Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0842/12
Data do Acordão:03/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
NULIDADE PROCESSUAL
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DE PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - O n.º 2 do artigo 121.º do CPPT apenas obriga à notificação do parecer do Ministério Público para que, querendo, o impugnante e o representante da Fazenda Pública sobre ele se pronunciem, no caso de o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, o que se não verifica no caso dos autos.
II - É nula, por omissão de pronúncia, a sentença que deixe de apreciar questão que deva conhecer e que não esteja prejudicada pela solução dada a outra (artigos 125.º, n.º 1 do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º n.º 2 do CPC).
Nº Convencional:JSTA000P15422
Nº do Documento:SA2201303060842
Data de Entrada:07/20/2012
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A………., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 29 de Abril de 2012, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra o “Despacho do Director de Finanças de Faro, de 16/12/2009, que tornou definitivo o projecto de despacho proferido em 30/11/2009 e indeferiu a Reclamação Graciosa n.º 129/2009 do Serviço de Finanças de Lagoa (Algarve)”, apresentando as seguintes conclusões:
A) A douta sentença do Tribunal “a quo” ao não se pronunciar sobre o vício invocado da violação do direito ao contraditório e não fundamentar, nem de facto nem de direito a decisão de não verificação dos vícios da preterição das formalidades essenciais de audição prévia e fundamentação da decisão da administração fiscal, enferma de nulidade nos termos e para os efeitos do art. 125.º CPPT.
B) O Tribunal “a quo” julga erradamente, cometendo erro de julgamento de direito, ao decidir que «os vícios de preterição de formalidade de audição prévia e de falta de fundamentação», com o devido respeito e salvo melhor opinião, geram apenas anulabilidade.
C) A violação da preterição da audição prévia gera a nulidade da decisão?
A violação ou incorrecta realização do direito de audiência prévia traduz-se na violação de uma formalidade essencial que, em princípio, determina a ilegalidade do próprio acto, com a cominação de nulidade.
D) A recorrente ao ser notificada de um projecto de decisão e sua fundamentação, e aquando da decisão final, o órgão da AT ao confirmar o sentido provável (indeferimento) do projecto de decisão, com diferentes factos e diferentes fundamentos, não permitiu que o SP se pronunciasse sobre os novos factos e fundamentos, omitindo o exercício do direito de audiência prévia, que era essencial para que a decisão fosse diferente.
E) A preterição da formalidade essencial do art. 60.º da LGT e art. 100.º CPA, é geradora de nulidade, nos termos do art. 133.º, n.º 1 do CPA e art. 267.º n.º 5 CRP
F) A falta de fundamentação da decisão acarreta a sua nulidade?
A douta sentença do tribunal “a quo” decide erradamente ao afirmar que o vício de falta de fundamentação gera a anulabilidade de actos da Administração, no entanto, o direito à fundamentação dos actos tem natureza de direito fundamental (268, n.º 3 da CRP) e, nestes termos, terá de forçosamente levar à nulidade da decisão impugnada, nos termos do art. 133.º, n.º 1 do CPA e do art. 133.º n.º 2 alínea d) do CPA.
G) E violação do princípio do contraditório?
A administração Fiscal ao notificar a ora recorrente de um projecto de decisão (com o sentido provável desta e os aspectos relevantes para a decisão nas matérias de facto e de direito) e decidir com outros novos fundamentos de facto e de direito dispares do “projecto” de decisão notificado violou peremptoriamente o princípio do contraditório.
H) O princípio do contraditório é uma exigência do Estado de Direito Democrático (art. 2º da CRP) e a AF ao proceder como procedeu, em violação do princípio do contraditório, o mesmo impediu que o recorrente pudesse exercer os seus direitos, de defesa e de resposta, e por isso, a decisão impugnada é manifestamente NULA, ao abrigo do disposto no art. 133.º e seguintes do CPA, especificamente o art. 133.º, n.º 1 e 2, alínea d), violando as disposições do art. 60.º LGT, 8.º e 100.º e ss. CPA, e 45.º, n.º 1 CPPT.

2 - Mais invocou a recorrente, por requerimento de fls. 96 e 97 dirigido ao tribunal “a quo”, verificar-se nulidade processual por violação do princípio do contraditório, resultante do facto de o juiz “ a quo” a não ter notificado do parecer do Ministério Público, dando-lhe oportunamente possibilidade de sobre ele se pronunciar, o que, no seu entender, configura nulidade processual atípica ou inominada, que inquina todo o processado posterior e de que só teve conhecimento com a notificação da sentença.

3 - Não foram apresentadas contra-alegações.

