Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0387/09
Data do Acordão:07/15/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
SUBIDA IMEDIATA
Sumário:I - Não obstante o carácter taxativo do disposto no artº 278º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ter subida imediata, sob pena de inconstitucionalidade material do preceito - princípio da tutela judicial efectiva (artº 268º da Constituição da República Portuguesa) - a reclamação de qualquer acto do órgão da execução fiscal que cause prejuízo irreparável ao executado ou em que, com a subida diferida, a reclamação perca toda a utilidade.
II - Só é completamente inútil a reclamação com subida diferida quando o prejuízo eventualmente decorrente daquela decisão não possa ser reparado.
III - Preenche tal condicionalismo a reclamação do acto de indeferimento do pedido de dispensa de garantia.
Nº Convencional:JSTA00065902
Nº do Documento:SA2200907150387
Data de Entrada:04/03/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF VISEU PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART169 N1 N2 N3 ART195 ART277 N3 ART278 N3 N5.
LGT98 ART50 N1 ART52.
CONST97 ART268 N4.
CPC96 ART622 ART724 N2 ART819.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC58/08 DE 2008/03/06.; AC STA PROC689/06 DE 2006/08/16.; AC STA PROC10/05 DE 2005/03/02.; AC STA PROC229/06 DE 2006/08/09.; AC STA PROC738/07 DE 2008/01/09.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 4ED PAG1049 NOTA5.
LEBRE DE FREITAS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO V3 PAG115 PAG116.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, Lda, melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que se decidiu pela subida deferida da reclamação que aquela sociedade apresentou do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Águeda, que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1 - A sociedade ora Recorrente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra um acto de liquidação de IRC referente ao ano de 2000, no valor de 2.444,53 €, por considerar o mesmo ilegal.
2 - Após ter sido citada no âmbito do processo de execução fiscal instaurado com vista à cobrança coerciva daquela dívida, a ora Recorrente solicitou a dispensa de prestação de garantia, e consequentemente requereu a suspensão do respectivo processo de execução fiscal com fundamento na apresentação do pedido de revisão oficiosa.
3 - O Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Águeda considerou que o pedido de revisão oficiosa não suspende o processo de execução fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 169° do CPPT, e por isso indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pela sociedade ora Recorrente, e consequentemente o correspondente pedido de suspensão do respectivo processo de execução fiscal.
4 - Por isso, a sociedade ora Recorrente apresentou uma reclamação contra aquele despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Águeda, ao abrigo do disposto no artigo 276° do CPPT e solicitou a subida imediata da mesma reclamação, de acordo com o preceituado no artigo 278°, número 3 do mesmo diploma legal.
5 - A Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu indeferiu o pedido de subida imediata da referida reclamação por, no seu entender, não estarmos perante uma situação de prejuízo irreparável alicerçador da subida e apreciação imediata da mesma.
6 - Ora salvo o devido respeito, a sociedade ora Recorrente não corrobora tal entendimento, porquanto é hoje jurisprudência unânime dos nossos tribunais superiores a interpretação do número 3 do artigo 278° do CPPT segundo a qual o mesmo abrange nos casos de subida imediata das reclamações do órgão da Administração que dirige a execução fiscal aqueles em que, independentemente da alegação e prova do prejuízo irreparável, a sua subida diferida lhes retiraria toda a utilidade, cabendo na previsão daquele número 3 a reclamação do acto que indeferiu o pedido do executado de suspensão da execução - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 09/01/2008, no âmbito do processo número 0738/07, in base de dados em suporte informático - www.dgsi.pt.
7 - Com efeito, mau grado o carácter taxativo do disposto no artigo 278°, número 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ter subida imediata, sob pena de inconstitucionalidade material do preceito - princípio da tutela judicial efectiva (artigo 268° da Constituição da República Portuguesa) - a reclamação de qualquer acto do órgão de execução fiscal que cause prejuízo irreparável ao executado ou em que, com a subida diferida, a reclamação perca toda a utilidade.
8 - Assim, preenche tal condicionalismo a reclamação do acto de indeferimento do pedido de dispensa/isenção de garantia - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 06/03/2008, no âmbito do processo número 058/08, in base de dados em suporte informático - www.dgsi.pt.
9 - A ora Recorrente peticionou ao órgão da Administração a suspensão da execução, desatendida pelo despacho reclamado. Tendo tal suspensão sido indeferida, se o recurso dele interposto não for imediatamente apreciado, a consequência é o prosseguimento da execução; e, assim, quando a reclamação for julgada, já não pode produzir o efeito útil, pois a execução fiscal que se queria ver suspensa prosseguiu até à venda.
