Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0823/08
Data do Acordão:10/07/2009
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JOÃO BELCHIOR
Descritores:RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
DANO NEGATIVO
Sumário:I - Na responsabilidade pré-contratual o lesado tem direito a ser indemnizado apenas pelos danos negativos (dano da confiança), isto é, pelos danos que não teria se não tivesse celebrado o contrato, não se incluindo na medida do dano ressarcível o lucro esperado com o cumprimento do contrato.
II - A finalidade principal do artº 45º, e bem assim, do nº 5 do artº 102º, ambos do CPTA, é a de antecipar o juízo sobre a existência de causas legítimas de inexecução da sentença que venha a ser proferida, trazendo logo para a acção declarativa, o problema da indemnização devida pelo facto da "inexecução legítima" da sentença.
Nº Convencional:JSTA00065998
Nº do Documento:SA1200910070823
Data de Entrada:10/31/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC EXCEP REVISTA.
Objecto:AC TCA NORTE
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - PRE-CONTRATUAL.
Legislação Nacional:CPTA02 ART45 N1 ART102 N5.
CCIV66 ART227 ART564 N1.
CPC96 ART66 ART689.
DL 197/99 DE 1999/06/08 ART80 N1 ART82 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1527/03 DE 2003/09/23.; AC STA PROC46919 DE 2001/05/31.; AC STA PROC46227 DE 2001/05/16.; AC STA PROC179/05 DE 2005/09/29.; AC STA PROC1068/08 DE 2009/02/12.
Referência a Doutrina:ESPERANÇA MEALHA IN REVISTA JULGAR N5 PAG99.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS VI PAG301.
FREITAS DO AMARAL E OUTRO GRANDES LINHAS DA REFORMA DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO PAG102.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA):
I. Relatório
A…, Lda. (Autora na acção administrativa especial), recorre, em recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, do acórdão proferido no Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), que emitiu pronúncia no sentido de que, em contrário da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF), e como de mais relevante, não lhe assistia direito a indemnização por lucros cessantes na sequência da declaração de nulidade havida no PROCEDIMENTO POR NEGOCIAÇÃO Nº 1/200 – Gestão e Prestação de Serviços de Imagiologia aberto pelo B…, EPE (…) – R.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
“A.- Nos termos do doutamente decidido nos precedentes Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte e Sentença do TAF de Braga, a ora Recorrente requereu a fixação judicial da indemnização uma vez que o ora Recorrido se recusou a pagar qualquer indemnização.
B.- O aludido acórdão manteve a sentença então recorrida, a qual, nos termos do n° 5 do art. 102° do CPTA, decidiu não proferir sentença de apreciação do acto impugnado e antes convidar as partes a acordar na indemnização devida à ora Recorrente, sob pena de a mesma ser fixada judicialmente, nos termos do art. 45° do citado CPTA.
C.- A deliberação do Recorrido B… de adjudicar à sociedade contra-interessada C… a prestação do serviço de imagiologia, constituiu um acto administrativo inválido, e portanto, ilícito, porque o respectivo procedimento administrativo enfermava de vício de violação de lei.
D.- Ora, a invalidade de tal acto é gerador do direito a indemnização devida à Recorrente (que foi e é parte legítima na impugnação deduzida quanto a tal deliberação), uma vez que foi verificada a impossibilidade absoluta da reparação natural e efectiva.
E.- Por isso, porque foi ofendido o seu direito e os seus interesses legítimos tem a Recorrente direito a ser ressarcida nos termos do por si requerido ao abrigo do referido art. 45º do CPTA para que seja judicialmente fixada a indemnização.
F.- A douta decisão de que ora se recorre, não só faz errada e incorrecta interpretação e aplicação das anteriores e referidas decisões judiciais e dos arts. 102° n° 5 e 45° do CPTA, como também ofende ainda os princípios constitucionais da legalidade, da boa fé, da justiça e da protecção dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos - cfr. arts. 3º a 6° do CPA e 266° a 268° da CRP,
G.- Pelo que se impõe a sua revogação e a consequente substituição por douto Acórdão que ordene o normal prosseguimento do requerimento da Recorrente a pedir a fixação da indemnização nele liquidada.”.
O B… apresentou contra-alegações, sem formular conclusões, sustentando a improcedência do recurso.
Por acórdão proferido pela formação prevista no nº 5 do artº 150º do CPTA foi admitido o recurso.
