Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01010/16
Data do Acordão:09/22/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
MATÉRIA DE FACTO
Sumário:Não é de admitir recurso de revista relativamente a questões de facto, fora do âmbito do art. 150º, 4 do CPTA.
Nº Convencional:JSTA000P20929
Nº do Documento:SA12016092201010
Data de Entrada:09/08/2016
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE COIMBRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A……………. e esposa, recorreram nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte proferido em 8 de Abril de 2016 que negou provimento ao recurso da sentença proferida pelo TAF de Coimbra na parte em que julgou improcedente, por falta de ilicitude, a ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM intentada contra o MUNICÍPIO DE COIMBRA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia € 165.389,88 euros, pelos danos sofridos pela derrocada de dois edifícios, situados na ………….., n.º ………. e ……….., em Coimbra, ocorrida no dia 1 de Dezembro de 2006.

1.2. Justifica a admissibilidade da revista por entender que se justifica a intervenção deste STA com vista a uma melhor aplicação do direito.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O TCA começou por referir que a questão da competência do Tribunal estava já decidida por decisão transitada em julgado.

Apreciou de seguida o recurso visando alterar a matéria de facto, dado parcial provimento ao mesmo.

Fixada a matéria de facto apreciou a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do réu Município de Coimbra e concluir que este não praticou qualquer facto ilícito.

A ilicitude era imputada ao réu Município porque, alegavam os recorrentes, o mesmo sabia da existência de defeitos estruturais nos edifícios e da necessidade de serem realizadas obras de reparação e conservação e não agiram executando eles próprios as obras que haviam determinado, e também não fiscalizaram ou detectaram obras feitas nos mesmos de forma clandestina. Ao não ter procedido às obras indispensáveis à conservação dos edifícios e que poderiam ter evitado a sua derrocada nos termos dos artigos 89º e 91º do RJUE a entidade recorrida teria agido com ilicitude.

O TCA Norte entendeu que não havia qualquer ilicitude no comportamento do Município, colocando a questão nos seguintes termos: “Efectuando-se uma retrospectiva pela matéria de facto, coloca-se agora a questão de saber se o Município, nestas condições, deveria ou não ter feito intervenção, no sentido de tomar posse administrativa dos imóveis e realizadas as obras de conservação nos termos do art. 91º do RJUE”. O acórdão abordou esta questão e concluiu que “a possibilidade de realização destas obras pelo Município, nos termos do art. 91º não se pode concluir que seja um poder dever, a não ser que esteja em causa uma ameaça de ruína, e então já não estará em causa a realização de obras, mas sim a demolição do edifício”.

“Ora – continua o acórdão recorrido – no caso em apreço, e relativamente ao edifício com o n.º ......., não se encontra demonstrado que o mesmo estivesse em tal situação que tivesse de ocorrer uma intervenção do Município, sob pena de o mesmo poder ruir.

(…)

Quanto ao edifício n.º .......... apenas ocorreu uma vistoria em 1990 (P), mas também não se concluiu que o mesmo estivesse em risco de ruína. Aliás, quanto a este edifício, em 2004, através de uma vistoria realizada pelos Serviços da Universidade de Coimbra concluiu-se que, no geral, não apresentava problemas de maios (l).

A situação é idêntica à do edifício n.º ...... Não havendo notícia de que havia risco iminente de ruína, a não tomada de posse administrativa e a realização de obras coercivas não pode ser considerada uma omissão ilícita da recorrida.

(…)”.

3.3. Como decorre da parte transcrita do acórdão do TCA Norte o juízo sobre a ilicitude assenta essencialmente em juízos de facto. O TCA Norte entendeu que não estava demonstrada nos autos a ameaça de ruína e foi por ter concluído desse modo que afastou a ilicitude imputada ao réu.

Não está portanto em causa a natureza vinculativa ou discricionária dos poderes de intervenção do Município, mas antes a avaliação da situação de facto, mais concretamente, da ameaça ou não de ruína. Em boa verdade o acórdão recorrido afastou a aplicação do artigo 91º do RJEU, porque entendeu que não se provou a matéria de facto que desencadearia a sua aplicação. A tese do acórdão é, portanto, uma tese construída sobre a real dimensão de uma situação de facto e não sobre a interpretação de uma norma jurídica.

Nestas condições o recurso tem como objecto conclusões ou juízos de facto que estão fora do âmbito da revista – cfr. art. 12º, 4º do ETAF – pelo que não se justifica admitir a revista.

Com efeito, sendo as questões suscitadas essencialmente sobre a verdadeira dimensão dos factos dados como provados, ou seja, sobre a existência ou não de uma ameaça de ruína, só seria admissível a revista se estivessem em causa as questões referidas no art. 150º, 4º do CPTA, e não é o caso.

Por outro lado, o TCA Norte explicitou e fundamentou as razões porque entendeu não estar provada a situação de facto que desencadeava o dever do Município intervir, nem evidencia qualquer erro manifesto de interpretação das regras jurídicas sobre apreciação da prova.

4. Decisão

Face ao exposto, não se admite a revista.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 22 de Setembro de 2016. – São Pedro (relator) – Vítor Gomes – Alberto Augusto Oliveira.