Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0912/17
Data do Acordão:09/13/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:AJUDAS FINANCEIRAS
RESTITUIÇÃO
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Sumário:A não frequência por parte de um trabalhador contratado de formação profissional implica, nos termos da medida Estímulo 2013, criada pela Portaria n.º 106/2013, 14.03, a restituição do apoio de Estado, ainda que aquele facto não seja imputável ao empregador.
Nº Convencional:JSTA000P23579
Nº do Documento:SA1201809130912
Data de Entrada:10/26/2017
Recorrente:INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL,IP
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP, IP), devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAS, de 20.04.17, que decidiu “negar provimento ao recurso, e manter a sentença recorrida”.

Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve uma decisão do TAF de Sintra, de 22.07.16, que decidiu “anular a decisão impugnada, de revogação total do apoio financeiro concedido pelo Réu à Autora no valor de 5.760€; devendo manter-se na totalidade o apoio financeiro concedido, o que se traduz no pagamento do valor remanescente de 1440€” (cfr. fl. 84).

2. O R., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 165 a 172):

“Da admissibilidade do presente recurso de revista

Salvo o devido e elevado respeito, os fundamentos da decisão (que nem sequer foi unânime) contida no douto Acórdão recorrido suscitam a necessidade premente da sua apreciação não só com vista a uma melhor aplicação do direito, como também por a questão se revelar de importância fundamental no plano jurídico e social, reunindo o presente recurso de revista os pressupostos previstos no n.º 1 do art.º 150º do CPTA para ser decidida a sua admissão nos termos do n.º 5 da mesma disposição legal.

A admissão da presente revista revela-se ser necessária para se obter uma melhor interpretação e aplicação do direito das medidas activas de emprego, em concreto no âmbito da Medida Estímulo 2013, criada pela Portaria n.º 106/2013, de 14 de Março, face à interpretação errada do disposto no art.º 4.º deste diploma que está subjacente no entendimento que obteve vencimento no douto Acórdão recorrido.

Segundo o entendimento do douto Acórdão recorrido não houve incumprimento por parte do empregador da obrigação de proporcionar formação profissional, sem atentar na obrigação de resultado concreto ínsita no n.º 4 do art.º 4.º da Portaria, que exige que seja entregue, no termo da formação, cópia do respectivo certificado de formação.

Com efeito, ao contrário do douto Acórdão recorrido, bem como do douto Parecer do M.P. citado no mesmo, o legislador da medida activa de emprego em causa não concebeu a obrigação do empregador de proporcionar formação profissional ao trabalhador apoiado, definida no n.º 1 do art.º 4.º da Portaria n.º 106/2013, como uma mera obrigação de 'meio' ou de simples 'formalidade', independentemente do trabalhador a frequentar ou não, ou até do resultado obtido.

O legislador concebeu tal obrigação de proporcionar formação profissional como uma obrigação de 'resultado', implicando que, nos termos do n.º 4 do art.º 4.º da Portaria, no termo da formação, o empregador deve entregar ao IEFP, I.P. o relatório de formação elaborado pelo tutor, em conformidade com o modelo definido por regulamento específico, ou a cópia do certificado de formação emitido pela entidade formadora certificada [sublinhado nosso].

O cumprimento dessa obrigação não se basta, pois, com a mera formalidade da empregadora declarar ter proporcionado, facultado, ou colocado à disposição da trabalhadora a formação profissional a que se obrigou, já que o legislador não se abstraiu da sua realização e frequência efectivas, bem como do respectivo resultado.

O legislador nem sequer condicionou a sua exigência de entrega da cópia do certificado de formação a qualquer evento não imputável ao empregador: seja a hipótese de recusa ou de impedimento do trabalhador em frequentar a formação profissional, seja a falta de conclusão ou de aproveitamento da formação.

Ao contrário, pois, do douto Acórdão recorrido, a Recorrida não satisfez, de facto, o desiderato a que se aponta no preâmbulo e no artº 1º da Portaria n.º 106/2013.

Ora, face ao disposto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 4.º da Portaria n.º 106/2013, não podia o douto Acórdão recorrido considerar que a entidade empregadora cumpriu a obrigação de proporcionar formação à trabalhadora apoiada, apenas com base na "vontade" da trabalhadora de não frequentar a formação, mas com a qual se conformou, sem nunca ter comunicado por escrito ao IEFP, I.P. tal situação, como também era sua obrigação.

10ª Na interpretação e aplicação do disposto no art.º 4.º da Portaria n.º 106/2013 subjacente ao douto Acórdão recorrido é claramente olvidado o que se encontra disposto no n.º 4 do preceito legal sobre a verificação do cumprimento ou não da obrigação de proporcionar formação profissional, pois a falta de entrega do certificado de formação obtido pelo trabalhador apoiado não pode deixar de constituir incumprimento da obrigação.

11ª É, pois, manifesta a necessidade da intervenção do Supremo Tribunal Administrativo nos presentes autos para obtenção de uma melhor aplicação do direito.

12ª Acresce que, também o muito douto voto de vencido da Veneranda Juíza Desembargadora do TCA Sul vem demonstrar a premente necessidade da admissão da presente revista para uma melhor aplicação do direito.

13ª De facto, com a devida vénia, o acto administrativo de concessão de subsídio está sujeito a cláusula modal por determinação legal, a qual consiste na obrigação da entidade patronal proporcionar formação profissional ao trabalhador, cujo incumprimento (do modo) determina a revogação de tal concessão, nos termos expressamente previstos no art.º 8.º, n.º 3, al. c) da Portaria n.º 106/2013.