Foi distribuído projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Adjuntos.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
II.1. Importa registar que o acórdão recorrido teve a antecedê-lo o que segue:
1. Na acção dos autos, interposta pela A… contra o B…, nos termos do art. 46º do CPTA, era invocada a violação de diversas normas do DL 197/99, pedindo:
a) a anulação da decisão do R. que, tendo como referência o PROCEDIMENTO POR NEGOCIAÇÃO Nº 1/200 – Gestão e Prestação de Serviços de Imagiologia, determinou o alargamento do âmbito do concurso (inclusão no procedimento todo o Serviço de urgência de Radiologia), com apresentação de novas propostas e que, em consequência, fossem consideradas apenas as propostas que foram apresentadas dentro do prazo estipulado pelo anúncio público do concurso (como era o caso da A. e da contra-interessada) e,
b) que lhe fosse adjudicada a prestação dos referidos serviços de imagiologia em causa no referido concurso, dado que a sua era a economicamente mais vantajosa,
e ainda, em alternativa, e caso assim não se entendesse,
c) que fosse anulado todo o procedimento concursal, visando a prestação daqueles serviços, bem como a deliberação que os adjudicou à concorrente seleccionada.
2. Por sentença do TAF,
Ponderando,
(i) que os pedidos da Autora enunciados em 1. a) e b) “assentaram em acções e comportamentos seus”, num manifesto venire contra factum proprium;
(ii) que se esgotara o objecto do concurso, cuja execução terminou a 15 de Março de 2007;
(iii) que ocorria uma situação de impossibilidade absoluta quanto à satisfação dos interesses da A. quanto à requerida anulação do procedimento e da deliberação sob impugnação, existindo, assim, uma situação fáctica que a torna passível de irrealização absoluta,
a) absteve-se de proferir a sentença de anulação, nos termos e para os efeitos dos artºs 102º, nº 5 e 45º do CPTA, e
b) decidiu convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização a que a A. tenha direito.
c) ordenando que o processo seguisse os ulteriores termos ao abrigo do disposto no art. 45º do CPTA.
3. Interposto recurso de apelação, pelo B… (Réu) para o TCAN,
- o acórdão do TCAN que a julgou, ponderando que o erro de julgamento se traduzia no facto de saber se, após aceitação da apelada (Autora A…) em apresentar nova proposta, assim aceitando procedimento ilegal, nos termos do art. 56º n.º 1 do CPTA, tal a impediria de impugnar posteriormente a deliberação que veio a ser tomada pelo CA do B…, e concluindo que esta questão ”(…) se torna perfeitamente irrelevante face à procedência, pacífica para o tribunal recorrido e para as partes, da violação, no caso, do art. 80º n.º 1 do DL 197/99 de 8 de Junho.”,
- violação essa que implica a consequente violação do art. 82º n.º 1 do mesmo diploma o que gera não uma falta de formalidades, mas sim “uma vera falta de procedimento”, o que acarretará, como sanção, a nulidade que atingirá todo o procedimento pré-contratual por negociação, bem como o próprio acto de adjudicação com que o mesmo culmina;
Pelo que
- “se apresenta desprovido de interesse discutir se a conduta da recorrida A… consubstancia uma aceitação expressa ou tácita do alargamento do objecto do procedimento por negociação (…) precisamente porque esse alargamento foi operado no âmbito de um procedimento nulo. E, neste contexto, é inócuo para a decisão deste recurso jurisdicional, conhecer do erro de julgamento tal como desenhado pela recorrente.”,
Assim,
- Negando provimento ao recurso e mantendo a decisão recorrida.
4. A A., em seguida, requereu no TAF a fixação judicial de indemnização, face ao disposto nos artºs 102º, nº 5 e 45º do CPTA, ao que se opôs o B….
5. O TAF de Braga apreciando o pedido,
ponderando que “(…) não se vê como possa a Autora pretender a fixação de uma indemnização a título de lucros cessantes advenientes da não celebração, pela Ré e consigo, do contrato em causa.”,
concluiu, no entanto, que caberia à A. uma indemnização, a suportar pela Ré, “fixável em torno dos encargos por si suportados com a apresentação da sua proposta junto da Ré, mas apenas a título de danos emergentes.”,
pelo que convidou à A. corrigir o seu pedido com vista a indicar, “em termos enunciativos [qualitativa e quantitativamente], quais os encargos por si suportados”, cumprindo-se os trâmites do citado artº 45º, nº 4, do CPTA.
6. A A. A… e o R. B… interpuseram recurso para o TCAN daquele despacho.
O recurso da A. foi julgado improcedente, mas procedeu o recurso do R.