10 - É quanto basta para, independentemente da provável verificação de prejuízo irreparável em resultado da retenção da reclamação, esta dever ser imediatamente apreciada.
11 - Por isso, no entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, apoiado na doutrina expressa por Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 5ª edição, volume II, páginas 666 a 668, não é taxativo o elenco das ilegalidades constantes do número 3 do artigo 278° do CPPT, mas antes devem ser atendidas, para o efeito, todas aquelas de que possa resultar, para o interessado, prejuízo irreparável.
12 - Mas entendem mais do que isso as apontadas doutrina e jurisprudência: que devem subir imediatamente as reclamações cuja subida diferida lhes retiraria toda a utilidade, sendo esta, de resto, a regra consagrada pelo artigo 734°, número 2 do CPC para os agravos: sobem de imediato aqueles cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
13 - Na verdade, mal se entenderia que a lei, admitindo alguém a rebelar-se contra uma decisão, facultando o seu reexame por outra entidade, só propiciasse a avaliação da pretensão do interessado quando desta apreciação não pudesse resultar nenhum efeito útil. Seria o mesmo que dar com uma mão e tirar com a outra - além de assim se consagrar um meio de reacção inconsequente, porque de todo desprovido de proveito.
14 - Com efeito, no caso sub judice, só com a subida imediata da reclamação é que se obtém utilidade para a Recorrente, de nada lhe valendo a sua procedência após a penhora ou venda de todos os bens, pois o eventual deferimento do pedido de isenção/dispensa de garantia impediria precisamente a prática daqueles actos lesivos do seu património.
15 - Assim, a Recorrente alegou factos suficientes demonstrativos da inutilidade da reclamação, caso a sua subida não seja imediata.
16 - Pelo que a douta sentença recorrida violou os artigos 278° do CPPT e 734°, n.° 2 do CPC,
17 - O artigo 278° do CPPT apenas autoriza a subida imediata das reclamações apresentadas contra actos praticados pelo órgão de execução fiscal, taxativamente, quando esteja em causa “prejuízo irreparável” derivado das vicissitudes da penhora e da prestação da garantia, nele elencados.
18 - Todavia, tal interpretação literal seria inconstitucional por violação do princípio da tutela judicial efectiva constitucionalmente previsto - artigo 268°, número 4 da Constituição da República Portuguesa. Por modo que há que procurar uma interpretação do preceito conforme à Constituição.
19 - “O alcance da tutela judicial efectiva não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva, da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível. Por isso, em todos os casos em que o diferimento da apreciação jurisdicional da legalidade de um acto lesivo praticado pela administração puder provocar para os interessados um prejuízo irreparável, não pode deixar de se admitir a possibilidade de impugnação contenciosa imediata, pois é essa a única forma de assegurar tal tutela.
20 - Assim, a restrição aos casos previstos no número 3 do artigo 278° da possibilidade de subida imediata das reclamações que se retira do texto, será materialmente inconstitucional, devendo admitir-se a subida imediata sempre que, sem ela, o interessado sofra prejuízo irreparável.
21 - Com efeito, subindo a final, a decisão da reclamação seria absolutamente despicienda, pois sendo tomada após a penhora, o eventual deferimento seria inócuo, já que o efeito produzido pela dispensa da garantia - a suspensão da execução - esgota-se antes da penhora, pois que visa evitá-la.
22 - De outro modo: ao requerer a isenção/dispensa da prestação da garantia, o contribuinte pretendeu suspender a execução, ou seja, pretendeu evitar a penhora. Ora, tendo tal requerimento sido indeferido, se a reclamação apresentada não for imediatamente apreciada, a consequência é o imediato prosseguimento da execução; e, subindo a final, já não pode produzir efeito útil, pois a subida diferida implica, pela sua natureza, que a execução (que se pretendia ver suspensa) prosseguiu até à concretização da penhora.
23 - Por último, sempre se diga, conforme já supra referido, que a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” considerou na sentença de que ora se recorre que o acto reclamado não era por si só lesivo, pelo que não seria este o momento para se conhecer do mérito da presente reclamação - dele só se devendo conhecer após a ocorrência de um acto lesivo, por exemplo a realização da penhora ou a pronúncia sobre a dispensa ou não de garantia, etc.