14ª Daí que, tal como doutamente constata o voto de vencido, que o trabalhador queira ou não queira frequentar o curso de formação profissional é irrelevante no contexto do exercício de poderes revogatórios da Administração por incumprimento da cláusula modal, na medida em que se a entidade patronal aceitou a vontade do trabalhador em não frequentar o dito curso, do ponto de vista jurídico aceitou o não cumprimento da obrigação associada ao efeito jurídico do acto administrativo de concessão do subsídio.

15ª Além de que, afirma-se ainda o douto voto de vencido, o poder de direcção da entidade patronal nos termos plasmados no Código de Trabalho não se mostra suspenso quanto a este factor de formação profissional originária de [concessão] de subsídios públicos.

16ª A invocada recusa da trabalhadora em frequentar a formação profissional não pode, pois, exonerar a entidade patronal da obrigação assumida, na dimensão prevista no n.º 4 do art.º 4.º da Portaria n.º 106/2013, nem constituir causa excludente da revogação do acto de concessão do apoio financeiro por incumprimento.

17ª Por conseguinte, das doutas razões constantes do voto de vencido do Acórdão recorrido também sobressai uma clara necessidade da admissão da presente revista para uma melhor aplicação do direito.

18ª Por outro lado, no âmbito das medidas activas de emprego, definidas pelo Governo e executadas pelo IEFP, I.P., a questão de saber se o incumprimento da cláusula modal a que está sujeito o acto de concessão dos apoios financeiros previstos pode ou não ser afastado ou excluído por eventual recusa ou outra razão imputável ao trabalhador apoiado, assume uma grande relevância social e jurídica, sendo de importância fundamental na área das políticas de emprego, o que justifica plenamente que a mesma seja apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

19ª A manter-se o entendimento do douto Acórdão recorrido, os seus reflexos negativos nas medidas activas de emprego, em geral, e na Medida Estímulo 2013, em particular, seriam de tal monta que a sua continuidade estaria em causa.

20ª De facto, a manter-se aquele entendimento, estaria encontrada a fórmula para a subversão completa dos fins prosseguidos pelo legislador com a criação da Medida Estímulo 2013, pois bastaria a invocação por parte das entidades empregadoras, após a verificação do incumprimento e só em sede de audiência prévia, alegadas recusas dos trabalhadores em frequentar a formação profissional como justificação para o incumprimento da respectiva obrigação ou cláusula modal.

21ª Daí que, face a toda a potencial frustração do desiderato do legislador com a concessão do apoio financeiro em causa, sujeita a cláusula modal, resultante da eventual confirmação do entendimento do douto Acórdão recorrido, bem como a dimensão quantitativa e qualitativa das situações susceptíveis de ocorrer, com o seu inegável reflexo num desígnio prioritário do país como é o combate ao desemprego, demonstra a importância manifesta e fundamental da admissão da presente revista.

22ª As questões suscitadas pelo douto Acórdão recorrido, além de revelarem uma clara necessidade de apreciação pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo com vista a uma melhor aplicação do direito, não só extravasam o âmbito do caso concreto, como também assumem especial relevância social e jurídica no contexto das medidas activas de emprego como eixo de fundamental importância para o país no combate ao desemprego.

23ª Pelo que, verifica-se que estão cumpridos, cabalmente, os requisitos de admissão do recurso de revista previstos no art.º 150.º, n.º 1 do CPTA.

Da procedência do presente recurso de revista

24ª O douto Acórdão recorrido enferma de vários vícios, traduzidos em erros de julgamento, que postulam a clara necessidade da sua revogação.

25ª Tal como muito melhor consta do douto voto de vencido, a invocada recusa da trabalhadora em frequentar a formação não basta ou não releva para a verificação do cumprimento da obrigação de proporcionar profissional à trabalhadora contratada no âmbito da Medida Estímulo 2013, pelo que o entendimento que obteve vencimento no douto Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento.

26ª Com efeito, como refere, com a devida vénia, o douto voto de vencido, o acto administrativo de concessão de subsídio está sujeito a cláusula modal (art.º 121.º do CPA/1991) por determinação legal (art.ºs 1.º e 4.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de Março), a qual consiste na obrigação da entidade patronal proporcionar formação profissional ao trabalhador, cujo incumprimento (do modo) determina a revogação de tal concessão, nos termos expressamente previstos no art.º 8.º, n.º 3, al. c) da Portaria n.º 106/2013.

27ª Por isso, a revogação daquele acto administrativo por incumprimento do modo não está excluída, atenta a referida norma atributiva dessa mesma competência.

28ª Com efeito, ao contrário do entendimento do douto Acórdão recorrido e nos termos do douto voto de vencido, que o trabalhador queira ou não queira frequentar o curso de formação profissional é irrelevante no contexto do exercício de poderes revogatórios da Administração por incumprimento da cláusula modal, na medida em que se a entidade patronal aceitou a vontade do trabalhador em não frequentar o dito curso, do ponto de vista jurídico aceitou o não cumprimento da obrigação associada ao efeito jurídico do acto administrativo de concessão do subsídio.

29ª Ora, impõe-se reconhecer que o poder de direcção da entidade patronal nos termos plasmados no Código de Trabalho não se mostra suspenso quanto a este factor de formação profissional originária de [concessão] de subsídios públicos.