A pronúncia do acórdão, naquela parte, assentou, essencialmente, na ponderação de que, sendo nulo o procedimento [declarado por acórdão transitado em julgado], o mesmo “nunca poderia conferir à A. qualquer direito à adjudicação dos serviços de imagiologia, por ter apresentado naquela primeira fase a melhor proposta”.
Assim, mais entendeu o acórdão, que à A. não cabia sequer o direito “à indemnização relativa aos lucros cessantes porque a nulidade abrangeu todo o procedimento, o que implicaria apenas - se tivesse sido emitida em tempo - que o contrato não podia ter sido celebrado com a contra-interessada, mas não necessariamente a obrigação da ser celebrado o contrato com a aqui recorrente”.
Quanto ao recurso do R. B…, a decisão de provimento sufragou a sua tese no sentido de que se verificava impossibilidade de convidar o A. ao aperfeiçoamento do pedido.
É de tal acórdão que vem interposto recurso de revista pela A. A…, de cuja alegação se transcreveram, inicialmente, as concernentes conclusões.
II.2. DO DIREITO
Como se viu pelo relato antecedente, em acção atinente a contencioso pré-contratual, reconheceu-se o cometimento de nulidade que afectava o procedimento (por negociação com vista a adjudicação de fornecimento de serviços de imagiologia) e, abstendo-se o tribunal de proferir sentença, na sequência de convite feito pelo TAF ao abrigo do disposto nos artigos 45º, nº 1, e 102º, nº 5, do CPTA, e uma vez frustrado o acordo, não foi acolhida a pretensão da Autora que reclamava indemnização por lucros cessantes, sendo afirmado que apenas lhe assistia o direito aos danos traduzidos em encargos tidos com a apresentação da sua proposta, posição esta sufragada pelo acórdão recorrido.
É que, segundo o decidido, a ter sido a nulidade reconhecida em tempo, a mesma apenas implicaria que o contrato não poderia ter sido celebrado com a adjudicatária, mas não necessariamente com a Autora, pelo que se convidou esta a reformular o seu requerimento, decisão esta impugnada por autor e réu.
O acórdão recorrido, sindicando aquela decisão, julgou procedente o recurso do Réu B… (no sentido de que a indemnização não poderia abranger os lucros cessantes), mas ponderando que a Autora no seu requerimento se ateve [apenas] àquele pedido de indemnização por lucros cessantes, expendeu ainda pronúncia no sentido de que o princípio do dispositivo e do processo equitativo contido no art. 66° n° 2 do CPC não permite, ao contrário do julgado no TAF, que se convide o autor a modificar a causa de pedir ou o pedido.
Ora, integrando o acórdão as duas enunciadas pronúncias, o recorrente, na sua alegação (e concernentes conclusões), apenas se ateve à que respeita à indemnização, razão porque na subsequente análise se curará tão só de indagar da bondade desta pronúncia impugnada (cf. artº 684º do CPC).
II.2.1. Vejamos, então, se, em caso de reconhecimento pelo tribunal de nulidade de procedimento adjudicatório por falta de concurso público, mas em que foi feita a ponderação da impossibilidade absoluta da satisfação do pedido (de adjudicação) por se haver esgotado o objecto do contrato, para além da referida indemnização (ora indiscutida face ao julgamento das instâncias) tem a concorrente Autora direito a outra indemnização, concretamente por lucros cessantes.
II.2.1.1. Na sua alegação, de relevante, a A./recorrente afirma que “os danos não podem limitar-se aos custos do dispendido com a preparação e a documentação do concurso, mas têm de ser ressarcidos à Recorrente os danos resultantes das reais e legítimas expectativas de lucros que derivavam da sua proposta”, pois que a solução do acórdão recorrido contraria o reconhecimento de “que a Recorrente tinha interesse legítimo e directo no acto administrativo impugnado, e um interesse legítimo, porque ilicitamente afectada”, ao que acresce que, a “razão de ser do novo regime estabelecido nos arts. 102° n° 5 e 45º do CPTA, visa essencialmente evitar uma sentença anulatória do acto administrativo e a consequente execução, quando se tornou já evidente que o que passou a estar em causa é já e apenas uma indemnização”.
Prosseguindo.