4 - O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do recurso.
- Fundamentação -
5 – Questões a decidir
Importa, a título prévio, e em face do requerimento de fls. 96 e 97 dos autos, decidir se a falta de notificação do parecer do Ministério Público proferido em 1.ª instância, conduz, como arguido pela recorrente, a nulidade processual inquinante de todo o processado posterior, incluindo a sentença. É que, embora tal questão não tenha sido suscitada nas alegações de recurso, antes tendo sido colocada ao próprio tribunal “a quo” já depois de proferida a sentença – pois que a recorrente apenas e só obteve conhecimento da síntese do parecer da Digna Procuradora da República dos Serviços do Ministério Público aquando da notificação da douta Sentença (cfr. requerimento de fls. 96 dos autos) -, o tribunal “a quo” não conheceu da arguida nulidade, justificando esse não conhecimento em razão do disposto no n.º 1 do artigo 666.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT (Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa) – cfr. despacho de fls. 121 dos autos.
Improcedendo a arguição de nulidade processual, importa julgar da alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto à violação à Administração tributária do direito ao contraditório e por falta de fundamentação de facto e de direito da decisão de não verificação dos vícios de preterição de formalidades essenciais de audição prévia e fundamentação da decisão da administração fiscal (cfr. conclusão A) das alegações de recurso).
Improcedendo a arguição de nulidades da sentença recorrida, haverá então que conhecer do alegado erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, por ter decidido que os vícios invocados (violação de audição prévia, falta de fundamentação da decisão e violação do princípio do contraditório) eram geradores de anulabilidade da decisão e não de nulidade desta, daí que tivessem de ser arguidos no prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, sob pena de caducidade do direito de deduzir impugnação.

6 – Matéria de facto
Constam do probatório fixado na sentença recorrida os seguintes factos:
A) Por requerimento recebido na Direcção de Finanças de Faro, em 28/09/2009, a Impugnante reclamou graciosamente contra a liquidação de IRC n.º 2009 2010374898 de 2009-07-20, referente ao exercício do ano 2008, cfr. fls. 1 da reclamação graciosa em apenso.
B) Em 30/11/2009, foi proferido o projecto de despacho de fls. 128 e 129 da reclamação graciosa, que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para a decisão: (reproduzido a fls. 52 a 54 dos autos).
C) A impugnante exerceu o seu direito de audição pelo requerimento apresentado em 14/12/2009, que constitui fls. 136 a 140, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
D) Em 16/12/2009, foi indeferida a reclamação graciosa por despacho que constitui fls. 149 e 150 do apenso, donde resulta com interesse para a decisão: (reproduzido a fls. 54 e 55 dos autos).
E) O despacho a que se refere a alínea anterior foi notificado à Impugnante em 18/12/2009, cfr. fls. 153 do apenso.
F) Em 19/02/2010, a impugnante apresentou recurso hierárquico, cfr. processo administrativo apenso.
G) O recurso hierárquico a que se refere a alínea anterior foi indeferido por intempestividade, por despacho de 21/09/2010, cfr. processo administrativo apenso.
H) A petição inicial foi apresentada em 28/10/2010, cfr. carimbo aposto a fls. 5.



7 – Apreciando
7.1 Questão prévia: da arguida nulidade processual por falta de notificação do parecer do Ministério Público
Arguiu a ora recorrente perante o tribunal “a quo” nulidade processual que classifica de atípica ou inominada, por não ter sido notificada do parecer do Ministério Público proferido em 1.ª instância, em alegada violação do disposto no artigo 113.º n.º 2 e 121.º, n.º 2 do CPPT, a conjugar com o disposto no art. 3.º n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável “ex vi” do art. 2.º alínea e) do CPPT (cfr. fls. 96 e 97 dos autos).
De facto, a então impugnante não foi notificada do parecer do Ministério Público em 1.ª instância, mas não tinha de o ser, pois que neste parecer, ao contrário do alegado, não foi suscitada questão que obste ao conhecimento do pedido.
Como decorre do teor do parecer de fls. 42 a 45 dos autos, o parecer do Ministério Público em 1.ª instância pronuncia-se, isso sim, pelo conhecimento do pedido e pela procedência da impugnação.
Ora, o n.º 2 do artigo 121.º do CPPT apenas obriga à notificação do parecer do Ministério Público para que, querendo, o impugnante e o representante da Fazenda Pública sobre ele se pronunciem, no caso de o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, o que se não verifica no caso dos autos.
Quem suscitou a questão da intempestividade da impugnação foi o Representante da Fazenda Pública, na sua contestação, de fls. 35 a 37, tendo esta sido notificada ao mandatário da impugnante (fls. 39), que sobre ela não se pronunciou.
Ora, se tivesse sido omitida a notificação da contestação, haveria claramente violação do disposto no n.º 2 do artigo 113.º do CPPT, geradora de nulidade processual sujeita ao regime dos artigos 201.º, 203.º e 205.º do CPC, pois que constituiria a omissão de um acto exigido por lei susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.
Sucede, contudo, que não foi omitida a notificação da peça processual (contestação) no qual se suscitou a questão da intempestividade da impugnação, sendo que o parecer do Ministério Público, que não foi notificado, não tinha que o ser, pois não suscitou questão que obstasse ao conhecimento do pedido.