30ª Assim, estando prevista a revogação do acto administrativo por incumprimento da cláusula modal, não podia o douto Acórdão recorrido ter concluído que não houve incumprimento da obrigação assumida (cláusula modal), nem causa justificadora para a revogação do acto administrativo.

31ª A invocada recusa da trabalhadora em frequentar a formação profissional não pode significar que a entidade patronal fica exonerada do cumprimento da obrigação assumida de proporcionar formação profissional, nos termos da cláusula modal prevista nos n.ºs 1 e 4 do art.º 4.º da Portaria n.º 106/2013.

32ª E também não pode constituir causa excludente da revogação do acto de concessão do apoio financeiro por incumprimento daquela cláusula.

33ª Deste modo, o entendimento sufragado no douto Acórdão recorrido tem subjacente uma interpretação e aplicação do disposto no art.º 4.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de Março, que não é consentânea com o efectivo pensamento do legislador das medidas activas de emprego, designadamente da Medida Estímulo 2013.

34ª Ao contrário do que resulta do douto Acórdão recorrido, o legislador da medida activa de emprego em causa não concebeu a obrigação do empregador de proporcionar formação profissional ao trabalhador apoiado, prescrita nos n.ºs 1 e 4 do art.º 4.º da Portaria n.° 106/2013, como uma mera obrigação de 'meio' ou de simples 'formalidade', no sentido de apenas lhe ser exigido colocar à disposição do trabalhador a referida formação, independentemente da sua frequência ou não, ou até do resultado obtido.

35ª De facto, o legislador concebeu tal obrigação de proporcionar formação profissional como uma obrigação de 'resultado', implicando que, nos termos do n.º 4 do referido art.º 4.º do diploma em causa, no termo da formação, o empregador deve entregar ao IEFP. I.P. o relatório de formação elaborado pelo tutor, em conformidade com o modelo definido por regulamento específico, ou a cópia do certificado de formação emitido pela entidade formadora certificada [sublinhado nosso].

36ª Assim, o cumprimento da obrigação em causa não se basta, apenas com a mera formalidade da empregadora declarar ter proporcionado, facultado, ou colocado à disposição da trabalhadora a formação profissional.

37ª Com efeito, o legislador exige a frequência e aproveitamento efectivos da formação, mas sem condicionar essa exigência à inexistência de eventos não imputáveis ao empregador.

38ª Ao contrário, pois, do afirmado no douto Acórdão recorrido, a entidade empregadora não satisfez, de facto, o desiderato a que se aponta no preâmbulo e no art.º 1º da Portaria n.º 106/2013.

39ª Na verificação do cumprimento da cláusula modal, nunca esteve em causa eventual existência de qualquer conluio entre a trabalhadora e a entidade patronal, nem o facto de dois outros trabalhadores terem frequentado e completado a formação contribui em nada para aquela verificação em relação à trabalhadora em causa (……….).

40ª O cumprimento da obrigação de proporcionar formação profissional aos trabalhadores apoiados no âmbito da medida Estímulo 2013, é verificado em função da entrega ou não, no termo da formação, do relatório da formação ou do certificado de formação emitido pela entidade formadora certificada.

41ª Face ao disposto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 4.º da Portaria n.º 106/2013, não podia o douto Acórdão recorrido considerar que a entidade empregadora cumpriu a obrigação de proporcionar formação à trabalhadora apoiada, apenas com base na circunstância da formação não se ter realizado por "vontade" / recusa da trabalhadora.

42ª Aliás, o empregador conformou-se com tal "vontade" / recusa essa da trabalhadora, mas sem nunca ter cumprido a obrigação assumida na alínea g) do Termo de Aceitação da Decisão de Aprovação [a fls. 13 do p.a.], de comunicar por escrito ao IEFP, I.P. todas as situações que, pela sua natureza, possam implicar a alteração à candidatura inicialmente aprovada.

43ª A interpretação e aplicação do disposto no art.º4.º da Portaria n.º 106/2013 que subjaz ao douto Acórdão recorrido olvida por completo o previsto no n.º 4 do preceito legal.

44ª Ora, nos termos daquele n.º 4, cabe ao IEFP, I.P. aferir do cumprimento da obrigação ou cláusula modal em causa em função da entrega da cópia do certificado de formação, sob pena de verificação vinculada do incumprimento, ainda que a não entrega possa resultar de recusa desse trabalhador em frequentar a formação.

45ª Caso se mantivesse o entendimento no sentido de que, no termo da formação, a falta de entrega da cópia do respectivo certificado pode não constituir incumprimento da obrigação/cláusula modal em causa, os reflexos negativos nas medidas activas de emprego, em geral, e na Medida Estímulo 2013, em particular, seriam de tal monta que não poderiam subsistir.

46ª De facto, se assim fosse, estaria encontrada a fórmula de subverter por completo os fins prosseguidos pelo legislador com a criação da Medida Estímulo 2013, através da invocação por parte das entidades empregadoras – já após a verificação do incumprimento, com a inerente notificação da intenção de revogação do apoio e em sede de audiência prévia – de alegadas recusas dos trabalhadores em frequentar a formação profissional, como justificação válida para o incumprimento da obrigação ou cláusula modal em causa.

47ª É, por isso, bem patente a total incompatibilidade do entendimento sufragado no douto Acórdão recorrido com o desiderato do legislador ínsito na definição do apoio financeiro em causa, cuja concessão está sujeita a cláusula modal, pelo que não pode o mesmo ser confirmado nesta instância, mas sim objecto de revogação.

