Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0573/14
Data do Acordão:01/14/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ADMISSIBILIDADE
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
Sumário:Em matéria contra-ordenacional tributária não há lugar a recurso de revista excepcional, pois que as disposições do CPTA lhes são, em razão da matéria, legalmente inaplicáveis e a lei aplicável não prevê esta espécie de recurso, pelo que este é legalmente inadmissível, impondo-se a respectiva rejeição.
Nº Convencional:JSTA000P18435
Nº do Documento:SA2201501140573
Data de Entrada:05/21/2014
Recorrente:A...., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1 – Não se conformando com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12 de Dezembro de 2013, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara improcedente o recurso judicial do despacho do Chefe de Finanças de Lisboa 8 que lhe aplicara uma coima de €10.414,75 pela prática de infracção fiscal prevista e punida nos artigos 26.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA e 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT, veio a A…….., S.A., interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, concluindo as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

I. O presente recurso visa obter a revogação do douto Acórdão recorrido que não concedeu provimento ao recurso que, nos termos do art. 80.º do RGIT, a ora recorrente interpôs no sentido de ser revogada a decisão do Senhor Chefe do Serviço de Finanças que lhe aplicou a coima no processo de contra-ordenação.
II. A decisão de qualquer procedimento tributário deverá ser sempre fundamentada, ainda que por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, cfr. art. 77.º da LGT, in casu, também não se verificou que o auto de notícia contivesse os elementos de facto e de direito suficientes para instruírem o processo de decisão contra-ordenacional sub judice, a não observância do preceituado no art. 77.º da LGT é só por si susceptível de conduzir à anulação do acto, por vício de forma.
III. O direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados na CRP (art. 268.º).
IV. Ademais, como resultou da prova testemunhal produzida em audiência, aquando da recepção do referido auto, não foi possível à recorrente percepcionar a que se reportava a cobrança titulada pelo auto de notícia, tendo para o efeito, de se deslocar ao SF 8, facto que ficou provado pelas declarações da testemunha que identificou o próprio documento, não é admissível que o notificando tenha de se deslocar aos serviços administrativos a fim de completar a informação essencial, relativamente aos autos de contra ordenação, contra ele movidos.
V. Assim, o auto de contra ordenação é nulo, por falta de identificação do acto, bem como, omissão de fundamentação de facto e de Direito, face ao exposto, a coima aplicada deveria ter sido declarada nula, por falta de fundamentação de facto e de direito do acto recorrido judicialmente, facto que suscitamos junto deste Tribunal ad quem, pois que, laborou em erro o Tribunal a quo ao obliterar tal circunstância.
VI. E a falta de fundamentação é tanto mais grave que, para além dos elementos omitidos na própria descrição dos factos, acresce ainda a omissão da tipificação contra ordenacional, cfr. art. 63.º/1 e 79.º RGIT.
VII. As entidades administrativas devem expressamente especificar a natureza jurídica das contra-ordenações tributárias, a qual vem determinada em função da moldura aplicável, em abstracto, a fim de elencar o cúmulo jurídico de sanções, quer a título principal e/ou acessório.
VIII. Pelo que, atento e exposto, e salvo melhor opinião, encontramo-nos perante uma nulidade insanável, por vício de forma, uma vez que viola direitos, liberdades e garantias fundamentais dos contribuintes, cfr. art. 32º/1 e 10 da CRP.
IX. In casu foi violada uma trave mestra do nosso ordenamento jurídico – princípio da tipicidade – cfr. Art. 32.º da CRP, encontramo-nos perante um vício de forma insanável que, em consequência, acarreta a nulidade processual dos despachos de aplicação das coimas in casu à ora recorrente, em sede de procedimento administrativo, bem como, em sede de recurso judicial, conforme sentença recorrida.
X. Face ao auto endereçado ao recorrente resulta que o destinatário médio não consegue percepcionar a integralidade do procedimento contra ele movido, sendo que, in casu suscitamos a existência de nulidade, por falta de fundamentação de facto e de direito, omissão de elementos essenciais, bem como, violação do princípio da tipicidade.
XI. de resto, na própria decisão administrativa resulta indicado pela AT que a recorrente não praticou actos de ocultação, pelo que, nunca a recorrente procurou locupletar-se a qualquer verba devida ao Fisco, tendo um benefício económico nulo.
XII. Sendo certo que, a situação económica e financeira foi, pela AT identificada como desconhecida, facto com o qual não podemos concordar, uma vez que, a recorrente procede a várias declarações tributárias a que está obrigada, sendo que, em virtude de tal facto a AT é conhecedora da sua situação contabilística, não podendo indicar que desconhece tal situação.
