Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0209/23.9BEMDL
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
Sumário: Não se justifica admitir a revista quando as questões em causa, decididas convergentemente pelas instâncias de uma forma lógica e coerente e que aparentemente não é errada, não revestem complexidade acima da média, não sendo, por isso, dotadas de relevância jurídica fundamental.
Nº Convencional:JSTA000P31846
Nº do Documento:SA1202401250209/23
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:B..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


1. A..., LDA, intentou, no TAF, acção administrativa de contencioso pré-contratual, contra a B..., S.A. e em que eram contra-interessadas a C..., S.A., a D..., LDA, a E..., S.A e a F... S.A., pedindo a anulação da adjudicação à 1.ª contra-interessada da empreitada de obras públicas para construção de “Ligações alta / baixa em Mira – Zona Norte”, praticada em 22/5/2023, pelo Conselho de Administração da entidade demandada, bem como do contrato que entretanto tenha sido celebrado e a condenação desta a readmitir a sua proposta e a adjudicar-lhe o contrato.
Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a entidade demandada do pedido.
A A. apelou para o TCA-Norte, o qual, por acórdão de 17/11/2023, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença.
É deste acórdão que a A. vem pedir a admissão do recurso de revista.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.º 150.º, n.º 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.º 150.º, n.º 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
A sentença, considerando que a proposta da A., ao prever um prazo parcial vinculativo de 56 dias para a entrega, antes do respectivo “comissionamento”, de termo de responsabilidade de execução e ficha de execução de instalações eléctricas com medição de terras, violava o ponto 7.2.1 al. c), do caderno de encargos, onde se estabelecia para esse efeito um prazo mínimo de 60 dias, entendeu que ela teria de ser excluída, nos termos dos artºs. 70.º, n.º 2, al. b) e 146.º, n.º 2, al. o), ambos do CCP, por apresentar um termo ou condição violador de aspectos de execução do contrato a celebrar não submetidos à concorrência. E, ao contrário do alegado pela A., entendeu que a referida exclusão não poderia ser afastada pela apresentação, com a proposta, da declaração a que aludia o art.º 8.º, n.º 1, al. a), do programa do procedimento, de aceitação do conteúdo do caderno de encargos elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao CCP, porque “se o concorrente detalha o modo como pretende executar determinados aspectos do contrato, manifesta uma vontade que assume um conteúdo específico e que, por isso, se sobrepõe, em princípio, à declaração de conteúdo genérico, elaborada em conformidade com o modelo que constitui o anexo I ao CCP”. Considerou ainda que, “atendendo à natureza do erro inserto na proposta da Autora, traduzido na inclusão de uma condição violadora de um aspecto da execução do contrato não submetido à concorrência, não poderia o júri do procedimento ter solicitado à concorrente qualquer esclarecimento”, visto não se estar perante uma irregularidade formal ou um mero erro de cálculo ou de escrita cujos termos de correcção se manifestem evidentes. Finalmente, no que concerne à alegação que a exclusão violava os princípios da concorrência e da igualdade, em virtude de, quanto à contra-interessada “D..., Ld.ª”, ter havido um convite destinado ao esclarecimento do prazo em que se comprometia a entregar o termo de responsabilidade de execução e ficha de execução de instalações eléctricas com medição de terras para aferir do cumprimento do prazo parcial vinculativo estabelecido na al. c) do ponto 7.2.1 do caderno de encargos, sustentou-se que esse circunstancialismo não tinha o condão de tornar ilegal a exclusão da proposta da A., proferida no exercício de um poder vinculado, porque “não pode haver igualdade na ilegalidade”.
Este entendimento foi integralmente confirmado pelo acórdão recorrido que, em grande parte, se limitou a remeter para os fundamentos da sentença.
A A. justifica a admissão da revista com a relevância jurídica das duas questões essenciais a analisar – respeitantes ao afastamento da causa de exclusão da proposta prevista na al. b) do n.º 2 do art.º 70.º do CCP por força da apresentação pelo proponente da declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao CCP e por, nos termos do n.º 3 do art.º 72.º deste diploma, se dever proceder previamente ao convite para rectificação da irregularidade verificada –, dotadas de capacidade expansiva para lá da presente demanda e porque “inexiste ainda uma posição sedimentada (nomeadamente mediante jurisprudência uniformizada do STA) a propósito do tratamento jurídico a conferir-lhes”, bem como com a necessidade de uma melhor aplicação do direito, imputando ao acórdão recorrido erros de julgamento por a referida falta de observância do prazo parcial vinculativo mínimo exigido no caderno de encargos não ter como consequência a exclusão da proposta quando concatenada com a simultânea aprsentação de uma declaração por via da qual ela se comprometia a cumprir, integral e incondicionalmente, essa peça do concurso, por a irregularidade verificada corresponder a um “mero e evidente lapso” que se deveria considerar “não escrito” ou ao incumprimento de uma formalidade que se degradava em não essencial, ou por o júri sempre ter o poder-dever de, nos termos do art.º 72.º, n.º 3, do CCP, a convidar a suprir tal irregularidade formal não essencial.
Resulta do que ficou exposto que o que está em causa nos autos é fundamentalmente saber se o incumprimento, na proposta da A., do prazo parcial vinculativo de 60 dias que, nos termos da al. c) do ponto 7.2.1 do caderno de encargos, deveria mediar entre a assinatura do termo de responsabilidade de execução e ficha de execução de instalações eléctricas e o comissionamento constitui causa de exclusão dessa proposta por força do disposto nos artºs. 70.º, n.º 2, al. b) e 146.º, n.º 2, al. o), ambos do CCP, ou se esta exclusão se deve considerar afastada por ter sido junta a declaração exigida pelo art.º 8.º, n.º 1, al. a), do programa do procedimento, ou por se estar perante um mero erro material ou uma irregularidade formal não essencial.
Para além dos contornos particulares do caso em apreciação não o tornarem facilmente repetível, as questões em causa, decididas convergentemente pelas instâncias de uma forma lógica e coerente e que aparentemente não é errada, não revestem complexidade acima da média, não sendo, por isso, dotadas de relevância jurídica fundamental, nem ocorrendo uma clara necessidade de reapreciação do aresto recorrido.
Deve, pois, prevalecer a regra da excepcionalidade da admissão das revistas.

4. Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso)