Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0951/12
Data do Acordão:01/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:PRAZO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
PRAZO SUBSTANTIVO
Sumário:Ao prazo de natureza substantiva estabelecido no art. 102º, nº 2, do CPPT para apresentação de impugnação judicial não se aplicam as disposições legais previstas no art. 145º, nºs 5 e 6, do CPC para o prazo processual judicial.
Nº Convencional:JSTA00068069
Nº do Documento:SA2201301300951
Data de Entrada:09/17/2012
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPPT99 ART102 N2 ART20 N1
CPC96 ART145 N5 ART279 ART144 N4
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I-RELATÓRIO

1. A………, com os sinais dos autos, impugnou a liquidações adicionais de IVA n.ºs 09155425, 09155427, 09155429 e respectivas liquidações adicionais de juros compensatórios n.ºs 09155426, 09155428 e 09155430, no montante de 67.981,16€, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de impugnar, absolvendo a Fazenda Pública da instância.

2. Não se conformando com tal decisão, A……… – que requereu a rectificação da sentença, o que foi acolhido pela M.mª Juíza – interpôs recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando as respectivas Alegações, com as seguintes Conclusões:
A.
O processo ou contencioso tributário consiste no meio processual, pelo qual, os cidadãos perante os tribunais tributários, podem defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos.
B.
O contencioso tributário apresenta-se quase sempre como um processo de recurso ou de segundo grau, uma vez que o contribuinte apenas recorre a este meio, quando se esgotaram todos os outros meios de garantia e defesa dos seus direitos, junto da própria administração tributária que, alegadamente, praticou o acto tributário lesivo.
C.
Por outro lado, a apresentação de impugnação judicial é, por denominação e natureza, um acto judicial, e não um acto substantivo.
D.
Contudo, e salvo o devido respeito por melhor opinião, a sua qualificação numa ou noutra categoria afigura-se irrelevante, dado que, qualquer que seja a classificação que se entenda dar-lhe, ela é, antes, para além e independentemente dela, um acto processual.
E.
E, nessa conformidade, é-lhe aplicável o disposto no artigo 145° n°5 do Código de Processo Civil, quanto à possibilidade de prática de qualquer acto processual nos 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo, mediante o pagamento de uma multa.
F.
Os prazos processuais são os períodos de tempo fixados por lei para se produzir um específico efeito num processo (por exemplo, estão submetidos a este conceito os prazos de instauração da acção e de contestação).
G.
O prazo processual pode ser estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz.
H.
No caso em apreço, o prazo fixado para a apresentação de Impugnação Judicial encontra-se fixado no artigo 102° do C.P.P.T, no capítulo II com a epígrafe “Do Processo de Impugnação”.
I.
Sendo portanto verdade, que, conforme afirma a Fazenda Pública, ainda não existe um processo, mas também não é menos verdade, que tal prazo se encontrado fixado por lei, num capítulo específico do procedimento.
J.
Da leitura do artigo 20.º n°1 do C.P.P.T, conjugado com a leitura do artigo 102° n° 2 do C.P.P.T e do artigo 279° do Código Civil, nada justifica ou fundamenta o entendimento que não será aplicável o regime do artigo 145° n°5 do C.P.C.
K.
Ora, se não excepcionou foi porque o legislador “pretendeu” que este regime fosse aplicável, ou se se quiser, pretendeu que não fosse afastado “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”,
L.
Não podemos esquecer o princípio de que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. (cfr. artigo. 9° n° 3 do C. C).
M.
Por outro lado, existe o entendimento já consagrado em pela douta jurisprudência que no que toca a prazos processuais ou que como tal sejam considerados por força de disposição legal, a regra, no que à sua contagem respeita, é a de se considerar que a contagem de prazos abrange a possibilidade de prorrogação de prazos.
N.
Que a contagem de prazos abrange a consideração do prazo normal e do prazo suplementar, reconhecendo a lei a faculdade da prática do acto fora do prazo normal mas mediante pagamento de multa.
O.
Que todos os prazos peremptórios têm o seu termo dilatado por mais 3 dias úteis para além do resultante da lei ou de fixação do juiz.
P.
A apresentação de impugnação judicial é, por denominação e natureza um acto processual, e nessa conformidade, é-lhe aplicável o disposto no Código de Processo Civil, artigo 145°, n.°5, quanto à possibilidade de prática de qualquer acto processual nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, mediante o pagamento de uma multa.

TERMOS EM QUE, ATENTO O EXPOSTO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E EM CONSEQUÊNCIA DEVERÁ A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA, E SUBSTITUÍDA POR SENTENÇA QUE RECONHEÇA A TEMPESTIVIDADE DA IMPUGNAÇÃO APRESENTADA TENDO EM CONTA O CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ARTIGO 145°, N°5 DO C.P.C., COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”

3. Não foram apresentadas Contra-alegações.

4. O Digno Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu douto parecer, o qual, fazendo apelo à reiterada jurisprudência deste STA, concluiu pela improcedência do recurso.


