Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:026/17
Data do Acordão:02/09/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:Não é de admitir revista se o problema da prescrição do direito de indemnização, que é o que vem colocado, foi decidido de acordo com o reiteradamente considerado neste Supremo Tribunal Administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P21451
Nº do Documento:SA120170209026
Data de Entrada:01/10/2017
Recorrente:A........
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS E CENTRO HOSPITALAR NORDESTE, EPE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………. intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, acção administrativa comum, contra o Estado Português e o Centro Hospitalar do Nordeste, EPE, onde peticionou a condenação solidária destes a pagarem-lhe a quantia global de € 891.500,00 a título de indemnização, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, pelos danos que lhe causaram aquando da realização de um parto naquela unidade hospitalar e nos tratamentos que a seguir lhe ministraram.

Sem êxito já que aquele Tribunal julgou o Estado parte ilegítima e prescrito o reclamado direito à indemnização. Daí que tivesse absolvido o Estado Português da instância e o Centro Hospitalar do Nordeste do pedido.
Decisão que o Tribunal Central Administrativo Norte confirmou.

É desse Acórdão que a Autora recorre, ao abrigo do disposto no artigo 150.º/1 do CPTA, invocando que as questões suscitadas na acção têm grande relevância jurídica e social e, por outro lado, ser indispensável a sua reapreciação para uma melhor aplicação do direito.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Recorrente pretende a revogação do Acórdão do TCAN que, confirmando decisão do TAF, julgou prescrito o direito à indemnização aqui reclamado. Pretensão fundamentada, entre outras, nas seguintes conclusões:
“6. As decisões proferidas nos presentes autos - alinhando no entendimento de que «Está afastada a possibilidade de aplicação ao caso vertente do regime prescricional previsto para a responsabilidade contratual» (cfr. douto Acórdão Recorrido) - são amplamente contrariadas quer ao nível doutrinal - vide, designadamente, art.ºs 200° a 205° da P.l. e Alegações do recurso de Apelação, para cujo teor aqui se remete - quer ao nível da jurisprudência do próprio TCAN e mesmo do STJ – vd., a título exemplificativo, os Acórdãos supra citados
13. A apreciação da excepção de prescrição não pode bastar-se com o apelo ao Decreto-Lei que regula a responsabilidade civil extra-contratual do Estado - uma vez que o cerceamento processual do direito da Autora colide, aqui, com a salvaguarda de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, como os já invocados direito à protecção da saúde (vide art. 64° da C.R.P.) e o direito à vida (vide art. 24° da C.R.P.), por um lado, e o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (vide art. 200 da C.R.P.), por outro - devendo ser apreciada à luz do conjunto das normas jurídicas susceptíveis de influenciar a decisão, viabilizando, sempre que possível, o julgamento do mérito da causa e a apreciação do direito reclamado;
14. Não obstante a conduta médica em causa nos autos ter ocorrido ao abrigo de uma relação jurídico-administrativa, parte da doutrina e da jurisprudência dos Tribunais Superiores - incluindo da jurisdição administrativa - vêm defendendo que, em matéria de responsabilidade médica, dever ser aplicado o regime da responsabilidade contratual, não apenas por ser o regime mais favorável aos visados, mas também por ser o que melhor se assemelha à realidade das prestações de parte a parte aí em causa (cfr. excertos supra transcritos e Acórdãos supra citados);
21. Em nenhum caso deveria ser aplicado à pretensão da Autora o prazo prescricional de 3 anos, mas sim o prazo de 20 anos previsto no CC para a prescrição da responsabilidade civil contratual;
24. Mesmo que se entendesse que a disposição conjugada do art. 5° da Lei n.º 67/2007, de 31/12 com o art. 498°, n° 1 do C.C. determina a aplicação do prazo de 3 anos à prescrição em causa nos autos - o que não se concede - sempre a aplicação de tal disposição conjugada - quando interpretada no sentido de limitar o prazo de prescrição por erro cometido na prestação de cuidados de saúde por entidades públicas - deveria ser afastada pelo Tribunal, por violação não apenas dos direitos prescritos nos art.ºs 20°, 24° e 64° da C.R.P., mas também do princípio da igualdade, conforme previsto no art. 13° e aflorado no art.º 9°, al. d), ambos da C.R.P. - uma vez que cria uma diferenciação entre o prazo de prescrição dos utentes consoante forem vítimas de erros cometidos por prestadores de cuidados de saúde do sector público ou do sector privado – inconstitucionalidades que, para os devidos efeitos, se invoca.”