II.2.1.2. Para a jurisprudência deste Supremo Tribunal os danos resultantes da responsabilidade pré-contratual são apenas os danos negativos: “A responsabilidade civil por lesão da confiança é restrita à reparação do interesse contratual negativo, ou da confiança, isto é, do prejuízo resultante da frustração das expectativas de conclusão do negócio, estando excluída a reparação do interesse positivo, ou seja pelo benefício que a conclusão do negócio traria à parte prejudicada nas suas expectativas” (cf. Acórdão de 23-09-2003, rec. 01527/02, citando os acds. de 31-5-2001, rec. 46919 e de 16-5-2001, rec. 46227. Por mais recentes, cf. ainda os acs. de 29-09-2005, rec. 0179/05 e de 12-02-2009, rec. 01068/08 Na doutrina, para além do que vem registado nos mencionados acds., e por mais recente, veja-se na Revista JULGAR-05, Esperança Mealha, a p. 99 e segs., e citação de outra jurisprudência do STA.).
A responsabilidade pré-contratual, surge quando se rompem as negociações, frustrando-se as expectativas de conclusão do negócio, quer o contrato venha a ser declarado nulo ou ineficaz. E é neste aspecto que a teoria do interesse contratual negativo ou de confiança assume particular relevância, na medida em que não está provado que a A. perdeu "uma ocasião de negócio", caso em que então o interesse contratual positivo seria indemnizável. O que significa que a A. não pode aspirar a receber o montante relativo aos lucros que previsivelmente colheria da execução do fornecimento, ou seja, uma indemnização fundada em lucros cessantes positivos, mas apenas as despesas e perdas provocadas pela frustração do negócio, a título de culpa na formação dos contratos por parte do R. (cfr. art. 227° do C. Civil).
No caso, dado o vício que inquinou o acto de adjudicação [segundo decisão judicial consolidada nos autos, “a inobservância do procedimento que a lei impunha no presente caso (artºs 80. nº 1 e 82 nº 1 do DL 197/99) deve ser sancionada com a nulidade: enferma de nulidade todo o procedimento pré-contratual por negociação, precisamente porque atento o valor da adjudicação se impunha (nos termos do DL 197/99) um procedimento concursal; e enferma de nulidade a deliberação que adjudicou a prestação de serviços de imagiologia à concorrente J…, por ser acto que culmina todo esse procedimento nulo” (acórdão do TCAN, referido supra em II.1.3., que levou ao aludido convite pelo TAF ao abrigo do disposto nos artigos 45º, nº 1, e 102º, nº 5, do CPTA)] e atendendo à álea que preside necessariamente a um procedimento concursal a realizar segundo as regras que o enformam, nunca a A. poderia ter a garantia de que lhe viria a ser feita a adjudicação do fornecimento. O que, e não fora a decisão já tomada nos autos, tornaria mesmo questionável o ressarcimento pelas despesas que implicou a sua intervenção no procedimento.
Por outro lado, não vem alegado que a Autora não ficou impossibilitada de concorrer a outros fornecimentos públicos, não suportou o risco, cujo lucro esperado era a contrapartida do fornecimento em causa, ficando, assim, com disponibilidade para operar durante o prazo do fornecimento declarado nulo.
Ou seja, não pode estabelecer-se um nexo de causalidade adequada entre a ilicitude cometida e os danos invocados que, como decorre da petição introduzida na sequência do convite feito no TAF (cf. ponto II.1.5.), se consubstanciam na “margem de lucro” esperada com a adjudicação que viesse a ser feita à A./recorrente.
Mas, assim sendo, não é razoável que o ressarcimento vá além dos “encargos por si [autora] suportados” com a participação no procedimento efectuado, ou seja, os ónus que assumiu e suportou como consequência directa e necessária da sua apresentação ao procedimento havido. Concretamente nunca poderiam ser considerados como indemnizáveis os prejuízos por lucros cessantes peticionados pela A. (lucros que lhe adviriam do exercício e exploração da concessão do falado serviço), pois que os mesmos não são resultado ou consequência directa do acto ilícito já referido. É que, nos termos do art. 564º, nº 1 do C.Civil, “O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.
Ora, o direito ao lucro aqui pretendido só surgiria com o contrato de concessão do serviço, pelo que estar a indemnizar pelo lucro cessante um concorrente a quem não foi, nos termos antes enunciados, adjudicada a concessão (e não se demonstrando, num juízo de prognose, que o poderia vir a ser), seria um acto de todo injustificado e infundado.
II.2.1.3. Não se crê que o disposto nos citados artºs 45º e 102º do CPTA introduza algum subsídio relevante neste plano.