XIII. E tal circunstância não é admissível, considerando o enquadramento legal vigente, pois que, cfr. art. 60.º da LGT, os contribuintes têm o direito de participar na formação das decisões que lhes digam respeito, o que ficou prejudicado in casu.
XIV. Ademais, cfr. art. 7.º e 8.º da LGT, a tributação favorecerá a economia devendo ser salvaguardada a competitividade e capacidade contributiva, estando a actuação da AF espartilhada pela legalidade, não podendo sem qualquer apoio ou suporte fáctico vir cobrar ao contribuinte o pagamento de montantes calculados com base em realidades que alega desconhecer.
XV. Releve-se a importância do conhecimento da situação económica e financeira do contribuinte, pois que, inexistindo, como inexiste actos de ocultação, não há justificação para que a AT invoque desconhecer as condições do contribuinte, pois que, se a AT, sendo como é uma Autoridade Tributária, não conhece a situação económica dos contribuintes, nenhuma outra entidade poderá conhecer tais elementos.
XVI. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributária e do tributo – artigo 77.º, n.º 2 LGT, disposição que se encontra violada no caso vertente.
XVII. O procedimento sub judice encontra-se inquinado de vício de falta de fundamentação e nulidade por violação dos arts. 191.º, 194.º, 195.º e 196.º, do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º CPPT e 60.º e 77.º da LGT.
XVIII. Nem foi dado cumprimento ao disposto no artigo 90.º n.º 1 da LGT, na medida em que, não houve tentativa de aproximação, o mais possível, da realidade do sujeito passivo, apurado com base nas práticas comerciais correntes, no sector de actividade do recorrente.
XIX. E assim, laborou em erro a sentença recorrida, pois que, foi violado o art. 63.º, n.º 1 do RGIT, al. b), por falta de elementos essenciais da infração, al. d) por falta de notificação completa do recorrente, bem como, falta dos requisitos legais da decisão de aplicação da coima, bem como, art. 79.º, al. b) e c) RGIT.
XX. Ora, in casu como supra referimos a graduação da coima não foi correctamente efectuada, tanto mais que, a AT nem ponderou as concretas circunstâncias do contribuinte, pese embora, tais informações constem dos seus registos, com efeito, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a referida decisão de aplicação da coima é nula, dado que não observa o disposto no art. 79.º do RGIT.
XXI. Na verdade, a dita decisão não descreve, de forma concreta e rigorosa, ainda que sumariamente, os factos que a arguida, ora recorrente, por acção e por omissão, terá praticado, não refere com clareza os preceitos legais que rigorosa e correspondentemente preveem e punem esses eventuais factos, nem indicação do imposto, não atende à situação económica e financeira da ora recorrente, visto que nada de concreto menciona a esse respeito, limitando-se a referir que é “desconhecida”.
XXII. Também não indica porquê e como foi apurado o valor correspondente à coima aplicada, assim, deve ser declarada a nulidade da decisão recorrida, com as legais consequências, pois que, o douto acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto no art. 79.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
XXIII. Quanto ao art. 32.º RGIT, salvo melhor entendimento, pugnamos estarem verificados os requisitos das alíneas do n.º 1 do referido artigo, bem como o n.º 2 da mesma norma que prevê que independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.
XXIV. Como referido pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente determinadas circunstâncias, a saber: a prática da infracção não ocasiona prejuízo efectivo à receita fiscal; mostre-se regularizada a falta cometida; se possa claramente considerar que a falta revela um diminuto grau de culpa – o que se verifica in casu.
XXV. Quanto ao primeiro requisito legal, o mesmo verifica-se de todo, uma vez que da prática da infracção não ocasiona qualquer prejuízo efectivo à receita fiscal, pois a arguida ainda se encontra em prazo para liquidar o imposto que deu causa aos autos de contra-ordenação, ou impugná-lo judicialmente – art. 102.º do CPPT – acrescida dos respectivos juros moratórios.
XXVI. A falta cometida não pode, por natureza, ser regularizada, uma vez que estamos perante uma sanção stricto sensu, sem qualquer correspectividade com o alegado ou hipotético prejuízo financeiro da não liquidação de imposto em dívida e a falta cometida pela recorrente revela manifestamente um diminuto grau de culpa.
XXVII. Assim, verificam-se cumulativamente no caso vertente, todas as alíneas previstas no supra citado artigo.
XXVIII. Ainda que assim não se entenda, o que se concebe sem conceder, sempre se alegará que tem a coima aplicável in casu, de ser reduzida ao mínimo legal, uma vez que se encontra integralmente regularizada a situação tributária.
Termos em que, com os mais de direito, doutamente supridos por Vossas excelências se requer a revogação do Acórdão recorrido e absolvição da recorrente da coima aplicada, só assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!


