixa de ter à sua disposição os meios financeiros necessários à satisfação das necessidades básicas.
A situação de insuficiência material de bens penhoráveis é o indício revelador mais forte de uma possível falta de meios económicos, razão pela qual a lei lhe faz expressa referência, tornando-se, contudo, necessário que o executado não seja responsável pela situação de insuficiência ou inexistência de bens. (…)
Consultado o sistema informático (…), verifica-se que o requerente possui um bem imóvel, o qual está no entanto onerado em montante superior ao valor patrimonial tributário, e bens móveis, designadamente a propriedade de veículos, estando a exercer normal e regularmente a sua actividade, pelo que somos de parecer que não deverá ser atendido o pedido de dispensa de apresentação de garantia.
Importa ainda salientar que, uma vez que o ónus da prova da verificação dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoca, conforme o n.º 1 do artigo 74.º da LGT e artigo 342.º do Código Civil (CC), o requerimento apresentado pelo executado deveria estar devidamente fundamentado e instruído com todos os elementos comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa de garantia (artigo 170.º, n.º 3, do CPPT), o que não se verifica.
Em face do exposto, somos de parecer que não estão reunidos os pressupostos de dispensa contidos nos artigos 52º da LGT e 170.º do CPPT, conjugados com o Ofício-Circulado n.º 60077 da DSGCT, pelo que se propõe o indeferimento do pedido de isenção parcial da prestação de garantia, devendo o processo seguir os trâmites normais para cobrança da respectiva dívida”.
L) Sobre a informação parcialmente reproduzida na alínea antecedente, foi proferido em 20.12.2012, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Seia, o despacho de concordância constante de fls. 274, ora reclamado, cujo teor a seguir se reproduz:
“Concordo.
Indefiro o pedido de isenção parcial de garantia, nos termos propostos”.
M) A ora reclamante não foi notificada para audição prévia à emissão do despacho mencionado na alínea que antecede (matéria não controvertida);
N) A Reclamante consta da caderneta predial urbana junta a fls. 155 dos autos como proprietária do prédio urbano sito na …………. Lote ……….., ………… Comba – Seia, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …………. sob o artigo 882, com o valor patrimonial tributário de €176.730,00;
O) A reclamante é proprietária de veículos automóveis (matéria não controvertida);
P) Em 15.01.2013, deu entrada no Serviço de Finanças de Seia a presente reclamação (cfr. carimbo aposto a fls. 7 dos autos).

6. Apreciando
6.1 Do indeferimento do pedido de (renovação) de isenção de prestação de garantia para suspender a execução
A sentença recorrida, a fls. 318 a 335 dos autos, julgou improcedente a reclamação judicial deduzida pela ora recorrente contra o despacho de indeferimento do pedido de isenção parcial de prestação de garantia proferido pelo Director de Finanças da Guarda, no entendimento de que, no que ausência de prévia notificação do projecto de indeferimento respeita, esta não era exigível porquanto não há lugar a audiência do interessado prévia ao indeferimento do pedido de dispensa de garantia, daí que tenha concluído pela não verificação da invocada ilegalidade por preterição de formalidade legal e ainda por não ter ficado demonstrado estarem reunidos os pressupostos da dispensa de prestação de garantia uma vez que não ficou demonstrada “a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido” nem foi sequer alegado que a prestação de garantia lhe causa prejuízo irreparável.
Fundamentou-se o decidido na jurisprudência deste Supremo Tribunal, em especial o Acórdão proferido em julgamento ampliado nos termos do artigo 148.º do CPTA de 26 de Setembro de 2012 (processo n.º 0798/12), parcialmente transcrito na sentença recorrida (a fls. 328 a 330) e bem assim na consideração, igualmente sustentada em jurisprudência dos Tribunais Superiores desta Jurisdição, de que o ónus da prova dos requisitos previstos no artigo 52.º n.º 4, da LGT para a dispensa de prestação de garantia recai sobre o executado, que, para o efeito, deve alegar e provar factos concretos, ónus da prova que se enquadra no princípio geral, contido nos artigos 342.º do Código Civil e 74.º, n.º 1, da LGT, de que àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito que invoca, ónus que sentença recorrida julgou não ter a reclamante cumprido.