48ª Incorre, pois, em claro erro de julgamento a asserção do douto Acórdão recorrido de que a Recorrida não violou a obrigação de proporcionar a formação profissional prevista no n.º 1 do art.º 4.º da Portaria n.º 106/2013.

49ª Também evidencia erro de julgamento de facto e de direito, a asserção contida no douto Acórdão recorrido no sentido de que, de acordo com a prova produzida, a Recorrida cumpriu, na medida do que lhe era exigível, a obrigação de proporcionar formação profissional à trabalhadora em questão.

50ª Ora, não é possível afirmar que a Recorrida cumpriu na "medida do que lhe era exigível" sem dar a devida relevância ao facto 3) dado como provado, segundo o qual a entidade empregadora obrigou-se ao integral cumprimento dos termos e disposições legais e regulamentares aplicáveis, bem como declarou ter perfeito conhecimento de que o incumprimento implica o termo da atribuição do apoio financeiro concedido e/ou a restituição total do mesmo.

51ª Desde logo, o douto Acórdão recorrido, não podia ter deixado de valorar a relevante circunstância da Recorrida nunca ter prestado qualquer informação ao IEFP, I.P. sobre tal recusa da trabalhadora em frequentar a formação profissional que lhe foi proposta, tendo aceitado ou se conformado com o daí emergente incumprimento dessa cláusula modal, sendo do seu conhecimento que tal implicava a revogação e restituição da totalidade do apoio financeiro concedido.

52ª De facto, segundo os factos provados 6) a 8), a Recorrida apenas e só em sede de audiência prévia veio alegar que a trabalhadora ……… se recusou a frequentar a invocada acção de formação e juntar declaração de recusa da mesma, conformando-se, até essa data, com a total frustração do desiderato do legislador que motivou a criação da Medida Estímulo 2013.

53ª Do compromisso assumido na alínea g) do Termo de Aceitação da Decisão de Aprovação resultava necessariamente um dever de comunicação daquele facto ao IEFP, I.P., obrigação essa não cumprida pela Recorrida, nem tal foi tido em conta no douto Acórdão recorrido.

54ª Ora, sob pena de manifesto erro de julgamento, o douto Acórdão recorrido não poderia ter deixado de considerar que, à luz do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 4.º da Portaria n.º 106/2013, não é aceitável que a Recorrida se tivesse conformado pura e simplesmente com a invocada recusa da trabalhadora em frequentar a formação, sem que sobre a mesma prestasse qualquer informação ao Serviço de Emprego, de forma a acautelar ou prevenir a imputação ao empregador do incumprimento da obrigação de proporcionar formação profissional e de entrega da cópia do inerente certificado.

55ª O douto Acórdão recorrido não podia, pois, ignorar a violação directa da obrigação da Recorrida de comunicar por escrito ao IEFP, I.P. todas as situações que, pela sua natureza, pudessem implicar a alteração à candidatura inicialmente aprovada, tal como na situação em apreço.

56ª De facto, a Recorrida, nos termos referidos no douto voto de vencido, aceitou a vontade do trabalhador em não frequentar a formação profissional e, do ponto de vista jurídico, aceitou o não cumprimento da obrigação associada ao efeito jurídico do acto administrativo de concessão do subsídio.

57ª Quando, o certo é que, como se traz à colação no douto voto de vencido, o poder de direcção da entidade patronal, nos termos plasmados no Código de Trabalho, não se mostra suspenso quanto a este factor de formação originária de subsídios públicos.

58ª Não se diga, pois, como faz erradamente o douto Acórdão recorrido, que a Recorrida cumpriu "na medida do que lhe era exigível" a obrigação de proporcionar formação profissional à trabalhadora em questão, incorrendo em claro erro de julgamento, com violação dos art.ºs 4º, n.ºs 1, alínea b), 2 e 4, 7º, n.º 4 e 8º, n.º 1 e n.º 3, alínea c), todos da Portaria n.º 106/2013.

59ª Por outro lado, o douto Acórdão recorrido não atenta devidamente na natureza vinculativa e objectiva da revogação do acto de concessão do apoio financeiro, sem que o legislador tenha concedido ao IEFP, I.P. qualquer discricionariedade ou margem de livre apreciação dos pressupostos verificados.

60ª Tal como consta do facto dado como provado (5), o Serviço de Emprego de Sintra, nos termos estabelecidos nos n.ºs 3 e 4 do art.º 7º da Portaria, procedeu à análise e verificação do cumprimento dos requisitos estabelecidos na Portaria com vista ao pagamento das prestações do apoio financeiro concedido.

61ª O cumprimento da obrigação prevista no art.º 4º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 da Portaria, relativa à formação profissional proporcionada ao trabalhador apoiado no âmbito da Medida Estímulo 2013, é comprovado, conforme determina o art.º 4º, n.º 4 da Portaria, através da entrega, no termo da formação, da cópia do respectivo certificado de formação emitido pela entidade formadora certificada.

62ª Assim, segundo o disposto no art.° 8º, n.° 1 e n.° 3, alínea c) da Portaria, a falta de entrega da cópia do referido certificado de formação implica a verificação por parte dos Serviços do IEFP, Í.P., de forma vinculada, da situação de incumprimento da obrigação prevista no art.° 4º daquele diploma, o que determina a imediata cessação dos apoios financeiros concedidos e a sua restituição.