24 - Ora, a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” considerou que a reclamação apresentada pela sociedade ora Recorrente só deveria ser apreciada após a ocorrência de um acto lesivo, dando como exemplo precisamente o acto que está aqui em causa, ou seja, o despacho do órgão de execução fiscal que se pronunciou sobre o pedido de dispensa de garantia, e precisamente com base neste entendimento, indefere o conhecimento imediato da reclamação em causa.
25 - Assim, neste caso concreto, os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão proferida, pelo que a sentença de que ora se recorre é nula, ao abrigo do disposto na alínea c) do número 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso, sufragando-se, para o efeito na doutrina e jurisprudência desta Secção do STA, que cita.
Atenta a natureza urgente do presente processo, não foram colhidos os vistos legais.
2 – A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
A) O Chefe do Serviço de Finanças de Águeda indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia, apresentado pela reclamante.
B) O despacho data de 24 de Outubro de 2008.
C) A reclamante apresentou a presente reclamação no dia 11 de Novembro de 2008.
D) Não foi efectuada qualquer penhora.
3 – A decisão recorrida baseou-se, no essencial, em que apesar da reclamante ter invocado prejuízo irreparável, com vista a obter a imediata apreciação da reclamação interposta do despacho do Chefe do Serviço de Finanças, tal prejuízo não se verifica.
Isto por que não fez “prova de factos concretos que tenham a virtualidade de demonstrar a verificação de tais prejuízos (irreparáveis) para si ou para os interesses que defende, aos quais, reportados ao juízo de prognose póstuma, lhe advirão, da prática e execução de decisão reclamada”.
Assim, no entendimento que a sentença recorrida expressou, a subida imediata da reclamação - a atribuição da natureza de processo urgente - depende, exclusivamente, da verificação do prejuízo irreparável referido no nº 3 do artº 278º do CPPT.
E como julgou que tal prejuízo não existia no caso em apreço, decidiu que não era este o momento para conhecer do mérito da presente reclamação e que só havia de subir a final.
A sentença, cumpre reconhecer, é tudo menos um modelo de congruência no seu discurso argumentativo/fundamentador.
Todavia, daí não resulta que se encontre ferida da nulidade por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, como alega a recorrente.
Com efeito, se é certo que o Mmº Juiz “a quo” considera que a reclamação apresentada só devia ser apreciada após a ocorrência de um “acto lesivo”, dando, para o efeito, como exemplo o acto aqui em causa, a verdade é que dúvidas não restam que a decisão de improcedência da reclamação radicou no entendimento de que a recorrente não fez prova de factos que consubstanciem a verificação de “prejuízos irreparáveis” para si ou para os interesses que defende.
Sendo assim, no essencial, não se pode afirmar que a fundamentação aduzida na sentença enferme de qualquer impossibilidade de articulação lógica com a decisão de improcedência da reclamação.
O que pode haver é erro de julgamento, se, além, das hipóteses expressamente previstas no nº 3 do artº 278º do CPPT, outros casos houver em que as reclamações dos despachos do órgão da Administração proferidas na execução fiscal devam ser imediatamente submetidas ao juiz.
É do que adiante se tratará, depois de, assim, concluirmos que não existe a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Pelo que falecem, pois, as conclusões 23ª a 25ª da motivação do recurso.
4 – Posto isto, passemos, então, à apreciação do restante objecto do presente recurso.
Como vimos, a sentença fundamentou-se em que o reclamante não elencou os factos que demonstrassem a existência de prejuízo “irreparável”.
E na verdade, tal pressuposto não se verifica, como resulta do disposto no artº 278º, nºs 3 e 5 do CPPT, sendo que, como resulta dos autos, não foi, todavia efectuada, ainda a venda, nem, por isso, o despacho de adjudicação, nem emitido o competente título de transmissão de bens.
Por outro lado e como bem se anota na sentença recorrida, “em resposta ao pedido de aperfeiçoamento, veio, apenas, alegar uma série de considerações sobre a mera potencialidade de prejuízo a verificar-se em consequência da efectivação de diligências futuras, nada invocando em concreto”.
Todavia, é, pois, para suspender a execução que a recorrente pretende ser dispensada da prestação da garantia.
Ora, escreve-se no Acórdão de 6/3/08, in rec. nº 58/08, que o Relator subscreveu, cuja jurisprudência não vemos motivo para alterar e que, por isso, vamos aqui seguir de perto, com as alterações que se tornem indispensáveis, que “nos termos do artigo 169.º, n.º 1, do CPPT, “a execução ficará suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente”.