3. No caso, tanto o TAF de Mirandela como o TCA Norte foram unânimes em decidir que o direito indemnizatório reclamado pela Autora já se encontrava prescrito quando esta se dirigiu a Tribunal para o exercer. Entendimento que, no essencial, o Acórdão recorrido justificou do seguinte modo:
Voltando ao caso em concreto, vistos os contornos da acção, impunha-se apreciar se os ditos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual se tinham por preenchidos.
Porém, uma circunstância de natureza adjectiva processual, inviabilizou a entrada no mérito/fundo da causa.
Na verdade, os factos ocorreram durante os internamentos a que, em Maio de 2008, a Autora, aqui Recorrente, foi sujeita na unidade hospitalar de Bragança.
Por seu turno, nestes casos, o prazo de prescrição do direito de indemnizar é de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito, como mandam os art.°s 5° da Lei 67/2007 e 498° do C. Civil.
Ora, a acção (apenas) deu entrada em 19/06/2014, ou seja, decorridos bem mais de três anos sobre a data de conhecimento do direito - cfr. os pontos 1), 45) e 46) do probatório.
A este propósito o STA tem perfilhado o seguinte entendimento relativamente a situações em que o facto ilícito é um facto de natureza continuada: “No caso de ser invocado como fundamento da responsabilidade um facto ilícito de natureza continuada, não é necessário para exercer o direito de indemnização que tenha cessado tal facto, pelo que, à face do n° 1 daquele art.° 306.°, com o conhecimento inicial dos pressupostos do direito à indemnização começou a correr o prazo de prescrição.” - Ac. de 04/12/2002, proc. 01203.
….
Mas, mesmo que se entendesse ser de aplicar o prazo de cinco anos a que se refere o art.° 498°, n° 3, também tal prazo já tinha decorrido à data da propositura da acção.”

4. É esta decisão que a Recorrente pretende ver reapreciada nesta revista. Ou seja, e dito de forma diferente, o que a mesma pretende é que este Supremo reaprecie a questão de saber se, nos casos como o dos autos, o prazo prescricional do direito indemnizatório é o fixado para a responsabilidade civil extracontratual (3 anos) ou é o fixado para qualquer outro tipo de responsabilidade civil, maxime a contratual.
Trata-se de questão que tem sido tratada, múltiplas vezes, pela jurisprudência deste Tribunal o qual vem repetindo, unanimemente, que o legislador do CC quis que, em obediência ao princípio da segurança, o lesado tivesse de accionar em prazo curto o direito indemnizatório, obrigando-o a exercê-lo mesmo quando ele ignora a extensão do seu prejuízo e permitindo-lhe que possa reclamar outra quantia indemnizatória «se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos» (art.º 569.º do Código Civil).
Assim, para além dos Arestos indicados no Acórdão recorrido podem, ainda, ver-se por serem mais recentes, a título exemplificativo, os Acórdãos de 9/06/2011 (rec. 109/11) – que tratou de uma situação cujos contornos eram iguais aos da presente – onde se entendeu que “o prazo de prescrição do direito aqui reclamado prescreve no prazo de três anos a contar da data em que os Autores tiveram conhecimento daquele direito (art. 498.º/1 do C.C., “ex vi” art. 71º, n.º 2, da LPTA)” ou Acórdão de 6/02/2014 (rec. 512/13) onde se sumariou que “O direito de indemnização por responsabilidade civil extra-contratual dos entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o direito de regresso, prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, nos termos do disposto no art. 498º, nº 1, do Código Civil.”
Deste modo, sendo uniforme a jurisprudência deste Supremo no tocante à solução da questão que a Recorrente pretende ver reapreciada nesta revista e sendo que o Acórdão impugnado, face ao quadro factual e legal em que laborou, teve em conta essa jurisprudência e adoptou uma solução juridicamente plausível e fundamentada é de concluir que a intervenção deste Tribunal é desnecessária. Não só porque já não se está perante uma questão fundamental de direito que exija a sua pronúncia mas também porque se mostra afastada a exigência da revista para uma necessária melhor aplicação do direito.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2017. – Costa Reis (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.