63ª O legislador não concedeu, pois, ao IEFP, I.P. qualquer discricionariedade ou margem de livre apreciação sobre o incumprimento da obrigação prevista no art.º 4º, n.º 1, al. b) e n.º 2 da Portaria, tendo sim estabelecido um regime objectivo e vinculativo da decisão sobre esse incumprimento, após a verificação do pressuposto da falta de entrega do certificado de formação.

64ª Daí que, constatada a falta de entrega do certificado de formação, a decisão impugnada nos autos, em obediência ao princípio da legalidade, só podia considerar verificado o incumprimento da obrigação estabelecida no art.º 4º, n.º 1, alínea b), n.º 2 e n.º 4 da Portaria.

65ª Deste modo, o douto Acórdão recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento, pois a invocada recusa da trabalhadora em frequentar a formação profissional, apenas e só alegada em sede de audiência prévia, não é apta, por falta de previsão legal habilitante, para excluir a verificação do incumprimento da obrigação estabelecida na mencionada disposição legal, que constitui cláusula modal a que está sujeito o acto de concessão do apoio financeiro em causa.

66ª O douto Acórdão recorrido, ao sufragar o entendimento maioritário e não o consignado no douto voto de vencido, viola, assim e nomeadamente, o disposto nos art.º 4º, n.º 1, al. b), n.ºs 2 e 4, art.º 7º, n.ºs 3 e 4 e Art.º 8º, n.º 1 e n.º 3, alínea c), todos da Portaria n.º 106/2013, de 14 de Março.

NESTES TERMOS, como nos demais e melhores de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Ex.ªs, Venerandos Juízes Conselheiros, deverá o presente recurso de revista ser admitido, nos termos previstos no art.º 150.º, n.º 1 do CPTA, e, em sequência, também deverá ser concedido provimento ao mesmo, revogando-se o douto Acórdão ora recorrido e mantendo-se, em consequência, a decisão impugnada intacta na ordem jurídica, com absolvição do IEFP, I.P. de todo o peticionado.

Pois, assim, se fará a costumada e imperiosa

JUSTIÇA!”.

3. Não foram produzidas contra-alegações pela A., ora recorrida, A………, LDA.

4. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 04.10.17 (fls. 184 a 186 ), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:

“3.2. Nos presentes autos, tanto a 1ª instância como o TCA Sul, embora este tribunal com um voto de vencido, entenderam em suma que estando provado que a entidade patronal fez o que estava ao seu alcance, razoável e adequadamente para que um terceiro, a trabalhadora em causa, desse execução ao cumprimento do objecto do contrato, que se traduzia na obrigação de frequência de acção de formação, a sua obrigação de dar a referida formação, extinguiu-se por causa que lhe não pode ser imputável. Daí que, entenderam as instâncias, “não houve incumprimento da ora recorrida, mas antes se extinguiu a obrigação a que a mesma estava adstrita, por causa imputável a terceiro, aquela trabalhadora, que não estava ao seu alcance coagir a cumprir.”

3.2. Argumenta a recorrente, na revista, que a recusa da trabalhadora a frequentar é irrelevante, na medida em que - e nesta parte transcreve o voto de vencido no acórdão do TCA Sul – “… que o trabalhador queira ou não queira frequentar o curso de formação profissional é irrelevante no contexto do exercício de poderes revogatórios da Administração por incumprimento da cláusula modal, na medida em que se a entidade patronal aceitou a vontade do trabalhador em não frequentar o dito curso, do ponto de vista jurídico aceitou o não cumprimento da obrigação associada ao efeito jurídico do acto administrativo da concessão do subsídio”.

3.3. A nosso ver justifica-se a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.

O entendimento, segundo o qual a obrigação de prestar formação profissional ao trabalhador contratado se extinguiu, face à recusa deste em frequentar a acção de formação, é controverso – como decorre desde logo do voto de vencido no acórdão do TCA.

É certo que a quantia envolvida é na sua totalidade no valor de 5.760,00 euros. Todavia, a situação em causa pode ocorrer em muitas outras situações similares, em que o trabalhador contratado ao abrigo da referida Medida Estimulo, não queira frequentar a acção de formação.

Portanto, a questão de saber em que termos há ou não incumprimento relevante para a revogação do apoio, em situações deste tipo, não se esgota no caso concreto o que equivale a dizer que o valor económico em causa não se limita necessariamente ao valor do subsídio ora em causa”.

5. O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer “no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso de revista com a consequente revogação da sentença e acórdão recorridos” (cfr. fl. 197).

6. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

O acórdão recorrido manteve os factos provados na 1.ª instância, dando-os como integralmente reproduzidos por remissão para a sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC, norma que também aqui se invoca, dando-se por integralmente reproduzida a matéria de facto provada nas instâncias.

2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora recorrente – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, relacionadas que estão com a alegada verificação de erros de julgamento por violação da lei substantiva e por errada interpretação e avaliação dos factos. Vejamos.

2.2. Do alegado erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do regime de atribuição e de ulterior restituição do apoio financeiro concedido em caso de incumprimento das obrigações por parte do empregador


Antes de mais, comecemos por atentar no Preâmbulo e em alguns preceitos da Portaria n.º 106/2013, de 14.03, com vista a facilitar a apreciação dos argumentos do ora recorrente e do raciocínio que esteve na base da decisão recorrida.


