Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0165/17
Data do Acordão:11/22/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR
ACTO DE LIQUIDAÇÃO
ACTO NULO
ACTO ANULÁVEL
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - Os actos que aplicam normas inconstitucionais estão sujeitos ao regime geral das invalidades e só serão nulos na medida em que enquadráveis numas das situações previstas no art.º 133º, actualmente 161.º do Código de Procedimento Administrativo.
II - No caso concreto, os actos de autoliquidação, pese embora os vícios assacados ao art.º 63º nº1 do Estatuto da Ordem dos Notários são anuláveis na medida que os constrangimentos que deles decorram para o direito de propriedade da recorrente, constitucionalmente garantido, ficará por eles limitado mas não destituído de expressão prática.
Nº Convencional:JSTA000P22566
Nº do Documento:SA2201711220165
Data de Entrada:02/16/2017
Recorrente:A........
Recorrido 1:ORD DOS NOTÁRIOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA - Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu
.19 de dezembro de 2016

Indeferiu liminarmente a presente impugnação.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………., veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada proferida no proc. n.º 514/16.0BEVIS de impugnação judicial deduzido contra a Ordem dos Notários, relativa aos atos de autoliquidação da contribuição obrigatória para a Caixa Nacional de Apoio ao Inventário, imposta pelo n.º 1, do artigo 63.º do Estatuto da Ordem dos Notários, peticionando a anulação das autoliquidações de contribuição obrigatória para a CNAI, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. Numa fase processual de despacho liminar, não pode ser proferido, de modo sucinto, preliminar e sem instrução e julgamento, despacho de indeferimento que acaba por decidir o mérito da pretensão formulada;

2. Na fase processual em que foi emitida a sentença recorrida o Mmº Juiz a quo ainda não tinha ponderado suficientemente os elementos e alegações do processo (o que deveria fazer apenas após o legal contraditório) para concluir liminarmente que os vícios que fundamentam a impugnação não determinam qualquer nulidade;

3. A sentença recorrida refere-se à inexistência, em abstracto, do vício de nulidade nos casos de inconstitucionalidade orgânica ou de violação de princípios constitucionais...

4. Mas a Recorrente invocou também vícios de ilegalidade por violação da Lei Geral Tributária, e vícios de violação de Direitos, Liberdades e Garantias Constitucionais, e quanto a esses vícios a sentença recorrida é omissa como não sendo determinantes de nulidade;

5. Os próprios fundamentos do indeferimento liminar só se referem, portanto, a parte da causa de pedir, não esgotando a realidade processual.

6. Tem vindo a ser jurisprudencialmente entendido que há inconstitucionalidades que são cominadas com anulabilidade, mas há outras que geram a nulidade.

7. Se ocorrer ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, tal vício gera uma nulidade.

8. Ao decidir não julgar o caso, por caducidade do direito de acção, o Tribunal a quo acabou por efectivamente julgá-lo, sem o necessário julgamento, considerando implicitamente que a acção é improcedente.

9. O julgado recorrido violou o n.º 1 do artigo 2.º do CPTA bem como o artigo 7.º do mesmo código.

10. Uma interpretação do artigo 7.º do CPTA que permita o indeferimento liminar com base na caducidade do direito de acção e inexistência de nulidade, de uma petição inicial que invoca a nulidade de um acto, não permitindo que o processo decorra com contraditório, instrução e julgamento e consequentemente sem pronúncia sobre o mérito do pedido, é inconstitucional por violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva ínsito no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Requereu que seja concedido provimento ao presente recurso e, em consequência revogada a sentença recorrida e substituída por decisão de admissão liminar do pedido, determinando-se a baixa do processo à 1.ª instância para prosseguimento dos autos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso por considerar que, o acto de autoliquidação é meramente anulável e mostra-se esgotado o prazo para deduzir impugnação.

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

a) Em 10.11.2015, a Impugnante procedeu à autoliquidação e pagamento da contribuição obrigatória para a caixa nacional de apoio ao inventário, referente ao mês de Outubro de 2015, no valor de € 124,44 euros. - Cfr. doc. N.º 1, junto com a petição inicial.

b) Em 09.12.2015, a Impugnante procedeu à autoliquidação e pagamento da contribuição obrigatória para a caixa nacional de apoio ao inventário, referente ao mês de novembro de 2015, no valor de € 102,00 euros. - Cfr. doc. n.º 2, junto com a petição inicial.

c) Em 08.01.2016, a Impugnante procedeu à autoliquidação e pagamento da contribuição obrigatória para a caixa nacional de apoio ao inventário, referente ao mês de dezembro de 2015, no valor de € 10,20 euros. - Cfr. doc. n.º 3, junto com a petição inicial.

d) Em 10.02.2016, a Impugnante procedeu à autoliquidação e pagamento da contribuição obrigatória para a caixa nacional de apoio ao inventário, referente ao mês de janeiro de 2016, no valor de € 112,30 euros. - Cfr. doc. n.º 4, junto com a petição inicial.

e) A Impugnante apresentou a presente impugnação, por correio eletrónico, no dia 23.11.2016. - Cfr. fls. 1 e ss. do SITAF.


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Questão objecto de recurso

1 - Nulidade do acto de autoliquidação de contribuição obrigatória para a Caixa Nacional de Apoio ao Inventário.

A sentença recorrida considerou que os vícios invocados dos actos de autoliquidação são fundamento da sua anulação por desconformidade com a lei e não geradores da invocada nulidade do acto, pese embora os vícios de inconstitucionalidade arguidos. Assim, a sua impugnação haveria que ser apresentada no prazo fixado pelo art.º 102.º do Código de Processo e Procedimento Tributário que se mostra largamente esgotado, indeferindo liminarmente a petição por extemporaneidade.

No recurso a recorrente não coloca em causa que a petição foi apresentada muito depois de se mostrar esgotado o prazo constante do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, para a apresentação de impugnação.

Apenas refere que, tendo sido invocada a lesão de um direito, liberdade ou garantia com assento constitucional, privado ficou o juiz de apreciar liminarmente a petição inicial, por ter que admitir como possível a nulidade dos actos impugnados.

Os actos que aplicam normas inconstitucionais estão sujeitos ao regime geral das invalidades e só serão nulos na medida em que enquadráveis numas das situações previstas no art.º 133.º, actualmente 161.º do Código de Procedimento Administrativo.

No caso concreto, os actos de autoliquidação, pese embora os vícios assacados ao art.º 63º nº1 Estatuto da Ordem dos Notários são anuláveis na medida que os constrangimentos que deles decorram para o direito de propriedade da recorrente, constitucionalmente garantido, ficará por eles limitado mas não destituído de expressão prática. O art. 103º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, reconhecendo aos cidadãos o direito de não pagamento de impostos quando a sua liquidação e cobrança se não façam nas formas prescritas na lei, e em conformidade com a Constituição, compagina-se, sem anular o direito fundamental, com os instrumentos adjectivos colocados à disposição dos contribuintes para obterem a anulação dos actos tributários que em desconformidade com a lei, ou quando esta esteja em desconformidade com a constituição lhes exigem montantes monetários indevidos.

Não se vislumbrando qualquer fundamento, pois, para a nulidade dos actos de autoliquidação impugnados, a sua possível anulabilidade já não pode ser afirmada dado que a recorrente a não invocou no prazo para deduzir impugnação judicial desses actos.

A sentença recorrida efectuou uma correcta interpretação da lei e dos termos da acção, pelo que não enferma de erro de julgamento, impondo-se a sua integral confirmação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131° n° 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2° Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 22 de Novembro de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Ascensão Lopes.