II- FUNDAMENTOS

1- DE FACTO

A sentença, sob recurso, após rectificação requerida pelo Impugnante, deu como provada a seguinte matéria:
“A) O impugnante apresentou reclamação graciosa das mencionadas liquidações, no Serviço de Finanças de Carregal do Sal, em 19/03/2010;
B) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 01/06/2010, com base na inexistência de qualquer irregularidade ou ilegalidade na acção de inspecção feita à contabilidade da impugnante;
C) Em 02/06/2010, foi o impugnante notificado do indeferimento da reclamação graciosa;
D) O impugnante apresentou a petição de impugnação, no TAF Viseu, em 22/06/2010, com fundamento na errónea qualificação e quantificação dos valores.”


2- DE DIREITO

2.1. Da questão a apreciar e decidir

A……… deduziu impugnação judicial, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, contra as liquidações adicionais de IVA nºs 09155425, 09155427, 09155429 e respectivas liquidações adicionais referentes ao juros compensatórios, com os nºs 09155426, 09155426, 09155428, 09155430, relativas aos períodos de 0503T, 0512T, 0603T, respectivamente, tudo no valor de €67.981,16.
Em sede de contestação a Fazenda Pública suscitou a excepção da caducidade da impugnação.
Por sentença proferida, em 31/1/2011, a Mmª Juíza “a quo” julgou procedente a excepção da caducidade do direito de impugnar, absolvendo a Fazenda Pública da instância.
Para tanto, ponderou, entre o mais, o seguinte:
“Nos termos dos artigos 70°, n°.1 e 102°, n°1, al. a) do CPPT, o prazo para apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial de um acto tributário, é de 90 dias, a contar do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
Resulta dos factos provados, que o impugnante apresentou reclamação graciosa a 19/03/2010, tendo a mesma sido objecto de indeferimento por despacho de 01/06/2010, pelo que, segundo o disposto no artigo 102°, n°3 do CPPT, o prazo para apresentar impugnação judicial é de 15 dias, após a notificação.
Ora, como consta nos factos provados, a notificação de indeferimento da reclamação graciosa foi efectuada em 02/06/2010, e tendo a impugnação judicial dado entrada no TAF — Viseu, em 23/06/2010, não restam dúvidas que aquele prazo se encontra excedido.
Pelo exposto, na procedência da excepção de caducidade do direito de impugnar, absolve-se a Fazenda Pública da instância”.
Contra este entendimento vem o presente recurso alegando o recorrente, em suma, que ao prazo da impugnação judicial deve ser aplicado o regime do artigo 145º, nº 5, do CPC.
Na óptica do recorrente, “A apresentação de impugnação judicial é, por denominação e natureza um acto processual, e nessa conformidade, é-lhe aplicável o disposto no Código de Processo Civil, artigo 145°, nº 5, quanto à possibilidade de prática de qualquer acto processual nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, mediante o pagamento de uma multa”.

Em face das conclusões, que delimitam o âmbito e objecto do presente recurso, nos termos das disposições constantes dos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, a questão que cumpre apreciar é a de saber se a Mmª Juíza “a quo” incorreu em erro de julgamento, ao julgar verificada a excepção da caducidade do direito de impugnação judicial.