Alega, porém, a recorrente que estando em causa a renovação do período de isenção de prestação de garantia, fundado em factos já previamente demonstrados perante a AT, e por interposição do princípio do inquisitório, a decisão de indeferimento, escudada na aplicação das regras do ónus da prova, é ilegal e violadora daquele princípio, porque inexistiu no período abrangido pela dispensa de prestação de garantia, qualquer acréscimo patrimonial (…) não se está perante uma alteração do “statu quo ante” que determinou o deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia, sendo de considerar preenchidos, como assim se entendeu no passado, os pressupostos para a aplicação do regime previsto no artigo 52.º, n.º 4, da LGT. Alega ainda que o regime previsto no artigo 170.º do CPPT não se aplica nos casos em que se está perante a “solicitação de um novo período de isenção”, cujo procedimento se encontra regulado nos n.ºs 5 e 6 do artigo 52.º, da LGT, e que prevalece sobre as normas do CPPT e que devendo a decisão do pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no artigo 52.º n.º 4, da Lei Geral Tributária, qualificar-se como acto materialmente administrativo em matéria tributária e considerando-se que não lhe é aplicável o regime previsto no artigo 170.º, n.º 4, do CPPT, não ocorre qualquer circunstância que obste ao exercício do direito de audição (artigo 60.º da LGT) nos casos em que a AT intente indeferir a concessão de um novo período de isenção de prestação de garantia, pois que está em causa não apenas uma decisão administrativa contrária à pretensão do particular, mas que vai também em sentido contrário a um acto anterior praticado pela AT, o exercício do direito de audição tem uma importância acrescida, permitindo que o interessado possa participar na tomada de decisão contraditória com a anterior (cfr. as conclusões das alegações de recurso supra transcritas).
Vejamos.
A questão objecto dos presentes autos traduz-se, no fundo, em saber se, no pedido de renovação da isenção de prestação de garantia para suspender a execução fiscal se impõe ao requerente a alegação e prova ex novo dos pressupostos de que tal dispensa legalmente depende e bem assim se, perante um projecto de decisão administrativa agora no sentido do indeferimento do pedido de dispensa a lei impõe a notificação ao requerente do projecto de decisão de indeferimento para efeitos de audiência prévia.
Trata-se de questões surgidas na sequência da alteração introduzida ao artigo 52.º da Lei Geral Tributária pela Lei n.º 64.º-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do estado para 2012), que introduziu naquele preceito legal dois novos números (que passaram a ser os seus números 5 e 6), por virtude dos quais a isenção de prestação de garantia concedida pela Administração Tributária passou a estar sujeita a um prazo de caducidade de um ano, impondo-se à Administração tributária o dever de notificar o contribuinte da data da caducidade da isenção até 30 dias antes desta e cabendo ao executado interessado na renovação da isenção solicitá-la, mantendo-se a suspensão do processo executivo para além do prazo de caducidade apenas se tal pedido, uma vez efectuado, não for indeferido.
Como se consignou no Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido em julgamento ampliado, de 26 de Setembro de 2012 (rec. n.º 0708/12), para quem aceite, como nós, que a isenção de prestação de garantia para suspender a execução tem a natureza de acto administrativo em matéria tributária, apenas a urgência da decisão – a tomar em 10 dias após a apresentação do pedido de dispensa, nos termos do n.º 4 do artigo 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) -, justifica a inexigibilidade de audiência prévia ao indeferimento (com fundamento no disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 103.º do Código de Procedimento Administrativo), pois que a regra no procedimento tributário é a da obrigatoriedade de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições (cfr. a alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT).
Ora, impondo a lei a notificação da caducidade da isenção de garantia até 30 dias antes desta ter lugar, se o executado vier requerer atempadamente a “renovação” da isenção – em tempo de o pedido poder ser apreciado e decidido antes daquele prazo de caducidade se perfazer - não se vê razão para afastar o dever de audiência prévia do executado se a intenção da Administração tributária for a de não renovar a isenção anteriormente concedida, assegurando-lhe a participação na decisão administrativa que lhe diz respeito e a possibilidade de a influenciar.
No caso dos autos, de acordo com o probatório fixado (cfr. a suas alíneas J), K) e L)), a Reclamante, notificada de que a isenção de prestação de garantia iria caducar (em 31 de Dezembro de 2012, conforme resulta da informação de fls. 269 dos autos) requereu em 10 de Dezembro de 2012 (nova) dispensa de prestação de garantia, sobre a qual foi elaborada informação (desfavorável à pretensão da requerente) em 18 de Dezembro de 2012 e proferido despacho de indeferimento em 20 de Dezembro. Caducando a garantia no dia 31 de Dezembro de 2012 e sabido que o prazo para o exercício do direito de audição não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias, dificilmente seria possível assegurar ao requerente o direito de audiência prévia ao indeferimento antes de esgotado o prazo de caducidade do direito à isenção de garantia, razão pela qual se entende, no caso dos autos, que a audiência prévia não tinha lugar.
No que respeita à legalidade do despacho de indeferimento do pedido de isenção da prestação de garantia, entende-se igualmente que o julgado recorrido não merece censura.