Isto é, sempre que o contribuinte conteste a legalidade da liquidação (ou, lato sensu, a exigibilidade da dívida – cfr. n.º 5 do mesmo artigo) e apresente bens que garantam a quantia exequenda ou a administração tributária constitua garantia ou proceda à penhora, a cobrança da prestação tributária fica suspensa até à solução do litígio – cfr. artigo 52.º da Lei Geral Tributária.
O que bem se compreende: uma vez que “o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários” – artigo 50.º, n.º 1, da LGT –, a existência de uma garantia especial que responda pela quantia exequenda afasta o motivo que justifica, na pendência da discussão da legalidade da liquidação e/ou exigibilidade da dívida, a continuação do processo de cobrança. É que se os pedidos do contribuinte obtivessem provimento (se a liquidação fosse considerada (total ou parcialmente) ilegal ou, nomeadamente, a dívida se encontrasse prescrita), tal cobrança seria desnecessária e teria que ficar sem efeito.
Assim, se a garantia for constituída (hipoteca legal ou penhor – artigo 195.º do CPPT) ou prestada (garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente – artigo 199.º do mesmo diploma), já não haverá lugar à penhora, fruto da dita suspensão do processo de execução.
Mas “se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, será ordenada a notificação do executado para prestar a garantia referida no número anterior dentro do prazo de 15 dias” – n.º 2 do mesmo artigo 169.º -, pois que, à míngua de garantia especial, não há motivo para o processo de execução ser suspenso.
E “se a garantia não for prestada [neste prazo], proceder-se-á de imediato à penhora” – n.º 3 do mesmo artigo 169.º.
Da interpretação combinada destes dois números retira-se que, no caso de a garantia ser apenas parcial (i.e., “não garantir a dívida exequenda e o acrescido” mas apenas parte), o processo de execução também se suspende, ainda que com efeitos limitados à garantia prestada, pois que não havendo reforço no sentido de garantir a totalidade da dívida e acrescido, “proceder-se-á de imediato à penhora” de novos bens, que não à liquidação da garantia parcial.
Em suma: o processo de execução suspende-se quanto à garantia prestada (ainda que parcial), só podendo esta ser executada se a decisão final do pleito for no sentido da improcedência, ou improcedência parcial (aqui na medida desta), dos pedidos do contribuinte, em sede de reclamação, recurso, impugnação judicial ou oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda.
Ou seja, no caso dos autos, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia reclamado consequenciou a não suspensão da execução quanto à cobrança do montante da dívida tributária…
A dispensa em causa equaciona-se, pois, à prestação de garantia referente ao crédito a cobrar…
E, como se disse, a questão dos autos é a da subida imediata (ao Tribunal Administrativo e Fiscal) da reclamação para efeitos da sua decisão, também imediata, que não apenas após a penhora.
Ora, o artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário apenas a autoriza, taxativamente, quando esteja em causa “prejuízo irreparável” derivado das vicissitudes da penhora e da prestação da garantia, nele elencados.
Todavia, tal interpretação literal seria inconstitucional por violação do princípio da tutela judicial efectiva constitucionalmente previsto – artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República.
Por modo que há que procurar uma interpretação do preceito conforme à Constituição.
“O alcance da tutela judicial efectiva, não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva, da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível.
Por isso, em todos os casos em que o diferimento da apreciação jurisdicional da legalidade de uma acto lesivo praticado pela administração puder provocar para os interessados um prejuízo irreparável, não pode deixar de se admitir a possibilidade de impugnação contenciosa imediata, pois é essa a única forma de assegurar tal tutela.
Assim, a restrição aos casos previstos deste n.º 3 do artigo 277.º da possibilidade de subida imediata das reclamações que se retira do seu texto, será materialmente inconstitucional, devendo admitir-se a subida imediata sempre que, sem ela, o interessado sofra prejuízo irreparável”.
Cfr. Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª ed., p. 1049, nota 5.
Como assinala o mesmo autor, estando em causa a cobrança de dívidas, não haverá, em princípio, grave lesão do interesse público dada a possibilidade de a Administração Fiscal promover arresto de bens, com «o mesmo efeito da penhora a nível da eficácia em relação ao processo de execução fiscal dos actos do executado (artigos 622.º e 819.º do Código de Processo Civil)».