Portaria n.º 106/2013, de 14.03

“No âmbito do Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego, firmado entre o Governo e a maioria dos Parceiros Sociais, em 18 de janeiro de 2012, bem como no quadro do Programa de Relançamento do Serviço Público de Emprego, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/2012, de 9 de março, é atribuída prioridade à adoção de medidas ativas de emprego que incentivem a contratação de desempregados e promovam o reforço da sua empregabilidade.

Esta prioridade resulta da importância significativa que as medidas ativas de emprego podem assumir no combate ao desemprego, em particular no combate ao desemprego de longa duração, sem prejuízo do papel determinante que a este nível resulta do crescimento económico sustentável. Estas medidas constituem também um elemento relevante no âmbito do modelo de mercado de trabalho associado à flexisegurança, conjuntamente com outras vertentes dessa abordagem, como uma legislação laboral flexível, prestações sociais alargadas e ofertas ao nível da aprendizagem ao longo da vida, nomeadamente no quadro de um serviço público de emprego ativo.

Neste contexto, e na sequência da análise conjunta desenvolvida pelo Governo e pelos Parceiros Sociais em relação ao conjunto de apoios públicos ao emprego disponibilizados, foi criada a medida Estímulo 2012, através da Portaria n.º 45/2012, de 13 de fevereiro. A medida Estímulo 2012 visou incentivar a contratação e a formação de desempregados com determinadas características, através da concessão de um apoio financeiro de montante proporcional à remuneração paga pelo empregador aos trabalhadores abrangidos, condicionada à criação líquida de emprego e à oferta de formação articulada com as necessidades empresariais” [negritos nossos].
Artigo 1.º
Objeto

“A presente portaria cria a medida Estímulo 2013, de ora em diante designada Medida, que consiste na concessão, ao empregador, de um apoio financeiro à celebração de contrato de trabalho com desempregado inscrito em centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional, com a obrigação de proporcionar formação profissional”.

Artigo 4.º
Formação Profissional

“1 - O empregador obriga-se a proporcionar formação profissional numa das seguintes modalidades:
a) Formação em contexto de trabalho ajustada às competências do posto de trabalho, pelo período de duração do apoio, mediante acompanhamento de um tutor designado pelo empregador;
b) Formação ajustada às competências do posto de trabalho, em entidade formadora certificada, com uma carga horária mínima de 50 horas e realizada, preferencialmente, durante o período normal de trabalho.
2 - Os empregadores que tenham menos de 5 trabalhadores devem proporcionar formação profissional na modalidade prevista na alínea b) do número anterior.
3 - No caso de a formação referida na alínea b) do n.º 1 ser realizada, total ou parcialmente, fora do período normal de trabalho, o trabalhador tem direito a uma redução equivalente no respetivo período de trabalho.
4 - No termo da formação, o empregador deve entregar ao IEFP, I.P. o relatório de formação elaborado pelo tutor, em conformidade com o modelo definido por regulamento específico, ou a cópia do certificado de formação emitido pela entidade formadora certificada”.
Artigo 7.º
Pagamento do apoio

“1 - O pagamento do apoio financeiro relativo aos contratos de trabalho a termo certo e ao prémio de conversão é efetuado da seguinte forma:
a) A primeira prestação, no montante correspondente a 50% do apoio aprovado, é paga nos 15 dias consecutivos após a devolução do termo de aceitação da decisão;
b) A segunda prestação, no montante remanescente, é paga findo o período de duração do apoio, no prazo de 10 dias consecutivos após o pedido de pagamento.
2 - O pagamento do apoio financeiro relativo aos contratos de trabalho sem termo é efetuado da seguinte forma:
a) A primeira prestação, no montante correspondente a 40% do apoio aprovado, é paga nos 15 dias consecutivos após a devolução do termo de aceitação da decisão;
b) A segunda prestação, no montante correspondente a 40% do apoio aprovado, é paga nos 15 dias consecutivos após o termo da primeira metade do período de duração do apoio;
c) A terceira prestação, no montante remanescente, é paga findo o período de duração do apoio, no prazo de 10 dias consecutivos após o pedido de pagamento.
3 - O pagamento das prestações fica sujeito à verificação da manutenção dos requisitos necessários à atribuição do apoio, definidos no n.º 1 do artigo 2.º e no n.º 1 do artigo 3.º.
4 - O pagamento da última prestação do apoio fica sujeito à entrega, por parte do empregador, do relatório de formação ou da cópia do certificado de formação previstos no n.º 4 do artigo 4.º”.