Preceitua o nº 5 daquele artº 102º:
“Se, na pendência do processo, se verificar que à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta, o tribunal não profere a sentença requerida mas convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização a que o autor tem direito, seguindo-se os trâmites previstos no artigo 45.º”
Segundo o nº 1 daquele artº 45.º, “Quando, em processo dirigido contra a Administração, se verifique que à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta ou que o cumprimento, por parte da Administração, dos deveres a que seria condenada originaria um excepcional prejuízo para o interesse público, o tribunal julga improcedente o pedido em causa e convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida”.
Para Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilhe, em anotação ao referido art. 102° do CPTA:
“(…)
Tal como sucede com o artigo 45.°, o preceito em análise proporciona ao autor, através de um mecanismo expedito, localizado no âmbito do próprio processo declarativo, a reparação dos danos que ele possa ter sofrido por ter sido ilegalmente preterido, quando se torne evidente que já não é possível dar satisfação integral ao seu interesse primário. Com efeito, o tribunal limita-se, deste modo, a antecipar um juízo sobre a existência de uma situação que, de outro modo, seria, em si, geradora de causa legítima de inexecução da eventual sentença de outro tipo que viesse a proferir.
Ao contrário, entretanto, do que sucede no artigo 45º, a faculdade conferida ao juiz circunscreve-se, no âmbito do contencioso pré-contratual, à impossibilidade absoluta de execução do julgado anulatório.”
A mesma ideia pode ver-se em Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, para quem, «a ideia ou finalidade principal deste artº 45º do CPTA – inspirado (segundo Freitas do Amaral/Aroso de Almeida, Grandes linhas …, cit. P. 102) no “princípio da flexibilidade do objecto do processo” – é a de antecipar o juízo sobre a existência de causas legítimas de inexecução da sentença que venha a ser proferida, permitindo assim evitar, em casos evidentemente excepcionais, a prolação de decisões judiciais insusceptíveis de depois, em sede executiva, se materializarem jurídico-praticamente, trazendo, logo para aqui, para a acção declarativa, o problema da indemnização devida pelo facto da “inexecução legítima” da sentença» (in Código de Processo nos Tribunais Administrativos-Vol.I - p.301).
Ora, como se ponderou no acórdão recorrido e com o que se concorda, «no âmbito do artigo 102°, n ° 5 e 45° do CPTA, o pedido formulado pela recorrente não é o que deriva como prejuízo da antecipada impossibilidade de satisfação dos seus interesses, designadamente da repristinação da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal, mas, antes, os que derivam do facto de lhe dever ter sido adjudicado um determinado contrato.…
O que significa que, tendo o procedimento sido declarado nulo, precisamente por ausência de procedimento concursal devido, o que se imporia como consequência repristinatória daquela decisão e cumprimento da mesma por parte da Administração seria a abertura de procedimento concursal para a contratação dos referidos serviços de imagiologia.
Mas, não resulta da decisão de primeira instância, a procedência de qualquer dos vícios apontados invocados pela recorrente A… de que devesse ter sido esta a ser posicionada em primeiro lugar, o que significa que não lhe foi nem podia ter sido reconhecido qualquer direito a uma adjudicação.
Na verdade, muito embora a aqui recorrente tenha peticionado a título principal a anulação do alargamento do caderno de encargos promovida pelo B… e que, em consequência disso, fossem consideradas, apenas, as propostas apresentadas pelos concorrentes dentro do prazo estipulado no anúncio público e, ainda, como consequência disso, que por ser naquele contexto a proposta mais vantajosa lhe fosse adjudicada a si a prestação dos serviços de imagiologia, o TCA Norte, em acórdão transitado em julgado julgou a nulidade de todo o procedimento por falta de procedimento concursal.
Sendo nulo, nunca lhe poderia ser conferida a adjudicação dos serviços de imagiologia, por ter apresentado naquela primeira fase a melhor proposta.
Tal só poderia ocorrer se o procedimento só tivesse sido considerado inválido ou nulo a partir daquele momento de abertura das primeiras propostas e não ab initio».
Ora, como a nulidade abrangeu todo o procedimento, como acima se disse, embora o contrato não pudesse ter sido celebrado com a contra-interessada, também inexiste a obrigação de ser celebrado com a aqui a A.
Improcede, assim, o recurso no que tange à pronúncia do acórdão sobre a inexistência do direito da A. aos lucros cessantes.
III. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos acordam os juízes deste Supremo Tribunal em negar provimento à revista.
Custas pela Autora.
Lisboa, 7 de Outubro de 2009. - João Manuel Belchior (relator) - António Políbio Ferreira Henriques - Rosendo Dias José.