«Parece mesmo dever ir-se mais longe e assegurar-se a subida imediata das reclamações sempre que, sem ela, elas percam toda a utilidade».
Pois «nos casos em que a subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação, a imposição desse regime de subida reconduz-se à denegação da possibilidade de reclamação, pois ela não terá qualquer efeito prático, o que seria incompatível com a Lei Geral Tributária e o referido sentido da lei de autorização legislativa» (Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro), devendo, então, aceitar-se, em tais casos, a subida imediata”.
Dando-se aí, como exemplos, segundo o mesmo autor, a “decisão que recuse suspender o processo de execução” e “a fixação do valor base para a venda”.
Cfr. os acórdãos do STA de 16 de Agosto de 2006 – recurso n.º 0689/06 e de 2 de Março de 2005 – recurso n.º 010/05.
A recorrente invoca que a subida diferida fará com que a reclamação perca toda a sua utilidade: “a ora recorrente peticionou ao órgão de Administração a suspensão da execução…Tendo tal suspensão sido indeferida, se o recurso dele interposto não for imediatamente apreciado, a consequência é o prosseguimento da execução; e, assim, quando a reclamação for julgada, já não pode produzir o efeito útil, pois a execução fiscal que se queria ver suspensa prosseguiu até à venda…”, conclusão nº 9 do presente recurso.
Como acima se referiu, deve admitir-se a subida imediata das reclamações sempre que, sem ela, elas percam toda a utilidade.
Trata-se de fórmula equivalente à da regra consagrada no artigo 724.º, n.º 2, do Código de Processo Civil para os agravos: sobem imediatamente aqueles “cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”.
A predita inutilidade não pode todavia deixar de relacionar-se com a irreparabilidade do prejuízo.
Como refere o acórdão deste tribunal de 9 de Agosto de 2006 – recurso n.º 0229/06, “a inutilidade resultante da subida diferida da reclamação é noção a definir em presença da de prejuízo irreparável de que fala a lei. É seguro que o legislador não quis impor a subida imediata de todas as reclamações cuja retenção pode originar prejuízos.
Não está em causa, pois, poupar o interessado a todo o prejuízo. Por isso se estabelece que as reclamações sobem imediatamente só quando a sua retenção seja susceptível de provocar um prejuízo irreparável.
Em súmula, a reclamação que não suba logo não perde todo o seu efeito útil, mesmo que não evite o prejuízo que se quer impedir, desde que seja possível repará-lo.”
Ora, a jurisprudência tem interpretado de forma exigente o requisito da absoluta ou total inutilidade do recurso (reclamação), entendendo-se que a sua eventual retenção deverá ter um resultado irreversível, não bastando a mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual, sem que aí se possa vislumbrar qualquer ofensa constitucional.
Cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 3, pp. 115/116, e jurisprudência aí citada.
No caso sub judice, o pedido de dispensa respeita…unicamente à quantia exequenda, pretendendo a recorrente suspender a execução e, assim, evitar a penhora prevista no citado artigo 169.º, n.º 3.
Contudo, o pedido foi indeferido pelo Chefe do Serviço de Finanças e o tribunal a quo decidiu que a reclamação era de subida diferida.
Todavia, subindo a final, a decisão da reclamação seria absolutamente despicienda, pois sendo tomada após a penhora, o eventual deferimento seria inócuo, já que o efeito produzido pela dispensa da garantia – a suspensão da execução - esgota-se antes da penhora, pois que visa evitá-la.
De outro modo: ao requerer a dispensa da prestação de garantia, a contribuinte pretendeu suspender a execução, ou seja, pretendeu evitar a penhora.
Tendo tal requerimento sido indeferido, se a reclamação apresentada não for imediatamente apreciada, a consequência é o prosseguimento da execução; e, subindo a final, já não pode produzir efeito útil, pois a subida diferida implica, pela sua natureza, que a execução (que se pretendia ver suspensa) prosseguiu até à concretização da penhora.
Pelo que a reclamação deve ser imediatamente apreciada”.
Neste sentido, pode ver-se, para além dos arestos já citados, o recente acórdão do STA de 9 de Janeiro de 2008, recurso n.º 738/07.
5 – Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e revogar a sentença recorrida, devendo os autos baixar ao tribunal “a quo” para que a reclamação seja apreciada de imediato, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Julho de 2009. – Pimenta do Vale (relator) – Adérito Santos – Pais Borges.