2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
A recorrente vem interpor recurso de revista do acórdão do TCAS, de 12 de Dezembro de 2013, exarado a fls. 160/172, que, negando provimento ao recurso, manteve a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa.
A recorrente termina a motivação com as conclusões de fls. 192/194, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 412.º, 417.º/3 e 420.º/1/c) do CPP e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais.
O presente recurso deve ser liminarmente rejeitado, por legalmente inadmissível.
De facto, apenas é admissível recurso excepcional de revista para o STA de decisões proferidas em segundo grau de jurisdição, no contencioso administrativo (e tributário), verificados que se mostrem os requisitos referidos no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais administrativos (CPTA).
Ora, no caso em apreciação estamos perante um processo de contra-ordenação, em que o regime de recursos jurisdicionais é o que resulta do artigo 83.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), e dos artigos 74.º e 75.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), com aplicação subsidiária do Código de Processo Penal (CPP), artigos 399.º a 448.º (Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, 4.ª edição 2010, Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, anotações ao artigo 83.º)
Na verdade, nos termos do disposto no artigo 83.º do RGIT, da decisão do Tribunal Tributário de 1.ª instância, apenas cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo ou, directamente, para o STA se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de direito.
Da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferida em sede de processo de contra-ordenacional, não há, manifestamente, recurso de revista para o STA.
Termos em que, por ser legalmente inadmissível, deve rejeitar-se o presente recurso de revista.

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público e para querendo, se pronunciarem sobre suscitada inadmissibilidade do presente recurso de revista (fls. 213 a 215 dos autos), veio a recorrente responder, nos termos de fls. 219/220, pugnando por que o recurso deverá ser admitido, pois que conforme disposto no art. 150.º do CPTA, in casu, a questão material controvertida sob a qual se requereu o exercício do douto crivo judicial tem como fundamento a violação de lei substantiva e processual, vide n.º 2 da norma supra citada e a questão suscitada nestes autos contende com direitos fundamentais (…) estando em causa questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e defesa dos direitos fundamentais dos contribuintes.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

5 – O presente recurso foi interposto pela recorrente como recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o cabeçalho das alegações, a fls. 184 dos autos) e admitido pelo juiz relator no TCA-Sul sem prejuízo do disposto no artigo 150.º/5, do CPTA (cfr. despacho de admissão de fls. 205 dos autos), sem que a recorrente ou o juiz “a quo” justifiquem minimamente, ou sequer questionem, a admissibilidade desta espécie de recurso em caso como o dos autos.
Sucede, porém, que em matéria contra-ordenacional, não há lugar a recurso de revista excepcional, pois que as disposições do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) lhes são, em razão da matéria, legalmente inaplicáveis, e a lei aplicável – o Regime Geral das Infracções Tributárias (artigos 83.º a 86.º do RGIT) e subsidiariamente o Regime Geral das Contra-Ordenações e o Código de Processo Penal (cfr. os artigos 3.º alínea b) do RGIT, 74.º e 75.º do RGCO e 399.º e seguintes do CPP) não prevê esta espécie de recurso, pelo que tal recurso é legalmente inadmissível, impondo-se, sem mais, a respectiva rejeição, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos e supra transcrito.

Assim, e sem mais delongas, impõe-se rejeitar o recurso deduzido, por legalmente inadmissível, já que não cabe recurso de revista para o STA de decisões proferidas pelo TCA em matéria de contra-ordenações tributárias.

- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em rejeitar o presente recurso, por legalmente inadmissível.

Custas do incidente pela recorrente, que se fixam em 1 UC.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2015. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Casimiro Gonçalves - Dulce Neto.