3. Da aplicabilidade ao processo de impugnação judicial do disposto no art. 145º, nºs 4 e 6, do CPC

No caso em apreço o recorrente não põe em causa que a Petição de Impugnação judicial tenha dado entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu para além do prazo de quinze dias previsto no ar. 102º, nº 2, do CPPT. Sustenta porém o recorrente que não se verifica a caducidade do direito de impugnar porquanto sempre será de aplicar o disposto no art. 145º, nº 5, do CPC, quanto à possibilidade de prática de qualquer acto processual nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, mediante pagamento de uma multa, por força das disposições constantes dos arts. 20º, nº 1, e 102º, nº 2, do CPPT conjugado com o art. 279º do CCiv.
Vejamos.
O art. 145º do CPC tem o seguinte conteúdo:
«1- O prazo é dilatório ou peremptório.
2- O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo.
3- O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.
4- O acto poderá, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.
5- Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato da multa, fixada nos seguintes termos:
“(…).
Para o recorrente, sendo esta disposição aplicável à situação sub judice, não se verifica a caducidade da impugnação judicial, uma vez que resulta do probatório que terá a petição de impugnação judicial dado entrada no tribunal no terceiro dia útil posterior com pagamento da respectiva multa.
A questão assim recortada já foi objecto de análise por este Supremo Tribunal em várias situações sempre no mesmo sentido do propugnado no Parecer do Ministério Público.
Com efeito, vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada desta Secção do Supremo Tribunal que o prazo de impugnação judicial é um prazo de natureza substantiva, de caducidade, peremptório, e de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo, uma vez que estão em causa direitos indisponíveis da Fazenda Pública, contando-se nos termos do art. 279º do CPC e art. 20º, nº 1, do CPPT.
Vem sendo igualmente jurisprudência pacífica que o art. 145º, nº 5, do CPC se aplica apenas aos prazos de natureza processual ou judicial e não aos prazos de natureza substantiva. E como ainda não há processo antes da apresentação da petição inicial de impugnação judicial, logo, «não sendo o prazo de dedução da impugnação um prazo de natureza processual, se não lhe aplique o nº 5 do artigo 145º do CPC» (Cfr. o Acórdão do STA de 22/9/2010, proc nº 269/10. No mesmo sentido, cfr., entre outros, os Acórdãos de: 14/3/2007, proc nº 831/06; 30/5/2007, proc nº 238/07; 16/4/2008, proc nº 77/08; 29/10/2008, proc nº 458/08; e 7/9/2011, proc nº 677/10).
Também JORGE LOPES DE SOUSA (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, anotação ao art. 102º, p. 145.), em anotação ao art. 102º do CPPT, escreve que “[o] prazo de impugnação judicial é de natureza substantiva e não um prazo judicial, pelo que não lhe é aplicável o art. 145º, nº 5, do CPC, que prevê a possibilidade de apresentação de documentos nos três dias subsequentes ao termo do prazo mediante o pagamento de multa”.
O mesmo autor, na anotação ao art. 20º do CPPT, explica a razão de ser desta jurisprudência. Assim, segundo o Autor, “[a]ntes da vigência da LPTA, era discutido no contencioso administrativo e tributário se o prazo de interposição de recurso contencioso e de impugnação judicial eram prazos de natureza adjectiva ou substantiva, sendo dominante a jurisprudência que lhe atribuía aquela primeira natureza”(Cfr. ob. cit., p. 274.). Entretanto, o art. 28º da LPTA veio resolver o problema ao determinar a aplicação das regras previstas no art. 279º do CC à contagem do prazo de interposição do recurso contencioso, o que levou a jurisprudência maioritária a qualificar como substantivo o prazo de recurso contencioso. E embora o preceito se reportasse aos recursos contenciosos, a Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal entendeu aplicar aquela qualificação ao prazo para dedução da impugnação judicial, em face da natureza similar desta com o recurso contencioso.
Com a reforma do Contencioso Administrativo introduzida pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro de 2002, o art. 58º do CPTA, sob a epígrafe “Prazos”, estabelece, no seu nº 3, que a «contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no Código de processo Civil».
Por conseguinte, o referido preceito remete para o nº 4 do art. 144º do CPC, que manda aplicar aos prazos para a propositura de acções previsto nesse Código o regime definido nos números anteriores desse artigo. Em anotação ao art. 58º do CPTA, referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS CADILHA (Cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, 389.) que tendo em conta a referida remissão, “(…) afigura-se que o prazo de impugnação mantém a sua natureza de prazo substantivo, ficando, todavia, sujeito a um novo regime de contagem”.
E, mais adiante, os mesmos Autores ponderam que “[e]ntendendo-se a remissão como feita para o modo de contagem dos prazos do art. 144º do CPC – e na perspectiva de que o prazo de impugnação de actos administrativos mantém a sua característica de prazo substantivo -, fica afastado o regime especial de prática de acto num dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, a que se refere o artigo 145º, nºs 5, 6 e 7, do CPC.”
Em suma, em abono da tese do recorrente não podemos sequer invocar a alteração introduzida com o CPTA na contagem dos prazos de impugnação dos actos administrativos.
Diferentemente se passam as coisas com a admissibilidade do regime do justo impedimento, consagrado no art. 146º do CPC, cuja aplicação no contencioso tributário tem merecido adesão da jurisprudência por razões de justiça no acesso ao direito.
Assim, ainda com JORGE LOPES DE SOUSA, o diferente entendimento quanto ao âmbito de aplicação dos dois institutos encontra justificação racional e material.
Com efeito, segundo o Autor, e relação ao regime do art. 145º, nº 5, do CPC, não valem as exigências de justiça ou de garantia do acesso a ela, pois a faculdade aí prevista ocorre independentemente da existência de qualquer impedimento do interessado em praticar o acto no prazo. Por outro lado, os prazos de impugnação contenciosa de actos são prazos de caducidade (art. 298º, nº 2, do CC), pelo que lhes devem ser aplicadas as respectivas regras, designadamente as de que só impede a caducidade a prática do acto dentro do prazo (art. 331º, nº 1, do mesmo Código) e da não suspensão nem da interrupção prevista na lei (art. 328º do mesmo Código).
Para além disso, a possibilidade de utilização dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo apenas está prevista para os prazos de actos praticados em processos judiciais que são aqueles que os arts. 137º e seguintes do CPC visam regular. Dessa constatação decorre que tal regime seja inaplicável aos prazos de natureza substantiva, designadamente os prazos para a impugnação de actos administrativos, para impugnação judicial e recursos não judiciais. Com efeito, relativamente aos prazos de natureza substantiva, não valem as regras relativas aos actos processuais, em que se inclui o art. 145º do CPC, vigorando as regras da caducidade, que só é impedida pela prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei atribui efeito impeditivo daquela (arts. 298º, nº 2, e 331º, nº 1, do CC)” (Cfr. ob. cit., anotação ao art. 20º do CPPT, p. 276.).
Em face do exposto a pretensão do recorrente não pode proceder, confirmando-se a sentença recorrida.

III- DECISÃO

Termos em que os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.