Artigo 8.º
Incumprimento e restituição dos apoios

“1 - O incumprimento, por parte do empregador, das obrigações relativas à atribuição dos apoios financeiros concedidos no âmbito da presente portaria implica a imediata cessação dos mesmos e a restituição, total ou parcial, dos montantes já recebidos, sem prejuízo do exercício do direito de queixa por eventuais indícios da prática do crime de fraude na obtenção de subsídio de natureza pública.
2 - O apoio financeiro cessa, devendo o empregador restituir proporcionalmente o apoio financeiro recebido, quando se verifique alguma das seguintes situações:
a) O trabalhador abrangido pela Medida promova a denúncia do contrato de trabalho;
b) O empregador e o trabalhador abrangido pela Medida façam cessar o contrato de trabalho por acordo;
c) Incumprimento do requisito previsto na alínea b) do n.º 5 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no n.º 9 do mesmo artigo;
3 - O empregador deve restituir a totalidade do apoio financeiro respeitante ao trabalhador em relação ao qual se verifique uma das seguintes situações:
a) Despedimento coletivo, por extinção de posto de trabalho ou por inadaptação, bem como despedimento por facto imputável ao trabalhador que seja declarado ilícito ou cessação do contrato de trabalho durante o período experimental por iniciativa do empregador, efetuados durante o período de duração do apoio;
b) Resolução lícita de contrato de trabalho pelo trabalhador;
c) Incumprimento das obrigações previstas no artigo 4.º, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 5.º.
4 - O IEFP, I.P. deve notificar o empregador da decisão que põe termo à atribuição do apoio financeiro, indicando a data em que deixa de existir fundamento para a respetiva atribuição, assim como o montante que deverá ser restituído.
5 - A restituição deve ser efetuada no prazo de 60 dias consecutivos, contados a partir da notificação referida no número anterior, sob pena de pagamento de juros de mora à taxa legal em vigor”.

Da leitura do mencionado preâmbulo e destes artigos da Portaria n.º 106/2013, de 14.03, é possível apreender com relativa facilidade a vontade do legislador, o que permite um melhor enquadramento das soluções jurídicas nela preconizadas, designadamente no que se refere à atribuição do apoio financeiro e ao dever de restituição.
Parece-nos claro que o apoio financeiro previsto visa dois objectivos que estão indissociavelmente ligados. Por um lado, promover a contratação de pessoas desempregadas e, por outro, promover simultaneamente a sua formação profissional. Esta medida increve-se, certamente, em novos paradigmas que inspiram hoje em dia as prestações sociais, não mais assentes numa pura lógica de “sit and wait” (prestações passivas), mas numa perspectiva de capacitação dos seus beneficiários, no sentido, v.g., de que é necessário melhorar as competências profissionais da pessoa desempregada com vista a aumentar as suas possibilidades de obter ou de manter um emprego, e, de igual modo, de promover a sua auto-estima, eventualmente afectada pelo estigma da situação de desemprego ou da condição de desempregado, e a sua autonomia em relação ao Estado. Tem, assim, razão o recorrente quando fala de uma “obrigação de resultado” no que se refere à obrigação do empregador de proporcionar a formação profissional ao trabalhador contratado ao abrigo do programa de combate ao desemprego em apreço. O legislador não quer apenas que o desempregado seja contratado, quer, de igual modo, que ele melhore as suas competências profissionais ou adquira novas, e isso só será conseguido com a frequência de cursos ou estágios de formação profissional. Por outras palavras, o Estado só está disposto a financiar o empregador que contrate pessoas desempregadas dispostas a frequentar, e que efectivamente frequentem, os cursos ou estágios de formação profissional. Daí se compreenda a exigência legal dirigida ao empregador para que este “No termo da formação” tenha que entregar à entidade financiadora “ao IEFP, I.P. o relatório de formação elaborado pelo tutor, em conformidade com o modelo definido por regulamento específico, ou a cópia do certificado de formação emitido pela entidade formadora certificada”, nos termos, desde logo, do n.º 4 do artigo 4.º da Portaria n.º 106/2013. Com efeito, esta entrega é a garantia de que o objectivo legal da formação profissional do contratado foi atingido. Não interessa, deste modo, que o empregador tenha feito ou não todos os esforços para garantir a frequência dos cursos de formação profissional que deve promover (o primeiro esforço do empregador, diga-se em abono da verdade, deverá ser o de contratar desempregados que manifestem uma vontade séria de frequentar os cursos de formação profissional). De igual modo, a questão do eventual conluio entre empregador e potencial formando não é relevante para efeitos do dever de restituição do apoio financeiro atribuído. Esta é a interpretação que melhor se coaduna com o programa de estímulo ao emprego em apreço e, de forma mais genérica, com o interesse público e o melhor aproveitamento dos recursos públicos. Mais ainda, ela também se coaduna com a al. g) do Termo de Aceitação da Decisão de Aprovação assinada pelo empregador e constante de fls. 13 do p.i., nos termos da qual se “assume o compromisso de comunicar por escrito ao IEFP, IP, todas as situações que pela sua natureza possam implicar a alteração à candidatura inicialmente aprovada” (cfr. o ponto 3. da matéria de facto, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

Mas, cabe notar, nem sequer na óptica do Direito Civil se chegaria a diferente interpretação das normas em apreço (e também do Preâmbulo) e da disciplina jurídica que delas decorre. O argumento que consta do acórdão recorrido, segundo o qual, dada a recusa da trabalhadora, não existe incumprimento por parte do empregador, havendo apenas a extinção da obrigação de lhe proporcionar a formação profissional – daí que o mesmo fique eximido de restituir o apoio financeiro –, não é de subscrever nem sequer à luz das regras gerais do Direito Civil. Com efeito, quer pela via do artigo 473.º do CC – que estabelece o princípio geral no que se refere ao instituto do enriquecimento sem causa, nomeadamente do seu n.º 2 (“2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou” –, quer pela via do artigo 795.º (Contratos bilaterais), designadamente do seu n.º 1 (“1. Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa”), o empregador teria sempre de devolver o apoio financeiro, ainda que não lhe fosse imputável o incumprimento de qualquer obrigação.