Embora a recorrente alegue que estando em causa a renovação do período de isenção de prestação de garantia, fundado em factos já previamente demonstrados perante a AT, e por interposição do princípio do inquisitório, a decisão de indeferimento, escudada na aplicação das regras do ónus da prova, é ilegal e violadora daquele princípio, porque inexistiu no período abrangido pela dispensa de prestação de garantia, qualquer acréscimo patrimonial (…) certo é que no seu requerimento de (renovação do pedido de) isenção – a fls. 267 e 268 dos autos (parcialmente transcrito na alínea J) do probatório fixado) – não remete para a prova antes feita aquando do requerimento inicial de dispensa de prestação de garantia, nem alega que os elementos de prova dos factos que invoca em favor do seu direito estejam já em poder da Administração tributária e se mantenham actuais, pois que não houve alteração da sua situação patrimonial. Di-lo, é certo, agora, mas não o invocou no tempo oportuno, quando se limitou a invocar, sem junção de qualquer elemento demonstrativo de tais factos, que é proprietária do património que já se encontra penhorado, não dispondo de mais bens para o efeito, nem tão pouco tendo meios económicos que lhe permitam apresentar uma garantia bancária, (…) a insuficiência do património, para solver os débitos fiscais não deriva de qualquer acção ou omissão do requerente, pois nunca violou quaisquer regras legais ou contratuais que tenham por fim a protecção dos credores e a insuficiência do património não resulta de qualquer violação pela requerente dessas disposições. Acresce a falta de meios económicos para prestação da garantia solicitada, não invocando sequer, como fizera no pedido inicial, que a penhora dos veículos automóveis de que é proprietária lhe causaria prejuízo irreparável.
Assim sendo, mostra-se acertado o juízo efectuado pelo Tribunal recorrido, que nenhuma censura merece.

O recurso não merece provimento.
- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Abril de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro (com declaração de voto) - Dulce Neto.


Voto de vencido.

Voto vencido quanto às duas questões apreciadas no recurso.
Quanto à questão da formalidade de audiência prévia, concordo que nesta forma de processo não há lugar ao direito de audiência, mas discordo que seja a “urgência” na prática do acto a justificar tal solução.
Tal como defendi no acórdão nº 708/12, e noutros em que fui relator, não é pelo facto de estarmos perante um procedimento urgente que de deve dispensar a audição prévia, mas sim por outras razões.
Em nossa opinião, e seguindo de perto a argumentação exposta nos acórdãos de 7/3/2012, rec nº 185/12, de 13/7/2012, rec nº 665/12 e de 8/8/2012, rec. nº 803/12, não é a caracterização do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia como “acto materialmente administrativo” que impõe a obrigatoriedade da audição prévia, nem é a inexistência de “instrução” ou a “urgência” da decisão que justificam a dispensa da audição. Isto porque a natureza da execução fiscal e dos actos que nela praticados, assim como os meios de reacção que os interessados nela dispõem, não permitem concluir que se está perante um procedimento administrativo, ainda que “enxertado” num “processo judicial”, pelo que não há qualquer necessidade de utilizar as normas do CPA que excepcionam o direito de audiência prévia.
De resto, há muita dificuldade em se aceitar que o órgão de execução fiscal se move no âmbito de um procedimento administrativo e depois não se extrair daí todas as consequências, especialmente a de não se ter em conta que ele é uma estrutura de ordenação flexível que, por objectivos garantísticos e de interesse público, implica o esbatimento da rigidez formal dos actos procedimentais.
É difícil aceitar que o dever de colaboração que orienta o procedimento dispense em todos os casos a instrução ou que o dever de celeridade predomine sempre sobre o princípio da participação dos interessados. Na verdade, se por falta de tempo ou por outro motivo atendível o requerente não pode apresentar todos os meios de prova dos pressupostos da isenção da garantia indicados no nº 4 do art. 52º da LGT, seria contrário ao princípio da colaboração inscrito no artigo 59º da LGT que o pedido fosse decidido sem que o requerente tivesse oportunidade de instruir devidamente o pedido.