Improcede, pois, a arguição de nulidade processual, que deve classificar-se de secundária e sujeita ao regime dos artigos 201.º, 203.º e 205.º do CPC (neste sentido, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de Fevereiro de 2012, rec. n.º 684/11).

7.2 Da alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação
Na conclusão A) das suas alegações de recurso, a recorrente imputa à decisão recorrida o vício de nulidade, por omissão de pronúncia, ao não se pronunciar sobre o vício invocado da violação do direito ao contraditório, e por falta de fundamentação da decisão de não verificação dos vícios da preterição das formalidades essenciais de audição prévia e fundamentação da decisão da administração fiscal.
Vejamos.
No que à nulidade por falta de fundamentação respeita, é manifesto, em face do teor da sentença (cfr. a respectiva fundamentação, a fls. 55 a 58 dos autos), que tal nulidade se não verifica, pois que esta se encontra fundamentada na medida do necessário para o não conhecimento da acção.
É que limitando-se a sentença a conhecer, em face da excepção de intempestividade da acção invocada pela Fazenda Pública, se a falta de fundamentação da decisão impugnada e a preterição da formalidade de audição prévia acarretam a sua invalidade, na forma de nulidade – caso em que a impugnação seria ainda tempestiva – ou se, ao invés, eram geradoras de mera anulabilidade – caso em que a impugnação seria manifestamente intempestiva -, a sentença recorrida, fundamentando o decidido na jurisprudência reiterada e uniforme deste STA e citando vários acórdãos nesse sentido, concluiu, com acerto, que a tais omissões geram mera anulabilidade da decisão recorrida e consequentemente que a impugnação seria intempestiva para delas conhecer, abstendo-se, pois, de conhecer, se, no caso dos autos, houve ou não efectiva violação de “audição prévia” e “falta de fundamentação” da decisão, pois que a acção não foi proposta em tempo de conhecer de tais vícios, geradores de anulabilidade do acto.

Nada diz, porém, a sentença recorrida, directamente ou por remissão para a jurisprudência aí citada, quanto ao também expressamente alegado na petição de impugnação (artigos 19.º a 25.º, a fls. 14 e 15 dos autos) vício de violação do princípio do contraditório, expressamente consagrado no n.º 1 do artigo 45.º do CPPT e de que os artigos 60.º da LGT e 100.º do CPA alegadamente constituem uma manifestação, vício este consubstanciado, no caso dos autos, no facto de decisor ter notificado a ora recorrente de um projecto de decisão (com o sentido provável desta e os aspectos relevantes para a decisão nas matérias de facto e de direito) e decidir com outros novos fundamentos de facto e de direito dispares do “projecto” de decisão notificada (cfr. o art. 21.º da petição inicial, a fls. 14 dos autos), sem previamente o ouvir sobre os novos fundamentos.
Ora, podendo constituir fundamento de impugnação qualquer ilegalidade (cfr. o artigo 99.º do CPPT), impunha-se ao tribunal “a quo” o conhecimento também desta questão para aferir da tempestividade da impugnação, pois, nos termos do n.º 2 do artigo 660.º do CPC (aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT), o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e bem podia concluir, que, ao contrário do decidido quanto à falta de fundamentação e de audição prévia, a violação do princípio do contraditório pela Administração fiscal era vício gerador de nulidade da decisão, pelo que se impunha o conhecimento do mérito da impugnação quanto ao vício invocado.


Tendo, porém, omitido pronúncia sobre questão que devia conhecer e que não estava prejudicada pela solução dada às demais (art. 125.º, n.º 1 do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º n.º 2 do CPC), está ferida de nulidade a sentença recorrida, impondo-se a sua anulação e a baixa dos autos à 1.ª instância para se proceder à reforma da sentença, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 731.º do CPC.

Prejudicadas ficam as demais questões suscitadas no recurso.

O recurso merece provimento.


- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, anulando a sentença recorrida e ordenando a baixa do processo ao tribunal “a quo” para reforma da sentença, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas neste recurso.


Sem custas.

Lisboa, 6 de Março de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.