Em suma, o acórdão recorrido fez uma errada interpretação do regime de atribuição de apoio financeiro – das condições da sua atribuição – e do dever de restituição desse apoio financeiro – das situações em que ele se impõe. Ainda que o incumprimento não seja imputável ao empregador e ainda que não tenha havido conluio, a verdade é que a trabalhadora em causa não quis frequentar o curso de formação profissional, deste modo impossibilitando a realização do segundo objectivo desta medida de contratação e formação profissional de pessoas desempregadas, sendo certo que o Estado, através do IEFP, IP, só está interessado em financiar se se puderem alcançar os dois objectivos. Visto num outro plano, o empregador não cumpriu a obrigação constante do artigo 4.º, sendo esta, no contexto jurídico explanado, uma obrigação de resultado. Procede, deste modo, o invocado erro de direito na interpretação e aplicação dos artigos 1.º, 4.º, 7.º e 8.º da Portaria n.º 106/2013.

Apenas há a acrescentar que o dever de restituição do apoio financeiro não pode ignorar que o empregador tem gastos com a promoção de cursos ou estágios de formação profissional e que desde que se trate de gastos elegíveis e devidamente provados deveriam entrar na conta do que deve ser efectivamente restituído.

2.3. Do alegado erro de julgamento por errada interpretação e avaliação dos factos e consequente aplicação do direito

Entende o recorrente que “Também evidencia erro de julgamento de facto e de direito, a asserção contida no douto Acórdão recorrido no sentido de que, de acordo com a prova produzida, a Recorrida cumpriu, na medida do que lhe era exigível, a obrigação de proporcionar formação profissional à trabalhadora em questão” (cfr. Conclusão 49.ª). Sustenta o recorrente, fundamentalmente, que não se pode afirmar que o empregador, ora recorrido, tenha feito tudo o que era exigível para que a trabalhadora frequentasse a formação profissional. E isto, porque “não é possível afirmar que a Recorrida cumpriu na "medida do que lhe era exigível” sem dar a devida relevância ao facto 3) dado como provado, segundo o qual a entidade empregadora obrigou-se ao integral cumprimento dos termos e disposições legais e regulamentares aplicáveis, bem como declarou ter perfeito conhecimento de que o incumprimento implica o termo da atribuição do apoio financeiro concedido e/ou a restituição total do mesmo” (cfr. Conclusão 50.ª). E, também, porque “o douto Acórdão recorrido, não podia ter deixado de valorar a relevante circunstância da Recorrida nunca ter prestado qualquer informação ao IEFP, I.P. sobre tal recusa da trabalhadora em frequentar a formação profissional que lhe foi proposta, tendo aceitado ou se conformado com o daí emergente incumprimento dessa cláusula modal, sendo do seu conhecimento que tal implicava a revogação e restituição da totalidade do apoio financeiro concedido” (cfr. Conclusão 50.ª).

Deixando momentaneamente de parte a circunstância de que, como há pouco se concluiu, não é relevante, para efeitos de restituição do apoio financeiro, se o incumprimento é ou não imputável ao empregador, cabe dizer que não assiste razão ao recorrente quanto a este alegado erro de julgamento. Efectivamente, e como facilmente se percebe, nenhum dos factos por ele agora chamados à colação é adequado para provar que não foram envidados todos os esforços para proporcionar a formação profissional à trabalhadora – sendo que, relembra-se, o erro na aplicação do direito reconduz-se à errada interpretação e aplicação do regime aplicável, tal como enunciado no ponto 2.2.

2.4. Do alegado erro de julgamento por errada interpretação dos poderes de apreciação do IEFP, IP

Sustenta o recorrente que “o douto Acórdão recorrido não atenta devidamente na natureza vinculativa e objectiva da revogação do acto de concessão do apoio financeiro, sem que o legislador tenha concedido ao IEFP, I.P. qualquer discricionariedade ou margem de livre apreciação dos pressupostos verificados” (cfr. Conclusão 59.ª). Designadamente porque entende que, ainda que provada, a recusa por parte da trabalhadora de frequentar a formação profissional não pode ter influência na decisão de cessar o apoio financeiro e de solicitar a restituição do apoio indevidamente concedido (cfr. Conclusão 65ª: “Deste modo, o douto Acórdão recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento, pois a invocada recusa da trabalhadora em frequentar a formação profissional, apenas e só alegada em sede de audiência prévia, não é apta, por falta de previsão legal habilitante, para excluir a verificação do incumprimento da obrigação estabelecida na mencionada disposição legal, que constitui cláusula modal a que está sujeito o acto de concessão do apoio financeiro em causa”). Quanto a este particular aspecto, e tendo em conta, por um lado, o que foi explanado no ponto 2.2., em particular a conclusão de que estamos perante uma obrigação de resultado, e, por outro lado, que na Portaria n.º 106/2013 não está prevista a possibilidade de não restituição para os casos em que o incumprimento não é imputável ao empregador, consideramos que, de facto, o acórdão recorrido interpretou e aplicou mal as normas relativas à cessação do apoio financeiro e ao dever de o restituir. Tal como defende o recorrente, entendemos que neste domínio a Administração não tem grande margem de manobra, devendo apreciar objectivamente se foi ou não efectivamente recebida a formação profissional por parte dos trabalhadores contratados. Assim sendo, deve considerar-se que o acórdão recorrido incorreu no erro de julgamento acabado de apreciar.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e julgando totalmente improcedente a presente acção, com todas as legais consequências.

Custas pelo A., ora recorrido, nas instâncias e neste STA.

Lisboa, 13 de Setembro de 2018. – Maria Benedita Malaquias Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.