De igual modo, nenhuma consequência se deve extrair pelo facto do órgão de execução fiscal não decidir o pedido de dispensa da garantia no prazo de 10 dias. Se o decidir após esse prazo, naturalmente que continua a poder impugnar a decisão, se desfavorável, através da reclamação prevista no artigo 276º do CPPT. Mas se não houver decisão nesse prazo, o requerente não tem que presumir que o pedido foi indeferido para efeitos de reclamação, pois, enquanto não houver decisão expressa, mantêm-se a suspensão provisória da execução resultante da apresentação do pedido. A omissão de qualquer decisão dentro do prazo legalmente estabelecido, não corresponde a um efeito denegatório da pretensão, mesmo que seja apenas para efeito de assegurar o acesso ao tribunal. A inércia do órgão de execução não tem qualquer conteúdo substantivo, com a natureza de “acto materialmente administrativo”, nem serve de expediente técnico-jurídico para assegurar o acesso à justiça tributária, precisamente porque, enquanto não houver decisão expressa, o interesse do executado está satisfeito através da suspensão provisória da execução. O prazo de 10 dias para decidir o dito “procedimento” é assim meramente ordenador ou disciplinador, sem quaisquer consequências negativas para o requerente. Daí que não nos devemos impressionar com a alegação de que tal prazo determina a natureza urgente do procedimento, pois, pelo menos na perspectiva do executado, não há uma correlação necessária entre o prazo de decisão e a urgência na resolução da pretensão. Além disso, a aplicar-se as normas do CPA, seria sempre de exigir um “despacho” a justificar a urgência da decisão.
Repare-se que a “urgência” já não pode servir para justificar a inexistência de audiência relativamente ao acto que recusa a prestação da garantia oferecida pelo executado. Neste caso, a lei não se refere a qualquer prazo específico para a prática do acto, a não ser a regra geral para a prática de actos processuais, que por acaso também é de dez dias (alínea a) do art. 21º do CPPT). Será que neste caso há audiência prévia?
A inexistência de audição prévia radica na circunstância de se tratar de um acto praticado num processo de execução fiscal e não de um acto praticado num procedimento tributário.
Ao atribuir-se à execução fiscal a natureza judicial numa Lei de Bases, como é a LGT – artigo 103º - está-se a impor a obrigatoriedade de se moldar a tramitação da execução segundo as formas próprias dos processos judiciais, o que implica a aplicação supletiva das regras do processo civil. E nenhum obstáculo de ordem constitucional existe à feitura de um processo com esse figurino, desde que não se acometa ao órgão de execução fiscal a prática de actos jurisdicionais. E a estruturação da execução fiscal segundo o modelo dos processos judiciais, apesar de impulsionada e movida por um órgão administrativo, afasta qualquer tentativa de o enquadra na categoria jurídica de procedimento administrativo.
Se bem repararmos, essa distinção é claramente assumido pelo legislador quando na alínea h) do nº 1 do artigo 54º da LGT e na alínea g) do nº 1 do artigo 44º do CPPT apenas inclui no âmbito do procedimento tributário a «cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial». Como o «processo»de execução fiscal é todo ele de natureza judicial, independentemente da natureza materialmente administrativa ou jurisdicional dos actos que nele sejam praticados, a conclusão lógica é que as normas previstas para o procedimento não se aplicam à categoria processo de execução fiscal.
Quanto à segunda questão, entendo que se o órgão de execução tinha dúvidas ou suspeitas de que a situação económica do execução se alterou entre a data em que foi concedida a isenção e a data do novo pedido, deveria ter solicitados esclarecimentos ao executado e não indeferiu, desde logo, o pedido.
O nº 3 do artigo 170º do CPPT estabelece que o pedido de dispensa da prestação de garantia deve ser fundamentado de facto e de direito e «instruído com a prova documental necessária». Mas não resulta da norma quais as consequências do incumprimento ou cumprimento defeituoso do ónus de instrução desse incidente.
Na minha opinião, a incorrecção do requerimento nesse aspecto não tem como efeito imediato o indeferimento do pedido, antes impondo-se ao órgão de execução diligências no sentido do suprimento da irregularidade, “convidando” o requerente a instruir o pedido ou, caso disponha dos elementos sobre a situação económica do executado, juntá-los ao incidente e decidir em função deles.
Na compatibilidade entre o princípio da auto-responsabilidade das partes, concretizado no ónus de instrução do requerimento, com o princípio da colaboração do órgão de execução fiscal, estabelecido no artigo 99º da LGT, considero que neste caso tem preponderância este último, dada a dificuldade que o executado pode ter em apresentar prova de factos negativos em tão pouco tempo. A prova documental sobre a sua situação económica ou está na Administração Pública, como as certidões dos bens imobiliários ou mobiliários existentes no seu património ou as declarações de IRS e IRC, etc, ou na disponibilidade de terceiros, como as contas bancárias. Ora, o tempo para a certificação da inexistência de bens ou da existência de dívidas pode não ser compatível com o prazo para se efectuar o pedido de dispensa de prestação de garantia.
Aplicando supletivamente as regras do processo civil designadamente o disposto no nº 3 do artigo 265º e nº 2 e 4º do artigo 266º, chega-se à conclusão que o órgão de execução fiscal não pode ficar indiferente à ausência de instrução do incidente e avançar logo para a aplicação das regras do ónus da prova. Impõe-se uma atitude pro actione que possibilite, na medida do possível, a prova dos factos alegados.

Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro